EMPREITADA
SUBEMPREITADA
EMPREITEIRO
DONO DA OBRA
DEFEITO DA OBRA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Sumário

I- Tendo, num contrato de subempreitada, o empreiteiro realizado os trabalhos acordados com o dono da obra, os quais atingiram a finalidade do contrato, deve o dono da obra pagar o preço acordado para esses trabalhos.
II- O dono da obra apenas pode exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos da obra, não podendo ele próprio ou, através de terceiro, reparar esses defeitos e, depois exigir ao empreiteiro a quantia que despendeu.
III- Caso o empreiteiro se recuse a reparar os defeitos, pode o dono da obra requerer a execução específica.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" - SONDAGENS E CAPTAÇÔES DE ÁGUAS, Lda demanda B - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, Lda, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 2.620.215$00 de capital e de 21.835$00 de juros vencidos e os juros vincendos até integral pagamento.
Alega para tanto que, no exercício da sua actividade comercial e a pedido da ré, prestou-lhe serviços respeitantes ao reforço do caudal de captação de águas das piscinas de marés de Leça da Palmeira, tendo os serviços importado no montante pedido, recusando-se a ré a pagá-los.
Contestou a ré, alegando que a autora efectuou as obras com defeitos, não respeitou o prazo convencionado e abandonou os trabalhos, deixando-os incompletos.
Deduziu reconvenção, alegando que pagou à autora mais do que o valor dos trabalhos feitos que puderam ser aproveitados e que a conduta desta lhe causou prejuízos, constituídos pelas despesas que teve de fazer para captar a água para as piscinas, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe 7.884.555$00.
Replicou a autora, alegando que foi a ré quem denunciou o contrato, ao não aceitar os novos preços propostos pela autora para resolver a situação.
Conclui pela improcedência do pedido reconvencional.
Saneado e condensado, o processo seguiu seus termos, realizando-se a audiência de julgamento.
Foi proferida sentença onde se julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção.
A ré apelou, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 16 de Dezembro de 1999, anulado parcialmente o julgamento, mandando reformular quesitos sobre matéria de facto.
Realizado novo julgamento, foi proferida sentença onde se julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção, condenando-se a autora a pagar à ré a quantia em euros equivalente a 7.884.555$00.
A autora apelou, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de Janeiro de 2003, julgado a apelação parcialmente procedente, condenando a autora a pagar à ré o equivalente em euros à quantia de 6.467.455$00.
A autora interpôs recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso:
1- Não obstante não ser admissível recurso do acórdão anterior, de fls. 167, que determinou a anulação do julgamento com fundamento na obscuridade da resposta aos quesitos 19º e 23º, a recorrente podia suscitar a apreciação da correcção daquela decisão no recurso (de apelação) interposto a final, da decisão que pôs termo ao processo.
2- Na realidade, a decisão final do processo constitui um prolongamento do anterior acórdão, a que deu cumprimento, e por isso incorpora a sua fundamentação e significa a sua execução.
3- A Relação devia ter apreciado as questões suscitadas nas primeiras treze conclusões do recurso de apelação.
4- Não o tendo feito, cometeu a nulidade do art. 668º, nº 1, al. d), 1ª parte, do CPC, ex vi art. 716º, e violou as normas dos arts. 497º e 498º e 671º e segs. (caso julgado).
5- O STJ, como Tribunal de revista, conserva intactos os seus poderes, não só para apreciar as questões suscitadas naquelas treze conclusões, que se reiteram, por manterem acuidade, como também para sindicar a posição do acórdão recorrido quanto ao não conhecimento parcial do recurso de apelação.
6- A anulação do julgamento anterior pelo acórdão da RP de 16/12/99, a fls., foi ilegal e ilegítima, por falta de fundamento e porque a Relação exorbitou e excedeu os poderes que a lei lhe conferia (maxime o nº 4 do art. 712º do CPC).
7- A decisão de «provado» sobre a matéria do quesito 19º não era obscura nem ambígua: O quesito radicou no art. 59º da contestação e por ele se via, até pela remissão para o documento 13 (fls. 52) operada pelo art. 56º, que a ré alegava que na opinião, no parecer técnico da Hidronorte, apenas se aproveitava parte da obra, tendo ficado claro, com a decisão sobre esse ponto, que era disso que se tratava.
