MARCAS
IMITAÇÃO
Sumário

1. As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil não tem a ver com a argumentação das partes no sentido de fazerem valer as suas pretensões, mas com os pontos essenciais do litígio relativos à causa de pedir, ao pedido e às excepções.

2. No que concerne ao direito das marcas, são genéricas as designações que, pelo seu significado, abrangem no seu âmbito o produto ou o serviço a que se destinam, e usuais as que, não sendo necessárias, se tornaram correntes na linguagem comum ou nos hábitos constantes do comércio para designar o produto ou o serviço em causa.

3. A expressão da marca Habitat não é genérica nem usual na linguagem comum ou nos hábitos constantes do comércio, e assume eficácia distintiva susceptível de assinalar móveis, armações de móveis e artigos de madeira.

4. A marca Ambitat, destinada a assinalar móveis, armações de móveis e artigos de madeira, constitui imitação ilegal da marca prioritária A, independentemente da diversidade de clientela, de canais de distribuição e de estabelecimentos de comercialização.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I
Habitat Holding B.V intentou, no dia 29 de Setembro de 1998, contra Ambitat, antes designada por B', acção declarativa constitutiva, com processo ordinário, pedindo a anulação do registo da marca Ambitat, da titularidade da ré, com fundamento na imitação por ela da sua marca Habitat.
A ré afirmou, em contestação, serem as referidas marcas inconfundíveis, ser a da autora inapropriável por se inserir na linguagem corrente e, em reconvenção, para o caso da acção proceder, pediu a anulação da marca da autora ou do registo, com fundamento em indicar a habitação como destino dos produtos ser um sinal genérico ou no mínimo fraco, usual na linguagem corrente e nos hábitos leais e constantes do comércio e sem eficácia nem capacidade distintiva ou protecção jurídica.
A autora replicou em termos de impugnar os efeitos dos factos articulados pela ré.
Na fase da condensação, foi proferida sentença, pela qual foi a acção julgada procedente, com fundamento na semelhança fonética e gráfica das marcas, e a reconvenção improcedente.
Apelou a ré e a Relação julgou o recurso improcedente com fundamento em a expressão Habitat não fazer parte da linguagem corrente e ocorrer susceptibilidade de confusão entre aquela marca e a marca Ambitat.
Interpôs a ré recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual foi anulado o acórdão recorrido e ordenada a baixa do processo à Relação, com vista à sua reformulação fáctica.
A Relação reformulou o referido acórdão, proferindo decisão no sentido da negação de provimento ao recurso e da manutenção da sentença recorrida.

