RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO PEREMPTÓRIO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário

1 - O n.º 1 do art. 438.º do CPP, ao dispor sobre o prazo de interposição do recurso para fixação de jurisprudência não se limita a prescrever duração desse prazo (30 dias), mas define igualmente qual o facto que determina o início da contagem desse prazo: o trânsito em julgado do acórdão recorrido.
2 - Antes desse trânsito em julgado não começa a corre o prazo, pelo que é intempestivo o requerimento de interposição que seja entretanto apresentado.
3 - O que se compreende, pois que antes de ter transitar em julgado a decisão não é definitiva a oposição de julgados, nem exequível a decisão recorrida.
4 - Os prazos peremptórios representam o período de tempo dentro do qual podem ser levados a efeito os respectivos actos, o referido terminus intra quem, e a sua fixação funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados.
5 - Deve ser rejeitado por intempestivo o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto antes de transitar em julgado o acórdão recorrido.

Texto Integral

Supremo Tribunal de Justiça


I

1.1.No Tribunal Judicial da Comarca de Figueira de Castelo Rodrigo (Proc. Comum Singular n.º 57/99.5GAFCR) foi proferido, a 18.10.2002, despacho judicial (fls. 390 e 391) em que se decidiu:
«Face ao supra exposto, por não estar em tempo, não se admite o recurso interposto a fls. 379 a 382 e 384 a 387 por DAMP, nos termos do art. 414.º, n.º 2 do CPP.
Recorreu então o mesmo requerente, para a Relação de Coimbra (recurso n.º 615/03), daquele despacho pedindo a admissão do recurso por tempestivo.
A Relação, por acórdão de 19.3.03, decidiu não ser o recurso admissível e, considerando que a decisão que o admitiu não era vinculativa, rejeitá-lo, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 420.º, n.º 1 e 414.º, n.º 2, do mesmo CPP.
Para tanto entendeu que:
«Resulta do disposto no referido art. 405°, n.º 1, do CPP, que a forma de impugnar a decisão que não admite um recurso é a reclamação para o Presidente do Tribunal a que aquele recurso se dirige, que não por meio de novo recurso (neste sentido, cfr. Ac. da Relação de Lisboa, de 17.05.00, BMJ 497/436).
Na verdade, estabelece-se em tal normativo um regime especial de impugnação das decisões que não recebem os recursos que se sobrepõe à regra geral da recorribilidade estabelecida no art. 399.º, do mesmo Código (neste sentido, cfr. decisão de Reclamação n.º 91/01)».
1.2.
Inconformado, o requerente DAMP apresentou, a 9.4.03, requerimento de interposição de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça
E esclareceu na motivação que se trata de um recurso por oposição de julgados, invocando como fundamento o acórdão de 25.2.03 da Relação do Porto (proc. n.º 579/02), transitado em julgado.
Apresentou da seguinte forma o objecto desse recurso:
«A questão a dilucidar por tão alta instância afirma-se num enunciado relativamente simples:
" Se a reclamação prevista nos termos do n.º 1 do Art. 405.º do Cód. de Proc. Penal é a única forma de atacar o despacho que não admite o recurso, excluindo assim a interposição do recurso."
Na decisão em recurso, decidiu-se que o disposto no n.º 1 do Art. 405.º do Cód. de Proc. Penal, importa a inadmissibilidade legal de recurso. Na decisão que serve de suporte à oposição, entendeu-se em sentido contrário, sendo conferido provimento ao recurso».
E concluiu, depois, o recorrente na sua motivação:
«A - O disposto no art. 405° n.º 1 do Cód. de Proc. Penal, não pode ser lido de forma isolado, desligado do corpo normativo onde se insere e dos princípios que o enformam;
B - Na articulação imediata, deve o aresto ser cotejado com o elenco do art. 400° do Cód. de Proc. Penal, o qual estabelece os actos não passíveis de recurso, nestes não se incluindo o recurso da interposição ser extemporânea;
- Por seu turno, não se afastando o interprete do elemento gramatical da norma em crise e tendo presente que o legislador se expressou pela forma mais correcta, a reter, como essencial, que o vocábulo utilizado (pode), exprime uma faculdade, e não uma obrigação, ou limitação, resultando assim da interpretação completa, ou seja, de todo o texto jurídico, que a criação de tal faculdade se traduz antes na abertura de uma forma expedita de decisão, e não na exclusão do recurso;
D - Relembre-se aqui um texto com mais de vinte anos:
"Admite-se em regra que, com a passagem de um novo limiar na história do homem, se institui uma nova estrutura de sentido e que desta, enquanto estrutura englobante, derivaria um certo elemento ciência, que se apresenta, designadamente, não só com um fundamento prescritivo" do Discurso Legitimador enquanto discurso normativo, mas ainda como um fundamento "prescrito" (um a priori) do conhecimento das normas e da realidade humana social. Esse a priori representaria, pois, uma estrutura cognitivo-normativa. Sob a égide desse "prescritivo" evoluiriam todos os novos desenvolvimentos do pensamento e da linguagem humanos, quer dizer, a comunicação na comunidade comunicativa.
À luz dessa estrutura cognitivo-normativa englobante - e só à luz dela - teriam que as normas postas, designadamente as normas jurídicas positivas, por isso que estas têm de assentar naquela estrutura a sua própria possibilidade de fazer sentido. (...)" J. Baptista Machado. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 286;
Termos em que, revogando a decisão em recurso, farão V. Exas. sã e inteira JUSTIÇA.»
1.3.
Respondeu à motivação o Ministério Público na Relação de Coimbra:
1°. O recurso foi interposto ainda antes de iniciado o prazo de trinta dias a que se reporta o n.º 1 do artigo 438° do C. P. Penal.
2°. Sendo o recurso admissível nos termos do artigo 437°, n.º 2 do referido código, este preceito exige como pressuposto necessário a existência de dois acórdãos que, assentem em soluções opostas, no domínio da mesma legislação, mas relativamente à mesma questão de direito.
No entanto, no caso em apreço, enquanto:
O acórdão proferido por esta Relação decidiu não ser admissível recurso - mas apenas reclamação - do despacho que, em 1ª instância, não admitiu o recurso por extemporâneo;
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, junto pelo recorrente, pronunciou-se sobre a questão de saber "se o recurso interposto pelo arguido...é ou não tempestivo, atento o disposto no art. 150.° do CPC, aplicável "ex vi" do art. 4.º do CPP."
Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, cremos que não existe oposição de julgados, pelo que, não se verificando os pressupostos necessários para o prosseguimento do recurso poderá este ser rejeitado (art. 441°, n.º 4 do CPPenal).
II
2.1.Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público emitiu parecer, nos termos do n.º 1 do art. 440.º do CPP, no sentido de não ser admissível o recurso, por ter sido o mesmo interposto antes da decisão proferida em último lugar (a recorrida) ter transitado em julgado, bem como por se não verificar oposição entre os julgados uma vez que os pressupostos de facto em que um e outro assentam são diversos.
E, desenvolvendo este entendimento, explicitou que decorre da certidão de fls. 61 que o requerimento de interposição de recurso foi apresentado em 09.04.03 (cfr. carimbo de registo de entrada), e que a decisão recorrida foi notificada em 25.03.03 ao Ministério Público e ao mandatário do arguido, por carta registada (cfr. fls. 60).
O trânsito do acórdão proferido em último lugar (o recorrido) apenas se verificou em 23.04.03. Pelo que sendo o prazo de interposição do recurso para fixação de jurisprudência é de 30 dias (n.º do art. 438.° do CPP) contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. Pelo que é forçoso concluir que, - refere - não tendo ainda transitado em julgado o douto acórdão recorrido à data da interposição (09.04.03) resulta este inadmissível.
Explicitou ainda o Ministério Público, quando à oposição entre julgados, que ela não ocorre, não se verificando igualmente a identidade das situações contempladas nos acórdãos recorrido e fundamento, como o vem exigindo a jurisprudência do STJ, pois que enquanto no acórdão recorrido se decidiu não ser admissível recurso, mas apenas reclamação, do despacho que, não admitiu o recurso por extemporâneo, o acórdão fundamento pronunciou-se sobre a questão que consistia em saber se o recurso interposto pelo arguido é ou não tempestivo, atento o disposto no art. 150.° do C.P.C., aplicável "ex vi" do art. 4.° do C.P.P.
2.2.
Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, o recorrente veio dizer, em síntese:
Que a regra do art. 405.º do CPP apenas tem aplicação quanto a decisões que se enquadrem no art. 400° e não é exclusiva.
O despacho recorrido nega a aplicação do disposto no art. 150° do CPP e em oposição do Ac. de fixação de jurisprudência já citado.
Do disposto no art. 405.º, n.ºs 1 e 2 do CPP conjugado com o disposto no art. 400° não resulta a irrecorribilidade do despacho que julgou como intempestiva a interposição do presente recurso, decisão recorrível de acordo com o Ac. da Relação do Porto de 15.2.03.
O prazo a que se refere o art. 438.° do CPP é um prazo peremptório, (preclusivo do direito), o que não significa que a antecipação do prazo do recurso leve à sua não admissão, sendo certo que, se não ocorreu trânsito à data da interposição de recurso, na data da admissão deste, já tal trânsito tinha ocorrido, assim sanando desde logo a eventual falta de pressuposto do recurso, qual seja o trânsito em julgado da decisão.
E acrescentou:
«Igualmente não é certo que não se trate de uma questão expressa e com o mesmo enquadramento de direito, como se passa a expor.
Em ambas as situações sub judice os factos em recurso são os mesmos:
- A tempestividade da apresentação de recurso;
- A aplicação do art. 150° ao Cód. De Proc. Penal; - em ambas as situações, ao despacho que não admitiu o recurso por extemporaneidade, a impugnação da decisão foi efectuada por via de recurso;
Em ambas as situações, o direito é o mesmo, ou seja, não houve entre as duas decisões qualquer alteração do CPP ou do C. Penal. Em ambas as situações são apreciadas as questões prévias ou incidentais, sendo que, no recurso onde foi tirado o acórdão fundamento, se encerra tal decisão nos pontos l .5, l .6, l.7 do relatório, de onde consta a apreciação embora genérica, de que da decisão que rejeita o recurso por extemporâneo cabe recurso, e tanto assim que fez tal decisão vencimento, senão dado provimento ao recurso, e tendo sido tirado o Ac. sem que houvesse neste a ponderação de questões prévias ou incidentais.
Ora, como no caso, se trata de matéria de conhecimento oficioso, o conhecimento do objecto do recurso, vale como reconhecimento de que a reclamação a que alude o art. 405° do Cód. de Proc. Penal, não é exclusiva do recurso, no sentido em que não exclui o recurso.»
E, nestes termos, requereu fosse concedido provimento ao recurso interposto.
III
Colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência para a decisão da questão preliminar, nos termos do n.º 2 do art. 440.º do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir.
IV
E conhecendo, cumpre verificar a admissibilidade do recurso, a existência de julgados explícitos e a oposição entre os julgados (n.ºs 3 e 4 do art. 440.º do CPP).
4.1.
Quanto à admissibilidade do recurso, tal como foi intentado, deve ter-se em atenção a tempestividade da interposição do recurso e, eventualmente, o decidido por este Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de fixação de jurisprudência de 30.3.00 (DR IS-A de 27.5.00).
Dispõe o n.º 1 do art. 438.º do CPP, sobre a interposição do recurso para fixação de jurisprudência que o mesmo é interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
Ou seja, não se limita este normativo a prescrever sobre a duração do prazo, antes o estabelece (30 dias), mas define igualmente qual o facto que determina o início da contagem desse prazo: o trânsito em julgado do acórdão recorrido, quando se escreve que esse prazo que conta do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
Antes desse trânsito em julgado não começa a corre o prazo, pelo que é intempestivo o requerimento de interposição que seja entretanto apresentado.
O que se compreende, pois que, no esquema traçado pelo CPP para os recursos de fixação de jurisprudência, a imposição do trânsito em julgado, como termo a quo do prazo de interposição, integra-se na disciplina pensada e que estabelece o efeito da decisão fixadora de jurisprudência em função desse trânsito (cfr. art. 445.º do CPP). Antes de ter transitar em julgado a decisão não é definitiva a oposição de julgados, nem exequível a decisão recorrida.
Dizer-se, como o faz o recorrente, que esse prazo é «peremptório, (preclusivo do direito), o que não significa que a antecipação do prazo do recurso leve à sua não admissão, sendo certo que, se não ocorreu trânsito à data da interposição de recurso, na data da admissão deste, já tal trânsito tinha ocorrido, assim sanando desde logo a eventual falta de pressuposto do recurso, qual seja o trânsito em julgado da decisão», não é exacto nas duas dimensões que comporta.
Não é exacto, desde logo, pois que, se foi interposto recurso, a decisão não transita em julgado. Logo não se começou sequer a contar o prazo de interposição de recurso.
Depois, não é exacto pretender-se que o prazo peremptório só estabelece o seu termo ad quem (30 dias depois do trânsito em julgado), podendo ser validamente antecipada a prática do acto para antes da ocorrência do termo a quo (ocorrência do trânsito em julgado).
Com efeito, «os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem). Se o acto não for praticado no prazo peremptório, também chamado preclusivo, não poderá já, em regra, em regra ser praticado. Exemplos de prazo peremptório são os prazos para arguir nulidades e irregularidades, requerer a instrução ou interpor recursos.» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág. 37, no mesmo sentido Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, pág. 77-8).
Esses prazos representam, pois, o período de tempo dentro do qual podem ser levados a efeito os respectivos actos, o referido terminus intra quem, e a sua fixação funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os seus poderes-ónus segundo um determinado ritmo, a adoptar um determinado comportamento processual e, consequentemente, praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados (cfr. Anselmo de Castro, op. cit., pág. 78) e não do limite final.
Este tem sido, aliás, o entendimento unânime deste Supremo Tribunal de Justiça.
Deve ser rejeitado por intempestivo o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto antes de transitar em julgado o acórdão recorrido (Acs. do STJ de 11/03/1993, proc. 44337 , de 29/09/1993, proc. n.º 44580, de 24/11/1993, proc. n.º 45305).
O recurso para fixação de jurisprudência deve ser interposto nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão recorrida, pelo que terá de ser rejeitado, por intempestivo, se ao momento da interposição, a mesma ainda não se mostrar transitada (Ac. do STJ de 08/10/1998, proc. n.º 784/98)
(1) - O recurso para fixação de jurisprudência, nos termos do art. 438.º, n.º 1, do CPP, deve ser interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. (2) - Significa isto, que só é admissível depois do trânsito em julgado de ambas as decisões (fundamento e recorrida), o que bem se compreende, já que enquanto não transitar em julgado a decisão, não é definitiva a jurisprudência que nela se fixa ou aplica, e sendo ela condenatória, não é exequível. (3) - Assim, é de rejeitar, por inadmissível em razão da sua extemporaneidade, o recurso para fixação de jurisprudência interposto antes de se verificar o trânsito do acórdão recorrido (Ac. do STJ de 11/01/2001, proc. n.º 3292/00-5, também subscrito pelo Relator dos presentes autos. No mesmo sentido os Acs. 09/05/2002, proc. n.º 1201/02-5 e de 30/01/2003, proc. n.º 133/03-5).
Ora, como se viu e o recorrente aceita, o recurso foi interposto antes de ter transitado em julgado o acórdão recorrido, antes de se ter iniciado o respectivo prazo, pelo que, sendo intempestivo, tem de ser rejeitado.
4.2.
Sendo assim, como é, ficam prejudicadas as restantes questões em tempo assinaladas.
V
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por intempestivo, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 4 Ucs.
Lisboa, 9 de Outubro de 2003
Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Costa Mortágua