REGISTO PREDIAL
REGISTO PROVISÓRIO
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Tramitação processual.
"A" e sua mulher, B, requereram na Conservatória do Registo Predial de Ourém o registo provisório de aquisição das fracções H, I, L, M, AP, AR e BN, do prédio em propriedade horizontal, descrito naquela Conservatória sob o número 04124, freguesia de Fátima: Apresentação 08/971119, ou seja, nº 8, de 19/11/97.
Tal aquisição foi registada como provisória por natureza, nos termos do artº. 92, nº. 1, g) do Código de Registo Predial (doravante CRP, Diploma a que pertencem todas as disposições referidas sem indicação de origem).
Em 29/05/98, os mesmos requereram a conversão do registo provisório em registo definitivo.
O Sr. Conservador recusou a conversão, por o registo provisório ter caducado, nos termos dos artº. 68º e 69º, nº. 2 do CRP.
Os requerentes reclamaram para o Sr. Conservador, que manteve a recusa e depois hierarquicamente para o Director Geral de Registos e Notariado, que, após parecer do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e Notariado (DGRN), igualmente indeferiu a reclamação.
Após o que recorreram contenciosamente para o Tribunal de Comarca, que concedeu provimento ao recurso e ordenou a conversão do registo, por não caducado.
Recorreu o Conservador para a Relação de Coimbra, que revogou a decisão e confirmou o despacho do Sr. Conservador.

O recurso.
Recorrem de novo os requerentes, agora de agravo, para este Supremo Tribunal - recurso admissível por se tratar de processo pendente à data da entrada em vigor do DL 375-A/99, que deu nova redacção ao artº. 147º, nº. 3 do CRP.
Alegando, concluíram como consta de fls. 131 e 132, e a isto se reduz: considerando o disposto nos artº. 11º, nº. 3, 71º, nº. 1, 75º, nº. 1, 77º e 92º do CRP, e o disposto no artº. 329º do CC, o prazo de caducidade do registos provisórios (6 meses) começa a contar-se 15 dias após o requerimento (apresentação) do registo, pois só nesse momento os interessados podem exercer o seu direito.
O Conservador contra-minutou em apoio do decidido na Relação.
O MP na Relação de Coimbra foi da idêntica opinião.

Questão posta.
A questão basilar posta é a de saber quando se começa a contar o prazo de vigência do registo provisório (seis meses), prescrito no artº. 11º, nº. 3, visto que, findo ele sem que se mostre convertido em definitivo ou renovado, o registo provisório caduca por força da lei: artº. 11º, nºs. 1 e 2.
Dois momentos se questionam aqui:
a) a partir da data da apresentação, por a data do registo ser a data da apresentação (artº. 77º, nº. 1) - como entendeu a Relação e é proposto pelo Sr. Conservador e pelo MP;
b) a partir do 15º dia após a apresentação, por o Conservador ter 15 dias para lavrar o registo, após a apresentação (artº. 75º, nº. 1) e por antes desse momento o direito não poder ser exercido (artº. 329º do CC) - como entendeu a primeira instância e entendem os recorrentes.

Matéria de facto.
Aos factos acima relacionados importa aditar, ou realçar, que:
a) Pela apresentação nº. 08/971119 (portanto, de 19/11/97) o aqui Autor pediu o registo provisório por natureza da aquisição, por compra, das fracções em causa.
b) Tal registo foi feito como provisório por natureza, nos termos do artº. 92º, nº. 1, g) do CRPredial (ou seja: um registo de aquisição antes de titulado o contrato).
c) (Os recorrentes dizem que tal registo foi lavrado em 03/12/97, mas não vemos nos autos donde se possa extrair isso com segurança).
d) Pela apresentação nº. 13/980529 (portanto, de 29/05/98), foi requerida a conversão em definitivo de tal registo provisório, instruindo-se o pedido com escritura de 06/05/98.
e) Tal requerimento foi recusado pelo Sr. Conservador, por despacho de 15/06/98, com fundamento em o registo provisório ter já caducado, nos termos do artº. 11º, nº. 3 do CRP.
f) De facto, em 25/05/98, o Sr. Conservador tinha anotado ao registo a caducidade do registo provisório.
Tudo consta dos documentos juntos: certidões de fls. 36 a 42 e 59 a 60.

Apreciação.
Antes de mais, note-se que aplicável é o CRP aprovado pelo DL 224/84, de 6 de Julho, com as alterações introduzidas pelos DL 355/85, 60/90, 80/92, 30/93, 255/93, 227/94, 267/94 e 67/96 - mas já não as introduzidas pelos DL 375-A/99, 533/99 e 273/01. Na realidade, além das normas de direito transitório que estes Diplomas contêm, os factos relevantes ocorreram em 1997 e 1998: artº. 12º do CC.
A Relação adoptou o seguinte entendimento, no trilho do Parecer do Conselho Técnico da DGRN proferido no âmbito do processo de reclamação hierárquica e junto por certidão aos autos.
Conforme artº. 77º do CRP, a data do registo é a data da apresentação dos documentos (ou, se desta não dependerem, a data em que o registo foi lavrado). No nosso caso, o registo dependia de documentos (declaração do transmitente), pelo que a data do registo é a data da apresentação: 19/11/97.
Lavrado o registo como provisório por natureza, nos termos do artº. 92º, nº. 1, g) do CRP, ele é de 19/11/97, pelo que o prazo de caducidade do artº. 11º, nº. 3 (seis meses) se começa a contar da data do registo, pelo que, quando a conversão foi pedida, em 29/05/98, já o registo provisório caducara pelo decurso do dito prazo de seis meses. O prazo de caducidade do registo provisório coincide com o seu prazo de vigência, consequentemente, o prazo de caducidade começa e acaba quando começa e acaba o respectivo prazo de vigência: começa na data do registo e acaba seis meses depois dele.
Este é o raciocínio fundamental.
A que tanto o Conselho técnico da DGRN como a Relação aditam outro, instrumental ou complementar daquele.
Assim, haverá, quanto ao início do prazo de caducidade do registo provisório, que distinguir entre registo provisório por dúvidas e registo provisório por natureza:
a) quanto ao registo provisório por dúvidas, e aos casos de recusa de registo, feitos para além do prazo legal (de 15 dias: artº. 75º, nº. 1), a lei manda notificar os interessados no prazo de cinco dias (artº. 71º, nº. 1) - o que bem se compreende porque a recusa do registo ou o registo provisório podem constituir uma surpresa para o requerente, que com ele provavelmente não contaria. Então, compreende-se que o prazo de caducidade do registo provisório (por dúvidas) só se comece a contar da notificação que a lei manda fazer, havendo até então como que uma suspensão ou dilação no processo registral. [Neste sentido, versando o registo comercial, mas transponível para o registo comercial, o acórdão deste STJ de 17/04/97, na CJ/STJ, ano V, tomo II, 50].
b) Mas o mesmo não sucede no caso de registo provisório por natureza, onde o requerente já sabia, ou devia saber, que o registo seria lavrado como provisório (até porque é requerido em impresso próprio), motivo por que a lei não manda fazer notificação alguma e o prazo de caducidade começa por isso a correr na data da apresentação: artº. 77º, nº. 1 e 11º, nº. 3, afastando-se por isso a regra do artº. 329º do CC, não havendo assim qualquer suspensão do prazo de caducidade dos registos provisórios.

