Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PACTO DE PREFERÊNCIA
VIOLAÇÃO
TERCEIRO
DEVER DE INDEMNIZAR
Sumário
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
A. Na Vara de Competência Mista do Funchal, A intentou acção de declaração e condenação com processo ordinário contra B, pedindo seja reconhecido o direito de haver ela por si o quinhão hereditário e a quota social que identifica, ordenando-se o cancelamento dos registos de aquisição a favor da Ré, daquele quinhão hereditário e daquela quota.
Alega em síntese a titularidade de um direito de preferência contratual relativamente à transmissão para a Ré de um prédio que identifica.
A Ré contesta por excepção - invoca a ineptidão da petição inicial - e por impugnação alegando a inexistência de qualquer pacto de preferência.
Proferido despacho saneador e organizada a peça condensadora, procedeu-se a julgamento tendo a acção vindo a ser julgada improcedente.
B. Inconformada com tal decisão dela apelou a Autora, e tendo a Relação de Lisboa confirmado o decidido, recorre agora para este Supremo, e alegando, formula estas conclusões:
1. O acórdão recorrido ao considerar que a decisão sobre a matéria de facto não era modificável, encontrando-se verificados os pressupostos da aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 712. ° do Código de Processo Civil, violou esta disposição e incorreu em nulidade por falta de fundamentação, i.e. por falta de justificação (legal) para a não aplicação de tal disposição.
2. O acórdão recorrido, ao decidir manter a sentença da 1ª Instância que julgou a acção improcedente por falta de prova do direito de preferência da Autora, e ao fundamentar tal decisão no respeito do direito de preferência da Autora por C, incorreu em nulidade por contradição, em conformidade com o disposto no art. 668. °, n.º 1 al. c) Código de Processo Civil.
3. O acórdão recorrido, ao decidir que a Autora carecida legitimidade por não ter ficado provado o facto constante do quesito 6. °, violou o disposto no Artigo 343.°, n.º 2 do Código Civil segundo o qual o ónus da prova de tal farto recai sobre a Ré., devendo a falta de prova ser decidida contra esta.
4. O acórdão recorrido, ao decidir pela improcedência das pretensões da Autora por motivo de ilegitimidade, invocando fundamentos em sentido oposto, i.e. a falta de prova do quesito cujo ónus recaía sobre a Réu, incorreu mais uma vez em contradição nos termos do disposto no art. 668. °, n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
5. O acórdão recorrido, ao conhecer a pretensa falta de legitimidade da Autora e da caducidade do seu direito de preferência, extravasou os seus poderes cognitivos, violando o princípio do dispositivo consagrado nomeadamente nos artigos 3. °, 264.° e 661.° do Código de Processo Civil e no art. 333 do Código Civil. E o disposto no art. 1410. ° do Código Civil.
6. O acórdão recorrido, ao conhecer da pretensa caducidade do direito de preferência da Autora tomando por fundamento um facto falso - pois a Autora efectuou o depósito da caução - incorreu em nulidade nos termos do art. 668.°, n.° 1 al. c) do Código de Processo Civil;
7. O acórdão recorrido ainda é nulo por omissão de pronuncia em conformidade com o disposto no art. 668. °, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, por não ter apreciado as questões suscitadas e fundamentadas pela Autora na sua alegações, a saber: - a violação do disposto nos Artigos 393.°, n.º 3 do Código Civil e art. 659.° do Código de Processo Civil, pela sentença recorrida ao julgar não provado o direito de preferência da Autora perante o documento de fls. 41; - a violação do disposto no art. 410. °, n.º 2, ex vi art. 415.° (que trata dos requisitos de forma pacto de preferência) pela sentença recorrida ao julgar não provado o direito de preferência da Autor perante o documento de fls. 41; - a violação do disposto no art. 236. ° do Código Civil (que trata da interpretação da declaração negocial) pela sentença recorrida ao julgar não provado o direito de preferência da Autora perante o documento de fls. 41; - o abuso de direito (art. 334 do Código Civil); - a inoponibilidade da simulação de preço à Autora por ser terceiro de boa fé; e - a violação do disposto nos Artigos 562 e 566 n.º 1 do Código Civil. Pela sentença recorrida ao julgar não provado o direito de indemnização da Autora in natura.
