REVELIA
FALTA DE CONTESTAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
ROL DE TESTEMUNHAS
NULIDADE RELATIVA
Sumário

I. O artigo 1408°, n°2, do Código de Processo Civil, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de revelia, o réu não é admitido a produzir prova.
II . De qualquer modo nunca poderia ter-se em conta o rol de testemunhas incluído na contestação, apresentada tardiamente, em que fora deduzido um pedido reconvencional.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

1. "A" instaurou a presente acção especial de divórcio litigioso contra B, pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos, com culpa exclusiva do Réu.

A acção foi julgada procedente, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 18 de Dezembro de 2002, confirmado a sentença da 1ª instância.

Inconformado, o Réu recorreu para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:

1. Foram considerados provados os seguintes factos pela prova produzida em audiência:

a) A. e R. têm uma outra filha deficiente e maior (fls.55);

b) O R.., pelo abuso de álcool vem-se tornando violento e conflituoso;

c) Passando a designar a A.. frequentemente de "puta" e acusando-a de ter vários amantes;

d) O que tem feito à frente das filhas;

e) A situação piorou com a promoção profissional da A. para supervisora de limpezas;

f) O R. não presta assistência ao agregado familiar, nomeadamente não acompanha a A. ou as filhas quando estão doentes ao hospital ou ao médico, sendo certo que a filha deficiente carece de assistência médica regular.

2.A convicção produzida em julgamento (... resulta do documento referido e depoimento das testemunhas C, mãe da autora; D, irmã da autora; E, cunhado da autora; F, sobrinha da autora; G e H, colegas de trabalho da autora".

3. A sentença considerou que o autor violou os deveres conjugais de respeito de forma culposa, grave e reiterada, de forma a comprometer a vida em comum e consequentemente a sentença declarou dissolvido o casamento da autora e réu por culpa exclusiva deste.

4. Em 05.04.2001 deu entrada a contestação do Réu a qual foi junta aos presentes autos a fls.33 ss.

5. Juntamente com a sua contestação, o Réu deduziu pedido reconvencional e apresentou o seu rol de testemunhas.

6. O rol de testemunhas do Réu é constituído pelas seguintes testemunhas:

- I, residente na ..., em Lisboa;

- J, residente na Rua ....., em Lisboa;

- L, residente na Rua ... alto dos Moinhos;

- M, residente na Rua ... alto dos Moínhos;

7. Nenhuma destas testemunhas foi notificada nem ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento.

8. O Réu propunha-se fazer prova dos factos alegados na contestação e na reconvenção através da prova produzida em julgamento pelas testemunhas que arrolou;

9. O Réu propunha-se, igualmente, produzir contraprova de factos que foram dados como provados na sentença de fls., de que aqui se recorre, em relação aos quais o Réu disse em contestação:

- "Não é verdade que o R. se tenha tornado violento, cruel ou conflituoso", artigo 3) da contestação;

- "É igualmente falso que o R. seja influenciado pelo álcool, já que o R. não tem, nem nunca teve o hábito de beber álcool", artigo 4° da contestação;

- "O R. não tem por hábito apelidar a A. de "puta", nem a acusou de acompanhar vários homens, como a A. quer fazer passar no art°. 6° da sua p.i. O R. apenas lhe fez saber que tinha conhecimento de que esta andava com outro homem", art°6° da contestação;

- "Não é verdade que o R. deixe a A. desacompanhada no que diz respeito ao problema da sua filha mais velha, o R. sempre deu o apoio que estava ao seu alcance", artigo 10° da contestação;

- "É verdade que o R. não acompanha as filhas ao hospital ou ao médico, mas porque lhe é absolutamente impossível, sob pena de perder o emprego", art°23° da contestação;

- "dado que o R. trabalha como carpinteiro na construção civil, situando-se o seu posto de trabalho fora de Lisboa.", artigo 24° da contestação.