8- E que é assim resulta do próprio acórdão, que entendeu perfeitamente o que se quesitava e o conteúdo da decisão de facto sobre esse quesito e acabou por concluir que o quesito de nada interessava (pág. 16, última linha).
9- Essa questão, no entanto, não é de obscuridade da decisão de facto, mas de irrelevância do quesito: A questão da irrelevância do quesito 19º tem a ver com o mérito da causa e a procedência da alegação da contestação e não com a obscuridade ou deficiência da decisão desse facto e com a aplicação do art. 712º do CPC.
10- O quesito obedeceu à alegação da ré e retratou-a fielmente, de tal forma que não reclamou do questionário nem da decisão de facto sobre esse ponto nem os impugnou ou recorreu dessa matéria.
11- Mutatis mutandis quanto ao quesito 23º, que radicou no art. 56º da contestação.
12- A anulação do julgamento, para reformulação de quesitos, com base em que a forma como a matéria foi alegada e a quesitação de nada interessam, como conclui o acórdão (pág. 16, última linha), não é legal, por falta de fundamento, nem permite à Relação ir além da alegação das partes e dar novo cariz ao que se articulava em ordem a reformular o quesito, exorbitando e excedendo o quid que foi articulado e a intenção com que o foi (art. 664º do CPC).
13- O entendimento da norma do art. 712º, nº 4, do CPC, com esse âmbito, viola o direito de acesso aos tribunais, garantido no art. 20º, nº 1, da CRP, mormente o direito a uma solução equitativa e leal dos conflitos, com imparcialidade, independência e igualdade.
14- A convolação da posição da ré, imprevisível, dado o contexto da alegação, envolve uma quebra do direito de defesa e do princípio do contraditório, pois que se a versão da contestação tivesse o sentido que lhe deu a (reformulação da) Relação e não o espírito do articulado, a réplica da autora seria, certamente, de outra natureza.
15- A Relação fez um uso errado do art. 712º, nº 4 do CPC, pois que constavam do processo todos os elementos probatórios, em termos de permitir a reapreciação da decisão inicial, o que motiva a exclusão e a irrelevância dos quesitos aditados, que devem ser considerados nulos e obrigatoriamente não escritos.
16- Acresce que o motivo invocado para a anulação do julgamento, de que a ré pedia implicitamente (sic) a redução do preço nos arts. 59º e 60º da contestação, era inexistente: A ré em parte alguma do seu articulado pede a redução do preço da obra, mas o que requer é a devolução do dinheiro que pagou à autora (art. 61º da contestação) e a indemnização de prejuízos (art. 63º) e por isso pede a condenação da autora no pagamento de uma determinada quantia.
17- A redução do preço tem de ser expressamente requerida e resultar de uma manifestação de vontade inequivocamente declarada, específica, que o mero pedido de condenação (restituição) não encerra nem contém.
18- O acórdão errou pois na interpretação da posição da ré (art. 236º do CC) e foi além do seu articulado e do que nela era pedido (art. 668º, nº 1, e), e 661º, nº 1, do CPC), padecendo de idênticos vícios a sentença, que seguiu aquela tese a págs. 17 (in fine) e 18.
19- O acórdão recorrido entendeu que era manifesta a situação de incumprimento defeituoso porque se tratava de um reforço do caudal que tinha de ser conseguido com a obra realizada pela autora e não o foi: Salvo o devido respeito, o acórdão não atentou na matéria de facto, pois que dela resulta que houve um aumento do caudal de água, pelo que o fundamento é incorrecto.
20- O entendimento da sentença de 1ª instância de que existia cumprimento defeituoso do contrato, pela autora, nomeadamente que, findos os trabalhos executados pela recorrente, havia fuga de águas, fazendo com que o caudal fosse manifestamente insuficiente (sic), pelo que a obra não estava apta para o fim a que se destinava (reforço do caudal de captação de água das piscinas de Leça) - pág. 15 da decisão, ou estava inapta (sic, pág. 16), é errado.
21- Esse entendimento contraria a matéria de facto alegada e provada no processo e atenta apenas na matéria dos quesitos 39º e 40º, esquecendo-se dos quesitos subsequentes (41º a 45º).
22- A autora não assumiu uma obrigação de resultado (não se obrigou a obter um qualquer caudal pré-quantificado - nem tal foi alegado), mas uma mera obrigação de meios (era pretendido que a autora procedesse ao reforço do caudal de captação de água das piscinas de marés de Leça da Palmeira - resposta ao quesito 1º e alínea B).