A ré interpôs novo recurso de revista, no qual formulou, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- as marcas em causa não assinalam produtos idênticos nem de afinidade manifesta, porque não é igual a sua composição, não se destinam ao mesmo fim nem passam pelo mesmo circuito;
- pelas suas dissemelhanças gráficas, figurativas e fonéticas, os sinais em confronto, vistos no conjunto, não geram perigo de indução do consumidor em erro, confusão ou associação;
- o exclusivo de uma marca apenas é reconhecido ao seu titular no que respeita aos produtos que estejam numa relação de concorrência com os produtos a que a marca registada se destina;
- o confronto a efectuar entre os produtos deve ser feito tendo em atenção as suas características específicas, não bastando assinalarem produtos da mesma natureza;
- como na espécie não há áreas de intercepção ou de sobreposição de mercados, não pode concluir-se pela afinidade que permita o exclusivo legal;
- era imprescindível apurar se os produtos assinalados pelas marcas em litígio se encontram numa relação de concorrência, nomeadamente se disputam o mesmo tipo de clientela;
- como o tribunal recorrido não considerou os factos essenciais de a marca da recorrente assinalar mobiliário clássico completamente diferente do mobiliário contemporâneo assinalado pela marca da recorrida, com design e concepção distintos, com tipos de clientela diferentes, com qualidade e preço superiores e serem diversos os canais de distribuição e estabelecimentos de comercialização, e afirmou não interessar saber se o sinal é fraco ou forte, violou a alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil;
- a Relação não podia ter deixado de se pronunciar acerca do carácter genérico do vocábulo Habitat e, como se não pronunciou sobre ele e está em causa a sua eficácia distintiva, violou o artigo 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil;
- como a expressão ambitat, de fantasia, sem qualquer significado, se distingue facilmente de Habitat, usual na língua portuguesa é, como tal, ideograficamente insignificante;
- mesmo que haja dupla identidade ou semelhança entre os sinais e os produtos por eles assinalados, é necessária a prova, que não foi produzida, de que a utilização da marca é efectivamente susceptível de induzir em erro os consumidores em termos de afectar o seu comportamento económico;
- não estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 193º do Código da Propriedade Industrial, pelo que se não pode falar de imitação da marca, como se depreende de o registo da marca da recorrente ter sido requerido em 1993 e a marca da recorrida só ter começado a ser usada três anos depois;
- a possibilidade de confusão só releva quando as marcas forem susceptíveis de protecção jurídica, e a palavra habitat não goza de eficácia nem capacidade distintiva e, por fazer parte da linguagem corrente, bem como dos hábitos leais e constantes do comércio, é insusceptível de apropriação;
- é que a expressão habitat identifica o destino à habitação dos produtos que identifica e tornou-se usual na linguagem corrente e nos hábitos leais e constantes do comércio, situação confirmada pela concessão de várias marcas HABITAT na mesma e em classes diferentes, de nomes de estabelecimento com a mesma expressão e de várias denominações sociais com esse elemento;
- ainda que assim se não entenda, a coexistência de várias marcas, denominações sociais e nomes de estabelecimento confirmam que a expressão HABITAT é sinal fraco com muito limitadas características distintivas;
- tendo a marca da recorrida HABITAT sido concedida em 25 de Maio de 1992, não é uma marca nova, pois em 1987 havia sido concedida protecção à marca internacional HABITAT para os mesmos produtos, por vinte anos, pelo que nunca teve o direito de exclusivo;
- quer se limite a comparação ao que é original, quer se aplique a teoria da distância, como a marca HABITAT não é nova, não pode impedir-se que outras marcas, exactamente iguais venham a ser registadas;
- a sentença recorrida violou os artigos 166º e 193º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
- deve manter-se o registo da marca Ambitat ou o processo baixar à Relação por não estar assente toda a matéria de facto essencial à correcta decisão da causa e à ponderação de todas as questões relevantes.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação:
- o tribunal de revista não pode pronunciar-se sobre a identidade ou afinidade dos produtos assinalados pelas marcas, nem sobre o grau de semelhança entre elas, por serem questões de facto não enquadráveis nos artigos 722º. nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil:
- o tribunal de revista não pode pronunciar-se sobre as não provadas e irrelevantes questões novas do uso das marcas, da notoriedade da marca da recorrida e da possibilidade de perda de postos de trabalho decorrente da anulação do registo da marca da recorrente;
- o acórdão recorrido não está afectado da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil porque contém fundamentação sobre a questão da imitação da marca e por considerar acidentais determinados factos não significar que deles não tenha conhecido, mas que os valorou ao abrigo do princípio da livre apreciação, e porque os factos dele constantes são os tidos por assentes ou não provados e dos alegados pela recorrente não são essenciais à decisão da causa, uns porque irrelevantes, outros porque prejudicados;
- o acórdão recorrido cumpriu o disposto no artigo 660º, nº 2, não sendo aplicável a alínea d) do nº 1 do artigo 668º, ambos do Código de Processo Civil, porque se pronunciou sobre o carácter genérico ou fraco da marca da recorrida, não tinha de se pronunciar sobre o alegado carácter genérico, por a isso não ter a Relação sido instada e por ser questão que ficou prejudicada pela tomada de decisão quanto à questão da imitação da marca;
- o tribunal recorrido interpretou e aplicou correctamente a alínea b) do nº 1 do artigo 193º do Código da Propriedade Industrial ao considerar a imitação da marca, por serem os mesmos os produtos a assinalar, além de dessa questão não poder conhecer o tribunal de revista, por se tratar de matéria de facto definitivamente fixada nas instâncias;
- o preenchimento do referido requisito é feito por referência aos produtos para que cada marca se encontra registada e não a cada um dos que em dado momento estejam a ser por elas assinalados, não relevando os que as marcas assinalem em concreto, mas os que se destinem a assinalar, podendo o seu titular assinalá-los com os estilos, formatos, cores, materiais, tamanhos e preços que entender;
- a questão de saber se os canais de distribuição e de comercialização são os mesmos afere-se pelos produtos para os quais a marca se encontra registada e não por aqueles que o seu titular opte por comercializar num determinado momento;
- como estão em causa produtos idênticos, não há que analisar a questão à luz dos critérios dos canais de distribuição e de comercialização, por isso só fazer sentido se em causa estivesse a manifesta afinidade entre eles e, mesmo que assim fosse, sempre estaríamos perante produtos concorrentes no mercado,
- as marcas em confronto são gráfica e foneticamente muito semelhantes, pelo que está preenchido o conceito de imitação previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 193º do Código da Propriedade Industrial, certo que o consumidor médio incorre em erro ou confusão e ocasiona-lhe risco de associação;
- a questão de facto das semelhanças entre as marcas e da facilidade de confusão pelo consumidor está assente pelas instâncias, pelo que o tribunal de revista dela não pode conhecer;
- o critério da semelhança ideográfica não pode funcionar na espécie, por o consumidor médio não ter a percepção do exacto significado da palavra HABITAT, para quem não é uma expressão comum, usual ou de corrente utilização e a expressão Ambitat ser de fantasia;
- a marca da recorrida não integra o conceito de marca genérica a que se reporta a alínea c) do nº 1 do artigo 166º do Código da Propriedade Industrial, uma vez que esse conceito tem sempre de ser aferido à luz dos produtos que se destina a assinalar;
- o tribunal de revista não pode conhecer do alegado carácter genérico da marca da recorrida, porque colocada na revista anterior em termos de omissão de pronúncia pela Relação, e não foi instada a reformar o acórdão e, porque se pronunciou sobre essa questão, não considerou o acórdão nulo por omissão de pronúncia quanto a esse fundamento, pelo que considerou a questão prejudicada;
- a recorrente não pode agora trazer à colação a aplicação da alínea b) do nº 1 do artigo 166º do Código da Propriedade Industrial, porque desde a contestação nunca mais pretendeu que tal dispositivo fosse aplicável no caso vertente;
- a marca da recorrida não é designação normal, corrente e usual para os produtos que se destina a assinalar nem um termo correntemente utilizado pelo consumidor médio;
- a alínea c) do nº 1 do artigo 166º do Código da Propriedade Industrial não é aplicável no caso vertente, por se reportar a uma realidade distinta, em que determinada expressão se tenha tornado usual na linguagem corrente para designar os produtos que a marca se destina a assinalar;
- a expressão da marca da recorrida nunca serviu no comércio para designar a quantidade, a qualidade, o valor, a proveniência geográfica ou a época da produção dos móveis, das molduras e dos produtos em madeira, nem para designar o seu destino ou características;
- a alínea b) do nº 1 do artigo 166º do Código da Propriedade Industrial não tem aplicação ao caso vertente, por se reportar a situações em que existe a tentativa de registar, por exemplo, a marca móvel para mobiliário;
- mesmo que a expressão HABITAT pudesse ser qualificada em determinado momento como genérica, havia ganho, por via da sua utilização, carácter distintivo, nos termos do artigo 166º, nº 2, do Código da Propriedade Industrial;
- a marca da recorrida não pode ser caracterizada como uma marca fraca, por falta de enquadramento legal, e tal carácter não está demonstrado, pois não é pelo facto de haver sido concedida a marca nº 368363 que a primeira pode ser qualificada como tal, porque a titular dessa marca e a recorrida integrarem o mesmo grupo;
- mesmo que tal se não verificasse, isso não justificaria o carácter fraco da marca da recorrida, mas que apenas a titular de tal marca tinha legitimidade para anular o seu registo.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. A autora é titular da marca nº 250 160 - Habitat - e a ré titular da marca Ambitat, nº 290975.
2. Ambas incidem sobre produtos da classe 20ª: móveis. armações de móveis, artigos de madeira.
III
A questão essencial decidenda é a de saber a marca da titularidade da recorrente, Ambitat constitui ou não imitação da marca da titularidade da recorrida, Habitat, em termos de dever operar-se a anulação do acto de registo da primeira.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão?
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão do carácter genérico da marca da titularidade da recorrida?
- deve ou não ser alterada ou ampliada a matéria de facto?
- tem ou não a marca da titularidade da recorrida eficácia distintiva susceptível de lhe conferir protecção jurídica?
- pressupostos legais do conceito de imitação ou usurpação da marca no confronto das marcas habitat e Ambitat;
- síntese da solução para o caso decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Afirmou a recorrente que o tribunal recorrido violou a alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil por não haver considerado ser o mobiliário assinalado pela sua marca clássico e diverso do contemporâneo assinalado pela marca da recorrida, nem a diferença de clientela, de canais de distribuição e de estabelecimentos de comercialização e afirmado não interessar saber se o sinal ou marca prioritária é fraca ou forte.
A lei impõe a fundamentação fáctico-jurídica das decisões, além do mais, para que as partes possam conhecer o percurso intelectual dos juízes na apreciação dos casos concretos e decidir sobre a necessidade ou conveniência da sua impugnação para os órgãos jurisdicionais próprios (artigos 205º, nº 1, da Constituição e 157º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A consequência jurídica da omissão no acórdão da mencionada fundamentação fáctico-jurídica é a respectiva nulidade (artigos 668º, nº 1, alínea b), 716º, nº 1 e 732º do Código de Processo Civil).
Todavia, a mencionada nulidade pressupõe a falta absoluta de fundamentação, não se bastando com uma fundamentação medíocre ou insuficiente.
A Relação, na fundamentação do acórdão que proferiu, considerou, por um lado, a irrelevância para a questão do risco de confusão entre as marcas a pretensa diferença de canais de distribuição, ser o mobiliário clássico ou moderno, comercializado em sistema de franchising ou em lojas, de preço elevado ou popular.
E, por outro, quanto à marca ou sinal fraco, expressou ser isso insinuado em vão e não relevar saber se o sinal era fraco ou forte, mas se a marca da titularidade da recorrente induzia ou não em erro os consumidores.
Ademais referiu ser óbvia semelhança gráfica e sobretudo fonética das marcas em confronto e evidente o risco de confusão por a detecção das poucas e subtis diferenças exigir um atento exame de confronto.
Perante este quadro, a conclusão a que a Relação chegou no sentido de ocorrer, na espécie, a imitação da marca da recorrida pela recorrente, assenta em fundamentação jurídica razoavelmente suficiente.
Não ocorre, por isso, no caso, a nulidade do acórdão por falta de fundamentação fáctico-jurídica a que se reportam a alínea b) do n.º 1 do artigo 668º e o artigo 716º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

