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ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
BENS PRÓPRIOS
BENS COMUNS DO CASAL
COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
Sumário
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"A", instaurou acção de despejo contra B, C, D, E e F, que foi julgada procedente, com a consequente resolução do contrato de arrendamento comercial relativo a uma loja e andar do prédio urbano sito na Rua de S. Francisco , nºs .... a ...., freguesia de S. Nicolau, na cidade do Porto, inscrito na respectiva matriz sob o art. 114 e descrito na Conservatória sob o nº 31604, onde estava instalado o estabelecimento comercial de casa de pasto e restaurante, que foi adquirido por trespasse, em 30 de Novembro de 1988, pelo preço de 2.500.000$00, pela ré B e por G.
Requerida a execução da sentença e ordenada a passagem do mandado de despejo, antes deste ser cumprido, veio F, marido da sobredita ré B, por apenso, deduzir embargos de terceiro, em 8-6-98, com função preventiva, sustentando, em resumo :
- que não foi parte na acção de despejo;
- que o direito ao arrendamento comercial é bem comum do casal, dado estar casado no regime da comunhão de adquiridos com a ré B, desde data anterior ao trespasse, de que faz parte o direito ao arrendamento ;
- que, por isso, a diligência judicial ordenada é ofensiva do seu direito .
Recebidos os embargos, foi ordenada a notificação das partes primitivas para os contestar e determinada a suspensão da execução do despejo .
Os embargos foram contestados .
No saneador, o Ex.mo Juiz conheceu do mérito da questão, julgando procedentes os embargos e ordenando que o embargante fosse restituído à posse do local arrendado .
Apelou a embargada A, mas sem êxito, pois a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 2-12-02, usando do direito de remissão previsto no art. 713, nº5, do C.P.C., negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida .
Continuando irresignada a embargada recorreu de revista, onde conclui pela incomunicabilidade do direito ao arrendamento, pedindo a revogação do Acórdão recorrido, por errada interpretação e aplicação dos arts 351 e 352 do C.P.C., e dos arts 1022, 1031, al. b, 1037, nº2, 1253, al. c) e 1682, nº2, do C.C.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Remete-se para os factos que foram considerados provados no saneador- sentença da 1ª instância, que aqui se dão por reproduzidos e que a Relação decidiu manter, sem qualquer alteração - arts 713, nº6 e 726 do C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se o direito ao arrendamento para comércio ou indústria é bem comum do casal do embargante, comunicando-se como tal, ao cônjuge do locatário, no regime da comunhão de adquiridos, em virtude do respectivo trespasse, a título oneroso, em que interveio a ré B, ter ocorrido em data posterior ao casamento.
Tal questão foi desenvolvida e proficientemente tratada no saneador - sentença da 1ª instância, onde se concluiu pela comunicabilidade do arrendamento comercial ao embargante, solução que a Relação confirmou e que merece o aplauso deste Supremo .
Com efeito, no dia 13 de Abril de 1982, o ora embargante contraiu casamento civil com B, sem precedência de convenção antenupcial.
Por escritura outorgada em 30-11-88, no Cartório Notarial de Espinho, H e marido trespassaram, pelo preço de 2.000.000$00, à indicada B e a G o mencionado estabelecimento comercial de casa de pasto e restaurante, onde também se incluía o direito ao arrendamento.
Tal significa que, no casamento do embargante, vigora o regime supletivo da comunhão de adquiridos - art. 1721 do C.C.
Nesse regime, fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos pelos mesmos, na constância do matrimónio, que não sejam exceptuado por lei - art. 1725.
Ora, o direito ao arrendamento do estabelecimento comercial foi adquirido, a título oneroso, na constância do matrimónio .
E não são exceptuados expressamente da comunhão, por qualquer disposição legal referente ao regime da comunhão de adquiridos, o trespasse do estabelecimento comercial e o direito ao arrendamento para comércio ou indústria, quando a sua aquisição, por qualquer dos cônjuges, tiver lugar durante a constância do casamento, a título oneroso.
Por outro lado, o direito ao arrendamento assume a natureza de coisa móvel (art. 205), sendo certo que no regime da comunhão de adquiridos todos os bens móveis gozam da presunção de comunicabilidade - art. 1725 do C.C..
Aliás, a tese da comunicabilidade é a posição defendida pela melhor doutrina e jurisprudência (Ac. R. Porto de 31-5-90, Col. XV, 3º, 225; Ac. R. Coimbra de 16-6-92, Col. XVIII, 3º, 123; Ac. S.T.J. de 21-12-82, Bol. 322- 338, com Anotação favorável de Antunes Varela, na R.L.J. 119-243 e segs.; Conselheiro Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7ª ed., pág. 567).
Como escreve Antunes Varela, ainda perante os textos do Cód. Civil, (R.L.J. 119-247), - nada custa a reconhecer que a tese da comunicabilidade da posição do locatário, nos arrendamentos comerciais, é realmente, apesar de tudo, a que melhor se ajusta à real fisionomia jurídica da situação.
Não há, nos arrendamentos dessa natureza, o mesmo intuitus personae que existe em regra nos arrendamentos para habitação.
Enquanto nos arrendamentos comerciais, o gozo do imóvel pode transferir-se a todo o momento, quer o dono queira, quer não, para o terceiro a quem o estabelecimento comercial seja trespassado (art. 1118, nº1 do C.C., correspondente ao actual art. 115, nº1 do RAU), no arrendamento para habitação a regra é a de que o locatário não pode ceder a outrem o gozo total ou parcial da coisa, a não ser que o locador previamente o autorize ( arts 1038, al. f) e 1093, nº1, al. f) do C.C., este último correspondente ao art. 64, nº1, al. f) do RAU, actualmente vigente ).
Além disso, pelo valor material, facilmente negociável que assume na vida prática, seja como complemento do estabelecimento comercial, seja como elemento integrante dele, o direito ao arrendamento mercantil constitui um valor acentuadamente patrimonial, que seria injusto, nos regimes da comunhão, subtrair à regra da simultânea titularidade dos cônjuges.
Por isso, pode concluir-se que, nos regimes de comunhão de bens, enquanto o direito ao arrendamento para habitação adquirido por um dos cônjuges constitui, por força do revogado art. 110, nº1 do C.C., hoje substituído pelo art. 83 do RAU, um valor incomunicável, já o direito ao arrendamento para comércio ou indústria, especialmente previsto e regulado nos anteriores arts. 1112 e segs do mesmo Código, actualmente substituídos pelos arts 110 e segs do RAU, representa um valor comunicável, nos regimes da comunhão .
E Antunes Varela reafirma (R.L.J. ano 126-344, nota 2) que já ninguém põe, hoje, em dúvida que o arrendamento para comércio se comunica ao cônjuge do arrendatário, quando assim resulte do regime matrimonial de bens.
A definição dada pelo art. 1251 do Cód. Civil não obsta a que se admita a posse relativamente a certos direitos pessoais ou obrigacionais relacionados com coisas (direitos pessoais ou obrigacionais de gozo de coisas), reconhecendo-se expressamente a sua defesa possessória ao locatário (art. 1037, nº2), ao parceiro pensador (art. 1125, nº2), ao comodatário (art. 1138, nº2) e ao depositário (art. 1188, nº2).
O marido da locatária, contitular do património comum do casal, de que faz parte o direito ao arrendamento do local onde funciona o estabelecimento comercial, é possuidor em nome próprio e, consequentemente, é-lhe lícito defender a sua posse ou composse por meio de embargos .
As alegações e conclusões da recorrente são idênticas às que já produziu perante a Relação.
Todas as questões, então suscitadas, já foram correctamente apreciadas.
Resta apenas acrescentar que, ao contrário do que a recorrente afirma, o trespasse não foi feito por qualquer sociedade, mas antes a favor da ré B e da G, em nome individual .
Por isso, não se mostram violados os preceitos legais invocados, improcedendo as conclusões do recurso.
Termos em que negam a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 3 de Julho de 2003
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Ponce de Leão