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VENDA À CONSIGNAÇÃO
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
VEÍCULO DEFEITUOSO
REPARAÇÃO
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Sumário
I - Na venda à consignação, o consignatário efectua a venda em nome próprio, mas por conta do consignante, existindo um verdadeiro mandato sem representação. II - No âmbito desse mandato, o mandatário celebra o negócio em seu próprio nome, mas por conta do mandante, com terceiras pessoas estranhas ao mandato, as quais estabelecem relações negociais com aquele e não com este. III - Por isso, o vendedor é responsável pelos defeitos da coisa vendida. IV - A acção destinada a exigir do vendedor a reparação dos defeitos da coisa vendida ou a correspondente indemnização caduca no prazo de seis meses após a denúncia dos defeitos, por aplicação extensiva do art.º 917.º do Código Civil. V - No entanto, a caducidade não ocorrerá sempre que se verifique qualquer causa impeditiva prevista no art.º 331.º do mesmo Código.
Texto Integral
Apelação n.º 8928/09.6TBVNG.P1 – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1205
Des. José Ferraz
Des. Leonel Serôdio
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B…, LDA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra C…, LDA, e D…, SA, pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento das quantias de € 3.548,06, a título de reparação do turbo e abertura do motor, € 3.300,00 a título de aquisição e reparação do motor, € 528,85, a título de reparação do airbag do passageiro e € 3.600,00 de indemnização pelo dano de privação de uso, tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos.
Alegou que celebrou com a primeira Ré um contrato de compra e venda, em 30 de Outubro de 2008, tendo por objecto um veículo automóvel, de matrícula ..-..-VO, pelo preço de € 26.000,00, tendo a vendedora outorgado com a segunda Ré, para garantia da sua responsabilidade pela reparação de eventuais defeitos da coisa vendida, um contrato de seguro. Logo a seguir à compra, o veículo apresentou problemas ao nível do airbag do passageiro, direcção e, ainda, no sistema de refrigeração, sendo obrigada a acrescentar-lhe água de cem em cem quilómetros, e no dia 14 de Janeiro de 2009 imobilizou-se, tendo-se apurado que ocorreram graves problemas ao nível do motor e do turbo, que a primeira Ré se recusa a reparar e a segunda apenas se propõe fazê-lo parcialmente. Invocou ainda danos decorrentes da privação do uso do veículo durante sessenta dias.
A 1.ª Ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação: excepcionando, alegou que ocorreu a caducidade do direito que a Autora se propõe exercer, dado o decurso do prazo; impugnando, alegou que não teve intervenção no negócio como vendedora, mas sim como mera intermediária entre o anterior proprietário e a Autora, como o reconheceu esta no âmbito do procedimento cautelar que contra as ora Rés e o vendedor do veículo intentou. Mais alegou que o valor da reparação dos defeitos ao nível dos sensores do airbag sempre foram assumidos pelo vendedor do veículo e que os danos existentes ao nível do motor se deveram a culpa da Autora, que não diligenciou pela averiguação do problema de água detectado, que foi causa dos mesmos.
A 2.ª Ré impugnou, por desconhecimento, os termos do contrato de compra e venda outorgado e o estado em que se encontrava o veículo à data da venda. No mais, alegou que em causa estavam problemas surgidos quer antes da venda, ou não cobertos pelos termos da apólice, nomeadamente a substituição do motor e, ainda, que aplicou a redução prevista, de 1 % por cada mês de antiguidade do veículo, ao valor da reparação do turbo, que admite ser de € 931,36. Disse, ainda, que a Autora violou as condições contratuais ao autorizar a abertura do motor do veículo sem a sua anuência.
O processo foi saneado, tendo-se dispensado a organização da matéria assente e a elaboração da base instrutória.
Realizou-se o julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 2.ª Ré D… a pagar à A. a quantia de € 931,36, acrescida de juros de mora desde 10.03.2009 até efectivo e integral pagamento, absolvendo as Rés do demais pedido.
II.
Recorreu a A., concluindo:
1) O facto 1.º dado como não provado ("o veículo identificado no facto 1.º tivesse sido adquirido à 1.ª Ré) deveria ter sido dado como provado, uma vez que no depoimento de parte e no depoimento da testemunha E… ficou provado que o representante da Autora não tinha conhecimento do acordo dele com o Sr. F…, representante da 1.ª ré e em momento algum foi comunicado que quem lhe venderia o carro seria o anterior proprietário;
2) Quem negociou com a Autora foi o Sr. F…, legal representante da l.ª Ré;
3) Quem recebeu o preço pago pela viatura (€26.000,00) foi o Sr. F…;
4) Quem procedeu à entrega da viatura à Autora foi o Sr. F….
5) Logo, o 1° facto não dado como provado tem que ser dado como provado;
6) Há um erro notório na apreciação da prova ao ser dado como provado o facto 39°;
7) O facto 39° não poderia ser dado como provado, uma vez que no depoimento que serviu para fundamentar e ser dado como provado o facto 39° a testemunha E… disse exactamente o contrário, que foi ele que sugeriu ao Sr. F…, e não a Autora, e a testemunha G… disse que foi o Sr. F… que sugeriu!!!
8) Quanto ao facto de ter existido uma providência cautelar contra o Sr. E…, não pode a mesma ser havida como confissão.
9) Assim como não pode ser valorada enquanto prova, como uma interpretação do Tribunal, uma vez que os depoimentos a contradizem, é apenas assinada por um Advogado e não pela Autora, e existem provas documentais plenas que também contradizem a interpretação e valoração do Tribunal
10) O Tribunal, embora não o admita, valorou o procedimento cautelar como se de uma confissão se tratasse.
11) Assim, violou o artigo 356° do Código Civil pois não foi firmado pela parte pessoalmente, nem por procurador especialmente autorizado.
12) No facto 46° dado como provado, não o poderia ter sido, uma vez que a testemunha que fundamenta a decisão, Sr. H… afirma que não encontrou qualquer indício de má utilização por parte do condutor e que o motor aquece se faltar água na totalidade.
13) Em nenhuma altura do seu depoimento a testemunha H… afirma que "O "ir acrescentando água" não só não evita que sejam provocados danos ao nível do motor, como antes os agrava e potencia exponencialmente a sua concretização;
14) Não pode o Tribunal a quo afirmar que não se trata de um defeito porque não deu como provado sequer que a avaria tenha origem na acção da autora, ao acrescentar água, apenas dá como provado que "os agrava e potencia exponencialmente a sua concretização",
15) O Tribunal a quo entra em contradição quando afirma na douta sentença:
"Como resulta da factualidade provada, Autora e primeira Ré celebraram entre si um contrato de compra e venda.", mas de acordo com os factos provados e não provados não considerou como provado!
16) O Tribunal a quo ignorou a prova documental junta aos autos, nomeadamente a factura e a declaração de consignação a fls 219, esta última junta pela própria Ré.
17) Nessa declaração de consignação, podemos ver que o anterior proprietário declara ter entregue para venda no stand da l.ª Ré a viatura automóvel em questão pelo valor de € 23.000,00.
18) Tendo o Tribunal a quo dado como provado no facto l.º que a Autora adquiriu a referida viatura pelo valor de € 26.000,00, tem que concluir também que houve um lucro de € 3.000,00 por parte da l.ª Ré no negócio;
19) Logo, entra em contradição com o facto 38.º da factualidade provada ao dizer "a 1.ª Ré limitou-se ..." e "... pelo preço e condições que unilateralmente fixou ..."
20) O Tribunal a quo descreve o negócio entre o anterior proprietário e a l.ª Ré (que se dedica à comercialização de veículos automóveis usados) como uma venda em consignação, como aliás parece decorrer do documento a fls. 219 e do depoimento do Sr. E…;
21) A relação entre anterior proprietário e l.ª Ré não pode ser oponível à Autora.
22) Há claramente aqui um erro na qualificação jurídica dos factos!
23) A venda dos bens, nestes casos, é sempre feita pelo consignatário!
24) O Tribunal, embora não o admita, valorou o procedimento cautelar como se de uma confissão se tratasse.
25) Assim, violou o artigo 356.º do Código Civil pois não foi firmado pela parte pessoalmente, nem por procurador especialmente autorizado.
26) O Tribunal a quo decidiu "... menosprezar quer a circunstância de ser a primeira Ré a emitir a factura e a contratar o seguro ...".