23- Os serviços foram prestados, de acordo com propostas da autora aceites pela ré (alínea O e respostas aos quesitos 5º, 31º, 32º, 33º, 41º e 42º) e com resultado prático: Quando o autor iniciou os trabalhos, os poços de bombagem não tinham caudal (resposta ao quesito 45º) e agora o caudal de água obtido estabilizou-se em 3.000 l/h na baixa-mar e 36.000 l/h na preia-mar (resposta ao quesito 44º-A): É patente o equívoco do acórdão recorrido, salvo o devido respeito.
24- É certo que o caudal, a determinada altura, era superior ao que foi obtido a final, mas isso não pode ser considerado defeito da obra (e por isso não provou a matéria das respostas aos quesitos 5º, 6º e 22º): Não se provou uma exigência mínima quanto ao valor do caudal e o que é facto é que no termo da obra havia bastante caudal (quesito 44º-A), o que antes não sucedia (quesito 45º).
25- Também não se provou que a redução do caudal, durante a obra, tivesse ficado a dever-se a imperícia, erro ou culpa, lato sensu, da autora - vide respostas aos quesitos 5º, 6º e 22º.
26- Não se tendo provado a culpa, como bem salienta a sentença anteriormente proferida, de 11/12/98, não pode presumir-se a sua existência nem existe responsabilidade nem motivo para devolução do dinheiro, que radica no facto, não provado, de a autora ter errado sucessivamente na obra (respostas aos quesitos 5º, 6º, 11º, 18º, 20º e, sobretudo, 22º).
27- Por outro lado, a autora não pode ser responsabilizada pelo facto de haver outras firmas concorrentes da autora, a Hidronorte (fls. 52 e 55) e Perfil (fls. 227 e segs.) que da obra realizada pela autora apenas aproveitavam a abertura do poço e o revestimento em betão (resposta aos quesitos 19º, 20º e 23º): A autora não assumiu uma obrigação de resultado nem tal foi alegado (obter um qualquer caudal), ao contrário do que sucedeu com aquelas firmas, que se obrigaram a obter um caudal mínimo de 20 l/s (como consta do contrato celebrado com a Perfil e já constava do fls. 53, do relatório da Hidronorte).
28- A autora é alheia a esse facto/contrato e o que é certo é que cumpriu a sua obrigação, pois a obra estava apta a funcionar de forma estabilizada, na altura em que os trabalhos foram concluídos (quesitos 43º a 45º)
29- Portanto, das conclusões anteriores colhe-se que não só a autora não deve nenhum valor à ré como é a ré que lhe deve os valores peticionados, como se decidiu na anterior sentença de 11/12/98.
30- No que respeita aos serviços da factura 505 (doc. 1 da petição inicial: abertura de furos sub horizontais, fornecimento de tubos ralos e extracção de entulho, de harmonia com a proposta nº 03-CMP-52/95), provou-se que a ré encomendou os serviços e estes foram realizados (resposta ao quesito 5º, 31º, 32º, 33º, 34º e 36º), não tendo a ré provado (art. 342º, nº 2 do Cód. Civil) o que alegou na contestação, que a solução da autora não surtiu o efeito prometido (art. 15º da contestação - quesito 6º) e que a autora jamais logrou provar as medições debitadas (arts. 41º e 42º da contestação - quesitos 9º e 10º).
31- No que respeita aos serviços da factura 506 (doc. 2 da petição inicial: laje do fundo/impermeabilização e ligação do poço aberto pela autora aos poços de bombagem, com furos sub horizontais, de harmonia com a proposta nº 04-CMP-204/95, a autora provou que a ré aceitou a proposta (resposta aos quesitos 41º e 42º) e procedeu aos trabalhos e concluiu-os (resposta aos quesitos 43º a 45º), tendo a ré contestado que, a terem sido concretizados os trabalhos e medidas, em nada lhe aproveitam (art. 51º da contestação - quesito 18º), o que não provou (art. 342º, nº 2 do Cód. Civil), tendo-se provado o contrário (quesitos 43º a 45º).
