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CONTRATO-PROMESSA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
CLÁUSULA CONTRATUAL
LIBERDADE CONTRATUAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Sumário
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Cooperativa de Habitação Económica de Pego Negro, CRL veio propor a presente acção contra A, pedindo que:
a) se declare a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e o Réu, ficando a Autora na posse do sinal já entregue, nos termos dos artºs 432º e 442º n 2 do C.Civil;
b) seja o Réu condenado a restituir à Autora a fracção referida, devoluta de pessoas e bens;
c) seja o Réu condenado no pagamento da quantia de 19.306$00 de quotas de condomínio devidas pelo uso da fracção e em indemnização pelos prejuízos que ainda vierem a ser causados até decisão do processo e a liquidar em execução de sentença.
Para tanto, alega, em síntese, que:
Em 3 de Março de 1999, celebraram entre si (a Autora como vendedora e o Réu como comprador) um contrato promessa de compra e venda relativo a uma fracção autónoma destinada a estabelecimento comercial, tendo então o Réu entregue a quantia de 1.080.000$00 e acordando entregar a restante importância referente ao preço de 10.800.000$00, na data da escritura, a celebrar, no prazo de sessenta dias (a ser prorrogado pela Autora, caso não lograsse obter, atempadamente, os documentos necessários para o efeito).
Por carta registada de 11 de Maio de 2000, a Autora comunicou ao Réu que a escritura se encontrava designada para o dia 31 desse mês;
Essa carta foi enviada para a morada indicada no contrato promessa, mas não foi recebida na aludida moradia nem reclamada junto dos CTT.
Por esse facto a escritura não foi outorgada, já que o Réu a ela não compareceu.
Mais alega:
ter perdido, definitivamente, interesse na celebração do contrato prometido.
· e que o Réu também não pagou a quota relativa às despesas do condomínio do prédio de que a Autora é administradora, no montante de 19.306$00, visto que desde a data da celebração do contrato promessa, passou a ocupar a fracção autónoma prometida vender.
Devidamente citado, veio o Réu apresentar contestação (onde peticiona a improcedência da acção) e deduzir reconvenção, pedindo que a Autora seja condenada a pagar-lhe as despesas havidas na marcação de escritura que não chegou a realizar-se por culpa da Autora, e ser esta condenada a marcar data, local e hora para a realização da escritura prometida de compra e venda num prazo não superior a 30 dias.
Pretende, ainda, a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização condigna.
Para tanto, alega, muito em resumo, que:
Foi por culpa da Autora que não se celebrou, em 1999, a escritura de compra e venda em questão, em virtude de a Autora não consentir que o Réu recorresse a uma instituição bancária à sua escolha para obter financiamento para a compra.
Não recebeu a carta com a/r que a Autora diz ter-lhe dirigido, por facto alheio à sua vontade, pois que ocorreu num período em que sua mulher estava hospitalizada para ser submetida a intervenção cirúrgica e, por isso, estava ausente de casa.
Indicara à Autora, mandatário a quem passou procuração e que deveria ter sido este e não o Réu a ser notificado para a celebração da escritura de compra e venda.
Não podia aceitar celebrar a dita escritura de compra e venda, pois que a fracção prometida não tinha licença de utilização.
Teve despesas com a marcação da dita escritura, em 1999, afirmando que a pretende outorgar.
Foi apresentada resposta.
Foi proferido despacho saneador, organizado o rol os factos tidos por Assentes, assim como a base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova oral produzida, finda o qual se proferiu despacho decisório dos factos controvertidos tidos por provados e os não provados.
Foram dados como provados os factos seguintes:
1 . A A. é possuidora de um edifício composto por 20 habitações sociais e duas lojas, sito na Rua da Cooperativa de Pego Negro, nºs ....., .... e ...., freguesia de Campanhã, Porto, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial sob o nº 1149/911126. -a) da esp.
2. A. e R. outorgaram, em 31.3.99, o contrato promessa de compra e venda junto a fls. 9 a 16. - B) da esp.
3. Através desse contrato a A. prometeu vender e o R. comprar a fracção autónoma designada pela letra B, correspondente a um estabelecimento comercial, com entrada pelo nº 107, do edifício referido - C) da esp.
4. Foi acordado o preço de Esc. 10.800.000$00 que devia ser pago da seguinte forma: Esc. 1.080.000$ 00, que totalizava a quantia entregue nessa data pelo R. à A., e Esc. 9.720.000$00 a pagar na data da outorga da escritura. - D) da esp.