2.
Invocou a recorrente a nulidade do acórdão da Relação por se não haver pronunciado sobre o carácter genérico do vocábulo Habitat.
No quadro do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, devem os juízes, nas sentenças, nos acórdãos e nos despachos conhecer das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (artigos 20º, nº 1, da Constituição e 660º, nº 2, 716º, nº 1 e 732º do Código de Processo Civil).
A sanção para a omissão de pronúncia pela Relação sobre as questões que lhe sejam postas pelas partes é a da nulidade do acórdão (artigo 668º, nº 1, alínea d), 2ª parte, 716º, nº 1 e 732º do Código de Processo Civil).
Na hipótese de haver omissão pela Relação de pronúncia sobre questões verdadeiras e próprias, o Supremo Tribunal de Justiça não a pode suprir, impondo-se-lhe a remessa do processo à Relação a fim de proceder à reforma do acórdão (artigo 731º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Mas as referidas questões não têm a ver com a vertente da argumentação das partes no sentido de fazerem valer as suas posições, antes se reportando aos pontos essenciais do litígio concernentes à causa de pedir, ao pedido e às excepções.
Diz-se serem genéricas as designações cujo significado abrange os produtos ou os serviços que visam assinalar e, por isso, são insusceptíveis de constituírem o seu sinal distintivo.
A Relação não se pronunciou especificamente sobre o carácter genérico ou singular da marca habitat, mas concluiu no sentido de que a coexistência das marcas em confronto era susceptível de gerar a confusão nos consumidores, o que implícita o entendimento da capacidade distintiva de uma e de outra, ou seja, que a marca habitat não é genérica.
Não ocorre, por isso, a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia invocada pela recorrente.

3.
Salvo casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 26º do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Excepcionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça só pode apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, n.º 2 e 729º, n.º 2, do Código Civil).
Decorrentemente, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer da matéria de facto quando o tribunal recorrido deu como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico.
Nesse quadro de excepção figura o inadequado uso pela Relação da faculdade prevista no artigo 712º, n.º 4, do Código de Processo Civil, mas não a vertente do seu não uso.
Deve, porém, o Supremo Tribunal de Justiça anular o acórdão recorrido e remeter o processo à Relação se verificar que a decisão de facto deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (artigos 729º, n.º 3 e 730º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Trata-se de situações em que há factos articulados fundamentais para definição da base jurídica da causa, que ao tribunal a quo era lícito conhecer, nos termos do artigo 264º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
A maioria das afirmações produzidas pela recorrente no articulado de contestação-reconvenção são de tipo conclusivo no sentido de as marcas serem inconfundíveis, a da recorrida indicar a habitação como destino dos produtos, ser um sinal genérico ou no mínimo fraco, usual na linguagem corrente e nos hábitos leais e constantes do comércio, sem eficácia nem capacidade distintiva ou protecção jurídica.
Os escassos factos articulados pela recorrente, pela sua estrutura e sentido, não se revelam necessários à definição da base suficiente para a aplicação do direito pertinente, a que se reporta o artigo 729º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Em consequência, inexiste fundamento para anular o acórdão recorrido com vista à ampliação da matéria de facto pela Relação.

4.
Afirmou a recorrente identificar a expressão habitat o destino à habitação dos produtos que assinala e ter-se tornado usual na linguagem corrente e nos hábitos leais e constantes do comércio, não gozar de eficácia ou capacidade distintiva, ser insusceptível de apropriação e não poder gozar de protecção jurídica.
O carácter genérico ou fraco de uma marca tem de ser aferido, como é natural, por referência aos produtos que se destina a assinalar.
A marca pode ser constituída por um ou vários sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra ou outras (artigo 165º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial).
Em consequência, a marca, pela sua estrutura, deve ter capacidade e eficácia distintiva do produto ou serviço que se destina a assinalar.
As realidades sem capacidade identificativa não podem, como é natural, servir de marca, nem as expressões genéricas indispensáveis à identificação das mercadorias ou à identificação das suas qualidades e funções.
Não satisfazem as referidas condições, além do mais, por um lado, os sinais exclusivamente constituídos por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço , ou outras características dos mesmos (artigo 166º, n.º 1, alínea b), do Código da Propriedade Industrial).
E, por outro, os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artigo 166º, n.º 1, alínea c), do Código da Propriedade Industrial).
No primeiro caso prevêem-se as designações necessárias, descritivas genéricas e, no segundo, as designações usuais.
Ocorre uma situação de designação necessária no caso de um termo constituir a marca do próprio produto que designa.
São genéricas as designações que, pelo seu significado, abrangem ou compreendem no seu âmbito o produto a que se destinam.
E são usuais os termos que, não sendo necessários, se tornaram correntes na linguagem comum ou nos hábitos constantes do comércio para designar o produto ou serviço em causa (JUSTINO CRUZ, "Código da Propriedade Industrial", Coimbra, 1983, pág. 168).
Aqueles elementos genéricos que entrem na composição de uma marca não são considerados de uso exclusivo do requerente, excepto se os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva na prática comercial (artigo 166º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial).
Com efeito, uma expressão genérica ou usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio pode adquirir eficácia distintiva na prática comercial e, por isso, passar a ser idónea para constituir uma marca ou sinal (166º, nº 3. do Código da Propriedade Industrial).
A expressão habitat, derivada da forma infinitiva do verbo latino habitare, significa essencialmente o lugar habitado por uma raça, um animal ou uma planta, no estado natural, mas também é usada para designar a casa de habitação ou a vivenda.
O significado principal da mencionada expressão tem essencialmente a ver com o modo como se distribuem as habitações humanas, urbanas ou rurais, com o seu agrupamento e as suas relações próprias, ou com o local ou meio apropriado para a vida normal de qualquer ser vivo.
Trata-se de uma expressão de raiz latina, faz parte da língua portuguesa e, pela sua estrutura, não é usual na linguagem corrente, nem designa apenas, para o comum das pessoas, a sua casa de habitação.
Não é uma expressão de marca genérica, assinala móveis, molduras ou produtos em madeira, não é um termo usual ou genérico, pois ninguém se refere a um móvel como sendo um habitat nem é usado correntemente pelo consumidor médio.
É irrelevante para o afastamento da capacidade distintiva da marca A o facto de existirem outras marcas, denominações sociais ou nomes de estabelecimento com a inclusão da expressão habitat com âmbitos de exclusividade e produtos diferentes.
Goza, por isso, de eficácia e capacidade distintiva, pelo que é susceptível de apropriação, por não fazer parte da linguagem corrente nem dos hábitos leais e constantes do comércio.

