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CITAÇÃO
CITAÇÃO EDITAL
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE
ARGUIÇÃO
Sumário
I - São realidades processuais distintas, constituindo diferentes vícios da citação, a falta e a nulidade desta, sendo também diferente o regime de uma e outra. II - Em matéria de citação, o procedimento regra é o da citação pessoal. III - Só quando esta se revela impossível de concretizar - o que acontece quando o citando se encontra ausente em parte incerta ou são incertas as pessoas a citar - deve recorrer-se à citação edital. IV - O uso indevido - i.e., fora dos casos referidos no número anterior - da citação edital, configura verdadeira falta de citação, sendo equiparado à completa omissão do acto. V - Estando em causa citação de pessoa certa, só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal - tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir - e de se concluir ser impossível a sua realização, por o citando estar ausente em parte incerta, se deverá avançar para as diligências tendentes da citação por via edital. VI - No regime instituído pelo Dec-lei 329-A/95, de 12/12, com as alterações introduzidas pelo Dec-lei 180/96, de 25/09, frustrando-se a citação por carta registada, e tendo o oficial de justiça, que se deslocou à morada do citando, constante dos autos, para efectuar a citação, certificado que não foi possível encontrá-lo, não tendo ficado com a certeza se este ainda ali residia, devia o juiz, antes de ordenar a citação edital, determinar a realização de diligências, junto de quaisquer entidades ou serviços - serviços de identificação civil, serviços da segurança social, autoridades policiais - curando de indagar da residência ou local de trabalho do citando. VII - A nulidade de falta de citação deve ser arguida quando da primeira intervenção do citando no processo, independentemente da data em que teve conhecimento do vício. VIII - Não é, por isso, abusiva e desleal, nem afronta o dever de boa fé processual, a conduta do executado, traduzida na arguição da falta da sua citação para os termos do artº. 811º/1 do CPC muito depois de ter tido conhecimento da penhora.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.
Nos autos de execução ordinária para pagamento de quantia certa, instaurada por "A, Lda." contra B e outros, a correr termos no 1º Juízo Cível da comarca de Matosinhos, veio o aludido executado apresentar requerimento (de que se acha certidão a fls. 45 dos presentes autos), com o qual deduziu aquilo a que chamou "incidente de falta e nulidade da citação", que disse fundado nos artºs. 194º-a), 195º-a) e b) e 204º, nº. 2 do CPC.
Alegou, em súmula, que não foram, na predita execução, levadas a cabo todas as diligências tendentes à sua citação pessoal, sendo certo que o requerente sempre residiu na Rua ..., na cidade do Porto, e que foi ordenada a sua citação edital sem prévia informação policial, o que implicou a realização de tal citação com preterição de formalidades essenciais.
E rematou, sustentando que "a definitiva e indevida citação edital, bem como a preterição das formalidades essenciais, como a prévia informação policial, constitui nulidade da citação" nos termos dos artºs. 194º-a) e 195º-b) e c) do CPC, requerendo, por isso, "a anulação de todo o processo depois da petição inicial".
Observado o contraditório, e realizadas as diligências probatórias necessárias, o Exmo. Juiz proferiu decisão, na qual, considerando intempestiva a arguição da nulidade, indeferiu o incidente deduzido. Mas não se ficou por aí, pois logo acrescentou que, mesmo que assim se não entendesse, sempre seria de considerar inverificada a alegada preterição de formalidades essenciais determinantes da nulidade da citação, vindo, a final, a considerar plenamente válida e eficaz a citação edital efectuada, e indeferindo a arguida nulidade processual.
Deste despacho interpôs o executado e requerente B o pertinente recurso de agravo. E a Relação do Porto, em douto acórdão que proferiu, não só houve por tempestivo "o requerimento a deduzir o incidente de falta e nulidade da citação", como entendeu também que o Exmo. Juiz da 1ª instância não podia ter ordenado a citação edital sem que a secretaria tivesse realizado as diligências a que se refere o artº. 244º/1 do CPC e sem ter solicitado as informações às autoridades policiais, nos termos do mesmo preceito, concluindo que "ao ter ordenado a citação edital sem aquelas diligências e informações, foi indevidamente empregada a citação edital, tendo igualmente sido preteridas formalidades essenciais determinantes da falta e nulidade da citação".
