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ACÇÃO DE DESPEJO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
LITISCONSÓRCIO
LEGITIMIDADE PASSIVA
EMBARGOS DE TERCEIRO
Sumário
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
RELATÓRIO.
No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal correu uma acção de despejo em que foram autores: A, B, C, e D, e na qual foi réu, E.
Pretendiam os AA. obter a resolução do contrato de arrendamento comercial, o pagamento das rendas em dívida e o despejo imediato do locado.
Tratava-se do prédio urbano sito na Praça ..., em Setúbal, inscrito na matriz sob o artigo 192º da freguesia de S. Julião, onde funcionava o estabelecimento comercial do R, cujo trespasse lhe havia sido transmitido por sentença judicial transitada.
Os fundamentos do despejo traduziam-se no facto de o estabelecimento em causa estar fechado e abandonado desde Janeiro de 1996.
O R. contestou, mas a sua contestação acabou por ser desentranhada dos autos, de modo que foram tidos por confessados os factos alegados na petição inicial, e, consequentemente, foi a acção julgada procedente, decisão que transitou em julgado.
Vem agora F, esposa do Réu E, deduzir contra os AA. na referida acção, os presentes embargos de terceiro, alegando resumidamente:
- É casada com o R. E sob o regime de comunhão geral de bens;
- O arrendamento dos autos é comercial, sendo certo que o direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento instalado no local arrendado é um bem comum do casal;
- Por isso, não pode ser alienado sem a intervenção de ambos os cônjuges;
- Daí que a acção de despejo deveria ter sido intentada contra ambos os cônjuges nos termos do artº. 28º-A do C.P.C.;
- A embargante só agora soube que foi ordenada a emissão de mandados de despejo;
- A efectivação do despejo ofende o direito da embargante, por lhe pertencerem o direito ao arrendamento e ao trespasse do estabelecimento, como bem comum que é.
Pretendem assim a suspensão da execução do despejo, dando-se sem efeito o respectivo mandato.
No saneador-sentença, conheceu-se logo do mérito, julgando-se os embargos totalmente improcedentes.
Inconformada, recorreu a embargante para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, conhecendo da apelação a julgou improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Novamente inconformada recorre a embargante, agora de revista e para este S.T.J..
CONCLUSÕES:
Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:
1- A recorrente é co-arrendatária do prédio despejando.
2- A posição de co-titular do direito de arrendamento advém-lhe do facto de lhe ter sido transmitida, a co-titularidade como consequência do regime de bens.
3- No caso dos autos não está em causa a comunicabilidade do direito de arrendamento, uma vez que a titularidade do mesmo foi adquirida por ambos os cônjuges em simultâneo, e,
4- Sendo a recorrente inquilina terá toda a legitimidade para deduzir embargos de terceiro e existe litisconsórcio necessário passivo.
5- Existe litisconsórcio necessário passivo nos termos do disposto no artº. 28-A do CPC, mas,
6- Foram violadas entre outras disposições legais, os arts. 28-A do C.P.C., e artº. 1682-A nº. 1 b) do C.C..
Não foram oferecidas contra-alegação.
OS FACTOS.
As instâncias tiveram por provados os factos seguintes:
1- O R (E) e a embargante casaram-se na Islândia em 1/10/1966, segundo o regime da comunhão geral de bens.
2- Por escritura de 31/10/78, G deu de arrendamento a H, o prédio urbano sito no nº. ... da Praça ... em Setúbal, pelo prazo de um ano e pela renda mensal de 2.000$00, para fins comerciais.
3- Por sentença de 13/6/89, proferida na acção sumária nº. 39/89 do 3º. Juízo - 1ª Secção da Comarca de Setúbal, foi declarado transmitido ao R. E o direito de trespasse do estabelecimento comercial denominado "Boutique ...", sito na Praça ..., Setúbal.
4- Nos autos principais, em que a embargante não teve qualquer intervenção nem foi demandada, foi proferida sentença que decretou a resolução do contrato de arrendamento referente ao aludido nº. ... da Praça ... e condenou o R. E a despejar o local, entregando-o livre e devoluto aos autores.
FUNDAMENTAÇÃO:
Como se vê das conclusões, a questão aqui a decidir é apenas a de saber se a esposa do locatário comercial casada segundo o regime de comunhão geral de bens, e não accionada na acção de despejo que decretou a resolução do contrato e a entrega do local arrendado ao senhorio, pode ou não defender-se da execução do despejo por meio de embargos de terceiro.