5.
Será recusado o registo de marca que, no todo ou em parte essencial, constitua reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Portugal como pertencente a nacional de qualquer país da União, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou semelhantes e com ela possa confundir-se (artigo 190º, nº 1, do Código da Propriedade Industrial).
A marca registada considera-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra, quando a marca registada tenha prioridade, ambas sejam destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta e tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma a que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de um exame atento ou confronto (artigo 193º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial).
A marcas constituem o sinal distintivo e individualizador dos produtos e dos serviços de maior relevo na actividade económica empresarial em geral, susceptível de
ser constituído por um elemento ou conjunto de elementos nominativos, figurativos ou emblemáticos.
As marcas mistas devem ser consideradas globalmente, isto é, como sinais distintivos de natureza unitária, incidindo a averiguação da novidade sobre o seu elemento ou elementos preponderantes, ou seja, os que se revelem mais idóneos a perdurar na memória do público, desvalorizando-se os de função acessória ou de mero pormenor.
A novidade de uma marca depende de o seu núcleo essencial se não confundir com o de uma marca prioritária, interessando mais as semelhanças do que as dissemelhanças, no confronto abstracto com a natureza dos produtos ou serviços por elas assinalados.
A imitação de marcas deve ser essencialmente aferida, não pelas suas dissemelhanças em razão de pormenores considerados isolada e separadamente, mas pela semelhança resultante do conjunto dos respectivos elementos componentes, certo que releva particularmente a impressão do conjunto na medida em que é ele que sensibiliza, em regra, o público consumidor.
São usualmente classificadas de nominativas, figurativas ou mistas, consoante sejam constituídas por um sinal nominativo, como é o caso dos nomes ou dizeres, por sinais figurativos ou emblemáticos ou por uns e outros.
Deve ter-se em linha de conta, sobretudo, o consumidor médio menos atento ou conhecedor da matéria e não o perito especializado, sendo certo que haverá imitação sempre que o consumidor médio possa facilmente confundi-las tendo-as presentes.
Os consumidores não investigam, em regra, a existência ou a inexistência de imitação, certo que ligam o produto que lhes agrada a certa marca de que conservam uma ideia mais ou menos precisa, como elemento determinante das suas escolhas de produtos ou serviços no mercado global.
Estamos, no caso vertente, por lado, perante uma marca prioritária nominativa, com a expressão HABITAT, da titularidade da recorrida, destinada a assinalar, além do mais, móveis, vidros - espelhos - molduras e produtos em madeira, da classe 20ª.
E, por outro, face a uma marca não prioritária em relação àquela, também nominativa, sob a expressão Ambitat, da titularidade da recorrente, destinada a assinalar móveis, armações de móveis, molduras, artigos de madeira, espelhos, da classe 20ª, exclusivamente para exportação.
Assim, destinam-se as marcas em confronto a assinalar um núcleo de produtos abstractamente idênticos, irrelevando não só a sua diversidade em concreto como também os diferentes locais de armazenamento, de canais de distribuição ou de clientela.
A expressão habitat, derivada do verbo latino habitare, significa essencialmente, conforme já se referiu, o lugar próprio de cada ser vivo organizado, isto é, onde vive e cresce naturalmente.
Em ambas as marcas em confronto há um elemento comum constituído pelas letras BITAT e dois elementos diferenciados iniciais constituídos pelas letras HA, na marca A, e AM, na marca B.