Por isso, decidiu dar provimento ao recurso, revogando o despacho que considerou válida e eficaz a citação edital do recorrente.
Desta feita foi a exequente que não se conformou com o assim decidido, trazendo a este Supremo Tribunal agravo do dito acórdão da Relação.
E, no remate da sua alegação de recurso, formulou o seguinte leque conclusivo:
1 - Os procedimentos de citação do ora agravado ocorreram de forma legal.
2 - O incidente de nulidade de citação deduzido pelo ora agravado foi arguido fora do prazo legalmente previsto para o efeito,
3 - Devendo pois considerar-se extinto o respectivo direito de arguição, por ocorrência da respectiva sanação.
4 - É processualmente relevante, para efeitos de tal sanação, o conhecimento que o ora agravado teve, por via da notificação efectuada pelo "Banco C, S.A.", quanto à penhora alcançada sobre o seu património.
5 - Não se pode aproveitar o agravado, em concreta sede do princípio da boa fé processual, da sua não intervenção processual no momento do conhecimento da referida penhora, para, quando lhe aprouvesse, invocar qualquer eventual nulidade que há muito já conheceria.
6 - O Tribunal de 1ª instância esgotou, em concreto, os meios úteis disponíveis, para obter a citação pessoal do agravado.
7 - Não foi preterida qualquer diligência que, de alguma forma, útil se mostrasse para a localização do concreto paradeiro do agravado.
8 - O poder-dever do juiz, conferido pelo artº. 244º/1 do CPC, foi, em concreto, adequadamente cumprido.
9 - O acórdão recorrido violou as disposições conjugadas dos artºs. 153º, 195º, 198º, 204º, 205º, 239º, 240º, 244º e 925º, todos do CPC.
O agravado bate-se, em contra-alegações, pelo não provimento do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
2.
As instâncias deram como assentes os factos seguintes:
I - Por despacho de 24.10.97, constante de fls. 22, foi determinada a citação dos executados para os efeitos do artº. 811º/1 do CPC.
II - Em cumprimento do determinado foram enviadas na mesma data cartas registadas com A/R para aquele fim.
III - A fls. 25 mostra-se junta a carta para citação do executado B, dirigida à morada constante do requerimento inicial, sita na Rua ... - 4000 Porto, a qual foi devolvida com a inscrição no respectivo verso "o destinatário não se encontra às 11h45m".
IV - Os serviços dos CTT declararam a fls. 104 que "após as necessárias averiguações" o registo correspondente à referida carta "depois de avisado foi devolvido ao remetente pela EC do Palácio da Justiça (Porto) por não ter sido reclamado pelo destinatário, conforme anotação no verso do objecto em causa".
V - A fls. 28, a exequente requereu a citação pessoal dos executados, nos quais se inclui B.
VI - Por despacho proferido em 28.11.97, foi ordenada a expedição de carta precatória para citação dos executados, tendo a que se reporta ao executado B sido devolvida, acompanhada pela certidão negativa de fls. 33, na qual se refere que em 25.02.98 não se levou a efeito a citação daquele executado, consignando-se que "não me foi possível encontrá-lo na morada indicada no decurso das diligências que efectuei até à presente data, nem consegui obter informações sobre o motivo da sua ausência, não tendo ficado com a certeza se ali ainda reside".
VII - No âmbito da citação pessoal, o oficial de justiça foi uma vez ao prédio correspondente à morada do executado B e tocou as campainhas do mesmo sem que alguém o atendesse, tendo perguntado pelo executado B no café localizado nas proximidades, mas ninguém soube informar sobre o paradeiro do mesmo.
VIII - Notificado da certidão de não citação, a exequente requereu a citação edital do executado B, o que foi determinado por despacho de 23.02.98, constante de fls. 36, tendo sido afixados e publicados os anúncios respectivos.