5. A escritura seria outorgada no prazo de 60 dias a contar da data da outorga do contrato promessa, prazo esse que podia ser prorrogado por iniciativa da A. no caso de ela não obter atempadamente os documentos necessários à realização da escritura e de sua responsabilidade. - E) da esp.
6. Era da responsabilidade da A. a marcação da escritura que devia, para o efeito, avisar o R. por carta registada com a.r. com a antecedência mínima de 15 dias, do dia, hora e local para a realização da mesma. - F) da esp.
7. Foi ainda acordado que o R. procederia à entrega tempestiva de todos os seus elementos identificativos, bem como do comprovativo do pagamento da sisa, no caso de ser exigido, e ainda, no caso de ter financiamento bancário, todos os elementos necessários para esse fim. - G) da esp.
8. Na sequência da outorga do contrato-promessa o R. passou a ocupar fracção. - H) da esp.
9. A A. enviou ao R. em 11 Maio de 2000, para a morada constante do contrato, carta registada com a/r. junta a fls. 17, comunicando-lhe que a escritura se encontrava marcada para o dia 31 de Maio de 2000, pelas 15 horas, no Cartório Notarial de Rio Tinto. - I) da esp.
10. A carta foi devolvida com a indicação de não reclamada. - J) da esp.
11 . A escritura não foi efectuada como consta de fls. 18 a 20. - Q) da esp.
12. O R. não procedeu ao pagamento da quantia de Esc. 19.306$00, relativa quota do condomínio da fracção prometida comprar. - M) da esp.
13. O R. enviou à A., em 1.7.99, o fax junto a tis. 58 e 59. - N) da esp.
14. A mulher do R. esteve internada no Hospital de Santo António do Porto n período compreendido entre 25 de Abril de 2000 e 12 de Maio de 2000. - O) da esp.
15. Antes de proceder à marcação da escritura para 31 de Maio de 2000, já a A., por várias vezes, havia tentado proceder à sua marcação por acordo com o R.. - resp. ao q. 1º.
16. O R. sempre invocou não aceitar outorgar a escritura sem que a fracção possuísse licença de utilização. - resp. q. 3º.
17. A não outorga da escritura tem implicado que a A. não possa satisfazer elevados encargos junto do Instituto Nacional Habitação. - resp. q. 4º.
18. Foi acordado entre todos os cooperantes da A. que seria ela a administrar condomínio até à conclusão da entrega de todos os fogos. - resp. q. 5º.
19. Na data da outorga do contrato-promessa o R. entregou à A. a quantia de Esc. 1.080.000$00. - resp. q. 6º.
20. No ano de 1999 o R. e mulher tinham solicitado empréstimo a um instituição bancária. - resp. q. 7º.
21. O R. não aceita outorgar a escritura sem que a fracção possua licença de utilização. - resp. q. 11º.
- Por ter interesse para a decisão do recurso, reproduz-se, no essencial, uma declaração (certidão) emitida pela Câmara Municipal do Porto, em 28-11-2000:
"Para o prédio sito na Rua da Cooperativa Pego Negro, nº ...., foi concedida a licença de construção nº 19-23/96, não tendo sido emitida a respectiva licença de utilização. Aguarda o cumprimento dos pareceres da D. M. Informação Urbana e Arruamentos".
- Pelo mesmo fundamento, reproduz-se a clausula Sexta do contrato promessa:
"Ambas as partes acordam que para efeitos deste contrato, se entenderá que qualquer delas perde o interesse no cumprimento do negócio e no contrato prometido, caso a outra parte entre em mora por prazo superior a 60 dias, pelo que ocorrendo tal circunstância, se aplica automaticamente o regime do incumprimento adiante definido".
Foi proferida sentença, que julgou a reconvenção improcedente, absolvendo-se a Autora do pedido e a acção parcialmente procedente e, em consequência, foi declarado resolvido o contrato-promessa celebrado entre A. e R., ficando a A. com a quantia de esc. 1.080.000$00 entregue pelo R. na data da outorga do contrato, tendo-se ainda condenado o Réu a restituir à Autora a fracção autónoma objecto do contrato, devoluta de pessoas e bens, absolvendo o Réu dos demais pedidos formulados pela Autora.
Inconformado, veio o Réu interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que viria a proferir acórdão, que na sua parte decisória se passa a transcrever:
"Começamos por referir que não há fundamento para que se possa concluir, dos factos provados e documentos juntos aos autos, que a Autora/apelada incorreu em incumprimento ou mora.