Há assim, entre as duas marcas, uma ligeira diferença gráfica, porque o H da primeira inexiste na segunda. Dir-se-á que a expressão Bitat se lê da mesma maneira, a sonoridade de HA e AM é semelhante por força da utilização da mesma vogal A e do carácter mudo da letra H.
Mas a similitude fonética entre ambas as referidas marcas é evidente e assaz significativa, sobretudo para quem as ouve expressar por via da linguagem, o que, naturalmente, assume idoneidade e risco de confusão.
Não releva a motivação que esteve na origem da concepção da estrutura das marcas em confronto, mas apenas a sua estrutura objectiva no plano da sua grafia e sonorização na linguagem falada.
Perante as duas marcas em confronto destinadas produtos da mesma espécie de reportório, independentemente da sua concreta diferença de estilo ou dos canais de distribuição ou de locais de comercialização, ocorre, naturalmente risco de associação e necessário um exame atento do consumidor normal para as distinguir.
Irrelevante também o facto de a recorrida só haver intentado a acção dois anos depois de a recorrente haver começado a utilizar a marca ambitat e haver deixado passar os prazos de reclamação e do recurso do despacho do Instituto da Propriedade Industrial.
Dir-se-á, em síntese, que a marca habitat é prioritária em relação à marca ambitat, que ambas se destinam a assinalar o mesmo tipo de produtos e sem diferenças relevantes, com semelhanças gráfica e fonética susceptíveis de facilmente induzir os consumidores em erro ou confusão e o risco de associação, em termos de o consumidor não as poder distinguir sem exame atento ou de confronto.
Ocorrem, por isso, na espécie, os pressupostos de imitação pela recorrente da marca da recorrida a que se reporta o artigo 193º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial.

6.
Dir-se-á, em síntese, que a marca habitat, prioritária, da titularidade da recorrida, tem capacidade e eficácia distintiva em relação aos produtos que assinala e que a marca Ambitat, da titularidade da recorrrente, não prioritária, dados os produtos que assinala estarem entre si numa relação funcional, constitui imitação da primeira.

Improcede, por isso, o recurso, com a consequência de manutenção do acórdão recorrido.

Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantém-se o acórdão recorrido e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 5 de Junho de 2003.

Salvador da Costa (Relator)
Ferreira de Sousa
Quirino Soares