IX - Em 28.09.98 foi ordenada a penhora dos saldos e valores titulados pelos executados em instituições indicadas pela exequente, tendo-se oficiado para o efeito ao Banco de Portugal.
X - Na sequência de requerimento apresentado para esse fim pelo exequente, o "Banco C, S.A." informou por carta constante de fls. 100, que o executado foi notificado da penhora no dia 09.11.98.
3.
3.1. Importa, antes de mais, precisar que a situação concreta "de quo agitur" se situa, temporalmente, antes do início de vigência das alterações introduzidas no CPC, no regime da citação, pelo Dec-lei 183/2000, de 10 de Agosto e pela Lei 30-D/2000, de 20 de Dezembro.
Por isso será tal situação apreciada à luz da normatividade em vigor ao tempo da prática dos actos ora em apreço, i.e., a incluída no CPC pelo Dec-lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec-lei 180/96, de 25 de Setembro (1).
3.2. O imperativo constitucional do respeito pelo direito de defesa, consagrado no artº. 20º do diploma fundamental, tem como postulado a garantia de que o demandado tenha efectivo conhecimento da acção contra ele intentada ou da providência contra ele requerida.
Esse conhecimento é-lhe dado, em primeira mão, pelo acto da citação (artº. 228º/1 do Cód. Proc. Civil).
A citação é pessoal ou edital, privilegiando a lei, por razões óbvias, a citação pessoal, a fazer por carta registada com aviso de recepção (nos casos de citação postal), ou por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando (quando se frustrar a citação por via postal) - artºs. 233º/1 e 2, 236º e 239º.
A citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar (artº. 233º/6).
No caso em apreço está em causa a citação de um executado, que veio a operar-se por via edital, depois de tentada, sem êxito, a sua citação pessoal.
O executado deduziu "incidente de falta e nulidade da sua citação", que, rejeitado na 1ª instância, logrou acolhimento na Relação, como acima ficou explicitado.
Solução com que a exequente se não conforma. E daí o presente recurso de agravo.
3.3. Estará a operada citação a coberto de quaisquer vícios que a inquinem - como sustenta a ora recorrente?
Ou ocorreram, no iter processual percorrido, desvios que põem em causa - como o entendeu a Relação - a sua validade e eficácia?
Com o devido respeito, afigura-se-nos que o modo como a questão foi suscitada pelo executado, e o tratamento que teve, nas instâncias, releva de certa confusão conceitual.
Tudo começa na dedução do incidente, apelidado pelo executado, como vimos, de "incidente de falta e nulidade da sua citação".
Ora, são realidades processuais distintas, constituindo vícios diferentes da citação, a falta e a nulidade desta.
A falta de citação, prevista no artº. 194º e caracterizada no artº. 195º, não se confunde com a nulidade da citação, que tem previsão no artº. 198º/1.
Porque diferentes, bem se entende que diferente seja também o regime de uma e outra. Enquanto a primeira acarreta a anulação de tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, a mera nulidade da citação pode não importar a anulação de coisa alguma: a arguição só será atendida - diz o artº. 198º/4 - se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (2).
Diferente é também o prazo para a arguição de cada um dos vícios.
A falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não dever considerar-se sanada (artº. 204º/2); mas considera-se sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo tal falta (artº. 196º). Já a nulidade da citação terá de ser arguida no prazo indicado para a contestação, ou - no caso de citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa - quando da primeira intervenção do citado no processo.
Não se nos afigura, por isso, acertada a qualificação do incidente como de "falta e nulidade da citação": ou se trata de falta de citação ou de nulidade desta.
Comprovada, aliás, a falta de citação, não faz sequer sentido falar de nulidade da mesma citação.
O certo é que a confusão conceitual imputável ao executado, no momento da dedução do incidente, não foi clarificada nas instâncias, onde não foi operada a necessária separação das águas entre as duas distintas figuras envolvidas.
Daí que a conclusão da Relação, que acima deixámos enunciada, não se acomode ao rigor dos princípios, na medida em que também não logrou definir fronteiras entre a falta e a nulidade da citação.
Do que fica referido, decorre também que a metodologia correcta em caso como o vertente - em que se discute, não só a existência e validade da citação operada, sim também a tempestividade da arguição do vício de que eventualmente enferme - passa pela prévia análise dos procedimentos seguidos pelas entidades envolvidas no acto (da citação), de modo a decidir-se se ocorreram desvios processuais que contendam com a sua existência ou validade, só depois se curando (se for caso disso) da questão da tempestividade da arguição do vício.
Na verdade, só depois de decidido que a citação enferma de algum dos vícios apontados - inexistência ou nulidade - é que faz sentido apreciar se o vício (o concreto vício apurado) foi atempadamente arguido.
Também aqui não se aplaude o procedimento das instâncias, que seguiram o trajecto inverso, começando a sua análise pela abordagem da tempestividade da arguição.
3.4. Entre outros casos que não interessa agora analisar, há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a citação edital [artº. 195º-c)].
A citação do réu está sujeita ao princípio da oficiosidade: cabe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de prévio despacho judicial (3), as diligências que se mostrem adequadas à efectivação da regular citação pessoal do réu.
A citação, enquanto acto pelo qual se chama o réu a juízo (in jus vocatio), dando-se-lhe conhecimento da acção e da possibilidade de deduzir a sua defesa, é um momento processual de inquestionável importância, não só porque nela se marca o prazo para o demandado apresentar a sua defesa, como também porque se lhe ligam efeitos materiais - como a interrupção da prescrição - e processuais de vária natureza, com influência decisiva nos direitos do autor e do réu.
Tendo em conta a assinalada função e os efeitos ligados à citação, bem se entende que a lei lhe confira carácter pessoal ou quase pessoal, que é o que melhor garante a todos "o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos" (cf. artº. 20º da CRP). Esse "direito ao tribunal" - essa garantia da via judiciária - visto pelo lado dos demandados, apenas pode exercer-se se e quando lhes for dado conhecimento da existência das pretensões contra eles deduzidas. E a forma mais segura de assegurar o efectivo chamamento do réu a juízo é através da citação pessoal que, por isso a lei consagra como regra.
Sendo, porém, certo que esta forma de citação se revela, muitas vezes, de concretização impossível, contempla a lei processual, avisadamente, os sucedâneos para os casos em que essa impossibilidade se manifesta.
Surge, então, a forma de citação edital, que, apesar de ser uma forma precária e contingente de chamamento a juízo, é, ainda assim, rodeada de um leque de cautelas e garantias de segurança que, embora inferiores às resultantes de uma citação pessoal, têm virtualidade para levar ao conhecimento do demandado a existência da acção contra ele intentada.
Mas, como sucedâneo que é, relativamente à citação pessoal, à citação edital só deve recorrer-se quando não for possível actuar a primeira, quer através do procedimento-regra - carta registada com aviso de recepção, de modelos oficialmente aprovados, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho (artº. 236º/1) - quer por meio de contacto pessoal do funcionário de justiça com o citando, nos moldes definidos nos artºs. 239º a 241º (se se frustrar a citação por via postal) (4).
Bem se entende, por isso, que a lei processual tenha restringido a citação edital a casos contados, já acima indicados - ela só deve ter lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar - casos em que é manifesta a impossibilidade de fazer valer a citação pessoal.
E também não surpreende que o uso indevido - fora dos casos acabados de indicar - da citação edital, mesmo que nesta tenham sido observadas todas as formalidades de que a lei do processo a reveste, seja configurado como verdadeira falta de citação, e assim equiparado à completa omissão do acto.
Só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal - tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir - e de se concluir ser impossível a (sua) realização, por o citando estar ausente em parte incerta (artº. 244º/1) é que se deverá avançar para as diligências tendentes à efectivação da citação por via edital, devendo a secretaria diligenciar, junto de quaisquer entidades ou serviços, por informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida do citando, e podendo o juiz solicitar informação às autoridades policiais.
Seguro é ainda que, se de tais diligências resultar o conhecimento do paradeiro do citando (a sua residência ou o seu local de trabalho), será da citação pessoal que se deverá lançar mão, não da citação edital.
No caso em apreço, tendo sido ordenada a citação do executado (5), ora recorrido, frustrou-se a citação por via postal registada.
Foi, por isso, pelo juízo matosinhense, expedida carta precatória para citação do executado, referenciando-se a morada do executado constante do requerimento inicial da execução: Rua ... - 4000 Porto.
A carta foi devolvida, com certidão negativa - é dizer, certidão de não citação - datada de 25.02.98, cuja fotocópia se acha a fls. 40 dos presentes autos.
O oficial de justiça que lavrou a certidão utilizou, para o efeito, um modelo adoptado nos tribunais, que contém pré-definidas e já impressas várias situações, configuráveis, em abstracto, como causas possíveis da não realização da citação, devendo o funcionário encarregado da citação optar por aquela que se acomode à situação concreta verificada; e usou a assinalada no ponto 1, que tem a seguinte formulação:
Não me foi possível encontrá-lo (ao citando) na morada indicada no decurso das diligências que efectuei até à presente data, nem consegui obter informações sobre o motivo da sua ausência, não tendo ficado com a certeza se ali ainda reside.
Há que ter em conta, antes de mais, o teor da parte final da informação adoptada pelo senhor oficial de justiça: não ficou com a certeza de que o citando ainda residia na morada indicada.
E, obviamente, também não logrou a certeza de que ele já ali não residia; se fosse esse o caso, teria optado pela fórmula assinalada no ponto 2 da dita certidão, que é do teor seguinte:
Não reside na morada indicada, segundo informação que no local foi prestada por ....
Ademais, acha-se ainda provado que o dito oficial de justiça foi uma vez ao prédio correspondente à morada do citando e tocou as campainhas do mesmo sem que alguém o atendesse; e, tendo perguntado por este no café localizado nas proximidades, ninguém soube informar sobre o seu paradeiro. O que tudo justifica a incerteza em que ficou aquele funcionário judicial.
O certo é que, notificada da certidão negativa, a exequente, ora agravante, requereu logo a citação edital do executado, o que veio, sem mais, a ser deferido pelo Exmo. Juiz, tendo sido, para tanto, afixados os editais e publicados os anúncios respectivos.
O recurso a essa forma de citação foi, face ao que acima deixámos referido, prematuro, pois que - como o evidenciava a certidão negativa supra aludida - não havia a certeza de que o citando se encontrava ausente em parte incerta, e só essa certeza permitiria lançar mão da citação edital. Antes de para ela se avançar, e perante tal incerteza, devia o Exmo. Juiz ter ordenado fossem efectuadas diligências, junto de quaisquer entidades ou serviços - serviços de identificação civil, ou da segurança social, ou autoridades policiais - curando de indagar da residência ou local de trabalho do executado, ora recorrido. Se isso tivesse sido feito, certamente se teria apurado que a residência do citando era aquela que tinha sido ab initio indicada pela exequente (como parece resultar dos documentos que este fez juntar aos autos), o que possibilitaria renovar a tentativa de citação por funcionário judicial, com a possibilidade deste lançar mão, se fosse caso disso, do mecanismo da citação com hora certa, previsto nos artºs. 240º e 241º.
E daqui decorre que o uso da citação edital foi, in casu, não só prematuro como ainda indevido, corporizando a nulidade já referida, de falta de citação.
3.5. Já acima deixámos evidenciados os traços marcantes do regime de arguição desta nulidade processual.
Repete-se agora que ela pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada; e reputa-se sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação. O que vale dizer que o demandado, para poder invocar triunfantemente a nulidade, deve argui-la logo na sua primeira intervenção processual.
Ora, no caso que vimos apreciando, resulta dos autos que o executado, aqui recorrido, arguiu a nulidade na sua primeira intervenção no processo, achando-se a acção executiva em curso.
Fê-lo, pois, atempadamente, nos termos da 1ª parte do nº. 2 do artº. 204º, já citado; e fê-lo válida e relevantemente, de harmonia com o preceituado na 2ª parte do aludido normativo e no artº. 196º, também já acima referenciado.
É certo que o seu conhecimento da penhora realizada, em bens de que é titular, ocorreu em 09.11.98, como certo é também que só veio arguir a falta de citação em 06.01.99.
Mas, ao contrário do que sustenta a recorrente, esse circunstancialismo não releva para o efeito de se ter como sanada a nulidade.
A regra geral, constante do artº. 153º/1, para a arguição de nulidades, só logra aplicação na falta de disposição especial; e esta existe para a arguição da nulidade da falta de citação (e também, em certos casos, para a arguição da nulidade da citação), tal como flui dos artºs. 196º e 198º/2 - tais vícios podem ser invocados quando da primeira intervenção no processo (independentemente da data do conhecimento deles).
Como refere o Prof. Alberto dos Reis (Comentário, vol. 2º, pág. 446/447 e Anot., I, 3ª ed. pág. 313), para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela..
Igualmente expressivo é, a este respeito, J. Rodrigues Bastos (Notas ao Cód. Proc. Civil, 2ª ed., vol. I, pág. 397/398), que, depois de referir que o réu deve arguir a falta de citação logo que intervenha no processo, isto é, no acto que constitua a sua primeira intervenção, continua:
Ainda que o réu tenha conhecimento do processo, desde que não intervenha nele pode arguir em qualquer altura a falta da sua citação.
E o que deve entender-se por intervir no processo?
Responde ainda este ilustre magistrado e credenciado processualista:
Parece claro que o réu não intervém no processo enquanto se mantiver o seu estado de revelia, o que vale dizer enquanto se não apresentar a praticar qualquer acto judicial. Falece, pois razão à ora recorrente quando sustenta que a conduta do executado, aqui agravado - traduzida na arguição da falta de citação (em 06.01.99) muito depois de ter tido conhecimento da penhora (em 09.11.98) - é abusiva e desleal, afrontando o dever de boa fé processual e traduzindo um verdadeiro "venire contra factum proprium".
A boa fé releva aqui (cf. artº. 266º-A) como norma de conduta ou princípio de actuação - significando que as pessoas devem comportar-se, no exercício dos seus direitos e deveres processuais, com honestidade, correcção e lealdade, e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artº. 266º.
Ora, nada aponta, na aludida conduta do executado/agravado, para a violação daquele princípio de actuação.
E menos ainda se entende a alusão ao "venire contra factum proprium". A proibição do venire, enquanto concretização da cláusula geral da boa fé, traduz-se na proibição da conduta contraditória, isto é, em impedir uma pretensão incompatível com a conduta anterior do pretendente. Parte-se de uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a criar noutrem uma situação objectiva de confiança, ou seja, a convicção de que aquele sujeito jurídico se comportará, no futuro, coerentemente com aquela conduta. E é bom de ver que não é disso que se trata no caso em apreço ...
4.
Demonstrada que fica, nos termos precedentes, a improcedência das conclusões da alegação da agravante, face às normas processuais aplicáveis, na redacção a ter em conta (supra, 3.1.), e porque o acórdão recorrido não violou os preceitos citados pela agravante, nega-se provimento ao agravo.
Custas pela agravante.
Lisboa, 2 de Outubro de 2003
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
Moitinho de Almeida
_______________
(1) São do CPC, com a redacção introduzida pelos apontados diplomas, os preceitos referidos na exposição subsequente, sem menção do diploma a que pertencem.
(2) Neste caso, a consequência será a anulação do acto da citação e dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente.
(3) Salvo nos casos previstos no nº. 4 do artº. 234º, em que se exige despacho judicial a ordená-la.
(4) Abstraímos aqui da citação promovida pelo mandatário judicial, que não tem interesse para o caso em apreço.
(5) No processo executivo a citação não é oficiosa: depende de prévio despacho judicial [artº. 234º/4.e)].