Na decisão de primeira instância, entendeu-se que, tratando-se de um arrendamento comercial, não era necessário instaurar a acção de despejo contra marido e mulher visto não existir preceito legal que imponha o litisconsórcio necessário, como acontece em relação aos arrendamentos em que está em questão a casa de morada de família (art. 28-A n. 1 do C.P.C. e art. 1682-B a) do C.C.), isto apesar de se admitir a comunicabilidade do arrendamento comercial ao cônjuge não arrendatário, visto que a respectiva resolução pelo cônjuge arrendatário, caindo no âmbitos dos poderes de administração, não necessita do consentimento do outro cônjuge.
Consequentemente, não sendo necessária a intervenção de ambos os cônjuges na acção de despejo, não pode o cônjuge não arrendatário deduzir embargos de terceiro.
E foi, ao que parece, com igual ou similar argumentação geral que o douto acórdão recorrido confirmou a decisão de 1ª instância.
Salvo o devido respeito, parece-nos que a solução não pode ser a adoptada pelas instâncias.
Admitida pela decisão recorrida (como de resto, pela decisão da primeira instância) a comunicabilidade do arrendamento comercial nos regimes que não sejam de separação de bens, não interessa aqui defender e fundamentar esse ponto de vista, com que, aliás, inteiramente concordamos.
Há, no entanto, que tirar as devidas ilações jurídicas.
Sabemos que foi o R. marido quem, através da acção sumária identificada nos autos (cfr. fls. 13 a 16 do processo principal), adquiriu o trespasse do estabelecimento comercial instalado no local arrendado, dos embargados, no âmbito do qual se integra o direito ao arrendamento desse local e sabemos também que o trespassário R. era, à data dessa aquisição, casado com a embargante segundo o regime de comunhão geral de bens.
Por conseguinte, é evidente que o estabelecimento comercial em causa com todos os elementos que o integram (no caso também o direito ao arrendamento) se comunicou ao respectivo cônjuge, visto que, segundo o assinalado regime de bens. todos os bens presentes e futuros dos cônjuges constituem património comum, desde que não excepcionados por lei (e no caso, não está excluído o direito ao arrendamento e muito menos o estabelecimento comercial) - cfr. artº. 1732º e 1733º do C.C..
Sendo certo, por outro lado, que "património comum, na sociedade conjugal significa que ambos os cônjuges são simultaneamente titulares de um único direito sobre todos e cada um dos bens que integram o dito património, como ensinam os Professores A. Varela (Direito de Família - 381 -) e Pereira Coelho (Direito Matrimonial - 2º - 125).
Deste modo, embora sabendo-se que os direitos ao trespasse e ao arrendamento se não confundem e que pode haver trespasse sem transmissão do direito ao arrendamento, sabemos também que no caso dos autos o trespasse englobou o direito ao arrendamento como resulta claro da p. inicial da acção de despejo, daí que, possa e deva considerar-se a embargante, como co-titular do arrendamento sem que com isso se dê qualquer salto ou mesmo um simples pulo no vazio.
De resto, ainda que o direito ao arrendamento tivesse independência em relação ao trespasse do estabelecimento, mesmo então ter-se-ia comunicado ao respectivo cônjuge. Como ensina A. Varela (R.L.J. 119-236 e seg.), atendendo ao seu "valor material, facilmente negociável que assume na vida prática, seja como complemento do estabelecimento comercial, seja como elemento integrante dele, o direito ao arrendamento comercial constituirá um valor acentuadamente patrimonial que seria injusto, nos regimes de comunhão, subtrair à regra da simultânea titularidade dos cônjuges."
Temos pois por assente que o direito ao arrendamento comercial se integra na comunhão de bens, pelo que ambos os cônjuges são simultaneamente titulares de tal direito.
Todavia, não se segue daqui, necessariamente, que tenham os dois cônjuges de ser accionados na acção de despejo. Embora essa seja a posição mais prudente para o senhorio, dificilmente poderá ser tida como imposta por lei pelo menos nos termos do art. 28-A ns. 3 e 1 do C.P.C. (note-se a alteração de redacção em relação ao art. 19 anterior, ao eliminar a referência aos bens comuns. De facto, enquanto a redacção do art. 19 impunha o litisconsórcio conjugal passivo quando pretendesse obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns ..., o actual art. 28-A n. 3, apenas o impõe quando se pretende obter decisão susceptível de ser executada sobre os bens próprios do outro cônjuge ..., fazendo assim coincidir a lei processual com o regime substantivo).