27) A 1.ª Ré emitiu factura em relação à venda que concretizou com a Autora;
28) O artigo 29.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) descreve as obrigações fiscais de qualquer sujeito passivo;
29) A emissão de uma factura decorre de uma obrigação legal e comprova uma transmissão de bens.
30) Ao menosprezar a factura junta aos autos o Tribunal a quo violou o artigo 9.º do Código Civil e as regras de interpretação o artigo 29.º do Código do IVA, porquanto essa emissão decorre de uma obrigação legal e constitui uma presunção da existência de uma transmissão de bens, violando consequentemente o artigo 349.º do Código Civil.
31) O Tribunal a quo, ao não se pronunciar sobre a emissão da factura e valorar a mesma, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre uma questão que, estando suscitada, deveria ter sido apreciada, o que nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do Cód. Proc. Civil, importa a nulidade da sentença, o que desde já se invoca.
32) De tudo o que fica dito resulta pois que a douta Sentença recorrida errou de forma clara na apreciação que fez da prova realizada em julgamento, assim como, deu como provados factos para os quais manifestamente, carecia de elementos probatórios,
33) Impondo-se, em consequência, a revogação da sentença recorrida.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre
JUSTIÇA
Não houve resposta.
III.
Questões suscitadas no recurso:
- erro na decisão da matéria de facto;
- errada qualificação jurídica dos mesmos factos;
- omissão de pronúncia.
IV.
Factos considerados provados na sentença:
1) No dia 6 de Janeiro de 2008, a Autora adquiriu o veículo de matrícula ..-..-VO, marca Mercedes-Benz, modelo …, pelo valor de € 26.000,00, o qual foi pago;
2) A segunda Ré celebrou com a primeira um contrato de seguro, com o n.º …….., nos termos do qual aquela assumia o custo de reparação ou substituição das peças que na cláusula A das respectivas condições gerais estão enumeradas que sejam necessárias para o funcionamento correcto do veículo, após uma avaria ocorrida durante o período de vigência da garantia, válido por um ano (doe. de fls. 41 a 53, cujo teor se dá aqui por reproduzido);
3) Logo após a data referida no número 1, quando o gerente da Autora, I…, conduzia a viatura reparou que no computador de bordo apareceu a indicação de avaria no SRS;
4) O que significa avaria nos airbags e/ou pré-tensores de cintos;
5) O que foi comunicado ao gerente da primeira Ré que informou o gerente da Autora que tal reparação seria assumida;
6) Alguns dias após, o computador de bordo da viatura aqui em causa começou a acusar uma deficiência no sistema de refrigeração;
7) Essa deficiência devia-se a falta de água no sistema de refrigeração;
8) O representante legal da Autora teve que começar a acrescentar água no veículo;
9) No entanto, mais ou menos de cem em cem quilómetros tinha essa necessidade de acrescentar água;
10) No dia 14 de Janeiro de 2009, quando o sócio e gerente da Autora regressava à sede da mesma, o veículo automóvel deixou de desenvolver normalmente, acabando por ficar imobilizado na via pública e envolto numa nuvem de fumo;
11) Tendo sido rebocado para a "J…, S.A.";
12) No dia seguinte, de manhã, o representante legal da Autora comunicou à primeira Ré o sucedido;
13) Na J… foi detectado que o turbo do veículo havia partido;
14) E foi apresentado um orçamento para reparação do veículo no valor de € 3.763,21;
15) Na segunda página desse orçamento foi aposta uma nota, como é usual nestes casos, com o seguinte teor: "... após esta reparação, irá ser efectuado o diagnóstico necessário para determinar a perda de água, ruído na suspensão e falha no SRS. Assim sendo poderão existir mais danos no motor";
16) O orçamento supra referido foi enviado para a segunda Ré;
17) A segunda Ré, em resposta, a 19.01.2009, dá autorização para substituir o turbo por um turbo reconstruído, no valor de € 305,18 e mão-de-obra no valor de € 357,20;
18) A primeira Ré foi sempre sendo informada pelo representante da Autora do que se estava a passar;
19) Em 26 de Janeiro de 2009, a empresa J…, S.A. enviou comunicação para a segunda Ré com explicação do orçamento e nova advertência da possibilidade de haver mais danos no motor, numa tentativa de solucionar o problema;
20) Em resposta enviada pela segunda Ré para a empresa J…, a segunda Ré aceita que é necessário substituir o corpo do turbo e mão-de-obra, assumindo já um valor de € 931,30 na reparação, e excluindo o restante, por entender não estar coberto pela garantia contratada;
21) Depois de reparado o turbo, a empresa J… verifica que o motor tem danos e procede à sua abertura;
22) Perante os danos verificados, chega à conclusão que é necessário substituir o motor;
23) E envia, em 2.02.2009, novo orçamento para a segunda Ré, no valor de € 15.463,49;
24) Em 5.02.2009, a segunda Ré comunica à empresa onde se encontrava a viatura aqui em causa para reparação que não garante o pagamento da reparação em causa do motor, por estar excluída da garantia, de acordo com a alínea h) do ponto 2 do manual de garantia;
25) Em 13.02.2009 o Advogado da primeira Ré enviou comunicação para a segunda Ré nos termos constantes de fls. 54, cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido;
26) Perante a recusa da primeira Ré em pagar a reparação, a Autora foi obrigada a pagar o serviço que já havia sido feito até essa altura pela J…;
27) A Autora comunicou nessa altura ao representante da primeira Ré que iria proceder à reparação da viatura pois estava a sofrer prejuízos por estar privada do uso de um veículo que havia adquirido por ser indispensável à sua actividade;
28) Em 11.03.2009, a Autora pagou a quantia de € 3.548,06;
29) Em 13.03.2009 adquiriu um motor no valor de € 3.300,00;
30) Em 17.04.2009 pagou ainda a quantia de € 528,85 pela reparação necessária do sensor do airbag do passageiro;
31) Desde Fevereiro que o representante da Autora tem comunicado com o representante da primeira Ré mas este diz sempre que nada paga pois é a segunda Ré quem tem que pagar;
32) Em 18 de Junho de 2009 a Autora enviou um fax para a primeira Ré tentando mais uma vez ser ressarcida pelos danos que teve com esta situação;
33) Mais uma vez, a primeira Ré nega ressarcir a Autora do prejuízo que teve, conforme fax que enviou no dia 22.06.2009 e constante de fls. 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
34) À data da avaria do turbo/motor, o veículo tinha cerca de 196.520Km;
35) A Autora adquiriu o veículo para satisfazer as suas necessidades de transporte e apresentação comercial;
36) A Autora dedica-se à administração de condomínios, necessitando de tal veículo também para efeitos comerciais, para imagem da empresa;
37) A Autora ficou privada da utilização da viatura desde 14.01.2009 até 14.03.2009;
38) A primeira Ré limitou-se a permitir a exibição ao público do veículo de matrícula ..-..-VO; por ordem do Sr. E…, pessoa das relações pessoais do gerente daquela e porque o pretendia vender pelo preço e condições que unilateralmente fixou;
39) A pedido do representante da Autora, em consonância com a sugestão que então lhe foi formulada, no dia da efectivação da aquisição foi celebrado o contrato de seguro a que supra se alude;
40) O acendimento da luz no quadrante indicadora do SRS decorre normalmente de mau contacto da ficha respectiva, não interferindo com o normal funcionamento da viatura;
41) Constatando-se que no caso tal acendimento decorria de mau contacto do interruptor situado no banco da frente do passageiro;
42) Cujo valor sempre foi assumido pelo Sr. E…;
43) Qualquer condutor e utilizador de veículos automóveis tem a obrigação de saber, sem que o possa validamente ignorar, que acendendo no quadrante da viatura a luz avisadora de falta de água tem de imobilizar imediatamente o veículo;
44) Sob pena de sobreaquecimento e serem provocados danos irreversíveis no motor do mesmo;
45) Pela gravidade da falta de água no sistema de arrefecimento do motor, a própria luz que se acende no quadrante é de cor vermelha e normalmente associada a um avisador triangular com uma exclamação no meio;
46) O "ir acrescentando água" não só não evita que sejam provocados danos ao nível do motor, como antes os agrava e potencia exponencialmente a sua concretização;
47) No momento da aquisição o veículo possui a 180.00Km;
48) Quando a Autora deu conhecimento à primeira Ré que tinha deslocado a sua viatura para a oficina da Mercedes e bem assim que a D… estava a demorar na resolução do assunto lamentou-se da falta que lhe estava a fazer o veículo, a primeira Ré disponibilizou à Autora o uso de viatura que tinha à venda em stand terceiro, o que esta aceitou e agradeceu;
49) Acabando por devolver tal veículo;
50) Nos termos do n.º 4 da alínea C) das condições geral do contrato a que se alude no número 2 dos factos provados "O montante total a pagar pela Companhia por uma reparação relativamente a peças, poderá ser diminuído sempre que a Companhia o entenda em função da antiguidade das peças substituídas, aplicando uma percentagem de desconto de 1 % por cada mês de antiguidade das mesmas, e contada a partir da primeira colocação em circulação, sem exceder o limite máximo de 85%";
51) O veículo aqui em causa está matriculado desde 21.06.2002;
52) Aquando do recebimento, pela segunda Ré, do orçamento no valor de € 15.463,49 solicitou esta uma peritagem ao veículo;
53) Quando os peritos se deslocaram à oficina, no dia imediatamente a seguir à recepção da participação, verificaram que a viatura se encontrava completamente desarmada a nível de motor;
54) Questionada a oficina sobre quem conferira a necessária autorização para a desmontagem do motor declararam os seus responsáveis que a mesma tinha sido dada pelo proprietário do veículo;
55) Nos termos do n.º 2 da alínea H) das condições gerais da apólice "Para além das anteriores exclusões, não são objecto de cobertura deste contrato os serviços que o vendedor ou o proprietário do veículo tenha arranjado por sua conta, sem a prévia comunicação e sem o consentimento por escrito da D…";
56) Nos termos do n.º 1 da alínea I) das condições gerais da apólice "Em caso de avaria, o proprietário do veículo deverá dar conhecimento à seguradora de modo imediato e sempre antes de efectuar qualquer trabalho sobre o veículo";
57) O motor e o sensor dos airbags não se mostra elencado na alínea A) das condições gerais da apólice para veículo com menos de 230.000Km à data da venda.
58) A presente acção foi intentada no dia 20 de Setembro de 2009;
59) No dia 19 de Fevereiro de 2009 foi averbado ao 1 º Juízo Cível de Gondomar um procedimento cautelar, tendo por base os factos que servem de suporte à presente acção, na qual foram demandados, para além dos ora Réus, E…, tendo a 1.ª Ré aí apresentado a sua oposição.
V.
A apelante impugna a matéria de facto constante dos n.ºs 1, 38, 46 dos factos provados e ainda 1 dos factos não provados.
Ambos os factos n.º 1, quer o provado, quer o não provado, respeitam ao facto alegado pela A. sob o art. 1.º da p.i.: No dia 30 de Outubro de 2008 a A. adquiriu ao 1.º R. o veículo de matrícula ..-..-VO, marca Mercedes Benz, modelo …, pelo valor de € 26 000,00.
Assim, depara-se imediatamente com um lapso na formulação do facto, ao referir-se nele, como data da compra, o dia 06.01.2008. Na verdade, na fundamentação da decisão da matéria de facto, a fls. 238, escreveu-se que quanto à data da aquisição se atendeu ao documento de fls. 29, assinado pelo representante da A.. Ora, esse documento, consistente no boletim de adesão ao seguro de garantia da D…, foi assinado em 6 de Novembro de 2008, pelo que terá sido isso que se quis consignar no facto 1. Com efeito, nenhuma das partes alegou a data que dele se fez constar, sendo que a 1.ª Ré referiu no art. 18.º da contestação que a compra ocorreu no dia 06.11.08 e não no dia 30.10.08, conforme alegado pela A.
Posto isto, corrige-se o lapso, passando a constar do facto 1 que a compra ocorreu no dia 6 de Novembro de 2008.
Passemos, agora, à impugnação propriamente dita dos factos n.º 1, provado e não provado.
O que a apelante pretende é que se dê como provado o que ela alegou, isto é, que adquiriu o carro à 1.ª Ré.
Parece-nos óbvio que a resposta ao facto não pode ser tão linear. Com efeito, a A. sabia da existência da consignação, tanto assim que a alegou na providência cautelar em que um dos requeridos foi, precisamente, o consignante. E não se diga, como ela faz agora, que essa alegação é da responsabilidade do então seu advogado. Naturalmente, o advogado não ia inventar a existência do consignante se a mesma lhe não houvesse sido descrita pela parte. Daí que a fundamentação dada para os factos 38, 39 e 42, a fls. 240, se nos afigure coerente. O Tribunal a quo não tratou a alegação feita pela parte no procedimento cautelar como confissão, nem o podia fazer, mas atendeu à mesma para formar a sua convicção, isto é, que o veículo havia sido posto à consignação no stand da 1.ª Ré.
Portanto, esse elemento é de considerar. Não deve omitir-se que a compra foi feita à 1.ª Ré, antes devendo explicar-se que foi feita à mesma, onde o veículo havia sido deixado para venda pelo consignante. Afinal, contrato de consignação é aquele em que o consignatário efectua as vendas em nome próprio, mas por conta do consignante. A alegação feita pela A. na p.i. não é contrária ao que alegou na providência cautelar, mas apenas mais restritiva. O que permite que se dê uma resposta explicativa ao facto, conjugando o mesmo com a segunda parte do facto 38. Aliás, a testemunha E… disse no seu depoimento que em momento nenhum foi dito à A. que era ele a vender o carro e que quem fez o negócio com a A. foi o F…, a quem a A. pagou e que depois lhe pagou a ele. Em rigor, a alegação feita na providência cautelar apenas pode utilizar-se, precisamente, para se aferir do conhecimento que a A. tinha da colocação do veículo para venda no stand, já que, como resulta do n.º 4 do art. 383.º do CPC, nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm influência no julgamento da acção principal. Se assim é relativamente à matéria de facto julgada na providência relacionada com a acção de que é dependência ou preliminar, por maioria de razão o é quanto a acção a que não está apensada, como é o caso desta, desconhecendo-se, ainda, se houve decisão no procedimento e em que termos.
Assim, o facto 1.º passará a ser:
No dia 6 de Novembro de 2008, a Autora adquiriu à 1.ª Ré, o veículo de matrícula ..-..-VO, marca Mercedes-Benz, modelo …, em cujo stand o mesmo foi colocado para venda por E…, seu proprietário, pelo valor de € 26.000,00, valor este que foi pago pela A. à 1.ª Ré.
Esta resposta implica a eliminação do facto 1 não provado: O veículo automóvel identificado no facto 1.º tivesse sido adquirido à 1.ª Ré.
O facto 38 deve ser dado como não provado. Com ressalva, naturalmente, do que dele se aproveitou para compor a resposta ao facto 1.º, isto é, da referência à colocação em consignação pelo seu proprietário. No mais, a saber, a 1.ª parte do facto tem de ter-se como não provada. Com efeito, a 1.ª Ré não se limitou a permitir a exibição ao público do veículo. Repare-se que a 2.ª Ré alegou no art. 5.º da sua contestação que estabeleceu um acordo comercial com a 1.ª Ré, mediante o qual esta ficou habilitada a oferecer aos seus clientes o mencionado seguro. E a sua testemunha K…, funcionário da D…, disse em julgamento que se trata de um seguro do ramo perdas pecuniárias, que visa proteger a sociedade vendedora, a 1.ª Ré, face a avarias durante o âmbito da garantia, a qual é a tomadora do seguro, com a qual contratou, sendo o adquirente o beneficiário. Também a testemunha E… referiu no seu depoimento ter sido ela a sugerir ao F… que fizesse um seguro garantia. Por outro lado, a 1.ª Ré emitiu a factura de fls. 58, datada de 31.12.2008 a favor da A., dela fazendo constar o preço por esta pago pela viatura. Por conseguinte, não se limitou a permitir a exibição ao público do veículo, antes tendo agido como verdadeira consignatária na venda.
Tem-se, pois, a 1.ª parte do facto 38 como não provada.
A apelante também se não conforma com o facto 39: A pedido do representante da Autora, em consonância com a sugestão que então lhe foi formulada, no dia da efectivação da aquisição foi celebrado o contrato de seguro a que supra se alude.
