MARCAS
CONFUSÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Sumário

I - Dado que a função da marca é identificação da origem ou proveniência dos produtos ou serviços, relacionando-os, ainda que de modo indirecto, com determinada empresa (artº. 165º, nº. 1, CPI), deverá permitir distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra ou outras.
II - O risco de confusão prevenido no artº. 189º, nº. 1, al. m), CPI pode ocorrer não apenas no campo dos produtos ou no domínio dos serviços, mas também entre produtos, por um lado, e serviços, por outro, devendo, nomeadamente, ter-se em atenção os seus modos de utilização.
III - A semelhança ou falta de semelhança dos produtos ou serviços deve ser apreciada em concreto, do ponto de vista das representações que se possam gerar na mente do consumidor .
IV - Quanto maior for a eficácia distintiva e o conhecimento da marca no mercado, maior é a probabilidade de situações de errada associação dos sinais em confronto, menor, por consequência, devendo ser a exigência no tocante à afinidade entre produtos e serviços; mormente assim quando se trate de organizações empresariais de grande dimensão, com aptidão para fornecer produtos e serviços complementares de diversa ordem, conexos com a respectiva actividade industrial ou comercial principal.
V - Onde incida a tutela dos direitos privativos, fica prejudicada a invocação da concorrência desleal, pois aquela primeira deixa esvaziado o espaço que compete a esta última.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1- A "A", requereu a protecção em Portugal da marca internacional nº. 679.533 Targa Service, conforme aviso publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº. 11 de 1997 - cfr. artº. 200º do Código da Propriedade Industrial (CPI) aprovado pelo DL 16/95, de 24/1.
A oposição a esse pedido deduzida pela DR. Ing. h.c.F. "B", titular da marca internacional nº. R 379.525 Targa, protegida em Portugal, foi tida por improcedente, por a protecção dessa marca abranger apenas a classe 12ª - automóveis e seus componentes, ou seja, produtos de actividade distinta da prestação de serviços no âmbito das classes 35ª, 36ª, 37ª, 38ª e 39ª assinalada pela marca registanda - grosso modo, publicidade, gestão, e administração comercial, seguros e negócios financeiros e imobiliários, construção, reparação e instalação, telecomunicações, transportes e organização de viagens (1).
Por isso dada por afastada qualquer possibilidade de confusão fácil no espírito do consumidor, o pedido de concessão da protecção em Portugal da marca internacional nº. 679.553 Targa Service foi, com referência ao artº. 187º, nº. 3, CPI, deferido por despacho de 29/4/98 do Chefe de Divisão de Marcas Internacionais da Direcção do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, proferido por delegação do Presidente desse Instituto.
Inconformada com esse despacho, a DR. Ing. h.c.F. "B", invocando na alegação respectiva os artºs. 25º, nº. 1, al. d), 189º, nº. 1, al. m), 191º, n.º 1,, 193º, nº. 1, 207º e 260º ss CPI, interpôs recurso, que foi distribuído à 2ª. Secção do 7º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa.
Arguido, em síntese, ser a marca em crise susceptível de induzir os consumidores em erro ou confusão sobre a sua titularidade uma vez que as marcas em confronto se caracterizam pela utilização da mesma palavra e que as respectivas titulares são empresas do ramo automóvel, e oposto não haver afinidade entre essas marcas, destinada a da recorrente a identificar produtos e a da recorrida a assinalar serviços, esse recurso foi, por sentença de 17/4/2001, julgado procedente, com a consequência da recusa da protecção em Portugal à marca internacional nº. 679.553 Targa Service (2).
A "A", recorreu dessa sentença; mas a Relação de Lisboa não concedeu provimento a essa apelação. Daí este recurso de revista.

2- Em fecho da alegação respectiva, a "A", que juntou parecer do Professor Doutor Oliveira Ascensão com data de Maio de 1998, formula, em termos úteis, as conclusões seguintes, delimitativas do âmbito ou objecto deste recurso - cfr. artºs. 684º, nºs. 2 a 4º, e 690º, nºs. 1 e 3, CPC (3):
1ª (5ª) - Os únicos factos apurados pelas instâncias foram: a) - a titularidade das duas marcas TARGA em litígio; b) - os produtos e serviços a que se destinam; e c) - a protecção concedida em Portugal à marca ... por despacho publicado no Boletim da Propriedade Industrial.
2ª (6ª) - A partir desses factos - e só deles - o tribunal recorrido concluiu pela existência da afinidade manifesta exigida pelo artº. 193º, (nº. 1), al. b), CPI.
3ª (4ª) - É questão de direito susceptível de censura por este Tribunal apurar, face aos factos dados como provados pelas instâncias, se se pode concluir, ou não, pela existência dessa afinidade.
4ª (7ª) - Dado tratar-se de uma valoração jurídica de factos dados como provados, este Tribunal pode proceder a essa valoração em termos diferentes, conforme doutrina do mesmo de que é exemplo o acórdão de 10/11/98 ora junto.
5ª (8ª, 10ª e 11ª) - Por imperativo do princípio da especialidade, fundamental no direito das marcas, deverá chegar-se à conclusão de que aquela afinidade manifesta não se verifica.
6ª (2ª e 3ª) - O acórdão deste Tribunal de 12/10/99 a fls. 428 ss dos autos, julgou um caso em tudo idêntico a este concluindo em sentido oposto ao acórdão recorrido, pela inexistência de afinidade manifesta entre os produtos e os serviços em causa; e pronunciou-se no mesmo sentido o acórdão deste Tribunal de 23/4/02 a fls. 438 ss dos autos.
7ª (9ª) - A existência dessa jurisprudência deste Tribunal, consubstanciada nesses dois acórdãos, é um facto que deverá ser tomado em consideração por respeito pelo princípio da uniformidade da jurisprudência.
8ª (12ª e 13ª) - As instâncias não tocaram nas questões da concorrência desleal e da notoriedade da marca, com que a recorrida costuma argumentar, sem sucesso, avançando argumentos que encontram respostas nos capítulos I e III do parecer referido e nos acórdãos supramencionados.
Houve contra-alegação, nomeadamente instruída com parecer do Dr. Oehen Mendes, docente da Universidade Católica (Porto), com data de 26/2/99.

3- Discriminadamente, ou seja, pelo modo separado prescrito no nº. 2 do artº. 659º, CPC (cfr. também seu artº. 713º, nº. 2), as instâncias dão, de facto, como provados, apenas, os factos seguintes:
(a) - A ora recorrida é titular da marca internacional nº. 379.525, constituída pela palavra TARGA, protegida em Portugal por despacho do INPI de 30/10/84, e destinada a assinalar produtos da classe 12ª - automóveis e seus componentes.
(b) - A marca internacional TARGA SERVICE, com o nº. 679.533, destina-se a assinalar serviços das classes 35ª, 36ª, 37ª, 38ª e 39ª, a saber:
- publicidade; gestão e administração comercial; trabalhos de escritório (classe 35ª);
- seguros e finanças (classe 36ª);
- construção, reparação e instalação (classe 37ª);
- telecomunicações (classe 38ª);
- transportes e embalagem de mercadorias (classe 39ª).
(c) - Foi concedida protecção em Portugal a essa marca por despacho publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº. 10 de 1998, em Apêndice do DR de 29/1/99 (fls. 30 dos autos).

4- De envolta já, em ambas as instâncias, com a apreciação de direito (4), foram, bem assim, tidos por assentes os factos que seguem:
(d) - Ambas as partes são fabricantes de automóveis mundialmente conhecidos, a ora recorrente da marca ... e a ora recorrida da marca ... - fls. 5 da sentença apelada, a fls. 227 dos autos (5).
(e) - As marcas em confronto nestes autos estão associadas às referidas acima e destinam-se a assinalar produtos, no caso da ora recorrida, e serviços, no caso da ora recorrente, relacionados com as marcas de automóveis acima aludidas (idem).
(f) - Os produtos que a ora recorrida identifica com a marca TARGA estão conexionados com o comércio de viaturas (idem).
(g) - Os serviços que a ora recorrente pretende identificar através da marca TARGA SERVICE estão relacionados com o comércio e reparação de automóveis (idem) (6).
(h) - Qualquer das marcas em confronto nestes autos visa favorecer a venda dos automóveis aos quais estão associadas (ibidem).
Crê-se não sofrer dúvida séria que também estas proposições encerram, pura e simplesmente, factos.
São do CPI 95 todas as disposições mencionadas ao diante sem outra indicação.

5- Respondendo à questão, mais concretamente reportada aos artºs. 165º, 189º, nº. 1, al. m), 193º, nº. 1, e 203º (7), de saber se há, ou não, risco para o consumidor comum de confundir a marca registanda com a marca registada, a conclusão afirmativa das instâncias resulta, antes de mais, desta ordem de considerações:
Destinado esse sinal distintivo de comércio a identificar a origem ou proveniência dos produtos ou serviços, relacionando-os, ainda que de modo indirecto, com determinada empresa (8), é, consoante artº. 189º, nº. 1, al. m), de recusar o respectivo registo quando ocorra reprodução (9) ou imitação, total ou parcial, de marca anteriormente registada para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, que possa induzir o consumidor em erro ou confusão (cfr. também nº. 2 desse artigo), não permitindo, pois, distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra(s) empresa(s), como, conforme nº. 1 do artº. 165º, é sua função.

Dos três elementos, requisitos ou condições, cumulativas, que integram o conceito normativo de imitação ou usurpação, total ou parcial, vertidas nas 3 alíneas do nº. 1 do artº. 193º, a primeira, que é a prioridade do registo referida na al. a), não sofre, no caso dos autos, dúvida; e o mesmo é de dizer da terceira, referida na subsequente al. c), em que se consagra o princípio da novidade da marca (10).
Na verdade, constituindo o termo "Service", sem dúvida alguma, elemento descritivo genérico, de uso corrente, sem capacidade distintiva, é inegável a identidade gráfica e fonética, relativamente à marca anterior, do elemento essencial, caracterizador, e, por isso, preponderante da, no tempo, segunda das marcas em confronto.
Reproduzindo com esse singelo aditamento, sem eficácia distintiva, a marca da ora recorrida - "Targa" -, a marca por esta impugnada - "Targa Service" - é, sem dúvida alguma, susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, sendo irrecusável o risco de associação entre ambas, isto é, entre "Targa Service" e, simplesmente, "Targa" (11).

6. A discussão centra-se, agora, no princípio da especialidade, firmado na al. b) do predito nº. 1 do artº. 193º, de que decorre que, para que efectivamente ocorra imitação, a lei exige que as marcas em questão se destinem, ambas, a assinalar produtos ou serviços idênticos ou com manifesta afinidade.
É essa afinidade que as instâncias entenderam, realmente, existir.
Em contrário do adiantado nas conclusões 5ª e 6ª da alegação da ora recorrente (referidas em 2., supra como 1ª e 2ª), consideraram para tanto os factos referidos em 4., supra.

A 1ª instância extraiu da matéria de facto assim dada por adquirida, a conclusão - juízo de facto - de que "é possível que o público, ao deparar com os serviços oferecidos sob a marca da recorrida (ora recorrente), os associe à marca com mais antiguidade" (fls. 5 da sentença apelada, a fls. 227 dos autos), "havendo", como se diz no acórdão sob revista, "o perigo de o público consumidor ser levado a pensar que os serviços prestados sob a marca Targa Service são provenientes da mesma empresa que fabrica os automóveis identificados pela marca Targa, ou seja pela ora recorrida (12)".
Devendo, segundo se entendeu, os produtos e/ou serviços "ser considerados semelhantes quando, nos meios comerciais interessados, o consumidor médio julga, em presença de duas marcas, que os produtos provêm da mesma origem" (sentença apelada, loc. cit.), concluíram, por fim, as instâncias - conclusão de direito - pela existência de afinidade manifesta entre os produtos e serviços em referência.

7- Como decorre da conclusão 4ª da alegação da ora recorrente (referida em 2., supra como 3ª), o objecto deste recurso, definido, como já anotado, pelas conclusões da alegação da recorrente, vem, em primeira linha, a ser a avaliação daquela conclusão de direito: a qual, adianta-se já, face à matéria de facto já notada em 3. e 4., supra, não sofre, a nosso ver, censura. Com efeito, e obtemperado que é relativamente a essa matéria de facto que terá de observar-se, no possível, o invocado princípio fundamental da uniformidade da jurisprudência para que se apela nas conclusões 2ª, 3ª e 9ª da alegação da recorrente, reproduzidas em 2ª, 6ª e 7ª, supra:
A apreciação da semelhança referida na al. m) do nº. 1 do artº. 189º deve ser feita à luz da função do sinal distintivo de comércio em causa, que, como logo referido na 1ª instância (v. 5., supra), é a identificação da proveniência dos produtos ou serviços.
Mesmo se de modo indirecto, a marca estabelece a relação dos produtos ou serviços com determinada organização empresarial, prevenindo o risco de confusão com produtos ou serviços com outra origem.
Pode existir semelhança não apenas no campo dos produtos ou no domínio dos serviços, mas também entre produtos, por um lado, e serviços, por outro, devendo, nomeadamente, ter-se em atenção os seus modos de utilização (13).
Há, em último termo, risco de confusão quando o público puder ficar com a impressão de que os produtos ou serviços da marca X provêm da empresa titular da marca Y ou de empresa associada desta.
Na consideração do risco de confusão, há que ter em conta factores de vária ordem, entre os quais se conta a capacidade distintiva da marca e a finalidade do seu uso e, nessa base, a complementaridade dos produtos ou serviços em questão. Com efeito:

8. Foi com referência aos artºs. 93º-12 e 94º CPI 40 (aprovado pelo Decreto nº. 37.069, de 24/8/40) e 7º do DL 176/80, de 30/5, que em Ac. STJ de 10/12/97, CJSTJ V, 3º, 162-III, se observou que o registo só protegia o confronto entre si das marcas de produtos ou das marcas de serviços, nada dispondo quando, como acontece neste caso, em questão produtos e serviços.
O corpo daquele artº. 94º exigia que as marcas se destinassem a objectos ou produtos - ou, em vista da extensão determinada pelo sobredito artº. 7º, serviços - inscritos no reportório sob o mesmo número ou sob números diferentes, mas de afinidade manifesta.
Substituído esse artigo, nessa parte, pela al. b) do nº. 1 do artº. 193º CPI 95, o princípio da especialidade encontra-se aí, sem menção do reportório, estabelecido com referência às marcas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta.
Como afirmado no acórdão desta Secção de 6/12/2001, proferido na Revista nº. 2589, de que há cópia a fls. 320 dos autos (respectiva pág. 7, a fls. 326), pode ocorrer afinidade entre marcas de produtos e marcas de serviços e entre marcas de produtos ou de serviços pertencentes a diferentes classes do reportório.

9. É, a outro tempo, de salientar que, como afirmado no parecer do Dr. Oehen Mendes junto aos autos (nº. 7.2, na pág. 11, a fls. 616 dos autos), "a semelhança ou falta de semelhança dos produtos ou serviços em causa não pode ser apreciada em abstracto e de forma autónoma relativamente ao risco de confusão que no caso concreto se possa gerar", devendo, pelo contrário, ser avaliada em concreto, do ponto de vista das representações que se possam gerar na mente do consumidor (14).
Entre nós designação de fantasia, sem correspondência no mundo real, mas notoriamente associada a modelo da marca ..., e fabricante a ora recorrida "B", de automóveis desportivos de gama alta, ou seja, de luxo e de consequentemente elevado preço, só ao alcance dos economicamente mais favorecidos (15), é, dada a celebridade da marca - ... - a que se encontra associada, inegável a acentuada capacidade distintiva da marca Targa, que, em vista daquela associação, se afirma como marca forte (por oposição aos denominados sinais fracos, isto é, de reduzida capacidade distintiva) - e, de facto, apelativa (16).
Ora, quanto maior for a eficácia distintiva e o conhecimento da marca no mercado, maior é a probabilidade de situações de errada associação dos sinais em confronto - menor, por consequência, devendo ser a exigência no tocante à afinidade entre produtos e serviços (17): mormente assim quando se trate de organizações empresariais de grande dimensão, com aptidão para fornecer produtos e serviços complementares de diversa ordem, conexos com a respectiva actividade industrial ou comercial principal (18).

10- A conexão, complementaridade ou acessoriedade dos produtos ou serviços em questão com a actividade principal das partes, de que não podem desligar-se, e que, consabidamente, é o fabrico e comercialização de automóveis, ou seja, a indústria e comércio automóvel, mostra-se, por sua vez, estabelecida pelas instâncias, consoante 4., supra, de que resulta firmado que esses serviços iriam ser prestados pela ora recorrente no âmbito do específico domínio dessa actividade, ou seja, no ramo automóvel.
Decorre, na verdade, desses factos que, como era já tese da ora recorrida referida no citado acórdão desta Secção (relativo à marca Targa System; v. respectiva pág. 9, a fls. 328 destes autos), o sistema de serviços organizado pela "A" e identificado pela marca Targa Service é instrumental, acessório e complementar da comercialização de veículos automóveis, convergindo, nomeadamente, na satisfação das mesmas necessidades de aquisição, abastecimento, utilização e reparação de um veículo automóvel (19).
O risco de confusão torna-se, se bem se crê, evidente, uma vez tida em conta a função sugestiva ou publicitária das marcas (20) e que a lei visa, além do mais, a protecção do consumidor, em termos de, através delas, poder ajuizar da boa qualidade dos produtos e/ou serviços (21). Na verdade:
Em regra associada, em comum saber, a melhor qualidade dos produtos e serviços ao seu preço elevado, é, se bem se crê, aqui que melhor cabe a observação de que, conquanto se trate de empresas que discutem segmentos de mercado diferentes, centrada a "A" no dos utilitários populares, de gama média-baixa, "pequenos, práticos e acessíveis a todas as bolsas", e disputado pela "B" "o mercado dos automóveis de luxo", sendo "conhecida pelos seus automóveis desportivos (...)", com "preços só acessíveis às élites" (do ponto de vista económico) - tudo consoante item 35, da contra-alegação da ora recorrente na 1ª instância, a fls. 111 dos autos, não é procura (hoc sensu) diferenciada que, seja como for, poderá fazer esquecer que "especialmente no sector de automóveis, em questão, as marcas exclusivas (22) têm geralmente um elevado grau de notoriedade, mesmo entre os consumidores que não fazem parte dos possíveis compradores de tais automóveis" (23) - muitos consabidamente sendo, na realidade, os apreciadores dos automóveis desportivos "de altíssima qualidade e sofisticação" mesmo se fora das respectivas expectativas a sua eventual aquisição (24).
Donde, em suma, ser, decididamente, de concluir, num crédito económico de afinidade, traduzido na procura conjunta em ordem à satisfação de necessidades idênticas, e face à provada relação de aproximação na percepção pela massa geral do público a que os produtos e serviços em confronto se destinam, que, conduzido o consumidor, por esse modo, a crer que o que lhe é proposto pela "A" sob a marca Targa Service provem da "B", a utilização dessa marca é susceptível de gerar confusão ou de induzir o consumidor em erro, facilitando a difusão dos serviços da primeira, assim favorecida à custa do renome da segunda.
Vale, enfim, de facto, neste ponto, a consideração de que o risco de associação (referido na al. c) do nº. 1 do artº. 193º e no artº. 207º) constitui uma espécie do género risco de confusão (a que alude a al. m) do nº. 1 do artº. 189º), como, aliás, se depreende da parte final do artº. 207º (25), em termos de aproveitamento (apropriação) do prestígio alheio.

11- Em sede da proibição de concorrência desleal - v. artºs. 25º, nº. 1, al. d), 260º, als. a) e c), e artº. 10º bis da Convenção da União de Paris, que é pacífico constituir tutela subsidiária, complementar, de segunda linha, em relação à conferida pelos direitos privativos, basta fazer notar que não está provado que a ora recorrida preste efectivamente serviços do mesmo tipo dos que estão em causa nestes autos (26).
Não apenas, pois, se não configura a eventualidade de desvio de clientela que aquela proibição previne, como, antes até dessa consideração, cabe, afinal, salientar que onde, como é o caso, incida a tutela dos direitos privativos, fica prejudicada a invocação da concorrência desleal, pois deixa esvaziado o espaço que a esta compete (27).
Também dependente a protecção assegurada pelo artº. 190º às marcas notórias da identidade ou semelhança dos produtos ou serviços em confronto, terá, por outro lado, de reconhecer-se que, tal sendo o que, ultrapassando o princípio da especialidade, o artº. 191º protege, a marca célebre ou de grande prestígio da ora recorrida é a "B" (28) e não, propriamente, embora beneficie da notoriedade daquela, a derivada da série ou modelo dessa marca denominado Targa (29).
Como quer que seja, sobra, relativamente ao já adiantando no tocante ao, como já visto, na realidade infringido princípio da especialidade da marca, não serem só os produtos ou serviços directamente concorrenciais que são susceptíveis de confusão (30), subsistindo imprejudicado terem as conformes decisões das instâncias efectuado, a nosso ver, aplicação correcta dos artºs. 165º, 189º, nº. 1, al. m), e 193º, nº. 1, CPI.

12- Daí, a seguinte decisão:
Nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
Após trânsito, observe-se o prescrito no artº. 44º CPI (envio de cópia ao INPI).

Lisboa, 30 de Outubro de 2003
Oliveira Barros
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
_______________________
(1) Mais precisamente: 35- Publicidade; gestão de negócios comerciais; administração comercial; serviços de escritório; 36- Seguros; negócios financeiros; negócios de moeda; negócios imobiliários; 37- Construção; reparação; serviços de instalação; 38- Telecomunicações; 39- Transporte; embalagem e depósito de mercadorias; organização de viagens.
(2) Como resulta claro do artº. 7º, nº. 1, invocou-se então, a despropósito, o artº. 33º, (nº. 1), al. b), CPI (95), para ordenar "a anulação do registo". Não deve, com efeito, confundir-se este recurso do despacho de concessão do registo de marca (no caso, internacional), regulado no artº. 38º ss dessa lei, com acção de anulação do mesmo, que é meio de reacção diferente contra um tal despacho - v. acórdão desta Secção de 5/7/2001, no proc. nº. 1328/01, nº. 7, em que, designadamente, se cita, do Prof. Oliveira Ascensão, "Direito Comercial - II - Direito Industrial" (1988), 383-II-384 e 387-II-388, e do Dr. António Maria Pereira, "Espécies Processuais no Código da Propriedade Industrial", ROA, ano 14, 34-3 e 4, 40, 43-44, e 47-12, que nomeadamente, esclarece que no recurso se discute se o registo devia, ou não, ter sido concedido, e na acção (de declaração de nulidade ou de anulação) a subsistência dessa concessão.
(3) Excluiu-se a 1ª, dado ter sido indeferido o requerimento nela adiantado de julgamento de intervenção do plenário das secções cíveis, e alterou-se a sua ordem, indicando-se, por isso, entre parênteses a numeração respectiva na alegação.
(4) A inobservância da discriminação entre facto e direito - base fundamental, aliás, do nosso sistema processual - nomeadamente imposta pelo nº. 2 dos artºs. 659º e 713º CPC constitui actualmente pecha frequente das decisões das instâncias. Trata-se, em todo o caso, de mera irregularidade, não reclamada, e a que não pode atribuir-se qualquer consequência - designadamente, podendo e devendo ter-se agora em atenção todos os factos tidos, sem controvérsia, em consideração nessas decisões. Como em contra-alegação se faz notar, vale, na verdade, no caso, a observação do Ac. STJ de 9/12/99, de que a própria recorrente juntou, com a sua alegação (doc. 1 a fls. 552) o sumário constante da competente base de dados, de que este Tribunal pode servir-se de qualquer facto que, sendo indispensável à decisão de direito, deva considerar-se adquirido desde a 1ª instância (dito sumário III).
(5) O acórdão recorrido refere, por sua vez, que "as partes no processo - "B" e "A" são sociedades que têm como actividade principal a indústria automóvel".
(6) Segundo o acórdão sob recurso, "os serviços prestados pela "A", estão em estreita conexão e como complemento da indústria e comércio de automóveis". As instâncias julgaram, pois, provada a "relação directa com o mundo automóvel" negada no item 21. da (contra-)alegação oferecida na 1ª instância pela ora recorrente (v. fls. 109 dos autos).
(7) A sentença apelada menciona também os artºs. 6º, 167º, 170º CPI, a Convenção de Paris e o artº. 7º do DL 176/80, de 30/5, por força do qual as marcas de serviços passaram a estar protegidas nos mesmos termos em que o eram as marcas de produtos.
(8) Artº. 165º CPI e Ferrer Correia, "Lições de Direito Comercial", I (1965), 332.
(9) Cópia fiel, por igual dita servil.
(10) V., v.g., sobre esse princípio, nº. 6. do acórdão desta Secção de 26/4/2001, CJSTJ, IX, 2º, 37 ss, rev. "Vida Judiciária", nº. 59 (Janeiro de 2002), 28 ss, e Boletim da Propriedade Industrial nº. 3 de 2003, 818 ss.
(11) Em alegação da ora recorrida noutro processo, de que há cópia nos autos (v. fls. 194-195, nºs. 35. e 36.), cita um clássico nesta matéria, Roubier, "Le Droit de la Propriété Industrielle" (1952), 355, que, com, neste ponto, tradução em Justino Cruz, (CPI Anotado", 2ª ed., 224, afirmou: "il tout à fait inutile d'ajouter à la denomination empruntée les mots: système (...). Ces adjonctions constituent au contraire l'aveu de la part du contrefacteur qu'il sait que la marque contrefaite constitue une propriété particuliére". Entre system e service não haverá, se bem parece, que fazer diferença.
(12) V., a propósito, Ac. STJ de 12/1/99, BMJ 483/214-II e 221 (1ª col. - 1º par.), onde se considerou que constitui matéria de facto a existência de afinidade em termos de susceptibilidade de erro ou confusão.
(13) Como notado em decisão suíça de que há tradução a fls. 312, e que, neste ponto, cita Landolt, "Die Dienstleistungsmarke", 92 e 97.
(14) V., sobre este ponto, Nogueira Serens, "A "Vulgarização" da Marca na Directiva nº. 89/104/CEE, de 21/12/88", nos Estudos em Homenagem do Prof. Doutor Ferrer Correia, IV (1997), 41 (nota), onde se salienta que a função distintiva da marca não se reduz à - não se esgota na - individualização dos produtos ou serviços: "a mais de distinguir produtos ou serviços, a marca indica a proveniência desses mesmos produtos ou serviços, ou seja, a empresa titular do sinal (Herkunftsfunktion)" (v. também, 153 ss). Nessa perspectiva, "a essência da tutela da marca - e assim se alarga o âmbito dessa tutela - vem a ser a protecção contra riscos de confusão não já (apenas) de produtos e serviços, mas essencialmente sobre a origem desses produtos e serviços (...)". Temos, assim, que o juízo sobre a confundibilidade entre duas marcas não pode ser formulado em abstracto" (ibidem, 41; destaque nosso). Nesse mesmo sentido, v. Mangini, como citado neste mesmo estudo, loc. cit., 52 (último período). Como outrossim esclarece Nogueira Serens, estudo e loc. referidos, 44, 45 e 50 ss, tem-se vindo a admitir a relativização do conceito de afinidade dos produtos e serviços, com a consequente flexibilização do princípio da especialidade, de tal modo que o âmbito merceológico de tutela da marca deixou de se cingir aos produtos ou serviços directamente concorrentes.
(15) Como salientado na contra-alegação do ora recorrente na 1ª instância - respectivo item 35 a fls. 111 dos autos. Independentemente da (alta) qualidade - fora de causa - dos veículos da ora recorrida, revelará até mais, para o caso dos autos, que, de facto, se está, em comum saber, perante um - assim dito - status symbol.
(16) "Para efeitos de tutela, as marcas fortes são as que, sendo conceptualmente fortes, também o são comercialmente (...)" (destaque nosso), como é o caso das marcas das grandes empresas - v., para melhor desenvolvimento, Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 44. Não se trata, enfim, de uma marca qualquer. Sem dúvida, em comum saber, verdadeira, em termos efectivos, a proposição inversa, segundo a qual o preço elevado acompanha, em regra, a qualidade, ao preço elevado está, em todo o caso, normalmente, associada, pelo menos, a reputação de qualidade que regra geral o acompanha.
(17) Como observado nas págs. 17 (1º par.) e 20 (1º par.) do parecer do Dr. Oehen Mendes, a fls. 702 e 705 dos autos, que se reporta ao artº. 4º, 1.b) e ao Considerando 10 da Directiva Comunitária sobre Marcas - Directiva nº. 89/104/CEE, de 21/12/88, a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, e ao princípio da interpretação do direito interno conforme com o direito comunitário - idem, pág. 21 - 3.1 - e 22, a fls. 706 e 707 dos autos. Como recorda, um dos objectivos do CPI 95, foi, precisamente, a transposição daquela Directiva para o direito interno, como era obrigação do Estado Português. V. também Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 158, 176 e 177.
(18) Dada a desespecialização do grande capital empresarial, há mesmo quem diga que o princípio da especialidade está em vias de tornar-se obsoleto, como mencionado por Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 38 (nota), que cita esse respeito Galgano.
(19) Como se diz no item 68, da contra-alegação da recorrida neste recurso.
(20) V. Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 156.
(21) Que "a marca também desempenha uma função de indicação da qualidade dos produtos/serviços" di-lo igualmente Oehen Mendes na pág. 7-II-2.1 do seu parecer a fls. 690 destes autos (penúltimo par.). Como referido em Ac. STJ de 31/5/2000, BMJ 497/412-I, enquanto sinal distintivo de comércio, a marca identifica e distingue os produtos ou serviços que assinala em função do interesse do seu titular e, reflexa ou indirectamente, do interesse dos consumidores. Sobre as funções da marca, v., para melhor desenvolvimento, Carlos Olavo, "Propriedade Industrial - Noções Fundamentais", § 2º - "Marca", CJ, XVII, 2º, 21-7., Pedro Sousa e Silva, "O Princípio da Especialidade das Marcas", ROA, 58 (Janeiro de 1998), 381 ss, e Couto Gonçalves, "Função Distintiva da Marca" (1999), 25 a 34 e 115 a 118. Nomeadamente sobre a sua função publicitária, v. Ac. STJ de 26/9/95, BMJ 449/372. Que os sinais distintivos do comércio são, fundamentalmente, "colectores de clientela", ensinava Orlando de Carvalho, "Direito das Coisas" (1977), 190, nota 2, como refere Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 38.
(22) Das élites económicas, não acessíveis à mediania sob esse ponto de vista. Notado por Justino Cruz, ob. e ed. cis., 222, que "a confusão deve aferir-se em relação à massa geral do público a que o produto "ou serviço" é destinado", tem-se, em todo o caso, por exacto o adiante destacado e sublinhado no texto.
(23) Acórdão do Tribunal da Relação de Munique de 14/6/2000, de que há cópia autenticada a fls. 137 ss dos autos, na parte traduzida a fls. 172 (1º par.).
(24) Será tal talvez o que faz vender bem, a um tempo, as revistas especializadas em automóveis, e, noutro plano, as, várias também, dedicadas à vida social do denominado jet set, substituto vigente da outrora dita alta roda.
(25) Como observado na pág. 14 do parecer de Oehen Mendes, a fls. 699 dos autos. Como igualmente notado em Ac. STJ de 31/5/2000, BMJ 497/415, o risco de confusão compreende o risco de associação - que uma confusion in a wider sense - com a marca anteriormente registada - artºs. 4º, nº. 1, al. b), e 5º, nº. 1, al. b), da Directiva sobre Marcas já mencionada. Referindo a distinção entre risco de confusão em sentido estrito e risco de confusão em sentido amplo, v. Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 174.
(26) Sobre o papel complementar e integrativo da tutela concorrencial relativamente à dos sinais distintivos do comércio, v. Ferrer Correia, em anotação publicada na RDES, VI (1950-1951), 132, citado no Ac. STJ de 26/9/95, BMJ 449/372, antepenúltimo par., Orlando de Carvalho, "Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial", 81 ss, nota 48, G. Ghidini, "La Concorrenza Sleale", 61, e ARP de 21/1/93, CJ, XVIII, 1º, 212 (2ª col.) - 213 (1ª. col.). Sobre este tema, v., bem assim, Oliveira Ascensão, "Concorrência Desleal" (2002), 65 (nº. 33.) ss, maxime, 71 (nº. 37.) ss e 76 (nº. 41.) ss. A alegação de que o público-alvo das partes não é o mesmo, dirigindo-se a diferentes segmentos do mercado, ou seja, a tipos de clientela distintos (v. fls. 111 e 112 - items 35. e 36.), não afasta, como já visto, a possibilidade de confusão.
(27) Como diz o Prof. Oliveira Ascensão, em "Título, Marca e Registo de Imprensa", ROA, ano 57 (1997), 1256 ss.
(28) Para toda uma geração, pelo menos, era o carro de James Dean, actor célebre nos anos 50. (O modelo desse veículo era, ao que consta, ...).
(29) Sobre marcas notórias (bekannte Marke), v., citando Pinto Coelho, ARP de 21/1/93, CJ, XVIII, 1º., 211, 2ª col., 4º par.; sobre marcas célebres, famosas ou de grande prestígio (beruehmte Marke), v. Pedro Sousa e Silva, estudo e rev. cits., 416 ss, Couto Gonçalves, ob. cit. 155, último par., 156 ss, 158 a 163 ss. V., bem assim, Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 165 ss. Só no âmbito das marcas de grande prestígio se abre efectivamente mão do princípio da especialidade, anulando a celebridade da marca toda e qualquer distância merceológica - cfr. nº. 1 do artº. 191º CPI: "ainda que destinada a produtos ou serviços não semelhantes", a marca célebre é objecto de uma tutela absoluta ou merceologicamente ilimitada, como diz Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 159 e 171, penúltimo período. É a este propósito que se refere a necessidade de protecção do valor publicitário da marca (Werbewert/goodwill) contra o perigo de diluição (Verwaesserungsgefahr/dilution) (ibidem, 170; v. também 215). No acórdão deste Tribunal de 12/10/99 de que há cópia a fls. 400 dos autos menciona-se que a jurisprudência alemã exige para este efeito um grau de conhecimento mínimo de 80% da população. É o que consta da pág. 40, antepenúltimo par., e 47, conclusão 24ª, do parecer, com data de Maio de 1998, do Prof. Oliveira Ascensão, a fls. 590 e 598 dos autos, que, na pág. 35 e nota 9, a fls. 585 dos autos, cita a este respeito, Antoine Braun, "Précis des marques de produits et de services", 2ª ed., Maison Larcier, Bruxelas, 1987, nº. 642, onde se diz do recurso dos tribunais alemães a sondagens em que se distingue a marca notória e a marca célebre: aquela seria a conhecida por 60% a 70%, e esta a conhecida de 80% a 90%, da população. A hipernotoriedade que o conhecimento por parte de cerca de 80% da população nacional traduz é a igualmente referida por Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 165, Oehen Mendes na pág. 37 do seu parecer, nota 33, a fls. 722 destes autos, citando Fernandez Novoa, "Fundamentos del Derecho de las Marcas", Madrid, 1984, 29, nota 73, menciona que segundo a doutrina alemã essa percentagem rondaria os 70%: como outrossim nota Nogueira Serens, estudo e loc. cits., 166 (último período).
(30) Parecer cit., pág. 12 e nº. 2.8., a fls. 697 ss dos autos.