É certo que na acção de despejo referente a arrendamento comercial, não estando em causa directamente a subsistência do estabelecimento comercial instalado no arrendado que pode, evidentemente subsistir sem o direito ao arrendamento, muitas vezes, na prática, o despejo acarretará a destruição do próprio estabelecimento.
Porém, dificilmente se poderá usar este argumento de ordem prática para impor o litisconsórcio necessário conjugando o disposto nos artºs. 1682-A b) do C.C. e o artº. 28-A nºs. 3 e 1 do C.P.C.. Na realidade o que está em causa é apenas a perda do direito ao arrendamento do local onde funciona o estabelecimento comum e essa situação não é seguramente abrangida pela alínea b) do art. 1682-A do C.C..
O direito ao arrendamento comercial, sendo comunicável nos regimes de comunhão de bens, constitui um bem comum, bem que, por força do disposto no art. 205 do C.C. tem a natureza de bem móvel.
Consequentemente qualquer dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente a tal direito (arts. 1678 n. 3 e 1682 n. 1 do C.C.), já que o acto de dar ou de tomar de arrendamento é um acto de administração ordinária, a menos que se trate de arrendamento celebrado por prazo superior a 6 anos (art. 1024 n. 1 do C.C.) caso em que será um acto de administração extraordinária, a exigir, para sua praticado, o consentimento de ambos os cônjuges.
Portanto, só neste último caso haverá litisconsórcio necessário passivo, no âmbito da acção de despejo comercial, como resulta da conjugação do regime substantivo com o artº. 28-A do C.P.C.. Nos restantes casos de arrendamento comercial, não obstante a comunicabilidade do arrendamento, não é imposto o litisconsórcio passivo pelas disposições legais acima referidas.
Este entendimento, porém, não contende com a possibilidade de defesa por meio de embargos de terceiro por parte do cônjuge não accionado na acção de despejo, pois, uma coisa é o regime substantivo relativamente ao regime de bens do casal, outra o plano processual onde expressamente se contemplava a defesa possessória e hoje, além dela, se contempla também a defesa de qualquer outro direito incompatível com a diligência ordenada judicialmente, como será o caso da execução do despejo (artº. 351º do C.P.C.).
Aliás, o actual artº. 352º do C.P.C., expressamente confere ao cônjuge que tenha a posição de terceiro, o direito de, sem autorização do outro cônjuge, defender por meio de embargos, os direitos relativos a bens próprios ou comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência ordenada judicialmente, isto independentemente dos poderes de administração sobre tais bens, como nos parece evidente.
De modo que a defesa por meio de embargos prevista nos artºs. 351º e 352º do C.P.C., não está dependente da existência de litisconsórcio conjugal necessário passivo.
Concluímos, pois, diferentemente do que foi decidido pelas instâncias, que, a embargante, na qualidade de cônjuge do R. E, atento o regime de comunhão geral de bens, não tendo sido accionada na acção de despejo intentada pelos AA. embargados, pode defender os seus direitos do arrendamento por via de embargos de terceiro.
Neste sentido conf.:
- Ac. do S.T.J. de 21/12/82 - B.M.J. - 322-338 seg.;
- Anotação ao referido Ac. pelo Prof. A. Varela - R.L.J. 119-236 e seg.:
- Cons. Aragão Seia - Arrendamento Urbano - 7ª ed. - 356 a 360 e 398.
- Nuno de Salter Cid - A Protecção da Casa de Morada de Família - 259 - nota 158; e
- Ac. S.T.J. de 3/6/2003 - revista nº. 1462/2003 - 6ª Secção - Relator - Cons. Azevedo Ramos.
DECISÃO:
Visto que não há matéria de facto a apurar que justifique o prosseguimento dos embargos e que o despejo foi já executado, não obstante o carácter preventivo dos embargos,
decide-se:
- conceder revista
- revogar o acórdão recorrido, bem como a decisão da 1ª instância
- julgar os embargos procedentes, com a consequente restituição do locado à embargante.
Custas pelos recorridos.
Lisboa, 8 de Julho de 2003
Moreira Alves,
Alves Velho,
Moreira Camilo.