Cabe apreciar.
A primeira constatação a fazer é esta: a lei fixa o prazo de vigência do registo provisório em seis meses (regra geral do artº. 11º, nº. 3), findo o qual o registo provisório caduca, por força da lei (artº. 11º, nºs. 1 e 2), mas não nos diz quando começa a correr tal prazo de vigência (e portanto de caducidade) de seis meses.
Daí que esta questão se deva resolver por interpretação das normas legais pertinentes e esta deva fazer-se na suposição de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados: artº. 9º do CC.
Assim, desde logo e linearmente, o artº. 329º do CC: se a lei não fixar outra data, o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.
A teoria que, para efeitos de contagem do prazo de caducidade dos registos provisórios, faz distinção entre registo provisório por dúvidas e o registo provisório por natureza tem alguma razão de ser, mas não nos satisfaz plenamente.
E isto porque um registo pedido como provisório por natureza também tem as suas vicissitudes: de facto, pode ele ser recusado (se não ocorrer nenhuma das condições típicas previstas na lei: artº. 69), como pode ser realizado como provisório também por dúvidas (como, por exemplo, se a apresentação contiver deficiências, irregularidades ou inexactidões, que não justifiquem recusa de registo, mesmo como provisório: artº. 70º). No sentido de que a inscrição pode ser simultaneamente por natureza e por dúvidas, ver José Oliveira Ascensão, Direitos Reais, edição de 1971, 387, e Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, 2001, 107, bem como o artº. 178º, nº. 3 do CRP de 1967, cuja doutrina, porque se traduz na definição de conceitos, nada nos indica não continue a ser aplicável na pendência do CRP de 1984, sem embargo de expressamente não o dizer.
Assim, um registo pedido como provisório por natureza, tanto pode ser recusado, como pode ser feito como provisório também por dúvidas. E, em qualquer desses casos, se feito para além do prazo de 15 dias que a lei fixa para a sua feitura (artº. 75, nº. 1), deve o interessado ser notificado, da recusa ou da feitura como provisório também por dúvidas (artº. 71º).
Coerentemente, a lei manda contar o prazo para a reclamação da qualificação feita pelo Conservador do termo do prazo para o registo, ou da notificação a que se refere o artº. 71º, nº. 1: artº. 141º, nº. 2, na redacção, aplicável, anterior ao DL 533/99.
[A partir do DL 533/99, como dissemos não aplicável ao nosso caso, os despachos de recusa e de inscrição provisória por dúvidas devem ser notificados sempre, mesmo portanto que lançados dentro do prazo de 15 dias para a sua feitura: artº. 71º, nº. 1, na versão do DL 533/99].
Isto parece revelar que a intenção da lei é que, enquanto se estiver dentro dos 15 dias que a lei fixa para a feitura dos registos, ou enquanto não houver qualquer notificação de recusa ou de registo provisório por dúvidas, não há nenhum prazo a correr.
Assim, se a lei não fixar outra data, como é o caso, o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido: artº. 329º do CC - disposição que não podemos deixar de aplicar aqui, porque a lei não dispõe sobre o início do prazo de caducidade, mas só sobre a sua duração.
Doutro modo, a incerteza do interessado era demasiado grande: sabendo-se que em muitas Conservatórias os registos se encontram atrasadíssimos, de muitos meses, se o prazo da caducidade devesse começar a contar-se da apresentação, o prazo de vigência do registo provisório, que a lei fixou em seis meses, poderia na prática ficar reduzido a muito menos: se o Conservador lavrasse o registo ao fim de um mês, o prazo de caducidade ficava reduzido a cinco meses; se o lavrasse ao fim de cinco meses, ficava reduzido a um mês; se o lavrasse na véspera dos seis meses, ficava reduzido a um dia. Ora, não podemos deixar de respeitar a incolumidade dos prazos de caducidade: os prazos dentro dos quais um direito deve ser exercido são postos também em benefício dos titulares do direito.

Por outro lado, a Relação, na esteira do Parecer do Conselho Consultivo da DGRN, parece ter feito uma indevida ligação entre o artº. 77º, nº. 1, onde se prescreve que a data do registo é a data da apresentação dos documentos (ou a data em que foram feitos, se não dependerem de documentos), e o artº. 11º, onde se prescreve sobre a caducidade do registo provisório.
Mas não parece que deva fazer-se tal linear aproximação.
O preceito do artº. 77º, nº. 1, onde se diz qual é a data do registo, tem a ver directamente com o princípio da instância, do artº. 41º, e sobretudo com o princípio da prioridade do registo, do artº. 6º: o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos, e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações (nº. 1); e o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório (nº. 3) (é o que se tem chamado "reserva de lugar": Ascensão, 388).
Dificilmente o registo será lavrado na data em que é pedido. Mas, como a prioridade é um dos aspectos de maior relevância do registo, é para efeitos de prioridade que importa especialmente fixar a data do registo: o registo tem data do dia em que é pedido (apresentação), e que não é necessariamente o dia em que é lavrado (cf. os artº. 77º, nº. 1 do CRP de 1959 e 76º, nº. 1 do CRP de 1967).
Isto que se diz da data do registo não tem directamente a ver com a caducidade, que é o prazo dentro do qual o direito deve ser exercido e por isso que só pode começar a correr quando legalmente o direito puder ser exercido: artº. 329º do CC. E o direito [neste caso, de converter a inscrição provisória em definitiva] não pode ser exercido, sem que tenha sido feito o registo provisório: enquanto um registo provisório não está feito não tem sentido requerer-se a sua conversão em definitivo (o que poderá logo é requerer-se o registo definitivo - para o que não há que falar em prazo de caducidade); se o registo provisório for recusado, ou for feito como provisório (só ou também) por dúvidas, não tem sentido requerer a sua conversão em definitivo, sem que tenha o interessado sido notificado da recusa ou do registo provisório (só ou também) por dúvidas.
[Note-se a evolução legislativa: primeiro, a recusa do registo ou a sua feitura como provisório por dúvidas devia ser notificado apenas se feito fora do prazo de 15 dias; com DL 533/99, reconhece-se que não havia razão para distinguir se o registo tinha sido lavrado dentro ou fora daquele prazo. A notificação deve passar a fazer-se sempre: artº. 71º do CRP].
Este aspecto - a data do registo tem a ver com a prioridade e não com a caducidade - foi também posto em relevo pelo acórdão deste STJ de 17/04/97, que vimos referindo (loc. cit., 52, coluna 2).

