PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
PARTE COMUM
TERRAÇOS
CONDOMÍNIO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
Sumário

I- Os terraços de cobertura de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, são partes imperativamente comuns.
II- Quanto às partes obrigatoriamente comuns, não vale qualquer convenção em contrário, nomeadamente contida no título constitutivo de propriedade horizontal.
III- Um anexo construído num terraço de cobertura constitui uma inovação.
IV- Não tendo sido autorizado por maioria qualificada (2/3 do valor total do prédio), é uma obra proibida.
V- Tendo a construção do anexo modificado o arranjo estético do edifício, a obra é proibida, não tendo sido aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
VI- O Condomínio, em tais circunstâncias, tem direito de pedir a demolição dessa obra.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


O Condomínio de Prédio Urbano situado em Lisboa, na Calçada de Santana, nos ... a ..., tornejando para a Travessa da Pena, nos ...e ..., nº .., representado pelo administrador da Propriedade Horizontal, A, demanda B e marido C, pedindo a condenação dos réus a: a) demolir o anexo construído no terraço existente ao nível da fracção autónoma sua propriedade; b) custear a demolição referida na alínea antecedente; c) executar a demolição referida na alínea a) de forma a que o prédio urbano acima identificado seja reposto na linha arquitectónica anteriormente existente.
Alega para tanto que os réus construíram, sem autorização da assembleia dos condóminos, um anexo no terraço da fracção autónoma E do referido prédio, terraço esse que é parte comum do prédio, tendo tal construção alterado a linha arquitectónica do edifício.
Os réus não contestaram.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença onde, julgando-se a acção procedente, se condenaram os réus no pedido.
Os réus apelaram, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2003, negado provimento ao recurso, confirmando a sentença.
Os réus interpuseram recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso:
1- Conforme documentos juntos aos autos a fracção autónoma designada por letra "E" e que pertence aos réus recorrentes, é composta por seis divisões assoalhadas, casa de banho, cozinha e terraço ao nível do 1º andar.
2- A escritura de constituição da propriedade horizontal inclui como parte própria e exclusiva dos réus o terraço ao nível do 1º andar.
3- O título constitutivo afasta expressamente o referido terraço das partes comuns.
4- O título constitutivo é oponível erga omnes, só podendo ser modificado nos termos do art. 1414º do Cód. Civil ou por decisão judicial.
5- Nos presentes autos não se pediu a nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que este se mantém válido em todos os seus termos, inclusive na propriedade do referido terraço.
6- Não sendo o terraço parte comum, falece legitimidade ao Sr. Administrador para propor a presente acção, pelo que é parte ilegítima, ilegitimidade que é de conhecimento oficioso.
7- Mesmo assim, sempre se dirá que os documentos juntos aos autos provam que o terraço dos autos, ao nível do 1º andar, só parcialmente cobre a fracção inferior, em cerca de 16,08 m2.
8- O prédio tem r/chão, 1º e 2º andar.
9- " I - É intermédio, e não de cobertura, o terraço intermédio dos andares do prédio que dá cobertura apenas a uma parte deste e não se situa - ao nível do último pavimento - na sua parte superior, e que se encontra afectado ao uso exclusivo dos donos daquele andar e ao qual só eles têm acesso. II - Na previsão da alínea b) do nº 1 do art. 1421º do Cód. Civil, não são de incluir, como partes comuns, os terraços intermédios." Tudo conforme acórdão de 8/4/97, C.J., V, 2º- 34.
10- "I - Não é imperativa a enumeração das partes comuns do edifício feita no nº 1 do art. 1421 do C.C. ..., conforme acórdão igualmente citado.
11- As obras efectuadas pelos réus referem-se a 16, 08 m2 do terraço propriedade dos réus.
12- A obra efectuada não prejudicou a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio.
13- Os Srs. Peritos entenderam que "a modificação apresenta-se integrada na linha arquitectónica original" á questão concreta se "essa modificação ofende elementos diferenciadores que o prédio oferecia na sua linha arquitectónica original, ou seja, se altera todo o conjunto de elementos estruturais do imóvel, constituindo uma individualidade própria e específica".
14- Entenderam igualmente os Srs. Peritos que não foi alterada a traça original, nem o aspecto primitivo do prédio.
15- Nem os Srs. Peritos, nem as fotografias ou outros elementos do processo revelam que o prédio ficasse com menos estética do que aquela que já tinha antes, antes pelo contrário, a construção efectuada integra-se na linha arquitectónica original.
16- Nada nos autos permitia decidir como se decidiu.
17- A não ser o gosto pessoal de cada um, que é subjectivo, e não se discute, nada permite dizer que a edificação prejudica a linha arquitectónica e a estética do prédio em questão.
18- O acórdão, considerando o terraço parte comum, condenou, na prática, os réus, para além do pedido.
19- O acórdão violou, entre outros, e fez errada interpretação dos arts. 1414º, 1418º, 1419º, 1421º, 1422º, 1426º e 1436º do Cód. Civil.
Contra alegou o recorrido, pronunciando-se pela improcedência do pedido.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
A 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1- No dia 7 de Setembro de 1982, em escritura pública lavrada pelo notário do 16º Cartório Notarial de Lisboa, D declarou ser dona do prédio urbano composto de rés-do-chão e dois andares e que o constituía em propriedade horizontal, com oito fracções, a D como correspondendo à loja 187, com uma divisão e um saguão, e a E correspondente ao primeiro andar direito, habitação composta de seis divisões assoalhadas, casa de banho e terraço ao nível do primeiro andar.
2- O conteúdo da escritura mencionado sob 1 está inscrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa desde 4 de Outubro de 1982.
3- A assembleia de condóminos do prédio urbano situado na Calçada de Santana, nos ... a ..., tornejando para a Travessa da Pena, nos .. e ... e Beco dos Birbantes, nº ..- Lisboa, deliberou, no dia 9 de Abril de 1985, eleger como administrador do autor, A.
4- A aquisição do direito de propriedade sobre a fracção predial E, correspondente ao primeiro andar direito do prédio mencionado sob 1, composta por seis divisões assoalhadas, casa de banho e terraço ao nível do primeiro andar, está inscrita, desde 21 de Julho de 1989, na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, por compra a E, na titularidade de B, casada com C.
5- A fracção autónoma D, correspondente à loja, com entrada pela Calçada de Santana e pelo ... do Beco dos Birbantes, do prédio urbano mencionado sob 1, está inscrita na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, desde 1 de Fevereiro de 1993, na titularidade de A, casado com F, e G, casado com H.
6- Os réus construíram no terraço mencionado sob 4 um anexo, de alvenaria e tijolo, com a área bruta, incluindo a espessura das paredes, de 16,8 metros quadrados, com cobertura em telha cerâmica, forrado interiormente com ripado de madeira, com o comprimento de 4,8 metros, largura de 3,35 metros, incluindo a espessura das paredes, altura do pé direito de 3,2 metros na zona central e de 2,4 metros junto às paredes, tendo o vão da janela secção trapezoidal com três folhas, com 2 metros de altura na zona central e largura total de 2,8 metros.
7- No dia 14 de Setembro de 1997, os funcionários da Câmara Municipal de Lisboa vistoriaram o prédio urbano mencionado sob 1 e constataram que a construção do dito anexo ainda se encontrava em curso e como a sua execução não estava licenciada por aquela Câmara, esta deliberou embargá-la, mas não foi possível notificar o réu no prazo legal para a confirmação do embargo, pelo que caducou.
8- Como a referida obra não foi embargada, os réus concluíram-na e a Câmara Municipal iniciou um processo de contra-ordenações contra eles, para aplicação da coima correspondente à execução da obra não licenciada, os quais não puderam ser pessoalmente notificados, pelo que correram éditos.
9- O anexo/dependência foi construído sobre uma parte comum que é o terraço que serve exclusivamente a fracção mencionada sob 4 e, apesar de ser para uso exclusivo dos réus, aquele terraço, existente na fracção designada pela letra E, exerce a função de cobertura da fracção designada pela letra D.
10- O anexo alterou a volumetria do prédio na fachada com frente para o Beco dos Birmantes e, com a sua construção, os réus retiraram benefício económico, dado que a respectiva fracção, o primeiro andar, foi ampliado na sua área em cerca de 16,08 metros quadrados, área que corresponde à do terraço ora coberto, o que se traduz no aumento de uma divisão assoalhada.
11- A construção modificou a volumetria do prédio, visto da fachada com frente para o Beco dos Birbantes, e provocou uma ocupação em altura da área descoberta do terraço.
12- O terraço existente ao nível do primeiro andar mencionado sob 4, agora um espaço completamente fechado, exerce a função de cobertura da fracção predial de A.
13- A construção do anexo nunca foi autorizada pela assembleia de condóminos, e A sempre manifestou a sua oposição, não só a título pessoal como também na qualidade de administrador do condomínio.
14- No dia 11 de Dezembro de 1997, a assembleia do autor deliberou conceder a A poderes para intentar uma acção judicial com vista a que a obra realizada pelos réus fosse interdita e reposta a situação anterior ao seu início.
No acórdão recorrido também se julgaram provados tais factos, com excepção do referido em 9, de que o terraço integra uma parte comum do edifício, entendendo-se que constitui uma conclusão de natureza jurídica, não podendo ser considerado em sede de recurso (art. 646º, nº 4 do C.P.C.).
É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.
As questões suscitadas neste recurso respeitam, no essencial, a saber se: a) o referido anexo foi construído numa parte comum; b) a linha arquitectónica do prédio é prejudicada por tal construção.
Analisemos tais questões:
a) Está provado que o referido anexo foi construído no terraço que, embora se destine ao uso exclusivo dos réus, ora recorrentes, serve de cobertura da fracção D.
Na data em que foi constituída a propriedade horizontal do prédio dos autos - 7 de Setembro de 1982, vigorava o disposto no art. 1421º, nº 1, al. b) do Cód. Civil, nos termos do qual são comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento.
Como se verifica da leitura desta norma, os terraços de cobertura são partes imperativamente comuns.
Como ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», ed. de 1972, vol. III, pág. 362, em anotação a este preceito, «A enumeração das partes comuns do edifício, feita no nº 1, é imperativa, no sentido de que os elementos nela incluídos são necessariamente comuns a todos os condóminos.»
E tais terraços de cobertura tanto podem ser do último pavimento como de pavimentos intermédios pois onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões para se concluir ser outro o espírito da lei, a vontade do legislador, o que se não verifica neste caso.
Ora, quanto às partes imperativamente comuns, não vale qualquer convenção em contrário, nomeadamente contida no título constitutivo da propriedade horizontal - cfr. Francisco Rodrigues Pardal e Manuel Baptista Dias da Fonseca, "Da Propriedade Horizontal", 2ª ed., pág. 169.
Assim, como se refere no acórdão recorrido, «... independentemente do que constar do título constitutivo da propriedade horizontal, os terraços de cobertura são necessariamente comuns à pluralidade dos condóminos, ainda que destinados ao uso exclusivo de um ou de alguns deles.»
Portanto, o anexo foi construído em parte comum do edifício dos autos, tratando-se de uma inovação pois modificou essa parte comum, alterando a volumetria do prédio na fachada com frente para o Beco dos Birmantes, ampliando o 1º andar.
Como ensinam os referidos Mestres, ob. e vol. cit., pág. 371, «No conceito de inovação, que corresponde ao pensamento da nossa disposição legal, cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa (...), como as modificações estabelecidas na afectação ou destino da coisa (...).»
Ora, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio - cfr. art. 1425º, nº 1 do Cód. Civil.
E a assembleia dos condóminos não autorizou tais inovações.
Donde resulta que o Condomínio tem direito a pedir a demolição de tais obras, à custa dos réus, ora recorrentes.
b) Está provado que a construção do anexo alterou a volumetria do prédio na fachada com frente para o Beco dos Birmantes e provocou uma ocupação em altura da área descoberta do terraço.
Dispõe o art. 1422º, nº 2, al. a) do Cód. Civil que é especialmente vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício.
Portanto os condóminos não podem fazer obras que causem prejuízo à linha arquitectónica (que, como se refere no acórdão do S.T.J. de 20/7/82, B.M.J. 319º, pág. 301, «significa o conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica») nem ao arranjo estético do edifício (que, como refere o Cons. Aragão Seia, «Propriedade Horizontal», 2ª ed., pág. 105, respeita «ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto.»).
Ora, tendo a construção do anexo alterado a volumetria do prédio na fachada da frente (como, aliás, a fotografia de fls. 42 evidencia), modificou o arranjo estético do edifício pois lhe alterou o aspecto visual («o traço e a organização dos espaços», como se diz no acórdão recorrido), razão porque tal obra é proibida aos recorrentes já que não foi aprovada pela assembleia de condóminos (cfr. art. 1422º, nº 3 do Cód. Civil).
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
Assim, tal anexo deve ser demolido, suportando os recorrentes as correspondentes despesas.
Pelo exposto, nega-se a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 16 de Outubro de 2003
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino