CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
EXCESSO
Sumário

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - "A, Lda." intentou acção declarativa condenatória, com processo ordinário, contra B e mulher, C, pedindo a declaração de resolução judicial de contrato de fornecimento outorgado entre as Partes em 31 de Julho de 1997, com a condenação dos RR. a entregarem à A. os bens pertença desta, bem como a pagarem-lhe a quantia de 30.000.000$00, a título de indemnização prevista na cláusula 10ª do contrato, a que acrescerão esc. 200.000$00 por cada dia em que se verificar a violação contratual, e a quantia de 10 000 000$00, a título da cláusula penal, de conformidade com a previsão da mesma cláusula 10ª in fine.
Alegou, em síntese, que os RR. deixaram de adquirir à A. os combustíveis, óleos e lubrificantes, passando a ser fornecidos por outra entidade, o que, segundo o clausulado contratual lhe confere o direito à resolução e à indemnização e cláusula penal convencionadas.
Na contestação que apresentaram, os RR. sustentaram que nada devem à A., que cederam a sua posição no contrato e que foi a A. que deixou de lhes fornecer combustíveis por aqueles terem recusado ceder-lhe a sua posição contratual, sendo a cláusula 10ª abusiva, por não terem tido a possibilidade de negociar o contrato de fornecimento.
Replicando, a A. articulou que o contrato é o mesmo que anteriormente vigorava entre si e a sociedade comercial de que o R. era sócio e que a solicitação deste substituiu, conhecendo, por isso, o contrato desde 1995.
A final, na parcial procedência da acção, foi declarada a resolução do contrato, ordenada a entrega dos bens da A. e os RR. condenados no pagamento de esc. 4.000.000$00.
A A. apelou, mas a Relação manteve a decisão.
Continuando inconformada, a A. pede revista, pugnando pela procedência total da acção.
Para o efeito, levaram às conclusões:
- Os Recorridos invocaram a nulidade da cláusula 10ª do contrato, sem que, porém, tenham pedido a redução da mesma, por manifesta excessividade;
- A simples alegação de "nulidade" da dita não contém a virtualidade contida no nº. 1 do artº. 812º C. Civil, capaz de legitimar a redução equitativa da mesma;
- A redução ali prevista não é um poder que o Tribunal possa exercer oficiosamente;
- A aplicação da cláusula penal verificar-se-á logo que se verificar o incumprimento contratual;
- O recurso a factos notórios ou instrumentais para fundamentar a inexistência de danos está vedado às instâncias, uma vez que a eventual redução da cláusula penal tida por excessiva não faz apelo à existência ou inexistência de danos;
- Fez-se errada apreciação dos artºs. 4º, 405º, 810º, 811º e 812º C. Civil.
Os Recorridos não responderam.

2. - Na decisão da 1ª instância procedeu-se à redução oficiosa da cláusula penal estabelecida na cláusula 10ª do contrato celebrado entre as Partes, tendo a Relação, na apreciação do recurso da Autora, reconhecido que deve ter-se como vedado o conhecimento oficioso da questão, acabando por entender que, tendo os RR. invocado a nulidade da cláusula, posição que põe em causa o dever de a satisfazerem inteiramente, haveria que levar em conta essa posição.
Consequentemente, a questão a apreciar agora é apenas a de saber se a mera arguição da nulidade da cláusula penal estipulada legitima a sua redução equitativa.

3. - Ao abrigo do disposto no nº. 6 do artº. 713º CPC, remete-se para a fundamentação de facto constante da decisão recorrida, que aqui se dá por reproduzida.

4. 1. - Como vem pacificamente aceite o contido na cláusula 10ª do contrato de fornecimento em questão constitui uma verdadeira cláusula penal, enquanto convenção pela qual as partes fixaram previamente o montante da indemnização exigível e devida pelo incumprimento das obrigações contratuais determinantes da resolução, em parte com a função de indemnização predeterminada ligada à violação da execução do contrato e em parte com função compulsória (artº. 810º C. Civil).
Em face dessa natureza e razão de ser da cláusula penal, entende-se que o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação de danos ou prejuízos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes. Aquela prefixação visa, justamente, prescindir de averiguações sobre essa matéria.
Daí que, como vem sendo reiteradamente decidido, o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recaia sobre o devedor (acs. STJ de 17/11/98, de 9/2/99 e de 5/12/002, in CJSTJ VI-III-120 e VII-I-99, e, Sumários, 2002, 10).
4. 2. - Do mesmo modo se vem entendendo que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedido pelo artº. 812º-1 C. Civil, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização.
Postulam-no razões como a circunstância de se estar perante uma norma de protecção do devedor, de cujos efeitos, após a avaliação que faça da situação a posteriori, poderá livremente dispor, bem como a regra processual dos limites do conhecimento pelo princípio do pedido (artºs. 660º-2, 661º-1 e 664º CPC).
É esta, também, a posição francamente dominante na doutrina e na jurisprudência, podendo ver-se nesse sentido, designadamente, PINTO MONTEIRO, "Cláusula Penal e Indemnização", 735; CALVÃO DA SILVA, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 275; acs. STJ, de 17/2/98, RP de 23/11/93 e 26/1/00, in, respectivamente, CJ VI-I-72, XVIII-V-225 e XXV-I-205).
4. 3. - Aqui chegados, importa resolver a questão de saber se a invocação da nulidade feita pelos RR. consubstancia um pedido de redução da cláusula por excesso manifesto desta.
Como já se adiantou respondeu-lhe afirmativamente a Relação, invocando o decidido no acórdão deste Supremo de 14/2/75 (BMJ 244º -261), onde se ponderou que se «se pretende que nada é devido, por injusto, está implícito que é menos injusto do que a concessão total de uma redução, que por isso também pretendida foi».
Também nos parece que não será necessária a formulação de um pedido formal de redução da indemnização fixada, bastando que o devedor assuma nos articulados da acção uma posição reveladora, "ainda que só de modo implícito", do seu inconformismo ou discordância com a satisfação dos valores que lhe são pedidos, invocando o seu excesso ou uma desproporcionalidade que evidencie esse mesmo excesso. (cfr., neste sentido, PINTO MONTEIRO, ob. e loc. cit., nota 1654).
Dito doutro modo, entende-se que é necessário que o demandado, omitindo embora o pedido expresso de redução, alegue os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que forneçam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso, do que a liberdade contratual (artº. 405º) não suporta.
Quando tal suceda, isto é, quando os factos alegados e demonstrados no processo revelem o excesso e a pretensão do devedor de ver reduzida a indemnização clausulada, poderá, e deverá, o tribunal operar a redução agindo, nessa medida, "oficiosamente", tal como pacificamente se entende com o conhecimento da excepção do abuso de direito.
Reportando-nos, agora, à actuação dos RR. temos, então, que, a este propósito, se limitaram eles a fazer constar da contestação que «(...) a cláusula 10ª é nula por se tratar de uma cláusula abusiva uma vez que os RR. não tiveram a possibilidade de negociar o referido contrato de fornecimento». Mais nada foi articulado, em sede factual.
Assim, os RR. apenas se queixaram, infundadamente, de não terem tido oportunidade de negociar o contrato e nada mais.
Não deixaram uma única palavra sobre a onerosidade da indemnização e da sanção clausuladas, sobre se as mesmas são justas ou injustas, se são desproporcionadas ao incumprimento, tendo em conta, por exemplo o volume de negócios, em suma, sobre o seu desacordo relativamente às quantias exigidas, em razão da respectiva desproporção ou excesso.
Consequentemente, entende-se que, perante a absoluta omissão de alegação de factos integrantes do excesso da cláusula, de onde haveria de extrair-se a sua não aceitação pelos Demandados, não pode ter-se por verificada uma pretensão ou pedido implícito de redução, a atender por via de excepção (posição idêntica parece ser a tomada nos acs. do STJ de 17/11/98 e RP de 23/11/93 supra citados).