É certo que as partes acordaram em que ocorreria incumprimento definitivo (perda do interesse no cumprimento) se a outra parte entrasse em mora por mais de 60 dias - excluída a hipótese de a Autora, como promitente vendedora não poder outorgar a escritura por não ter obtido, atempadamente, os documentos de registo ou de licenciamento necessários, havendo lugar, em tal caso e apenas, à simples devolução do sinal, em singelo - cláusula Sexta do contrato promessa (fotocópia de doc. de fls. 9 a 17)
Mas não se provaram quaisquer factos que mostrem ter a autora violado essa clausula, tanto mais que nem sequer foi alegado pelo Réu ter ele, alguma vez, interpelado a Autora para outorgar a prometida escritura de compra e venda, cabendo-lhe fazê-lo, se quisesse.
Por outro lado, o conteúdo daquela clausula Sexta tem de se harmonizar com o teor da clausula Terceira, pela qual se acordou que a escritura seria realizada no prazo de 60 dias a contar da data da celebração, bem como do seu parágrafo terceiro, reproduzidos na alínea E) da "Matéria Assente", mediante a qual se consentiu, com aquele fundamento, na prorrogação do prazo, por iniciativa da Autora.
Portanto, mesmo sendo verdade que a Autora não dispunha de licença de utilização da fracção autónoma prometida vender, a possibilidade de prorrogação daquele prazo de 60 dias para outorgar a escritura, em princípio, sempre impediria a Ré de invocar incumprimento ou simples mora da Autora, com fundamento em falta de licença de utilização.
Mas, se é certo que a licença de utilização era indispensável, à data da celebração do contrato promessa, para que se pudesse celebrar, por escritura pública, o contrato prometido de compra e venda, tal imposição deixou de subsistir, a partir da entrada em vigor do Dec. Lei nº 281/99, de 26-7, pelo qual se passou a dispensar tal licença quando a mesma não tenha sido emitida, em determinado período de tempo (50 dias), apesar de requerida, pela entidade autárquica competente.
Foi junto aos autos, como atrás se referiu, uma declaração Camarária, de onde consta que foi requerida a concessão de licença de utilização e que esta ainda não tinha sido emitida (muito embora o tenha sido a de construção).
A partir da entrada em vigor daquele Dec. Lei (no dia seguinte ao da sua publicação) deixou de subsistir o fundamento para que a Ré se recusasse, com fundamento na inexistência de licença de utilização, a outorgar na escritura de compra e venda prometida pois que, para além de a falta de licença, à data da celebração do contrato promessa, poder ser (à luz do contrato promessa) sanada pela sua obtenção posterior, a sua dispensa, nas condições legais apontadas, segundo nos parece, determinou a eliminação desse fundamento para a recusa em outorgar a projectada escritura.
Em todo o caso, cabendo à Autora a obrigação de obter a licença de utilização e criar as condições indispensáveis para o efeito, com ou sem a nova legislação a estabelecer o apontado regime permissivo, ao Réu nada mais restava do que aceder ao convite da Autora para comparecer no Notário e outorgar a escritura e, então, constatar se a escritura poderia ou não ser celebrada (ao que tudo indica até o poderia ser, face ao teor da aludida certidão Camarária, atrás referida).
Mas não foi isso que aconteceu.
Como se considerou provado (r.q.1º) a Autora tinha já, por várias vezes, antes de proceder à marcação da escritura para 31-5-2000, tentado chegado a acordo com o Réu para esse fim (sem êxito, claro está).
Acabou por lhe dirigir a carta registada com a/r, em 11-5-00, para sua residência, indicada no contrato promessa, notificando-o para comparecer na Secretaria Notarial para outorgar a escritura de compra e venda da fracção autónoma.
Não recebeu a dita carta na sua residência nem a foi reclamar aos CTT.
Porque não logrou demonstrar que tal circunstância ocorreu por facto que seja estranho à sua vontade ou seja, que se encontrava, então, numa situação tal que o impedisse de receber a carta que lhe foi endereçada, funciona em seu desfavor, a presunção que resulta do disposto no artº 224º nº 2 do C.Civil.