Há outra ponderação a fazer aqui: a evolução legislativa, relativamente ao preceito do artº. 11º do CRP: CRP de 1959 (DL 42.565, de 08/10/59), CRP de 1967 (DL 47.611, de 28/03/67) e CRP actual (DL 224/84, de 06/07).
A tese que fez vencimento na Relação ainda teria algum apoio literal nos textos (artº. 11º) dos CRP de 1959 e de 1967, na medida em que aí se dizia que "salvo disposição em contrário, o registo provisório que, no prazo de 180 dias (ou de seis meses), contados da sua data, não for convertido em definitivo ou renovado, caduca de direito (ou automaticamente)", sendo que nos artº. 77º, nº. 1 (do CRP de 1953) e 76º, nº. 1 (do CRP de 1967) se dizia que "a data do registo é, para todos os efeitos legais (...) a da respectiva apresentação e por ela se determinará a prioridade do facto registado".
No entanto, o CRP de 1984 introduziu, além de outras muito importantes, várias modificações ao nível doutrinário, designadamente nesta matéria, passando a dizer que os registos caducam por força da lei ou pelo decurso do prazo de duração do negócio; que os registos provisórios caducam se não forem convertidos em definitivos ou renovados dentro do prazo da sua vigência; que é de seis meses o prazo de vigência do registo provisório.
Portanto, deixou de falar-se em 180 dias (ou 6 meses) a contar da data do registo provisório, passando a falar-se em prazo de vigência do registo provisório. Ora, um registo provisório, como qualquer outra coisa, só pode vigorar (estar em vigor) depois de feito, efectiva ou presumidamente feito.
Desta forma, se os CRP de 1959 e de 1967 ainda poderiam conferir alguma base literal (embora apenas literal) à tese da DGRN e da Relação, o CRP de 1984, aqui aplicável, já não o concede: o prazo de caducidade do registo provisório é o prazo da sua vigência, que não pode iniciar-se enquanto não for lavrada a respectiva inscrição - o que se concilia perfeitamente com o comando do artº. 329º do CC quanto ao início do prazo de caducidade.
Concluímos assim que os seis meses se contam, ou da data em que o registo provisório foi efectivamente lavrado, ou da data em que se presume lavrado (15 dias após a apresentação), se não houve antes notificação de recusa ou de registo provisório por dúvidas.
Como no nosso caso não houve qualquer notificação (artº. 71º, nº. 1, na redacção anterior ao DL 533/99), para efeitos de contagem do prazo de caducidade, o registo presume-se feito no 15º dia posterior à apresentação (embora a sua data retrotraia à data da apresentação).
Se não fosse assim, melhor seria que a lei o tivesse dito, pois a regra é que, quando a lei estabelece um prazo de caducidade (ou de prescrição), diz a partir de quando ele se deve contar.

De tudo parece resultar:
a) Para efeitos de contagem do prazo de caducidade de um registo provisório, não há que distinguir entre registo provisório por dúvidas e registo provisório por natureza.
b) Em ambos os casos, o prazo de caducidade começa a contar-se: da data em que o registo foi efectuado, se dele houve notificação ao interessado; do 15º dia posterior à apresentação, se não houve notificação, por então o registo se presumir feito dentro desse prazo.
O que quer dizer que a doutrina do acórdão de 17/04/97, traçada para o registo provisório por dúvidas, acaba por ser aplicável também ao registo provisório por natureza, porque também este pode ser recusado ou feito também por dúvidas.

Conclusão.
No nosso caso, os quinze dias posteriores à apresentação terminaram em 04/12/97 (15º dia posterior a 19/11/97), pelo que o prazo da caducidade, de seis meses, expirou apenas em 04/06/98.
Pelo que, quando a conversão foi pedida em 29/05/98, o registo provisório não tinha ainda caducado.
Procede o recurso.
Foram indevidamente interpretadas as normas dos artºs. 11º, 75º e 77º do CRP, bem como inaplicada a do artº. 329º do CC.

Decisão.
Pelo exposto, acordam em dar provimento ao agravo e assim em revogar o douto acórdão recorrido, ficando a valer o decidido na primeira instância.
Sem custas.

Lisboa, 3 de Junho de 2003
Reis Figueira
Barros Caldeira
Faria Antunes