Como vimos, a testemunha E… disse que foi ela que sugeriu à 1.ª Ré a celebração do seguro garantia. A testemunha K… disse que o seguro foi celebrado com a 1.ª Ré, que é a tomadora. A testemunha G… disse que o sócio gerente da 1.ª Ré, F…, entendeu que seria melhor fazer um seguro e o E… concordou em fazê-lo.
Face a esta prova, e ao documento de fls. 29, o facto passará a ser:
No dia 6 de Novembro de 2008, data em que a A. adquiriu o veículo, foi celebrado o contrato de seguro a que se alude no facto 2, dele sendo a A. beneficiária e a 1.ª Ré tomadora.
Seguidamente, a apelante insurge-se contra o facto 46, defendendo que não podia ter sido considerado provado.
É este o facto:
O "ir acrescentando água" não só não evita que sejam provocados danos ao nível do motor, como antes os agrava e potencia exponencialmente a sua concretização.
No seu depoimento de parte, o sócio-gerente da A. disse que em fins de Dezembro (de 2008) o carro perdia um bocadinho de água. ½ de uma garrafa de 25 cl. O computador de bordo dizia para repor. Depois houve a avaria. A testemunha L…, engenheiro mecânico cuja empresa em que trabalha presta serviços para a D…, e que foi o perito nomeado por esta para examinar o veículo, tendo feito o relatório de fls. 90 e ss., disse que quando chegou à J… já a viatura estava desmontada. Verificou os órgãos, mas não a origem da avaria. Só teve acesso à versão que lhe foi transmitida. Verificou o motor, que tinha sido aberto, segundo lhe disseram por ordem da A., o qual tinha órgãos partidos por esforço (estalados), havendo sinais de sobreaquecimento, o que pode acontecer por o carro andar a circular sem água se o esforço for muito intenso. Quando se acende a luz, normalmente vermelha, é um sinal de risco, um alerta para se parar o mais rápido possível, para evitar gripagem por falta de refrigeração. Pode afirmar que os órgãos estavam danificados. O turbo danificado, os pistões, o bloco. Não teve a possibilidade de dizer o que esteve na origem dos danos. Teoricamente pode ser o sobreaquecimento. Não sabe se foi por aquecimento que partiu. A testemunha M…, mecânico, recebeu na oficina onde trabalha o carro vindo da J…. O motor já estava desmontado. Os pistões estavam rachados e tinha o turbo partido. Não viu o motor a trabalhar, pelo que não sabe do que resultou a avaria. Foi ele que colocou o motor. Ficou com o motor velho e ofereceu a montagem do motor, adquirido pela A. ao sucateiro Paulo, ao cliente. Afirmou que a luz da água acende quando baixa o nível. Se não se deixar faltar a água não acontece nada. Se baixar muito vai danificar o motor. Deve acrescentar-se água, desde que a temperatura se mantenha. Se voltar a acontecer há que ver o que se passa. Não é aceitável que se ande sempre a meter água. N…, testemunha comum à A. e à 1.ª Ré, é recepcionista da J…. Disse que o carro tinha o turbo partido. Fez-se um orçamento e enviou-se para a companhia de seguros. Levou uma peça nova. Já deu para pôr o carro a trabalhar. Depois verificou-se uma perda de água e pediu-se autorização ao cliente para desarmar. Quando entrou na oficina tinha água. Se o carro está a perder água tem de ter uma avaria. Se não se repara está sujeito a ficar na rua. O…, mecânico da J…, disse que colocaram o turbo e depois detectaram-se problemas na cabeça do motor. Não só na cabeça, mas também fissuras num cilindro e num pistão. Não conseguiram determinar a causa, mas também não foi concluída a reparação. Em andamento o sistema ganha bastante pressão e a água sai para o exterior. Quando o aviso aparece já há falta de água. A luz é aviso de anomalia. Se for baixa do nível o aviso também funciona. Faltando a água o motor aquece. Se for uma baixa considerável, começa a aquecer. O veículo entrou ainda com alguma água. É aconselhado ver o estado da viatura se for necessário meter água de 100 em 100 km. Se for baixar de nível é para corrigir, se faltar na totalidade o motor aquece. O carro deitava muito fumo. Quando começa assim é falta de óleo ou de desenvolvimento da viatura. A falta de água só se identifica pelo aviso, indicador de falta de líquido no sistema de refrigeração. Se lhe participarem uma situação dessas manda ir o reboque, por ser perigoso ir a conduzir para a oficina. Mas se a temperatura do motor não estiver a subir pode ir à oficina. Não é aconselhável circular muito com o carro. A fuga de água foi detectada antes de desmontarem o motor. Há o teste de CO2 na água. Não sabe a razão de a cabeça do motor estar fissurada. O cilindro não tinha sinal de aquecimento. Há montes de coisas que levam a cabeça do motor fissurar.
Posto isto, não se extrai destes depoimentos que a causa dos danos no motor do veículo tivesse sido o sobreaquecimento. A testemunha L…, que subscreveu o relatório de fls. 90 e ss., mencionou que o motor denotava sinais de sobreaquecimento, o que não escreveu no mencionado relatório. Mas O…, mecânico da J…, onde o motor foi desmontado, disse expressamente que o cilindro não tinha sinais de aquecimento e que havia “montes” de causas para a cabeça do motor fissurar. Tanto ele como a testemunha N…, recepcionista da J..., referiram que o veículo ainda tinha água (no sistema de refrigeração). Certo é que ninguém passou das hipóteses quanto às causas dos danos no motor, pelo que tanto pode ter sido por sobreaquecimento como por qualquer outra causa. E também ninguém disse o que consta do facto provado ora impugnado, nomeadamente que ir acrescentando água não só não evita danos no motor como os potencia. Pelo contrário, as testemunhas referiram que se deve acrescentar água quando o sinal é de diminuição da mesma, para evitar os sobreaquecimentos, e que quando a falta de água for total o carro não pode circular, por poder gripar.
Atentos estes depoimentos, o facto deve ser não provado.
Vejamos, agora, os factos com as alterações:
1) No dia 6 de Novembro de 2008, a Autora adquiriu à 1.ª Ré, o veículo de matrícula ..-..-VO, marca Mercedes-Benz, modelo …, em cujo stand o mesmo foi colocado para venda por E…, seu proprietário, pelo valor de € 26.000,00, valor este que foi pago pela A. à 1.ª Ré.
2) A segunda Ré celebrou com a primeira um contrato de seguro, com o n.º …….., nos termos do qual aquela assumia o custo de reparação ou substituição das peças que na cláusula A das respectivas condições gerais estão enumeradas que sejam necessárias para o funcionamento correcto do veículo, após uma avaria ocorrida durante o período de vigência da garantia, válido por um ano (doe. de fls. 41 a 53, cujo teor se dá aqui por reproduzido);
3) Logo após a data referida no número 1, quando o gerente da Autora, I…, conduzia a viatura reparou que no computador de bordo apareceu a indicação de avaria no SRS;
4) O que significa avaria nos airbags e/ou pré-tensores de cintos;
5) O que foi comunicado ao gerente da primeira Ré que informou o gerente da Autora que tal reparação seria assumida;
6) Alguns dias após, o computador de bordo da viatura aqui em causa começou a acusar uma deficiência no sistema de refrigeração;
7) Essa deficiência devia-se a falta de água no sistema de refrigeração;
8) O representante legal da Autora teve que começar a acrescentar água no veículo;
9) No entanto, mais ou menos de cem em cem quilómetros tinha essa necessidade de acrescentar água;
10) No dia 14 de Janeiro de 2009, quando o sócio e gerente da Autora regressava à sede da mesma, o veículo automóvel deixou de desenvolver normalmente, acabando por ficar imobilizado na via pública e envolto numa nuvem de fumo;
11) Tendo sido rebocado para a "J…, S.A.";
12) No dia seguinte, de manhã, o representante legal da Autora comunicou à primeira Ré o sucedido;
13) Na J… foi detectado que o turbo do veículo havia partido;
14) E foi apresentado um orçamento para reparação do veículo no valor de € 3.763,21;
15) Na segunda página desse orçamento foi aposta uma nota, como é usual nestes casos, com o seguinte teor: "...após esta reparação, irá ser efectuado o diagnóstico necessário para determinar a perda de água, ruído na suspensão e falha no SRS. Assim sendo poderão existir mais danos no motor";
16) O orçamento supra referido foi enviado para a segunda Ré;
17) A segunda Ré, em resposta, a 19.01.2009, dá autorização para substituir o turbo por um turbo reconstruído, no valor de € 305,18 e mão-de-obra no valor de € 357,20;
18) A primeira Ré foi sempre sendo informada pelo representante da Autora do que se estava a passar;
19) Em 26 de Janeiro de 2009, a empresa J…, S.A. enviou comunicação para a segunda Ré com explicação do orçamento e nova advertência da possibilidade de haver mais danos no motor, numa tentativa de solucionar o problema;
20) Em resposta enviada pela segunda Ré para a empresa J…, a segunda Ré aceita que é necessário substituir o corpo do turbo e mão-de-obra, assumindo já um valor de € 931,30 na reparação, e excluindo o restante, por entender não estar coberto pela garantia contratada;
21) Depois de reparado o turbo, a empresa J… verifica que o motor tem danos e procede à sua abertura;
22) Perante os danos verificados, chega à conclusão que é necessário substituir o motor;
23) E envia, em 2.02.2009, novo orçamento para a segunda Ré, no valor de € 15.463,49;
24) Em 5.02.2009, a segunda Ré comunica à empresa onde se encontrava a viatura aqui em causa para reparação que não garante o pagamento da reparação em causa do motor, por estar excluída da garantia, de acordo com a alínea h) do ponto 2 do manual de garantia;
25) Em 13.02.2009 o Advogado da primeira Ré enviou comunicação para a segunda Ré nos termos constantes de fls. 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
26) Perante a recusa da primeira Ré em pagar a reparação, a Autora foi obrigada a pagar o serviço que já havia sido feito até essa altura pela J…;
27) A Autora comunicou nessa altura ao representante da primeira Ré que iria proceder à reparação da viatura pois estava a sofrer prejuízos por estar privada do uso de um veículo que havia adquirido por ser indispensável à sua actividade;
28) Em 11.03.2009, a Autora pagou a quantia de € 3.548,06;
29) Em 13.03.2009 adquiriu um motor no valor de € 3.300,00;
30) Em 17.04.2009 pagou ainda a quantia de € 528,85 pela reparação necessária do sensor do airbag do passageiro;
31) Desde Fevereiro que o representante da Autora tem comunicado com o representante da primeira Ré mas este diz sempre que nada paga pois é a segunda Ré quem tem que pagar;
32) Em 18 de Junho de 2009 a Autora enviou um fax para a primeira Ré tentando mais uma vez ser ressarcida pelos danos que teve com esta situação;
33) Mais uma vez, a primeira Ré nega ressarcir a Autora do prejuízo que teve, conforme fax que enviou no dia 22.06.2009 e constante de fls. 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
34) À data da avaria do turbo/motor, o veículo tinha cerca de 196.520Km;
35) A Autora adquiriu o veículo para satisfazer as suas necessidades de transporte e apresentação comercial;
36) A Autora dedica-se à administração de condomínios, necessitando de tal veículo também para efeitos comerciais, para imagem da empresa;
37) A Autora ficou privada da utilização da viatura desde 14.01.2009 até 14.03.2009;
38) Não provado.
39) No dia 6 de Novembro de 2008, data em que a A. adquiriu o veículo, foi celebrado o contrato de seguro a que se alude no facto 2, dele sendo a A. beneficiária e a 1.ª Ré tomadora.
40) O acendimento da luz no quadrante indicadora do SRS decorre normalmente de mau contacto da ficha respectiva, não interferindo com o normal funcionamento da viatura;
41) Constatando-se que no caso tal acendimento decorria de mau contacto do interruptor situado no banco da frente do passageiro;
42) Cujo valor sempre foi assumido pelo Sr. E…;
43) Qualquer condutor e utilizador de veículos automóveis tem a obrigação de saber, sem que o possa validamente ignorar, que acendendo no quadrante da viatura a luz avisadora de falta de água tem de imobilizar imediatamente o veículo;
44) Sob pena de sobreaquecimento e serem provocados danos irreversíveis no motor do mesmo;
45) Pela gravidade da falta de água no sistema de arrefecimento do motor, a própria luz que se acende no quadrante é de cor vermelha e normalmente associada a um avisador triangular com uma exclamação no meio;
46) Não provado.
47) No momento da aquisição o veículo possuía 180.00Km;
48) Quando a Autora deu conhecimento à primeira Ré que tinha deslocado a sua viatura para a oficina da Mercedes e bem assim que a D… estava a demorar na resolução do assunto lamentou-se da falta que lhe estava a fazer o veículo, a primeira Ré disponibilizou à Autora o uso de viatura que tinha à venda em stand terceiro, o que esta aceitou e agradeceu;
49) Acabando por devolver tal veículo;
50) Nos termos do n.º 4 da alínea C) das condições geral do contrato a que se alude no número 2 dos factos provados "O montante total a pagar pela Companhia por uma reparação relativamente a peças, poderá ser diminuído sempre que a Companhia o entenda em função da antiguidade das peças substituídas, aplicando uma percentagem de desconto de 1 % por cada mês de antiguidade das mesmas, e contada a partir da primeira colocação em circulação, sem exceder o limite máximo de 85%";
51) O veículo aqui em causa está matriculado desde 21.06.2002;
52) Aquando do recebimento, pela segunda Ré, do orçamento no valor de € 15.463,49 solicitou esta uma peritagem ao veículo;
53) Quando os peritos se deslocaram à oficina, no dia imediatamente a seguir à recepção da participação, verificaram que a viatura se encontrava completamente desarmada a nível de motor;
54) Questionada a oficina sobre quem conferira a necessária autorização para a desmontagem do motor declararam os seus responsáveis que a mesma tinha sido dada pelo proprietário do veículo;
55) Nos termos do n.º 2 da alínea H) das condições gerais da apólice "Para além das anteriores exclusões, não são objecto de cobertura deste contrato os serviços que o vendedor ou o proprietário do veículo tenha arranjado por sua conta, sem a prévia comunicação e sem o consentimento por escrito da D…";
56) Nos termos do n.º 1 da alínea I) das condições gerais da apólice "Em caso de avaria, o proprietário do veículo deverá dar conhecimento à seguradora de modo imediato e sempre antes de efectuar qualquer trabalho sobre o veículo";
57) O motor e o sensor dos airbags não se mostra elencado na alínea A) das condições gerais da apólice para veículo com menos de 230.000Km à data da venda.
58) A presente acção foi intentada no dia 20 de Setembro de 2009;
59) No dia 19 de Fevereiro de 2009 foi averbado ao 1º Juízo Cível de Gondomar um procedimento cautelar, tendo por base os factos que servem de suporte à presente acção, na qual foram demandados, para além dos ora Réus, E…, tendo a 1.ª Ré aí apresentado a sua oposição.
Passemos ao enquadramento jurídico dos factos.
Na sentença afirma-se que o proprietário da viatura em causa nos autos incumbiu a 1.ª Ré de intermediar a venda da mesma, tendo sido em obediência a tal comando que as negociações e posterior venda se realizaram. Mais se afirma que perante a dúvida suscitada pela 1.ª Ré e em ordem a ver a questão definitivamente resolvida, a A. tinha o ónus de, na resposta, fazer intervir na acção o anterior proprietário, o que não fez. Conclui que a 1.ª Ré não assumiu a qualidade de vendedora na relação jurídica em discussão, pelo que não pode ser responsável pelo cumprimento defeituoso do contrato.
Não podemos concordar com esta posição.
Com efeito, em conformidade com o facto 1, a A. adquiriu o carro à 1.ª Ré, em cujo stand o mesmo havia sido colocado para venda pelo proprietário, tendo pago o preço respectivo à vendedora.
Não se estabeleceu, desta forma, qualquer negociação entre o dono da viatura e a A., mas apenas entre aquele e a 1.ª Ré e entre esta e a A..