Na verdade, consagra-se neste normativo a teoria da receptação, pela qual a eficácia da declaração resulta da chegada da mesma ao poder do destinatário (ou ao seu conhecimento). Não se exige a prova do conhecimento por parte do destinatário, bastando que a declaração tenha chegado ao seu poder, situação em que se presume juris et de jure) o conhecimento. E a declaração é considerada eficaz, apesar de não ter chegado ao poder do Réu, como seu destinatário, quando isso foi por ele culposamente impedido - v. M. Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed, pag. 391; P.Lima e A. Vareia, in C.Civil anotado, 4ª ed., vol 1, pág 213; Ac STJ, de 18-1-95, in BMJ 443, pág. 205; Acs desta Relação, de 18-10-83, e da Rel. de Coimbra (sumário), de 3-12-85, respectivamente, in CJ, Tomo 4, pág 260, e BMJ, 352, pág, 435).
Cabe-nos, a propósito, ainda referir que não pode proceder a alegação de que a dita carta deveria ter sido dirigida ao mandatário do Réu, pois que não se mostrou ter existido algum acordo das partes nesse sentido nem sequer que tal tenha sido comunicado, pelo Réu à Autora - o "fax" de 1 de Julho de 1999 (fls. 58), a que o Réu se refere, dirigido pelo mandatário deste à Autora, não refere qualquer indicação nesse sentido.
Dirigida, eficazmente, pela Autora ao Réu, a declaração de que a escritura se realizaria em determinada data (com prazo que se tem por razoável), a falta ao acto designado pela dita forma, importa recusa em cumprir:
Mas sê-lo-á, com efeitos de incumprimento definitivo, nos termos do artº 808º nº 1 do C.Civil? Tudo indica que não!
Resulta do artº 808º nº1 e 2 do C.Civil que o direito de resolução do contrato pode fundar-se na mora, se o credor, em consequência dela, perder o interesse que tinha na prestação, o que será apreciado objectivamente - ou se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor. A demonstração da "perda de interesse" do credor apenas releva nos casos de ocorrência de mora, mostrando-se desnecessária quando o incumprimento se torna definitivo pelo decurso do prazo fixado para o cumprimento. No primeiro caso, a conversão da mora em incumprimento definitivo concretiza-se com "a perda de interesse na prestação"; no segundo caso, é o decurso do prazo fixado para cumprir que determina aquele efeito, por significar, nos termos da lei, recusa de cumprimento. (v., entre outros, os Ac.s do STJ, de 12-5-83, 19-4-88, 2-11-89. 14-3-90, respectivamente, in BMJ 327, pág 642, 376, pág. 598, 391, pág. 538, 395, pág. 567; Ana Prata, in "0 Contrato Promessa" 1999, pág 781)
Nenhum facto tido por provado nos dá indicação de que o Réu incorreu em mora por período superior a 60 dias, por forma a que se aplique, automaticamente, o regime penal contido na clausula terceira do contrato promessa.
Nesta clausula, foi fixado aquele prazo de 60 dias para que, decorrida a mora de uma das partes por este período, a outra pudesse considerá-lo como incumprimento definitivo.
No entanto, não se vislumbra poder extrair-se dos autos que tenha ocorrido mora imputável ao Réu, já que esta apenas se poderia iniciar com a interpelação para cumprir (artº 805º nº 1 do C.Civil).
Quando muito, a interpelação para cumprir terá ocorrido com a comunicação contida na aludida carta registada com a/r mas, com esse ponto de partida, nada se mostrou ou alegou que, dos 60 dias então iniciados se tenha completado o período de mora tendente a produzir o efeito de incumprimento definitivo, livremente acordado entre as partes, ou seja, que a conduta do Réu se traduza em mora por esse período de tempo e que, com o seu decurso, tenha havido perda objectiva de interesse da Autora na celebração do contrato - parecendo-nos, até, que não se pode extrair esse significado, por si só, da factualidade vertida nas respostas aos pontos 1º e 4º da B. I..
Por outro lado, não consta dos autos que a aludida interpelação para cumprir, que a dita carta dirigida ao Réu traduz, contivesse alguma declaração no sentido de que a Autora consideraria incumprido definitivamente o contrato promessa, caso o Réu se recusasse a outorgar a escritura, traduzindo, pela dita forma, efeito admonitório, tendente à verificação dos efeitos a que se alude na segunda parte do artº 808º nº 1 do C.Civil e sem a qual, a notificação não passa de mera interpelação para cumprir, com a virtualidade, apenas e como se disse, de dar início à mora no cumprimento.
E não é pelo facto de terem decorrido cerca de 15 meses, desde a celebração do contrato promessa até à indicação, pela Autora, da data para a celebração da escritura de compra e venda prometida, que se poderá entender de modo diferente, pois que não é daí e sem mais que pode considerar-se ter ocorrido, eficazmente, perda de interesse na realização da prestação já que, até então e como se referiu, ainda a mora não se tinha iniciado.