8. A comunicação de C à Autora de que pretendia alienar o seu quinhão e a sua quota pelo preço global de 25.000.000$00 tendo alienado pelo preço global declarado de Esc. 12.640.000$00 (fls. 41) constitui violação grosseira do direito de preferência que assistia à Autor.
9. O carácter doloso e ilícito da actuação de C estende-se ao comportamento da Ré que com ele colaborou conscientemente.
10. A Ré, ao adquirir o quinhão hereditário e a quota social por preço inferior ao que sabia ter sido comunicado para a preferência, procedeu manifestamente contra a boa fé e os bons costumes pelo que cometeu abuso de direito (art. 334. ° Código Civil).
11. Não podendo a nulidade da simulação ser oponível à Autora - por ser terceiro de boa fé, tem este direito a preferir pelo preço declarado.
12. Os factos provados determinam o direito de a Autora haver para si, ao abrigo do disposto no art. 1410. ° do Código Civil, os bens indevidamente alienados, pelo que, mal andou a sentença ao julgar em sentido contrário.
13. Subsidiariamente sempre deveria a Ré ter sido condenada na reconstituição natural em conformidade com o disposto Artigos 562.° e 566.°, n.º 1 do Código Civil, pela violação
Nas suas contra-alegações, a recorrida bate-se pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.C. Os Factos:
1. Em 28/06/72 faleceu D, a qual deixou, como herdeiros, os seus três filhos: Autora, E e F;
2. O acervo hereditário deixado por morte de D é composto por um prédio misto sito em Porto Santo, no Campo de Baixo, descrito na C. R. P. sob o nº 2219, o qual resultou a anexação dos prédios n.º 2213, 2214,2215,2216 e 2217.
3. Por escritura de 5/3/91, foi constituído uma sociedade sob a firma " G, com o capital social de 420.000$00, cujos sócios eram a Autora e os seus dois irmãos, E e F, cada um com uma quota de valor nominal de 140.000$00.
4. Por escritura de 7/10/92, o F alienou o seu quinhão hereditário que detinha na herança de sua mãe, a favor da ré.
5. Por escritura de 7/10/92 o mesmo F cedeu a sua: quota, no valor nominal de 140.000$00, mencionada em 3° a favor da ré.
6. Por escritura outorgada em 27/3/96, o C declarou alienar o seu quinhão hereditário que detinha na herança da mãe, à ora Ré, pelo preço de 12.500.000$00.
7. Por escritura outorgada em 27/3/96 o E cedeu a sua quota no valor nominal de 140.000$00, referida em 3°, a favor da ré. Estes os dados como provados, a fls.97, tendo das respostas aos quesitos elaborados considerado ainda provado:
8. Em 3/8/95, O C comunicou à A. que pretendia vender em conjunto, a quota que detinha na sociedade "G, Lda. e o seu direito na quota hereditária pelo valor global de 25.000.000$00 tendo a Autora sido notificada na qualidade de sócia daquela sociedade e de co-herdeira de D (resp. ao quesito 4°).
9. A Ré sempre esteve a par do facto mencionado em 8° (resp. ao quesito 7°).
10. A Autora propôs à Ré a aquisição por 25.000.000$00 do seu quinhão hereditário e quota social (resp. ao que. 10°)
11.- O C acordou com a ré, vender-lhe o seu quinhão hereditário e quota social por 25.000.000$00 (resp. quesito 11°).
12. A Autora negociou a venda à Ré, do seu quinhão hereditário quota social, negócio que acabou por não se efectuar (resp. a 10 e 11)
13. A quantia de 25.000.000$00 referida em 11 foi paga pela Ré ao C em duas prestações, sendo a primeira de 7.500.000$00 liquidada em 10/01/96 e a segunda de 17.500.000$00 em 27/03/96.
D) Decidindo:
A primeira questão suscitada prende-se com a pretensa alteração das matéria de facto.
A Relação de Lisboa, entendeu que deveria manter-se inalterada a resposta negativa dada aos quesitos 1, 2 e 3.
O presente processo deu entrada na Vara Mista do Funchal em 10 de Julho de 2000.
Há que apreciar da admissibilidade do recurso para este Supremo, à vista do disposto no n.º 6 do Artigo 712 do Código de Processo Civil, aditado pelo Decreto-lei 375 A/99 de 20 de Setembro, e do Artigo 8, n.º 2 deste Decreto-lei.
Nos termos do Artigo 9 do Decreto-lei citado, este diploma entrou em vigor trinta dias após a sua publicação e, como dito no n.º 2 do Artigo 8º, o disposto no nos Artigos 712 e 754 do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo referido Decreto - lei não é aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
À data os autos não se encontravam pendentes.
Por aplicação do disposto no Artigo 712 n.º 6 do Código de Processo Civil, não é admissível recurso sobre a matéria de facto que a Relação entendeu estar ou não provada, pelo que tal julgamento se impõe a este Supremo.
Daqui resulta que, a Autora não logrou provar o pacto de preferência que invoca como causa do direito que pretende ver-lhe reconhecido.
A nulidade que a recorrente imputa ao Acórdão radicaria no facto de haver contradição entre a fundamentação e a decisão. Existe nulidade da sentença, nos termos da al. c) do Artigo 668 do Código de Processo Civil «quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão». Quer isto dizer que, só quando os fundamentos invocados conduzissem a resultado oposto ao que consta da sentença ou acórdão, é que se verifica a referida nulidade. Ora o Acórdão não padece desse vicio, uma vez que, partindo da inexistência do invocado pacto de preferência entende que a comunicação que foi feita à Autora não é outra coisa senão o respeito pelo direito de preferência que resulta do disposto nos Artigo 1404 e 1409 do Código Civil.
Entende ainda a recorrente que existe a mesma nulidade por o Acórdão a ter considerado parte ilegítima com base no facto de não se ter provado o que constava do quesito 6º, quando essa matéria dependia da prova a fazer pela Ré e não pela Autora. A nulidade resulta da violação do disposto no Artigo 343 n.º 2 do Código Civil.
Mas ao contrário do alegado, o Acórdão parte para a ilegitimidade substantiva e não processual da Autora por entender que lhe foi dado conhecimento por parte do outro comproprietário da intenção de vender a sua quota e o quinhão hereditário, indicando a pessoa do comprador e o respectivo preço. Foi cumprido o preceituado no Artigo 1409 do Código Civil dado que à Autora lhe foi dada a oportunidade de preferir na venda por o mesmo preço. O excesso de pronúncia, a existir, não influenciou a decisão.
A recorrente invoca ainda a omissão de pronúncia por o Acórdão não se ter pronunciado sobre questões que lhe foram colocadas.
Face ao que dispõe o n.º 2 do Artigo 660 do Código de Processo Civil deve o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não tendo sido provado o pacto de preferência não tinha o Acórdão que se pronunciar sobre as questões que decorreriam de tal prova.
Posto isto, há que apreciar se houve violação das normas jurídicas invocadas.
À convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa chama-se pacto de preferência - Artigo 414 do Código Civil.
Na orientação mais autorizada, as preferências integram-se na categoria de direitos a que os nossos autores têm chamado, por influência da doutrina alemã, direitos reais de aquisição, o que significa tratar-se de direitos «que conferem aos respectivos titulares o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorrem outros pressupostos, um direito real de gozo: ( Prof. Vaz Serra, RLJ, ano 103, págs. 471, nota 1; Prof. Autor Varela, mesma revista citada, págs. 476; Revista dos Tribunais, ano 87, págs. 360; Acs. do S. T. J., de 27-10-1972, BMJ 220/163 e de 8-1-1974, in BMJ., 233/190).
Os direitos legais de preferência conferem ao titular a faculdade de, em igualdade de condições, se substituírem a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação (venda, dação em cumprimento de prédio sujeito a preferência). Com essa finalidade, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito o propósito de alienação e as cláusulas do respectivo contrato (crf. 416° nº 1 do Código Civil) e se o não fizer e, entretanto, se consumar a alienação o preferente fica com a faculdade de, dentro de certo prazo (seis meses) fazer valer o seu direito contra o adquirente (art. 1410° nº 1 do mesmo Código).
Preferência nasce para o seu titular "logo que se efectua o contrato". Radicando-se na pessoa a quem assiste.
Isso mesmo resulta da obrigação imposta ao vendedor de comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato (art. 416° nº 1 do Código Civil).
No sentido que vem de ser indicado podem ver-se os citados Acs do S.T.J., de 27-10-1972 e 8-1-1974.
Os direitos legais de preferência e os direitos de preferência convencionais com eficácia real conferem aos respectivos titulares a faculdade de, em igualdade de condições, ele se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidem, em caso de venda ou dação em cumprimento, estando o vendedor obrigado a comunicar essa venda ao preferente. Os pactos de preferência despidos de eficácia real provam-se por documento escrito assinado pelo obrigado.
O terceiro que adquiriu a coisa objecto da preferência constituir-se-à na obrigação de indemnizar o preferente?
Na preferência legal o preferente beneficia, além do direito de crédito do comportamento do obrigado à preferência, de um direito potestativo que lhe permite fazer seu o negócio de alienação realizado com violação do direito de preferência. Por outro lado o Artigo 421 do Código Civil prescreve no seu n.º 1 que: o direito de preferência pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis ou a móveis sujeitos a registo, constar de escritura pública e estiver registado nos termos da respectiva legislação.
Tal como no direito legal de preferência, no direito convencional, o preferente, efectuada a alienação, pode substituir-se ao adquirente, desde que o direito de preferência respeite imóveis ou móveis sujeitos a registo e conste de escritura pública e tenha sido registado nos termos das disposições do Código do Registo Predial. É a eficácia real do direito convencional de preferência que, assim, pode ser oposto a qualquer adquirente da coisa.
No direito convencional de preferência sem eficácia real, o preferente tem apenas um direito de crédito cuja violação dá exclusivamente direito a ser indemnizado dos prejuízos.
Mas poderá, pela não execução de um contrato, haver responsabilidade de um terceiro cúmplice do devedor?
Esta questão coloca-se nos pactos de preferência com eficácia real ou meramente obrigacional. A problemática desta questão prende-se com os chamados efeitos externos das obrigações.
Não obstante o preceituado no Artigo 483 do Código Civil, Vaz Serra in Obrigação de Preferência BMJ 76 escreve: poder-se-ia dizer que o terceiro, que concorreu conscientemente para a violação do pacto de preferência se constitui em responsabilidade, pois infringiu o dever de que nada se deve fazer que impeça o normal cumprimento das obrigações contratuais, mas isso só será assim quando o terceiro não exerce um direito ou um poder legal, o que não acontece no caso em questão, pois todas as pessoas não exceptuadas na lei podem comprar ou vender.
Só o terceiro de má fé pode ser responsável pela indemnização.
Vaz Serra continua a ensinar que: Em princípio, conquanto possa parecer razoável que se admita um direito de indemnização do credor da preferência contra o terceiro conhecedor dela, esse direito não se afigura de aceitar, uma vez que os direitos de crédito só valem, em princípio, contra o devedor. O credor da preferência só tratou com o devedor dela, não com o terceiro, estranho à convenção, e a quem os direitos obrigacionais daquele não vinculam.
O terceiro nada tem a ver com o pacto de preferência. Comprando usa da sua liberdade de adquirir, que esse pacto não limita, por lhe ser alheio.
Ainda que ao comprar conhecesse o direito de preferência, não tinha que se embaraçar com ele, pois só o devedor assumira a obrigação de respeitar.
Por sua vez Manuel de Andrade - Teoria Geral das Obrigações, 3ª Edição página 62 escreve que: A responsabilidade do terceiro comprador só poderia ter justificação aceitável nos casos em ele tenha procedido de modo particularmente escandaloso para a consciência jurídica dominante. E o expediente técnico que a poderá legitimar em face do direito positivo será o abuso de direito.
Parece assim que será de admitir a responsabilidade de terceiro se este adquiriu a coisa objecto da preferência com a intenção de impedir o exercício daquele direito pelo seu titular, pois bem se pode dizer que ele procedeu com abuso de direito - Artigo 334 do Código Civil.
Doas factos dados como provados não resultam que a Autora e seu irmão tivessem contratado um pacto de preferência em relação à possível alienação da quota na sociedade e o seu quinhão hereditário. Mas se existisse, o adquirente não teria de indemnizar, uma vez que não exerceu o seu direito de comprar de forma abusiva. Para que se possa falar em abuso de direito é necessário que se provem os factos que o integram, ora, quanto a este ponto, nada resulta dos autos que possa sustentar o exercício abusivo do direito. O preço da compra da quota e do quinhão hereditário do irmão da Autora foi efectuado por 25.000.000$00, igual valor ao que a Autora tentou negociar com a Ré, a sua parte. Porém o valor declarado na escritura não corresponde a esse valor, é manifestamente inferior.
O Artigo 243 do Código Civil torna inoponível a simulação a terceiros de boa fé. Este preceito legal visa proteger a confiança de terceiros pelo que a não invocação da simulação tem por fim não causar prejuízos a terceiros, mas, como defende Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil) a protecção da confiança não pode ir ao ponto de, através dessa inoponibilidade, originar vantagens ou lucros que nada legitimam. Dos factos dados como provados resulta que a Autora negociou a sua quota na sociedade e o quinhão hereditário pelo valor que o seu irmão lhe comunicou. Assim, como aliás a Autora confessa na petição inicial esse valor levou-a a que não preferisse aquando da comunicação por não ter disponibilidade financeira para o efeito. Embora conste da escritura outro preço, o certo é que a Autora conhecia o valor do negócio que era do mesmo quantitativo que inicialmente pretendeu para os mesmos bens.
A existir esse pacto não teria sido celebrado com a forma exigida para que o mesmo se impusesse a terceiros. Se o pacto não tinha efeitos reais, então teria que constar de escrito assinado pelo que se obrigou à preferência.
Nem uma coisa nem outra constam dos autos.
Entende ainda a recorrente que a carta de fls 41 - em que o seu irmão lhe comunica que vai vender a sua quota na sociedade e o seu quinhão hereditário - não é outra coisa senão a confirmação da existência do pacto de preferência.
A interpretação da vontade hipotética ou conjectural das partes levaria, nos termos do Artigo 236 do Código Civil à conclusão de que da carta resulta a existência desse pacto de preferência.
Pires de Uma e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, pág. 230, em nota ao art. 236° do Código Civil, ensinam:
"A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).
O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo - no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista.
«A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.»
Castro Mendes, in "Teoria Geral do Direito Civil", II volume, edição de 1995, pág. 366, discorda da posição de Pires de Lima e Antunes Varela, quando afirmam que o Código Civil consagra uma doutrina objectivista da interpretação, sustentando que o sentido a que preceito alude "é o sentido pretendido". Somente vale aquilo que como sentido pretendido for dedutível pelo homem normal e médio" colocado na posição do real declaratário" - pág. 367.
Aí refere que a expressão" colocado na posição do real declaratário" Quer sobretudo dizer, dispondo dos elementos de interpretação de que o declarante dispôs".
Ora a carta de fls. 41 não pode de modo nenhum ser interpretada como a consubstanciação do referido pacto de preferência, uma vez que as partes tinham dele conhecimento mas o mesmo não foi junto aos autos por isso, um declaratário normal posto nas mesmas circunstâncias em que se encontrava a Autora não podia interpretar esse escrito com outro sentido que não fosse a comunicação da venda do seu preço e da pessoa do comprador, notificando assim a Autora para preferir. Assim, face à comunicação perdeu a Autora legitimidade para a acção de preferência a que alude o Artigo 1410 do Código Civil.
E) Face a tudo quanto se deixou exposto, acorda-se em negar a revista, Custas pela recorrente.
Lisboa, 21 de Outubro de 2003
Ribeiro de Almeida
Sousa Leite
Nuno Cameira