32- A questão de haver parte da obra da autora que a Hidronorte e a Perfil não aproveitam tem a ver com a realização de uma obra nova, com novas exigências não colocadas à autora e a que esta não se obrigou (um caudal mínimo permanente de 20 l/s - ver contrato de empreitada de fls. 227 e segs. da Perfil, e o doc. de fls. 52 a 55, da Hidronorte, anteriormente elaborado para esse fim) e não com a existência de defeitos ou de incumprimentos por banda da autora, como se viu, ex abundanti.
33- No que respeita aos serviços da factura 507 (doc. da petição inicial: recuperação de duas válvulas de pé, recuperação e limpeza dos tubos de extracção, juntas Gibault, parafusos inox e montagem e desmontagem, compete analisar a resposta aos quesitos 11º a 17º: a autora prestou os serviços de forma deficiente mas a ré encarregou outrem de lhe eliminar os defeitos, que não a autora que para tanto não foi solicitada.
34- A jurisprudência tem entendido que, existindo defeitos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação (art. 1.221º, nº 1, do Cód. Civil), não pode é reparar ele próprio, por sua iniciativa, os defeitos de que a obra enferma, e depois exigir o valor da despesa ao empreiteiro.
35- O acórdão recorrido fez incorrecta interpretação dos factos e aplicação das normas jurídicas citadas nas conclusões anteriores, pelo que deverá ser revogado, de forma a persistir a sentença de 11/12/98.
Contra alegou a recorrida, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Estão provados os seguintes factos:
1- A Câmara Municipal de Matosinhos adjudicou à ré a obra de conservação da piscina de marés em Leça da Palmeira.
2- Entre os trabalhos a realizar era necessário reforçar o caudal de captação de água das piscinas e como se tratava de obra específica a ré procurou empresa da especialidade para dar de subempreitada esta obra, devendo a autora realizar a obra de reforço de captação de acordo com o caderno de encargos e segundo as condições técnicas por ela própria indicadas, tudo conforme proposta e lista de preços unitários que enviou.
3- Em 6 de Maio de 1995, a autora enviou à ré um relatório onde expressamente refere que, em relação ao desassoreamento, na fase final da remoção deste material (areias) ocorreu uma avalanche de água e areias que felizmente não pôs em perigo os trabalhadores e com este arrastamento de areias finas, o caudal de captação voltou a diminuir significativamente.
4- A autora enviou à ré o relatório de 12/4/96 (docs. de fls. 32 a 37).
5- Referindo no ponto 5 « para concretizar a construção do muro de betão, a toda a secção 1,5 x 1,8 x 0,5 com utilização de cofragem surgiram dificuldades inesperadas com a permanente passagem das areias ás quotas mais profundas ».
6- A autora propõe as « melhores condições técnico-económicas para o reforço de captação de água » através da proposta 04-CMP-204/95 de 24/11/95 (cfr. doc. de fls. 35 a 37).
7- No ponto 6 parte final, do seu relatório de 12/4/96, refere a autora: « os furos captantes antes de obturados e a impermeabilização do fundo do poço debitariam na totalidade: na baixa-mar 32.000 l/h; na preia-mar: 70.000 l/h, enquanto que actualmente os valores reduziram drasticamente, obtendo-se os seguintes valores: 3.000 l/h; 36.000 l/h, que julgamos justificado pelo atrás exposto ou por outro motivo que nos escapa ».
8- A autora enviou à ré a carta de 19/4/96 constante de fls. 38, a « dar por concluídos os trabalhos atendendo às afirmações menos correctas com juízos de valor pouco abonatórios para com a A ».
9- A ré enviou à autora as cartas/fax de 10/4/96, 17/4/96 e 26/4/96, conforme documentos de fls. 39 a 46 que aqui se dão por reproduzidos.
10- Naquela última carta a ré refere: « as soluções técnicas propostas por V. Ex. as e a sua execução revelaram-se defeituosas e ineficazes em relação ao fim pretendido com esta obra »;
« Não concordamos, em absoluto, com as medições constantes das facturas indevidamente enviadas por V. Ex.as »;
« O mais vivo desagrado por terem abandonado a obra sem a terem concluído ... »;
« ... pelo exposto teremos de adjudicar esta obra a outra empresa, pelo que devolvemos as facturas enviadas ».
11- A ré enviou à autora o fax de 22/12/94 constante de fls. 73 e 74 dos autos, pelo que adjudica à autora os seguintes trabalhos:
- abertura de poço e seu revestimento em betão, desassoreamento de galeria, degraus, tampa com vedação, sondagens para detectar a galeria superficialmente (transporte + furação e retro percussão), relatório final e assistência técnica.
14- No exercício da sua actividade comercial e a pedido da ré, era pretendido que a autora procedesse ao reforço do caudal de captação de águas das piscinas de marés de Leça da Palmeira.
15- Os serviços prestados foram debitados á ré pelas facturas nos 505, 506 e 507, datadas de 19/4/96, dos valores de 579.150$00, 1.445.535$00 e de 595.530$00, respectivamente.
16- A dívida era pagável no prazo de 30 dias após a data de emissão das facturas.
17- A autora propõe no ponto 4 do relatório referido na alínea C) da especificação a execução de furos sub horizontais e/ou drenos.
18- A autora comprometeu-se a executar a obra adjudicada em dois meses.
19- Em Abril de 1996, ou seja, ano e meio depois, ainda a obra estava por concluir.
20- No respeitante à factura nº 507, o objectivo dos trabalhos era a recuperação das válvulas de captação de água para que esta não se perdesse e se mantivesse na tubagem a jusante das bombas de captação.
21- O que não aconteceu, continuando a água a perder-se.
22- Viu-se a ré na contingência de adjudicar à firma Férrinha a reparação do defeito daquela obra.
23- Segundo o relatório efectuado por aquela firma, verifica-se que as fugas de água eram provocadas pela má vedação das juntas, por falta de rectificação dos tubos na zona de vedação e por falta de parafusos.
24- Propondo-se esta firma rectificar ao torno os tubos nas zonas de ligação ... aplicando novas juntas em borracha com tela e novos parafusos onde necessários.
25- Ou seja, todo o trabalho que a autora diz que fez, teve que ser rectificado pela empresa Férrinha.
26- A ré pagou àquela, por aquele trabalho, 758.500$00.
27- De todos os trabalhos executados pela autora, somente se aproveitariam, a abertura do poço e o revestimento em betão do mesmo, obras essas orçadas em 2.480.000$00.
28- O resto era para demolir.
29- A obra em apreço deveria custar 5.451.300$00, conforme se vê do mapa de serviços e materiais datado de 6/9/95, conforme documento de fls. 56.
30- A ré pagou à autora, até à data, 8.847.455$00, conforme doc. de fls. 58 a 61.
31- No entanto para a obra ser apta para o fim a que se destina ainda foi despendida a quantia de 7.312.500$00.
32- E foram pagos também 658.600$00, referentes à compra de duas bombas e respectiva montagem - solução transitória - para que, durante o Verão, estas bombas captassem água necessária ao funcionamento da piscina.
33- Na fase final da remoção do material que preenchia a galeria desassoreada, ocorreu uma avalanche de areias que se encontravam compactadas nas extremidades da galeria junto ao mar.
34- Essa ocorrência imprevista deveu-se ao facto da galeria desassoreada ter ligação com o mar, quando tudo inculcava que a ligação era com a rocha.
35- A ré veio encomendar à autora a construção de um muro de betão, de forma a suster a passagem das areias que o mar trazia na preia - mar para a galeria da mina.
36- Nessa sequência a autora elaborou a proposta nº 03-CMP152/95 de 18/5/95.
37- A autora propunha a abertura de furos sub horizontais em 200 metros de extensão e a cravação de drenos nas areias em 130 metros, para reforçar o caudal de água.
38- A ré concordou com a proposta, mas não aceitou a cravação de drenos nas areias, por ter considerado os custos elevados.
39- A autora abriu furos sub horizontais numa extensão de 171 metros e revestiu 76 metros em aço inox.
40- Com a abertura desses furos captantes, o caudal obtido no imediato era de 32.000 l/h na baixa-mar e 70.000 l/h na preia-mar.
41- A autora também construiu o muro, não obstante todos os problemas criados com a força e a densidade da água do mar.
42- As areias passavam ás cotas mais profundas e depositavam-se na laje do fundo do poço, reduzindo o caudal de água.
43- A compactação permanente das areias tendia a reduzir gradualmente o caudal e a obstruí-lo a curto prazo, o que, aliás, já se está a verificar.
44- Por isso, a autora propôs à ré a realização de novos trabalhos constantes da proposta nº 04-CMP-204/95 de 24/11/95.
45- A ré aceitou esta proposta.
46- A autora procedeu aos trabalhos acabados de discriminar e concluiu-os.
47- A pedido da ré de 10/4/96, elaborou o relatório de obras, em 12/4/96.
48- O caudal de água obtido estabilizou-se em 3.000 l/h na baixa-mar e 36.000 l/h na preia-mar.
49- Quando iniciou os trabalhos, os poços de bombagem não tinham caudal.
50- A autora mostrava-se disponível para proceder a esses novos furos captantes, mediante actualização dos preços e para reunir com a ré e os representantes da C.M. de Matosinhos.
51- A ré enviou o fax de 17/4/96 constante de fls. 41 a 43, em resposta ao relatório da autora de 12/4/96.
São as conclusões da alegação do recurso que delimitam o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.
As questões suscitadas no recurso respeitam à: a) indevida anulação do julgamento anterior pelo acórdão da Relação do Porto de 16/12/99; b) omissão de pronúncia do acórdão recorrido sobre tal questão; c) cumprimento defeituoso; e) obrigação da ré, ora recorrida, de pagar as facturas reclamadas nos autos.
Analisemos tais questões:
a) Pretende a recorrente a alteração do decidido no acórdão da Relação do Porto de 16/12/99, que anulou parcialmente o julgamento, em ordem a proceder-se à quesitação e subsequente resposta, relativamente ao referido nos seus nos X e XI.
Porém, não houve recurso de tal decisão, o que significa que a mesma transitou em julgado - cfr. art. 677º do C.P.C.
Assim, aquela decisão tornou-se imodificável, tendo força obrigatória - cfr. art. 672º do C.P.C.
Pelo que é vedado a este Tribunal alterar tal decisão.
b) O acórdão recorrido pronunciou-se sobre tal questão pois nele expressamente se refere que « Desde já dir-se-á que as treze primeiras conclusões dizem respeito à anterior decisão deste Tribunal nos presentes autos, o acórdão de fls. 167 e seguintes dos autos, que se encontra a coberto do caso julgado. »
Portanto, no acórdão recorrido decidiu-se que a decisão do acórdão anterior tinha transitado em julgado, estando implícito que não podia ser alterada.
c) Entre a autora e a ré foi realizado um contrato de subempreitada - cfr. art. 1213º, nº 1 do Cód. Civil, mediante a qual aquela se obrigou, como empreiteiro, a reforçar o caudal de captação de água das piscinas de marés de Leça da Palmeira.
Para tanto a autora propôs e a ré aceitou a realização dos seguintes trabalhos: desassoreamento de galeria, degraus, tampa com vedação, sondagens para detectar a galeria superficialmente (transporte + furação e retropercussão), relatório final e assistência técnica.
Na fase final da remoção do material que preenchia a galeria desassoreada, ocorreu uma avalanche de areias que se encontravam compactadas na extremidade da galeria junto ao mar, ocorrência esta imprevista, que foi devida ao facto da galeria desassoreada ter ligação com o mar, quando tudo inculcava que a ligação era com rocha.
Então a autora propôs à ré a realização de novos trabalhos, designadamente: a construção de um muro de betão, de forma a suster a passagem das areias que o mar trazia na preia-mar pela galeria da mina, a abertura de furos subhorizontais em 200 metros de extensão e a cravação de drenos nas areias, em 130 metros, para reforçar o caudal da água.
A ré concordou com a proposta mas não aceitou a cravação de drenos nas areias, por ter considerado os custos elevados.
A autora abriu furos subhorizontais numa extensão de 171 metros e revestiu 76 metros em aço inox, tendo, com a abertura desses furos, obtido um caudal de 32.000 l/h, na baixa-mar e de 70.000 l/h na preia-mar.
A autora também construiu o muro, não obstante todos os problemas criados com a força e a densidade da água do mar.
Contudo as areias passavam às cotas mais profundas e depositavam-se na laje do fundo do poço, reduzindo o caudal de água, tendendo a compactação permanente das areias a reduzir gradualmente o caudal e a obstruí-lo a curto prazo, o que, aliás, já se estava a verificar.
Por isso a autora propôs à ré que aceitou, a realização de novos trabalhos, constantes da proposta nº 04-CMP-204/95, de 24/11/95 (designadamente: a impermeabilização do fundo do poço e da galeria com betão pronto injectado e armadura com ferro, a ligação do poço da galeria aos poços de bombagem pela abertura de furos sub-horizontais e a desmontagem e montagem da tubagem de aspiração nos poços de bombagem, para verificação do estado das válvulas de pesca, limpeza das tubagens e redução do comprimento dos tubos de aspiração e substituição de material inoperacional.)
A autora procedeu aos trabalhos e concluiu-os.
O caudal de água obtido estabilizou-se em 3.000 l/h na baixa-mar e 36.000 l/h na preia-mar.
Quando iniciou os trabalhos, os poços de bombagem não tinham caudal.
Esta factualidade revela que a obrigação da autora consistia em reforçar o caudal de captação de água das piscinas de marés de Leça de Palmeira e não de assegurar determinado caudal.
A autora realizou os trabalhos que se comprometera a fazer e com os quais a ré concordara.
Tais trabalhos satisfazem o fim do contrato pois, sendo o mesmo o reforço do caudal, as obras realizadas pela autora conseguiram-no pois o caudal obtido estabilizou-se em 3.000 l/h na baixa-mar e 36.000 l/h na preia-mar quando no início dos trabalhos, os poços de bombagem não tinham caudal.
É certo que os factos provados revelam que em relação aos serviços constantes da factura nº 507 de 593.530$00, terá havido uma execução defeituosa.
Mas, para a eliminação desses defeitos, deve o dono da obra exigir do empreiteiro a sua eliminação - cfr. art. 1221º, nº 1 do Cód. Civil, não podendo ele próprio ou, através de terceiro, reparar esses defeitos e, depois, exigir ao empreiteiro a quantia que despendeu.
Caso o empreiteiro se recusasse a repará-los, o dono da obra podia requerer a execução específica nos termos do art. 828º do Cód. Civil - cfr. acórdão do S.T.J. de 18/10/94, C.J./S.T.J. de 1994, tomo 3, págs. 93 e segs.
Portanto, a autora realizou a obra de acordo com o convencionado - reforço do caudal de captação de água das piscinas de marés de Leça de Palmeira, não estando obrigada a assegurar um mínimo de caudal, tendo todos os trabalhos acordados entre ela e a ré, sido realizados.
Se defeitos havia, a ré devia ter exigido da autora a sua eliminação e não repará-los, através de terceiros.
Na reconvenção, a ré pede a devolução de quantias já pagas - 6.467.455$00, e indemnização pelos custos suportados na reparação de defeitos da obra - 1.417.100$00.
No que respeita à devolução da quantia de 6.467.455$00, tal quantia corresponde a trabalhos realizados pela autora, acordados com a ré.
Estes trabalhos fazem parte do projecto da autora para reforçar o caudal que, como já se referiu, atingiu minimamente a finalidade do contrato - reforço do caudal de captação de água do mar para as referidas piscinas.
A ré concordou com tais trabalhos.
Portanto, não pode pedir a devolução da referida quantia com fundamento no facto de que, de todos os trabalhos executados pela autora, somente se aproveitariam, a abertura do poço e o revestimento em betão do mesmo, obras essas orçadas em 2.480.000$00, já que deu o seu consentimento para a sua realização e com os trabalhos realizados alcançou-se um reforço do caudal de captação de água do mar.
No que respeita à indemnização pelos custos suportados na reparação dos defeitos da obra - 1.417.100$00, no acórdão da Relação recorrido absolveu-se a autora nesta parte, não tendo a ré recorrido.
Assim, tal decisão transitou em julgado.
c) As importâncias das facturas nos 505, 506 e 507 que a autora reclama, correspondem a trabalhos e preços acordados com a ré, e por si realizados.
Pelo que já se demonstrou, os trabalhos realizados alcançaram a finalidade do contrato e, se defeitos havia, a ré devia ter exigido da autora a sua reparação e não socorrer-se de terceiros, podendo requerer a execução específica, caso a autora se recusasse a fazê-lo.
Deve, pois, pagar tais importâncias - cfr. arts. 397º e 406º, nº 1 do Cód. Civil.
Pelo exposto, concedendo-se a revista, condena-se a ré, ora recorrida, a pagar à autora o equivalente em euros às quantias de 2.620.215$00 de capital e de 21.835$00 de juros vencidos e os juros vincendos, à taxa legal, até efectivo pagamento, absolvendo-se a autora do pedido reconvencional.
Custas pela recorrida.


Lisboa, 16 de Outubro de 2003
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino