Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DIREITO DE PREFERÊNCIA
HERDEIRO
QUINHÃO
HERANÇA
Sumário
1 - O terceiro adquirente de um quinhão hereditário continua a ser um estranho para efeitos do disposto no artigo 2130º do Código Civil, independentemente de ter legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervir como parte principal. 2 - Assim, tendo ele posteriormente adquirido por escritura de compra e venda a outros herdeiros novos quinhões hereditários, pode qualquer dos demais co-herdeiros exercer o correspondente direito de preferência.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - No incidente processado por apenso aos autos de inventário nº. 629/1999, pendentes no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ovar, por óbito de A, nos termos do artigo 1333º do Código de Processo Civil (CPC), para exercício do direito de preferência na alienação de quinhão hereditário, em que é requerente B e são requeridos C e mulher, foi proferido despacho, segundo o qual "vai indeferido o pedido deduzido por B de reconhecimento do direito de preferência na compra dos quinhões hereditários de D e esposa, E e esposa, e F e esposa, por C e mulher G".
Inconformado com tal decisão, dela interpôs o requerente recurso de agravo, o qual foi admitido, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão a confirmar o despacho recorrido.
Irresignado ainda, veio o requerente interpor recurso de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido.
O agravante apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
1ª - Apenas o herdeiro é o sucessor; o comprador é um mero adquirente.
2ª - O fundamento do direito de preferência previsto no nº. 1 do artº. 2130º do C. Civil é diminuir o número de contitulares e impedir a entrada de estranhos na contitularidade do património da herança.
3ª - Esses objectivos conseguem-se quer se considere o terceiro como estranho ou não para os efeitos já referidos.
4ª- Mas essa disposição tem também como objectivo a manutenção do património "familiar" nos verdadeiros herdeiros, evitando a sua dispersão por terceiros.
5ª - Esse objectivo já não se consegue se o adquirente não for considerado estranho e lhe for permitida a aquisição de outros quinhões sem que os co-herdeiros naturais não possam exercer o direito de preferência.
6ª - A concentração num terceiro de uma posição de supremacia na partilha sem que os co-herdeiros naturais a possam impedir pela via do direito de preferência contraria os objectivos desse direito consagrado no nº. 1 do citado artº. 2130º.
7ª - O douto acórdão recorrido violou o disposto no nº. 1 do artº. 2130º do C. Civil.
Contra-alegaram os agravados, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - Nas instâncias, foi dada como assente a seguinte a factualidade:
1. O presente inventário corre por óbito de A, falecido em 20.05.1990.
2. Por escritura pública datada de 18.07.1995, celebrada no Cartório Notarial de S. João da Madeira, os interessados H e mulher I declararam vender , pelo preço de 200.000$00, a C, casado com G, o quinhão hereditário, na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A.
3. De tal herança fazem parte os imóveis relacionados a fls. 21, sob as verbas 1 e 2 da descrição de bens.
4. O agravado C, casado com G, declarou comprar, por escritura datada de 10.05.1985,43/100 do prédio relacionado sob a verba 2, denominado Mata ... .
5. Encontra-se registada a favor dos agravados a propriedade de 31/300 e ainda de 23/100, além dos 43/100 já mencionados, do prédio em causa.
6. Por escritura pública de 09.08.2001, celebrada no Cartório Notarial de Ovar, os interessados D e mulher J declararam vender, pelo preço de 1.000.000$00, ao agravado o quinhão hereditário que lhes pertencia na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A.
7. Por escritura pública de 18.05.2001, celebrada no Cartório Notarial de Ovar, os interessados E e mulher L declararam vender, pelo preço de 1.000.000$00, ao agravado o quinhão hereditário que detinham na mesma herança.
8. Por escritura pública de 18.05.2001, celebrada no Cartório Notarial de Ovar, os interessados F e mulher M declararam vender, pelo preço de 1.000.000$00, ao agravado o quinhão hereditário que detinham na mesma herança.
III - 1. A única questão aqui a dilucidar é a de saber se um terceiro que adquire um quinhão hereditário deixa de ser um estranho para efeitos do exercício do direito de preferência previsto no artigo 2130º do Código Civil.
Ou seja: saber-se se as vendas de quinhões hereditários a quem já era titular de um quinhão hereditário, por o haver adquirido anteriormente a outro co-herdeiro, poderão ser consideradas vendas de quinhões hereditários a estranhos.
2. Nas instâncias entendeu-se que o cessionário/adquirente deixou de ser um estranho, não havendo, assim, lugar a direito de preferência por parte dos co-herdeiros.
Refere-se no despacho da 1ª instância, com confirmação no acórdão recorrido:
"O adquirente de quinhão hereditário, excluídos os poderes estritamente pessoais do herdeiro a quem sucedeu, adquire, por forma da alienação, todos os direitos ou toda a posição do alienante relativamente aos bens.
"O adquirente tem, por exemplo, direito de preferência na alienação de outros quinhões hereditários (neste sentido ver Oliveira Ascensão, em "Direito Civil, Sucessões", 4ª Ed. Revista, 1989, pág. 539).
Desde que se permita a cessão, o cessionário fica colocado no lugar do cedente, passando a usufruir dos mesmos direitos que a este pertenciam. E nem se diga que o artº. 2130º, nº. 1, do CC, conduz necessariamente a interpretação diversa ao estabelecer a dicotomia co-herdeiro/estranho, pois também no artº. 1371º, nº. 1, do C PC, o legislador utilizou o mesmo conceito de co-herdeiro (a propósito das licitações) e toda a doutrina e jurisprudência é unânime em entender que o cessionário é também admitido a licitar nos termos em que o era o cedente.
Tudo para concluir que desde a data em que o cessionário entra na comunhão hereditária este passa a ter os mesmos direitos e deveres do cedente, sendo considerado um co-herdeiro no que respeita à situação dos bens, e, consequentemente, não pode ser considerado estranho para os efeitos previstos no artº. 2130º, nº. 1, do CC.
Acresce que a própria ratio desta preferência legal não permite concluir de modo diverso.
Na verdade, o fundamento da preferência é evitar a intromissão de estranhos na indivisão hereditária.
Ora, a partir do momento em que os co-herdeiros permitiram ao ora cessionário intrometer-se na indivisão hereditária, permitindo que aquele tivesse adquirido anteriormente um outro quinhão hereditário, sem que em tempo oportuno tenham exercido a preferência sobre tal venda, tais co-herdeiros deram o seu consentimento a essa mesma intromissão, não podendo, agora, pretender evitar tal intromissão quando a mesma está consumada por acto omissivo anterior".
3. Segundo o nº. 1 do artigo 2130º do Código Civil, "Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários".
Infere-se, assim, que, se a venda ou a dação em cumprimento forem feitas a co-herdeiros, não há direito de preferência (R. Capelo de Sousa, "Sucessões", 2º, pág. 101, nota 720).
O direito de preferência que este artigo concede aos co-herdeiros na venda ou dação em cumprimento a estranhos do quinhão hereditário de qualquer deles nasce do interesse que a lei tem de reunir nas mãos do menor número deles a titularidade dos diversos quinhões em que a sucessão fraccionou a unidade da herança (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, 1998, pág. 211 ).
A concessão da preferência justifica-se pelo propósito de evitar, quanto possível, a dispersão dos bens que constituíram a herança (cfr. Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos, "Notas ao Código Civil", Vol. VII, pág. 343).
Tal objectivo, no caso em análise, tanto se consegue se o adquirente for ou não considerado estranho para efeitos do citado preceito legal, pois que, se algum dos restantes co-herdeiros preferir, o número de titulares dos quinhões não fica alterado.
Há, porém, um outro escopo em vista: o de impedir que o património hereditário vá para outras pessoas que não os próprios herdeiros.
O herdeiro não é, como diz o Prof. Pereira Coelho ("Direito das Sucessões" - Lições ao Curso de 1073-1974- policopiadas, pág. 24) um simples adquirente; a sua aquisição é reflexa e consequencial.
Ora, a concentração num terceiro - que não é herdeiro, mas adquirente de um quinhão hereditário - de muitas quotas hereditárias vai alterar a divisão do património familiar na partilha, passando ele a uma posição de supremacia na partilha da herança que o disposto no citado artigo 2130º, nº. 1, quis evitar.
Assim sendo, e salvo melhor opinião, um cessionário de um quinhão hereditário continua a ser um estranho para efeitos do indicado normativo legal.
O facto de o cessionário de um quinhão hereditário ter legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervir como parte principal (artigo 1327º, nº. 1, do CPC) resulta de ter adquirido o quinhão hereditário e não por ser herdeiro; logo, habilitado como sucessor do cedente do quinhão, é equiparado a qualquer outro interessado, podendo exercer os direitos que eram conferidos por lei ao cedente/herdeiro.
De qualquer forma, não deixa de ser um estranho à herança para efeitos do disposto no artigo 2130º, nº. 1, do Código Civil, pois que, com a aquisição efectuada, não passou a ter a qualidade de herdeiro, independentemente de passar a ser titular de direitos de que gozava o cedente do quinhão hereditário, o qual foi herdeiro até à cessão.
4. Resulta do exposto que procedem as conclusões do agravante.
III - Podem, assim, extrair-se as seguintes conclusões:
1ª - O terceiro adquirente de um quinhão hereditário continua a ser um estranho para efeitos do disposto no artigo 2130º do Código Civil, independentemente de ter legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervir como parte principal.
2ª - Assim, tendo ele posteriormente adquirido por escritura de compra e venda a outros herdeiros novos quinhões hereditários, pode qualquer dos demais co-herdeiros exercer o correspondente direito de preferência.
IV - Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revogando-se as decisões recorridas, decide-se deferir o pedido de reconhecimento do direito de preferência deduzido por B na compra dos quinhões hereditários de D e mulher, E e mulher e F e mulher por C e mulher G, reconhecendo-se ao requerente o direito de haver para si os quinhões hereditários em causa, mediante o pagamento do respectivo preço, acrescido das demais despesas, nomeadamente as da escritura.
Custas pelos agravados.
Lisboa, 21 de Outubro de 2003
Moreira Camilo
Lopes Pinto
Pinto Monteiro