Por tudo quanto se expôs, conclui-se pela procedência da apelação, pelo que a sentença recorrida será revogada, na parte correspondente ao objecto do recurso, mantendo-se a mesma quanto ao mais.
Decisão:
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente, em consequência do que se revoga a sentença recorrida, na parte em que declarou resolvido o contrato promessa celebrado entre a Autora e o Réu e se reconheceu à Autora o direito de ficar com a quantia de esc. 1.080.000$00 entregue pelo Réu na data da outorga do contrato, bem como a restituir à Autora a fracção autónoma objecto do contrato. Em conformidade, absolve-se o Réu dos pedidos da acção e mantém-se a sentença recorrida, quanto ao mais.".
Inconformada, veio a Autora interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte:
I)
A) O Acórdão não considerou que a clausula terceira do contrato promessa consagrava um prazo limite para a outorga da escritura e conferia uma faculdade, exclusiva e unilateral à promitente vendedora de prorrogação desse prazo.
B) O Acórdão não considerou que na clausula quarta desse contrato o promitente comprador se obrigava ao cumprimento de uma série de deveres, cujo não cumprimento ou a simples mora, constituía fundamento para a promitente vendedora invocar incumprimento definitivo.
C) O Acórdão não considerou que as partes aceitaram que qualquer uma delas perderia o interesse no contrato prometido, caso a outra parte entrasse em mora por prazo superior a 60 dias, sendo que, a ocorrer tal circunstância se aplica automaticamente o regime de incumprimento, tal como consagrado na clausula sexta do referido contrato.
Desta forma, o douto Acórdão não terá atendido ao disposto no artigo 405º do Código Civil, segundo o qual as partes podem livremente fixar o conteúdo dos contratos, sendo que neste caso, como vimos, as partes, Cooperativa e cooperante eram conhecedores do interesse daquela em fixar prazos de cumprimento e obrigações ao promitente comprador, atendendo à sua própria vocação (Cooperativa), que procedera à tradição da fracção e que tinha encargos elevados com o INH.
II)
Ao considerar existir recusa em cumprir por parte do promitente comprador, nomeadamente pelo facto de não ter comparecido para outorga da escritura definitiva, também deveria ter sido considerado que essa recusa já tinha existido antes, ao terem resultado infrutíferas as diversas diligências para essa marcação. Estes comportamentos eram já mora no cumprimento, tal como resulta do disposto no artigo no artigo 805º do Código Civil, sendo incompreensível a interpretação do Acórdão nesta matéria.
III)
O Acórdão não considerou que ao ter existido um prazo fixado para a outorga da escritura, apenas prorrogável, note-se, por iniciativa da promitente vendedora, este seria sempre um prazo limite, e que, por isso, mesmo tendo existido prorrogação como efectivamente se veio a verificar, se terá sempre de considerar que os efeitos são os mesmos do prazo suplementar peremptório do artigo 808º do Código Civil. Ou seja, deveria ter considerado como não cumprida a obrigação.
A interpretação dada ao artigo 808º não considerou pois as considerações da Doutrina e Jurisprudência sobre esta matéria, e nomeadamente os artigos 432º e seguintes do mesmo Código.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.
Decidindo:
Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente).
Atentos ao acórdão recorrido, não poderemos deixar desde já de referir a nossa discordância.
Na verdade, temos como certo que o dito acórdão não terá considerado a existência no nosso ordenamento jurídico do princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do Código Civil, que dispõe:
"1. Dentro dos limites da lei, as partes tem a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.".
E será através de todas as cláusulas introduzidas na convenção negocial, na interpretação do sentido das declarações negociais da vontade das partes, que o contrato poderá ser caracterizado/qualificado. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.1994 in Boletim do Ministério da Justiça, 441º, 319).
Tais cláusulas, uma vez acordadas e inseridas no contrato-promessa, são absolutamente vinculativas para os outorgantes, impondo-lhes direitos e deveres.
Ora, do contrato-promessa sub judicie constam cláusulas, nomeadamente a sexta, que o acórdão recorrido não terá tomado na devida consideração.
Prescreve a dita cláusula que:
"I- Ambas as partes acordam que para efeitos deste contrato, se entenderá que qualquer delas perde o interesse no cumprimento do negócio e no contrato prometido, caso a outra parte entre em mora por prazo superior a 60 dias, pelo que ocorrendo tal circunstância se aplica automaticamente o regime do incumprimento adiante definido.
2- Ao presente contrato é aplicável a faculdade da execução específica prevista no artigo 830º do Código Civil, podendo a parte não faltosa optar entre o exercício dessa faculdade ou das que decorrem da natureza do sinal entregue.
3- Fica excluída da devolução do sinal em dobro o caso de a impossibilidade atempada de realização da escritura se ficar a dever à falta de obtenção dos documentos de registo ou de licenciamentos necessários. Neste caso à Cooperativa incumbirá a devolução do sinal em singelo logo que tal lhe seja solicitado pelo 20 Outorgante não tendo este direito a qualquer indemnização ou retenção.".
Reside nesta cláusula, no nosso entendimento, o cerne da presente questão.
É sabido que o "Contrato-promessa - é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em principio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um "pactum de contrahendo" (Galvão Telles, "Direito das Obrigações", 6ª ed.- 83).
É bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula"- (ob. cit., 83-84).
"Contrato-promessa é a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 6ª ed., 1º-301).
Constitui jurisprudência dominante que "O direito de resolução de um contrato, com o subsequente pedido de indemnização, apenas encontra fundamento na impossibilidade culposa da prestação (artigos 801º e 802º do Código Civil), sendo certo que a mora culposa do devedor (artigos 805º e 799º, nº1, do Código Civil) é equiparada ao não cumprimento definitivo quando, em resultado do mesmo (retardamento), se verifique uma de duas situações: ou o credor perdeu o interesse que tinha na prestação ou o devedor não a ter cumprido no prazo razoável que o credor lhe fixou (art. 808º do Código Civil)" - citámos do Acórdão do STJ, de 27.11.1997, in BMJ 471-391.
Ora, o que aconteceu in casu?
Ficou provado que:
- A A. enviou ao R. em 11 Maio de 2000, para a morada constante do contrato, carta registada com a/r. junta a fls. 17, comunicando-lhe que a escritura se encontrava marcada para o dia 31 de Maio de 2000, pelas 15 horas, no Cartório Notarial de Rio Tinto. - I) da esp.
- A carta foi devolvida com a indicação de não reclamada. - J) da esp.
- A escritura não foi efectuada como consta de fls. 18 a 20. - Q) da esp.
Certo que tal carta, atento o seu teor, não poderá ser tida como verdadeira interpelação admonitória.
Esta caracteriza-se por ser uma declaração receptícia que contém três elementos: intimação para o cumprimento; fixação de um termo peremptório para o cumprimento; admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo" - "Estudos de Direito Civil e Processo Civil", de Calvão da Silva, pág.159.
E é consabido que a interpelação admonitória, prevista no art. 808º, nº1, do Código Civil, visa converter a mora em incumprimento definitivo.
No entanto, uma virtualidade não poderá deixar de ter tido a dita carta: a de poder vir a colocar o Réu na situação de mora.
Certo é que a carta não foi recebida pelo Réu, pese embora ter sido dirigida para a morada indicada no contrato-promessa; igualmente o Réu a não reclamou nos CTT.
Todavia, quanto a este peculiar, dão-se aqui como reproduzidas as considerações feitas a tal propósito no acórdão recorrido, acima transcrito, onde se considera, e bem, eficaz, a declaração feita pela A. na dita carta, que só por culpa do Réu destinatário não foi por ele recebida. (cfr. artigo 224º nº 2 do Código Civil).
Porém, atento ao disposto na supra mencionada cláusula sexta, não poderemos deixar de concluir que passados 60 dias sobre a data em que o Réu deveria ter comparecido na Secretaria Notarial para outorgar a escritura, se deverá entender que a A. perdeu interesse no cumprimento do negócio e no contrato prometido, o que, por si só, justifica o direito à resolução do contrato.
In casu, decorridos que foram 60 dias sobre a data marcada para a realização da escritura, seja, 31.5.2000, haveremos de concluir que a A., enquanto promitente-vendedora, perdeu interesse no cumprimento do contrato, devendo considerar-se o mesmo como definitivamente não cumprido desde 30.7.2000, em conformidade com o aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.97, supra referido.
Daí, ter jus a Autora a pedir a resolução do contrato, o que fez.
Tanto basta para que deva proceder o recurso da Autora.
Nestes termos, ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente a revista e, em consequência, decidem revogar o acórdão recorrido, mantendo-se, desta forma, o sentenciado na 1ª instância.
Custas pelo Recorrido.
Lisboa, 28 de Outubro de 2003
Ponce de Leão
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida