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REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
UNIÃO DE FACTO
Sumário
O conceito de agregado familiar ínsito na Lei 75/98, de 19 de Novembro e respectivo diploma regulamentador, DL 164/99, de 13 de Maio abrange a comunidade constituída pelo menor alimentando, sua mãe (a cuja guarda foi confiado) e o companheiro desta, em união de facto, para efeitos de cálculo da capitação de rendimentos do respectivo agregado.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na presente acção de regulação do exercício do poder paternal intentada pelo Digno Curador de Menores junto do Tribunal de Alcobaça, em representação do menor A, contra os pais deste B e C, foi homologado por sentença o acordo segundo o qual o menor ficava entregue à guarda e cuidado da mãe e o pai contribuiria mensalmente com a quantia de 15.000$00, a entregar à mãe, por depósito bancário.
O pai do menor nunca cumpriu esta obrigação alimentar, desconhecendo-se em absoluto a sua situação económica, razão porque, a requerimento do Digno Curador, foi fixada, ao abrigo da Lei 75/98, de 19 de Novembro, a prestação de 75 Euros mensais a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, considerando-se que a capitação do rendimento auferido pela mãe do menor - 66.210$00 de subsídio de desemprego - era inferior ao salário mínimo nacional, no valor, à época, de 348,01 Euros.
No entanto, a Relação de Coimbra, concedendo provimento ao agravo interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, revogou essa decisão, com o fundamento de que, estando o menor e a sua mãe integrados no agregado familiar de que também faz parte o companheiro com ela convivente em união de facto, o rendimento deste (200.000$00/mês) também entra na referida e legal capitação, tornando-a superior ao salário mínimo nacional.
Deste acórdão recorreu, com o presente agravo, o Digno Agente do Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1. O conceito de agregado familiar expresso no artigo 3º, nº 2 do DL nº 164/99, de 13 de Maio, integra um conceito estrito de família, de acordo com as fontes de relações familiares previstas no artigo 1576 do Código Civil.
2. Não abrange, pois, situações como as denominadas uniões de facto, como é o caso da materialidade factual dos autos.
3. O fundo deve, pois, assegurar o pagamento da prestação de alimentos relativa ao menor;
4. No acórdão recorrido perfilha-se uma interpretação alargada do aludido conceito de agregado familiar, nele se comportando, também, as uniões de facto.
5. Com esta interpretação violou-se, in casu, o disposto nos artigos 1º da Lei 75/98, de 19 de Novembro e 3º, nºs 1, al. b) e 2 do DL 164/99, de 13 de Maio.
O agravado IGFSS contra-alegou, defendendo o improvimento do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
A questão a resolver é meramente de direito -- e só por isso foi admitido o recurso, atento o disposto no nº 2(a contrario) do artigo 1411 do Código de Processo Civil --, traduzindo-se em apurar se a expressão agregado familiar constante do nº 2 do artigo 3º do DL 164/99, de 13 de Maio deve ser interpretada no sentido estrito e rigoroso em respeito absoluto pelo conteúdo do disposto no artigo 1576 do Código Civil, ou no sentido mais amplo por forma a abranger outros conceitos de família, decorrentes da evolução sociológica, como é o caso da união de facto.
Evidentemente que a união de facto - pese embora a crescente e justificada protecção de que tem sido alvo por parte do legislador - não se pode equiparar ao casamento, pois daquela não decorrem os deveres e os efeitos exclusivos deste.
Tal não impede, porém e como ensina Pereira Coelho, RLJ, ano 120-82 e sgs., que a união de facto se qualifique como relação de família, embora de conteúdo incomparavelmente mais pobre que a relação matrimonial, sendo certo que, por isso e na fase actual do nosso direito, se não deva considerar com tal cariz para a generalidade dos efeitos.
Daí que os efeitos gerais do casamento não sejam extensivos à união de facto, sob pena de eventual violação do principio constitucional da «protecção ao casamento», consagrado no artigo 36, nºs 1 e 2 da nossa Lei Fundamental - loc cit., página 84.
Daí também que, quando o legislador resolve intervir na área da união de facto, o faz sempre de uma forma específica e rigorosamente delimitadora.
Como exemplo recente e confirmativo disto aí temos a recente Lei 7/2001, de 11 de Maio, a estabelecer, para as situações de união de facto, várias medidas de protecção.
Contudo, a realidade sociológica da união de facto não é, nem pode ser exclusivamente atendida nos casos em que o legislador entenda especificamente regulá-la, dela fazendo decorrer efeitos - uma vezes favoráveis, outras desfavoráveis - para os sujeitos da respectiva relação.
Há casos em que a união de facto é considerada, de uma forma apenas reflexa ou implícita, como uma das reais fontes de relações típicas da família, entendida esta, não no sentido técnico e estrito, mas no sentido amplo e abrangente de todo o agregado onde se verifica uma comunhão de vida - afectiva e económica, com relevância para esta vertente.
Como salienta o referenciado ilustre Professor de Coimbra, na citada anotação, a família constitucionalmente protegida (artigo 67 da nossa Lei Fundamental) não é só a do casamento, mas ainda a natural, a adoptiva e ainda a união de facto - se bem que esta última tenha «um conteúdo incomparavelmente mais pobre que a relação matrimonial».
Nem a tanto fará obstáculo, continua o mesmo Mestre, «o disposto no artigo 1576º do Código Civil, pois o elenco das relações familiares constante deste preceito, que mantém a redacção de 1966, poderá considerar-se alterado pela evolução legislativa e jurisprudencial posterior.» (loc.cit., pág.82).
Por isso que o conceito de agregado familiar empregue em muitos diplomas legislativos, designadamente no campo do direito de segurança social, deva ser entendido no sentido mais amplo e menos técnico acima explicitado.
Como é o caso que nos ocupa.
Nos termos do artigo 1º da Lei nº 75/79, de 19 de Novembro, quando há incumprimento por parte da pessoa obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional, o Estado assegura as prestações previstas no diploma, até que se verifique o cumprimento, quando:
a)- o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional;
b)- nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
E nos termos do nº 2 do artigo 2º da mesma Lei, o montante da prestação garantida pelo Estado é determinado judicialmente, atendendo, entre outros factores, à capacidade económica do agregado familiar.
Por sua vez, o diploma regulamentador desta Lei - o DL 164/99, de 13 de Maio - define autenticamente o pressuposto supra alineado em b) pela seguinte forma:
«Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.».
Ora, é inquestionável, que o conceito de agregado familiar utilizado nestas normas só pode ser entendido com a amplitude que temos vindo a referir e não com o rigor estrito e técnico pretendido pelo recorrente.
A lei abstrai da fonte donde brota o agregado familiar.
O que releva para o fim pretendido é a capacidade económica desse núcleo de pessoas ligado entre si, de que faz parte a pessoa a cuja guarda se encontra o menor e onde este também foi integrado.
Donde e também que, no caso de o menor alimentando ser confiado à guarda de terceiro, ao qual não o ligue qualquer das relações jurídicas familiares a que alude o artigo 1576 do Código Civil, o respectivo agregado familiar não possa deixar de ser considerado para o efeito em apreço.
Conclui-se, desta forma, que o acórdão sob recurso fez a interpretação correcta do conceito de agregado familiar constante das normas legais supra analisadas.
DECISÃO
Pelo exposto decide-se negar provimento ao agravo.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Maio de 2003
Ferreira Girão
Luís Fonseca
Eduardo Batista