10. Por despacho de fls.53 foi decidido que " a contestação de fls.33 e sgs. foi apresentada muito após o final do respectivo prazo, em 26.03.01. Assim, dou a mesma sem efeito e consequentemente a réplica. Notifique." (cfr. despacho de fls.53).

11. Mais ordena o referido despacho de fls.53: "Transitado este despacho, cumpra-se o disposto no art°1408°, n°2 CPC", (cfr. despacho de fls.53 verso).

12° O rol de testemunhas do Réu havia sido apresentado com a contestação, facto acerca do qual o despacho de fls.53 não se pronunciou;

13. O rol de testemunhas apresentado na contestação de fls. dada sem efeito, consubstancia um requerimento de indicação de prova, independente e autónomo da contestação.

14. Na tramitação processual do processo de divórcio litigioso, o prazo para indicação das provas a produzir em julgamento inicia-se em altura posterior à do prazo para o exercício do contraditório.

15. Nem se pode entender de outra foram, uma vez que a contestação foi julgada extemporânea, mas o prazo para apresentação do rol de testemunhas ainda não começara a correr, polo que não pode estar ferido pela extemporaneidade da contestação.

16. O Código do Processo Civil não prevê qualquer consequência para a apresentação do rol de testemunhas antes do prazo da sua apresentação começar a correr.

17. "A lei processual não proíbe que se antecipem prazos para qualquer efeito que seja", neste sentido, AC.RC de 07.12.19993, BMJ, 432°-440.

18. Assim, o rol de testemunhas foi apresentado em tempo;

19. O despacho de fls.53 que deu sem efeito a contestação do Réu não se pronunciou acerca da tempestividade do requerimento do rol junto à mesma;

20. Não houve qualquer despacho que se pronunciasse acerca da admissão do rol de testemunhas do Réu, junto a fls..

21. O requerimento de indicação da prova testemunhal feita pelo Réu a fls.37 dos autos não foi de todo levado em consideração e ficou completamente esquecido.

22. Em sede de divórcio litigioso, a não contestação pelo Réu não tem o efeito cominatório de confissão dos factos articulados na petição inicial, uma vez (que) estão em discussão direitos indisponíveis, sobre os quais não é admissível confissão.

23. Verifica-se que houve omissão de pronúncia acerca da admissibilidade do rol de testemunhas junto a fls. pelo Réu.

24. Nos termos do disposto no n°1 do artigo 201° do Código de Processo Civil "(... a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, só produz nulidade (...) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na boa decisão da causa".

25. Ora tal omissão influi decisivamente no exame e na boa decisão da causa;

26. Assim, o processo encontra-se ferido de nulidade em virtude da falta de pronúncia acerca da admissibilidade do rol de testemunhas do Réu.

27. O Réu interpôs recurso de apelação da sentença de primeira instância;

28. Também não assiste razão ao acórdão da Relação de Lisboa recorrido.

29. Com a ineficácia da contestação, não podem os restantes actos praticados no seu âmbito perder também eficácia jurídica, apenas por terem sido apresentados em juízo no mesmo suporte material, ou seja, na mesma folha de papel, que a contestação.

30. Não só porque está em causa um rol de testemunhas apresentado antes de se ter iniciado a contagem do prazo para a apresentação do mesmo, razão pela qual não pode ser considerado extemporâneo, mas também por razões de aproveitamento dos actos processuais.

31. Não sendo o momento certo para a apresentação do rol, mas não tendo sequer começado a correr o prazo da mesma, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos actos processuais, tem de se entender que o requerimento a indicar testemunhas está apresentado.

32. Lê-se no acórdão proferido em segunda instância que não o despacho de fls.53 "não salvaguardou qualquer acto praticado com a contestação" (sic).