5. - Por tudo o exposto, válida a cláusula, como vinha decidido, e não havendo lugar à redução por manifesta excessividade, a douta decisão impugnada não pode subsistir, e a acção tem de proceder na totalidade.

6. - Termos em que se decide:
- Conceder a revista;
- Revogar o acórdão recorrido;
- Julgar a acção procedente, também quanto aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) da petição inicial, condenando os Réus no pagamento das quantias neles peticionadas pela Autora; e,
- Condenar os RR. nas custas.

Lisboa, 30 de Setembro de 2003
Alves Velho
Moreira Camilo
Pinto Monteiro
Lopes Pinto (vencido conforme voto que junto)
Reis Figueira
______________

Voto de vencido:

1.- Entendo que a concreta cláusula penal é manifesta e objectivamente excessiva.
Independentemente da posição que deva ser tomada relativamente ao conhecimento ser ou não oficioso e aos ónus de alegar e de provar (sobre isso, vd. ac. STJ de 99.02.09 rec. 1/99, de que fomos relatos), a desproporcionalidade entre o eventual prejuízo da autora e o montante da cláusula penal é não só evidente como acentuadamente exagerada, como este último é ainda fortemente desequilibrado e revelador de, por parte da autora, abuso da posição dominante.
Acresce que da análise do contrato no tocante ao que dispõe sobre sanção compulsória e sobre a cláusula penal, observa-se que foi clausulada uma sobreposição parcial dos campos de aplicação de uma e outra, o que, de novo, evidencia o carácter abusivo desta e o acentuado desequilíbrio na relação entre o mais forte (a autora) e o mais fraco (o réu).
O tipo de contrato em causa configura, em função quer do seu objecto quer da política comercial naquele concreto domínio de produtos petrolíferos e seus derivados, um contrato muito similar ao de adesão.
Justifica-se, assim, uma redução equitativa da cláusula penal.
2.- Por outro lado, há, a nosso ver, um comportamento abusivo da autora ao accionar a cláusula penal pelo montante total sem atender a circunstâncias por si conhecidas.
Antes desta acção, outra houve (e que venceu) em que, por incumprimento contratual de que resultou uma dívida avultada, accionou o réu e estava ao seu alcance accionar aí quer a resolução do contrato quer o clausulado no contrato sobre sanção compulsória ou sobre a cláusula penal.
Contrariamente ao que ora fez - e, na petição inicial, pediu-o cumulativamente - não o fez então.
O seu comportamento foi susceptível de criar a convicção de que se manteve a relação de confiança.
Certo que na presente acção invocou ainda uma outra causa de incumprimento e esta sim é elucidativa da quebra dessa relação.
Porém, conhecendo que, pelo menos, após aquela acção, a litigiosidade fora instalada e que o réu denunciara o contrato, a autora devia, ao exercer o seu direito através desta acção, reduzí-lo aos limites impostos pela boa fé, tanto mais que esse contrato «vinha» do firmado com entidade que com o réu se não confundia (anote-se que a matéria de facto alegada pelos réus na 2ª parte do artº. 21º e no artº. 22º da contestação não foi quesitada, quando teria sido este o caminho indicado para a questão poder ser abordado, com mais segurança, sob esta perspectiva; não interessa agora seguir nesse sentido, porquanto, analisada a cláusula pelo ângulo indicado em primeiro lugar, há lugar à redução equitativa, solução a que conduziria esta outra, embora por diversa fundamentação - em face dos factos, reduzi-la aos seus justos limites).
Confirmaria, pois, a redução na medida operada pelas instâncias.
Alves Velho