Situação que quadra, no que ao dono e à 1.ª Ré diz respeito, a uma venda à consignação, contrato que já foi definido como aquele "nos termos do qual uma das partes remete à outra tantas unidades de certa mercadoria, para que esta as venda, com o direito a uma participação nos lucros e a obrigação de restituir as unidades não vendidas". No seu significado comercial a consignação "consiste na entrega de mercadorias a um negociante para que as venda ou revenda por conta de quem lhas entrega". Na venda à consignação, "o consignatário efectua as vendas em nome próprio, mas por conta do consignante". Há, pois, um verdadeiro mandato para venda do bem entregue em regime de consignação (com a obrigatoriedade, para o consignatário, de devolver o bem se o não vender) embora sem que ao mandatário sejam conferidos poderes de representação (art. 1180.º do CC). "Configura-se um mandato sem representação, nos termos e para os efeitos dos art.s 1180º e seguintes do C.Civil, quando, concertadamente, e sem outorga da procuração específica, o mandatário celebra um dado negócio jurídico em seu próprio nome (nomine proprio) mas por conta do mandante, ocorrendo em tal situação uma interposição real de pessoas"[1].
É o que se passa in casu, na medida em que o anterior dono do veículo o colocou nas instalações da 1.ª Ré, com o objectivo de que esta se encarregasse da venda do mesmo, sem dizer à A. que o mesmo pertencia a outrem, o que ela veio a saber depois, na J…, quando lá se deslocou com o sócio gerente da vendedora e aí conheceu o anterior dono, como disseram em julgamento quer o sócio gerente da A., quer aquele, E….
Nos termos do art. 1180.º do CC, o mandato sem representação é aquele que é exercido por conta do mandante em nome do próprio mandatário, isto é, sem contemplatio domini, ainda que o mandatário tenha recebido poderes representativos ou o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários deles[2].
Neste âmbito, podem ser adoptadas duas teses tendo em vista a questão da repercussão no mandante dos negócios celebrados entre o mandatário e o terceiro: a tese da dupla transferência, segundo a qual os efeitos se repercutem na esfera do mandatário, sendo necessário um negócio autónomo para os transmitir para o mandante; e a tese da projecção imediata, segundo a qual os efeitos se repercutem directamente na esfera do mandante, sem terem que passar pelo património do mandatário. Entre ambas as teses existe uma outra que sustenta a dupla transferência no mandato para adquirir e a projecção imediata no mandato para alienar[3].
No caso do mandato para adquirir, a lei consagrou a tese da dupla transferência, ao dizer que se o mandatário agir em nome próprio adquire os direitos e assume as obrigações resultantes dos negócios que celebra (art. 1180.º), pelo que os efeitos dos negócios se não repercutem directamente na esfera do mandante, mas na do mandatário, de onde terão de ser posteriormente transferidos para o mandante.
Adoptando a tese da dupla transferência, o art. 1181.º/1 estabelece a obrigação para o mandatário de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato, do que resulta que o bem é primeiro adquirido pelo mandatário (art. 1180.º), sendo necessária, para a sua efectiva aquisição pelo mandante, um novo negócio de transmissão, a celebrar entre ele e o mandatário, e que este se obriga a celebrar[4].
Dizem Pires de Lima e Antunes Varela[5] que em harmonia com o disposto no art. 1180.º, segundo o qual o mandatário assume, perante terceiros, todas as obrigações decorrentes da execução do mandato, é aquele o único responsável, perante estes, por essa execução, não se constituindo quaisquer direitos de terceiros sobre o mandante, que é, em consequência das regras gerais, estranho aos efeitos jurídicos da gestão do mandatário. Os terceiros, que contrataram com o mandatário e não com o mandante (mesmo que tenham tido conhecimento do mandato sem representação), poderiam opor-se à substituição do primeiro pelo segundo.
No entanto, no que concerne ao mandato para alienar, a lei não faz qualquer referência à situação vigente, pelo que, em termos teóricos, tanto pode ser defendida a tese da projecção imediata, segundo a qual ocorre uma transferência directa do mandante para o terceiro adquirente do bem alienado pelo mandatário, como a tese da dupla transferência, que entende que a alienação se efectua através do património do mandatário[6].
Segundo o mesmo autor[7], a doutrina portuguesa tem divergido entre a adopção da tese da projecção imediata e a tese da dupla transferência fiduciária (também se fala da dupla transferência instrumental ou simultânea). Assim, Pires de Lima e Antunes Varela e Manuel Januário Gomes estariam a favor da tese da projecção imediata; enquanto Galvão Telles, Castro Mendes e Maria João Tomé estariam a favor da dupla transferência fiduciária.
O próprio[8] propende para a tese da dupla transferência, por não considerar concebível que, sendo o mandato sem representação, venha a permitir da mesma forma a alienação de bens do mandante como se houvesse representação.
Por isso, o mandante deverá previamente transferir fiduciariamente a propriedade ao mandatário (art. 1167.º-a)), que assume o encargo de a transmitir a terceiro.
No caso em análise, devemos adoptar a tese da dupla transferência fiduciária, na medida em que foi o próprio mandatário quem para defender a sua posição celebrou o contrato de seguro com a 2.ª Ré.
O que tem implicações na responsabilidade do mandatário, pois, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela[9], a situação do mandante é, em princípio, estranha às pessoas que contratam com o mandatário, e estas pessoas, por seu turno, também não é com o mandante, mas com o mandatário, que estabelecem relações negociais, não passando de terceiros em relação ao mandato.
Analisada a responsabilidade do vendedor, decorrente do mandato sem representação, vejamos em que consiste a mesma.
Pedro Romano Martinez[10] afirma que o defeito, em sentido amplo, corresponde a um desvio à qualidade devida, desde que a divergência seja relevante. Em sentido objectivo, o defeito corresponde a um desvio à qualidade normal de coisas daquele tipo; a teoria subjectiva, levada ao seu extremo, alarga a noção de defeito, nele enquadrando certos casos de erro, como o que incide sobre a matéria (imagine-se a compra de um relógio em plaquet, pensando o comprador que é ouro, o que lhe é confirmado pelo vendedor).
No Cód. Civil a noção de defeito assenta em ambos os critérios, falando-se quer no art. 913.º, quer no art. 1218.º em vícios e em qualidades asseguradas, devendo os primeiros aferir-se em função da normalidade[11].
Por isso, há que verificar se o bem corresponde à qualidade normal de coisas daquele tipo e, depois, determinar se é adequado ao fim, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato. Deste modo, os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, ao passo que as desconformidades são discordâncias com o fim acordado. O conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa. Os dois elementos fazem parte do conteúdo do defeito, determinando-se através do contrato e dependendo da interpretação deste[12].
O negócio jurídico celebrado determina a própria qualidade normal da coisa, porquanto ela não é, por via de regra, totalmente abstracta. Se se adquire uma casa para nela habitar, e se nela existe fogão de sala, é para utilizar e não para vista. Se se tratasse de um fogão não utilizável, como aqueles que se fazem para mera decoração, então, a responsabilidade por qualquer dano decorrente da utilização seria do comprador e não do vendedor, já que, não sendo para acender, não teria defeito[13].
Afirma o mesmo autor que a coisa tem de ter uma adequação normal com respeito ao uso idóneo da sua função típica. O que transparece no art. 905.º, ao fazer referência aos limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria; e no art. 913.º/2 ao mandar atender à função normal de coisas da mesma categoria[14].
Não oferece dúvida que uma viatura tem de estar apta a desempenhar a função que dela se espera, que é circular. E tendo defeitos no turbo, no sistema de refrigeração e no motor essa função não pode ser adequadamente preenchida, pelo que há que convir que padece de defeito que a inibe de desempenhar a sua função normal.
No caso de venda de coisas defeituosas, o comprador tem os seguintes direitos: a) exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela – art. 914.º do CCivil, diploma a que pertencerão os preceitos citados sem menção de origem; b) exigir indemnização pelos danos emergentes do contrato – art. 915.º.
Escreve Antunes Varela[15] que a mais importante consequência do cumprimento defeituoso é a obrigação de ressarcimento dos danos causados ao credor e, a seguir, como mais característico, o direito de, em certos casos (consagrados no regime dos contratos em especial) de exigir a reparação ou substituição da coisa.
Estes direitos à indemnização dos danos e de cumprimento coexistem[16].
Vaz Serra[17], a propósito da empreitada, afirma que a indemnização tem, em regra, uma função integradora e complementar, não existindo uma alternatividade em relação à eliminação dos vícios ou à redução do preço.
Mas a reparação é exigível do vendedor, não se podendo impor a este que pague os custos da reparação por terceiro. Com efeito, apurando-se a existência dos defeitos e reclamados atempadamente junto do vendedor, o comprador tem o direito de exigir dele a reparação – art. 914.º. Todavia, é ao próprio vendedor que se deve facultar, quer porque a lei o impõe, quer porque a razoabilidade o indica, a possibilidade de corrigir o erro em que incorreu, o que, feito por ele, seguramente terá custos inferiores àqueles que terá se for concretizada por outrem.