33. As decisões judiciais têm de ser claras e expressas, e não podem nunca ficar subentendidas.

34. Para se poder entender que o despacho de fls.53 tinha tomado posição acerca de um requerimento autónomo, que é o rol de testemunhas, certo é que se tinha de haver decisão clara e expressa acerca desse requerimento, e não houve.

35. Mais se lê no acórdão recorrido: "Isso mesmo se pode deduzir do disposto no n°2 do artigo 1408° do CPC, que apenas prevê a notificação do autor, para apresentar a prova testemunhal, no caso de a acção de divórcio litigioso não ter sido contestada".

36. O efeito jurídico do desentranhamento dos autos da contestação equivale à não apresentação de contestação, pelo que a interpretação que o acórdão recorrido faz do disposto no n°2 do artigo 1408° do CPC vai contra a lógica processual civil: a contestação fora de prazo equivale à não contestação; tanto há revelia do réu que não contesta, como daquele que contesta fora de prazo.

37. Os efeitos cominatórios atribuídos à contestação extemporânea são os mesmos que são atribuídos à não contestação.

38. Tanto é assim, que o despacho de fls.53 manda notificar o Réu nos termos do n°2 do artigo 1408° do CPC.

39. Não é correcto entender que, verificando-se uma situação de revelia relativa, inoperante por se estar no âmbito de direitos indisponíveis, ao apelante já não assista o direito de produzir prova, o que aliás vai ao completo arrepio da ratio do n°2 do artigo 1408° do CPC.

40. O disposto no n°2 do CPC, é próprio da tramitação processual da acção de divórcio litigioso e especial face ao processo ordinário, por se tratar de um processo em que estão (em) discussão direitos indisponíveis.

41. Assim, o n°2 do artigo 1408° e dá a oportunidade (sic) de, o Réu em situação de revelia relativa, apresentar o seu rol de testemunhas, ou seja, de produzir prova;

42. Verifica-se uma omissão de pronúncia acerca da admissibilidade do rol de testemunhas, apresentado em tempo, e ainda não notificação das testemunhas consequente não audição em sede de julgamento.

43. Estas omissões influem decisivamente no exame e na boa decisão da causa.

44. O processo encontra-se ferido de nulidade, nos termos do disposto no n°1 do artigo 201° do Código de Processo Civil, violando o disposto no artigo 156° do Código de Processo Civil.

2. Deram as instâncias como provados os factos constantes da 1ª conclusão das alegações do Recorrente.

Cumpre decidir.

3. Estabelece o n°2 do artigo 1408°, do Código de processo Civil que "Na falta de contestação, o autor será notificado para, em 10 dias, apresentar o rol de testemunhas, que não poderão o número de oito, e requerer quaisquer outras provas".

Como observa o acórdão recorrido esta disposição só pode ser interpretada no sentido de que, em caso de revelia, o réu não é admitido a produzir prova.

Mas, ainda que fosse possível uma interpretação desta disposição no sentido de que também o réu revel deve ser notificado para apresentar o rol de testemunhas quando a revelia seja consequência da apresentação tardia da contestação, o facto é que a nulidade que teria sido cometida, no caso dos autos, se encontraria sanada. Com efeito, o Réu foi notificado para o julgamento devendo então arguir tal nulidade (artigo 205°, n°1, do Código de Processo Civil).

Considera o Recorrente que a apresentação do rol de testemunhas na contestação apresentada tardiamente é um acto autónomo que não foi afectado pelo despacho de fls.53 que deu sem efeito a contestação, e, consequentemente, a réplica.

Observe-se, porém, que o rol de testemunhas apresentado prende-se com os factos mencionados na contestação onde foi incluído um pedido reconvencional. Daí que, como bem entendeu o acórdão em crise, se encontre abrangido pelo referido despacho. De qualquer modo, a existir nulidade também esta se encontraria sanada pelas razões acima expostas.

Termos em que se nega a revista.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 5 de Junho de 2003

Moitinho de Almeida

Ferreira de Almeida

Abílio Vasconcelos