Todavia, Teles de Menezes Leitão[18] fala da indemnização por incumprimento da obrigação de reparação ou substituição da coisa, dizendo que também em virtude da remissão do art. 913.º in fine, se aplica em sede de venda de coisas defeituosas o art. 907.º, sendo a referência ao incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato naturalmente substituída pela referência à obrigação de reparar ou substituir a coisa, referida no art. 914.º. Efectivamente, sendo a obrigação de reparação ou substituição uma obrigação como outra qualquer (art. 397.º), o vendedor estará sujeito, nos termos gerais à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (art.s 798.º e ss.), impossibilidade culposa (art.s 801.º e ss.) ou mora no cumprimento (art.s 804.º e ss.)
Por isso, afirma, nada impede que também na venda de coisas defeituosas o comprador peça indemnização ao vendedor pelo incumprimento da obrigação de reparar ou substituir a coisa ou por mora nesse cumprimento. O art. 910.º/1, aplicável por força do art. 913.º, admite um concurso de pretensões neste âmbito, ao referir que “a correspondente indemnização acresce à regulada nos artigos anteriores, excepto na parte em que o prejuízo seja comum”.
Há, por conseguinte, responsabilidade da parte da 1.ª Ré, que deve indemnizar a A. das despesas tidas com a reparação do carro.
Chegados aqui, porque a sentença deixou de apreciar a excepção peremptória da caducidade invocada pela 1.ª Ré, por a considerar prejudicada em face de entender que não houve qualquer negócio da A. com ela, dado que entendemos não dever assim considerar-se, temos que apreciar a mencionada excepção (art. 715.º/2 do CPC).
Os factos com interesse são estes:
1) No dia 6 de Novembro de 2008, a Autora adquiriu à 1.ª Ré, o veículo de matrícula ..-..-VO, marca Mercedes-Benz, modelo …, em cujo stand o mesmo foi colocado para venda por E…, seu proprietário, pelo valor de € 26.000,00, valor este que foi pago pela A. à 1.ª Ré.
3) Logo após a data referida no número 1, quando o gerente da Autora, I…, conduzia a viatura reparou que no computador de bordo apareceu a indicação de avaria no SRS;
4) O que significa avaria nos airbags e/ou pré-tensores de cintos;
5) O que foi comunicado ao gerente da primeira Ré que informou o gerente da Autora que tal reparação seria assumida;
6) Alguns dias após, o computador de bordo da viatura aqui em causa começou a acusar uma deficiência no sistema de refrigeração;
7) Essa deficiência devia-se a falta de água no sistema de refrigeração;
8) O representante legal da Autora teve que começar a acrescentar água no veículo;
9) No entanto, mais ou menos de cem em cem quilómetros tinha essa necessidade de acrescentar água;
10) No dia 14 de Janeiro de 2009, quando o sócio e gerente da Autora regressava à sede da mesma, o veículo automóvel deixou de desenvolver normalmente, acabando por ficar imobilizado na via pública e envolto numa nuvem de fumo;
11) Tendo sido rebocado para a "J…, S.A.";
12) No dia seguinte, de manhã, o representante legal da Autora comunicou à primeira Ré o sucedido;
13) Na J… foi detectado que o turbo do veículo havia partido;
14) E foi apresentado um orçamento para reparação do veículo no valor de € 3.763,21;
15) Na segunda página desse orçamento foi aposta uma nota, como é usual nestes casos, com o seguinte teor: "...após esta reparação, irá ser efectuado o diagnóstico necessário para determinar a perda de água, ruído na suspensão e falha no SRS. Assim sendo poderão existir mais danos no motor";
16) O orçamento supra referido foi enviado para a segunda Ré;
17) A segunda Ré, em resposta, a 19.01.2009, dá autorização para substituir o turbo por um turbo reconstruído, no valor de € 305,18 e mão-de-obra no valor de € 357,20;
18) A primeira Ré foi sempre sendo informada pelo representante da Autora do que se estava a passar;
19) Em 26 de Janeiro de 2009, a empresa J…, S.A. enviou comunicação para a segunda Ré com explicação do orçamento e nova advertência da possibilidade de haver mais danos no motor, numa tentativa de solucionar o problema;
20) Em resposta enviada pela segunda Ré para a empresa J…, a segunda Ré aceita que é necessário substituir o corpo do turbo e mão-de-obra, assumindo já um valor de € 931,30 na reparação, e excluindo o restante, por entender não estar coberto pela garantia contratada;
21) Depois de reparado o turbo, a empresa J… verifica que o motor tem danos e procede à sua abertura;
22) Perante os danos verificados, chega à conclusão que é necessário substituir o motor;
23) E envia, em 2.02.2009, novo orçamento para a segunda Ré, no valor de € 15.463,49;
24) Em 5.02.2009, a segunda Ré comunica à empresa onde se encontrava a viatura aqui em causa para reparação que não garante o pagamento da reparação em causa do motor, por estar excluída da garantia, de acordo com a alínea h) do ponto 2 do manual de garantia;
25) Em 13.02.2009 o Advogado da primeira Ré enviou comunicação para a segunda Ré nos termos constantes de fls. 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
26) Perante a recusa da primeira Ré em pagar a reparação, a Autora foi obrigada a pagar o serviço que já havia sido feito até essa altura pela J…;
28) Em 11.03.2009, a Autora pagou a quantia de € 3.548,06;
29) Em 13.03.2009 adquiriu um motor no valor de € 3.300,00;
30) Em 17.04.2009 pagou ainda a quantia de € 528,85 pela reparação necessária do sensor do airbag do passageiro;
31) Desde Fevereiro que o representante da Autora tem comunicado com o representante da primeira Ré mas este diz sempre que nada paga pois é a segunda Ré quem tem que pagar;
32) Em 18 de Junho de 2009 a Autora enviou um fax para a primeira Ré tentando mais uma vez ser ressarcida pelos danos que teve com esta situação;
33) Mais uma vez, a primeira Ré nega ressarcir a Autora do prejuízo que teve, conforme fax que enviou no dia 22.06.2009 e constante de fls. 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
58) A presente acção foi intentada no dia 20 de Setembro de 2009.
Pedro Romano Martinez[19] defende que o prazo de seis meses estabelecido no art. 917.º, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, é válido, não só para se interpor acção de anulação do contrato, como também para intentar qualquer outra acção baseada no cumprimento defeituoso, por se não compreender que o legislador tivesse circunscrito a anulação do contrato a esse prazo, deixando de fora, sujeitos à prescrição de 20 anos, todas as outras hipóteses de acção.
Já Pires de Lima e Antunes Varela[20] defendiam que o prazo de seis meses do art. 917.º, deveria ser aplicado, por interpretação extensiva do artigo, às acções que visam obter a reparação ou a substituição da coisa (art. 914.º). Dizem parecer ter sido essa a intenção do legislador, pois, além de se não justificar a extinção daqueles direitos em caso de simples erro ao prazo de vinte anos, ficaria por explicar a desarmonia com o n.º 4 do art. 921.º, que, no caso de garantia de bom funcionamento da coisa vendida, sujeita o direito de obter a reparação ou a substituição à extinção em curto prazo.
Também o acórdão uniformizador n.º 2/97, in DR I-A, de 30.1.1997, refere que a caducidade tem por objectivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado, prevalecendo considerações de certeza e de ordem pública, que visam que as situações jurídicas, ao fim de certo tempo, se tornem certas e inatacáveis.
Por isso, o dito acórdão, num caso de compra e venda de um imóvel com defeito, anteriormente à introdução do n.º 3 do art. 916.º pelo art. 3.º do DL 267/94, de 25.10, definiu que se deve usar da interpretação extensiva, que consiste em fazer compreender na norma o que, embora não literalmente lá expresso, deve ser nela abrangido, tendo em consideração, designadamente, o pensamento legislativo e as condições específicas do tempo em que é aplicada (art. 9.º), pelo que a determinação do prazo de caducidade do direito de acção do comprador destinado a exigir do vendedor a reparação de defeitos do imóvel vendido, se obtém por interpretação extensiva dos art.s 916.º e 917.º, ficando, assim, a mencionada acção, sujeita à caducidade nos termos previstos no art. 917.º.
Tendo em conta essas razões, não teria lógica que para o exercício do direito de acção com vista à reparação dos defeitos ou à substituição da coisa vigorasse o prazo de caducidade do art. 917.º e o mesmo já se considerasse afastado quando a acção fosse de indemnização por via dos danos decorrentes desses mesmos defeitos – ac. RC de 31.5.94, CJ, 3.º-22.
Menezes Leitão[21] afirma que a lei estabelece no art. 917.º que a obrigação de anulação com base em simples erro, além de pressupor a denúncia dentro dos prazos fixados no n.º 2 do art. 916.º, deve ser instaurada no prazo de seis meses, salvo se o contrato ainda não estiver integralmente cumprido, caso em que poderá ser instaurada a todo o tempo (art.s 917.º e 287.º/2). E frisa que apesar de a letra da lei ser restrita à acção de anulação, lhe parece que este prazo deverá ser aplicado igualmente em relação a todas as acções conferidas ao comprador com base em simples erro, uma vez que não se justifica a grande divergência de regime de se aplicar a estas o prazo geral da prescrição (refere o acórdão da RC de 22.5.2007, CJ XXXII, 3, p. 15 a 18).
Assim, o prazo a ter em conta é o dos art.s 917.º e 921.º/4, isto é, seis meses decorridos sobre a denúncia.
Mesmo admitindo que houve denúncia dos defeitos até Fevereiro de 2009, seríamos levados a concluir pela caducidade do direito de acção, tendo em conta que apenas a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, obsta à caducidade (art. 331.º/1 do CC).
No entanto, dispõe o n.º 2 desse preceito que quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
Dizem Pires de Lima e Antunes Varela[22], citando Vaz Serra, que se se trata do prazo de proposição de uma acção judicial, o reconhecimento “deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido”.
Tem, pois, de ser expresso, correcto e preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor[23].
Pois bem, quanto à avaria nos airbags, a 1.ª Ré assumiu a reparação do defeito (facto 5).
Quanto ao turbo partido, foi a 2.ª Ré que aceitou que tinha de ser substituído e assegurou pagar determinado montante (factos 17 e 20).
Este reconhecimento não pode impor-se à 1.ª Ré, ao contrário do que sucederia se tivesse sido ela a reconhecer a obrigação, o que se estenderia à 2.ª Ré, por via da celebração do contrato de seguro, pelo que não tem como efeito, quanto àquela, impedir a caducidade. Aliás, a 2.ª Ré foi condenada a pagar parte do montante pedido pela A. a esse propósito e a sentença, nessa parte, não tem por que ser alterada.
De fora fica a responsabilidade respeitante ao defeito no motor, pois nenhuma das Rés aceitou essa responsabilidade e decorreu o prazo de caducidade.
A responsabilidade da 1.ª Ré pelo dano no airbag não pode estender-se à 2.ª Ré seguradora, porquanto, como se refere na sentença, o seguro não cobre tal dano (cfr. Manual de Garantia, a fls. 46 e 47 – E), n.º 5).
Provou-se que em 17.04.2009 a A. pagou a quantia de € 528,85 pela reparação necessária do sensor do airbag do passageiro.
Face ao exposto, a 1.ª Ré é responsável pelo pagamento dessa quantia, acrescida de juros de mora desde essa data até efectivo pagamento.
A A. também pediu a atribuição de uma quantia de € 3.600,00 de indemnização pelo dano de privação de uso, consistente em € 60,00 durante 60 dias.
Provou-se:
35) A Autora adquiriu o veículo para satisfazer as suas necessidades de transporte e apresentação comercial;
36) A Autora dedica-se à administração de condomínios, necessitando de tal veículo também para efeitos comerciais, para imagem da empresa;
37) A Autora ficou privada da utilização da viatura desde 14.01.2009 até 14.03.2009;
48) Quando a Autora deu conhecimento à primeira Ré que tinha deslocado a sua viatura para a oficina da Mercedes e bem assim que a D… estava a demorar na resolução do assunto lamentou-se da falta que lhe estava a fazer o veículo, a primeira Ré disponibilizou à Autora o uso de viatura que tinha à venda em stand terceiro, o que esta aceitou e agradeceu;
49) Acabando por devolver tal veículo;
Vem-se entendendo que entre os danos patrimoniais se inclui a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu ou ser impedido de realizar uma viagem que tinha contratado. Isto porque o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação integra um dano[24].
O autor citado alerta para o problema colocado por este tipo de danos pela dificuldade de aplicação do critério patrimonial resultante da teoria da diferença (art. 566.º/2 do CC), no caso em que o lesado não suportou despesas em virtude da privação, nomeadamente, por não ter alugado outro veículo para substituição do danificado. Refere que essa dificuldade tem levado a jurisprudência a dividir-se, havendo decisões que negam o dano e outras que o qualificam como dano moral (como sucedeu na sentença em crise). Todavia, entende que a conduta poupadora de despesas do lesado não pode servir para obstar à indemnização do dano verificado, havendo que proceder ao seu cálculo em termos reais. Congratula-se com as mais recentes decisões dos tribunais que admitem o ressarcimento do dano da privação do uso[25].
A 1.ª Ré deveria, assim, indemnizar a A. pelo prejuízo advindo da privação do uso.
No entanto, embora a A. tenha estado privada do uso da viatura, o certo é que a 1.ª Ré lhe disponibilizou o uso de outra, em substituição, o que a A. aceitou, mas acabou por devolvê-la.
Desconhecemos, assim, por um lado, quanto tempo é que a A. ficou sem veículo, pois uma coisa é ter ficado sem o seu veículo durante aquele lapso de tempo e outra sem qualquer veículo, o que apenas terá acontecido porque decidiu devolver o que lhe foi emprestado pela 1.ª Ré; e por outro, tendo-lhe esta disponibilizado a utilização de uma viatura, que aquela acabou por devolver, não pode imputar-se-lhe a privação do uso sofrida pela A.
Por isso, este pedido deve improceder.
Sumário:
- Na venda à consignação "o consignatário efectua as vendas em nome próprio, mas por conta do consignante". - Há, pois, um verdadeiro mandato para venda do bem entregue em regime de consignação, embora sem que ao mandatário sejam conferidos poderes de representação.
- Mandato esse sem representação, nos termos e para os efeitos dos art.s 1180º e ss. do Cód. Civil, pois que o mandatário celebra um dado negócio jurídico em seu próprio nome (nomine proprio) mas por conta do mandante, ocorrendo em tal situação uma interposição real de pessoas.
- A situação do mandante é, pois, em princípio, estranha às pessoas que contratam com o mandatário, as quais estabelecem relações negociais com este e não com aquele, sendo terceiros em relação ao mandato.
- Assim, o vendedor é responsável pelos defeitos da coisa vendida.
Face ao exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e altera-se a sentença, condenando-se a 1.ª Ré D…, Lda a pagar à A. a quantia de € 528,85, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 17.04.2009 até integral pagamento.
No mais, confirma-se a sentença.
Custas por apelante e apelada, em ambas as instâncias, na proporção de vencido.
Porto, 17 de Março de 2011
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
José Manuel Carvalho Ferraz
Leonel Gentil Marado Serôdio
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[1] Acórdão do STJ de 09-10-2003, Processo: 03B1585, www.dgsi.pt
[2] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, III, 6.ª ed., p. 457
[3] Ibid
[4] Ibid. e p. 458
[5] CC Anotado, II, 2.ª ed., p. 667
[6] Menezes Leitão, o. c., p. 462
[7] Ibid.
[8] Ibid., p. 464
[9] O. c., p. 663
[10] Cumprimento Defeituoso, 163 e ss.,
[11] Ibid., p. 166
[12] Ibid.
[13] Ibid,. p. 167
[14] Ibid., p. 167 a 169
[15] Obrigações, II, 7.ª ed., p. 131
[16] Cfr. nota 2, local citado
[17] Bol. 146-65
[18] Direito das Obrigações, III, 5.ª ed., p. 122-123
[19] Cumprimento Defeituoso, 1994, 413 e 414
[20] O. c., p. 193
[21] O. c., p. 129-130
[22] O. c., I, 2.ª ed., p. 274
[23] Ac. STJ de 25.11.1998, Bol. 481.º-430
[24] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 7.ª ed., p. 339
[25] Ibid, nota de rodapé