ROUBO
RECEPTAÇÃO
ARMA
DESISTÊNCIA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
PENA DE MULTA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

1 - Ficando provado que o arguido e um comparsa abordaram, pelas costas, um indivíduo que passeava na rua e, depois do arguido lhe agarrar um abraço, lhe exibir uma pistola (de pressão de ar) e o intimar para que lhe desse o telemóvel, ao mesmo tempo que dizia "se não queres levar um tiro", o indivíduo começou a gritar, pelo que o arguido começou a afastar-se, não se está perante uma desistência "voluntária", no sentido de espontânea, pois o arguido, apesar de ter abandonado os actos de execução do crime, fê-lo por medo de ser capturado, o que de resto acabou por suceder. Não houve, assim, uma atitude livre e espontânea de revogar a decisão criminosa anterior, mas um obstáculo exterior (os gritos da vítima), que lhe foi oposto contra sua vontade e que o forçou ao não prosseguimento da acção que torne relevante a desistência na tentativa, como causa de não punibilidade do acto, que encontra o seu fundamento no arrependimento activo, numa reconsideração livre e espontânea que é feita antes de findar a execução dos actos criminosos ou antes da consumação do crime.
2 - Uma pequena navalha com lâmina de 7,5 cm de comprimento e com simples mola fixadora, não sendo uma arma branca com disfarce nem um objecto sem aplicação definida, não deve ser considerada "arma proibida", para o efeito da integração da conduta do recorrente na previsão do crime p.p. no artº. 275º, nºs. 1 e 3, do CP, mas é uma "arma", designadamente, para o efeito do disposto nos artºs. 210º, nº. 2, al. b) e 204º, nº. 2, al. f), do CP, pois o artº. 4º do DL nº. 48/95, de 15 de Março, que aprovou a revisão do CP, dispõe que "... considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim".
3 - O regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal de equacionar a sua aplicação ao caso concreto se o agente tiver aquela idade. O Tribunal deve começar por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável, e, depois, só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
4 - Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes
5 - Se o arguido tem apenas 17 anos de idade, é delinquente primário, confessou os factos integralmente e sem reservas, mostrou algum arrependimento e revela alguma imaturidade é de atenuar especialmente a pena, apesar da grande gravidade da ilicitude dos dois crimes de roubo qualificados, ambos com uso de arma branca, o dolo directo com que agiu o recorrente, o facto de não ter interiorizado completamente as suas condutas delituosas, ter fugido por inúmeras vezes das instituições onde esteve internado, não ter revelado na prisão perfil adequado ao projecto de Apoio a Reclusos Toxicodependentes, não ter hábitos anteriores de estudo ou de trabalho e banalizar os crimes que cometeu.
Seria ilógico e desprovido de conteúdo ressocializador punir os crimes de roubo com penas de prisão e o crime de receptação com pena de multa, dado estar este crime ligado ao mundo delituoso em que o recorrente estava então inserido e aos motivos que estão na sua origem (obter dinheiro pela via do crime).
6 - Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, pelo que é necessário que, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
7 - Se o arguido não interiorizou completamente as suas condutas delituosas, fugiu por inúmeras vezes das instituições onde esteve internado, não revelou na prisão perfil adequado ao projecto de Apoio a Reclusos Toxicodependentes, não tem hábitos anteriores de estudo ou de trabalho e banaliza os crimes que cometeu, não é possível fazer um juízo de prognose favorável, pois a personalidade imatura e não estruturada do arguido revela que não será suficiente a mera censura do facto e a ameaça de execução da pena.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I
1.1.- Na 6ª Vara Criminal de Lisboa, 3ª Secção, proc. nº. 510/02.5SYLSB, foi julgado o arguido SBMO. Por acórdão de 2003-07-11, foi decidido julgar a acusação procedente, por provada e em consequência, condenar o arguido pela prática de:
- cada um dos dois crimes de roubo agravado, na forma consumada, p.p. pelo artº. 210º, nºs. 1 e 2 al. b), com referência ao artº. 204º, nº. 2 al. f) do C. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
- um crime de roubo desqualificado pelo valor, p.p. pelo artº. 210º, nºs. 1 e 2 al. b), com referência ao artº. 204º, nº. 2 al. f) e nº. 4 do C. Penal, na forma tentada - artº. 73º do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- um crime de receptação, p.p. pelo artº. 231º, nº. 1 do C. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
- um crime de detenção de arma proibida p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 275º, nº. 1 do C. Penal e artº. 3º, nº. 1 al. f) do DL 207-A/75, de 17 de Abril na pena de 7 (sete) meses de prisão;
- em cúmulo jurídico na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.2.- Do acórdão condenatório recorreu para o arguido para a Relação - sendo o recurso admitido a subir para este Supremo Tribunal de Justiça - e concluiu que:
1. Pela matéria de facto dada como provada afere-se que o recorrente tentou cometer o crime de roubo mas que o mesmo voluntariamente desistiu da prática do mesmo;
2. Pelo que tendo o recorrente voluntariamente desistido da prática do crime de roubo, apenas sendo detido quando já se afastava do local não levando nada consigo, nos termos do artº. 29º do C. Penal, o crime de roubo na forma tentada imputado ao arguido não deverá ser punido por a tentativa deixar de ser punível, sob pena de violação do mesmo preceito legal;
3. A posse pelo recorrente da navalha que lhe foi apreendida não consubstancia a prática do crime p.p. pelo artº. 275º do C. Penal, pelo que não poderá o recorrente ser condenado nesses termos;
4. Mas ainda que não fosse esse o entendimento, não será de afastar no caso em concreto a aplicação da pena de multa;
5. Resulta da jurisprudência dominante que desde que se demonstrem salvaguardadas as necessidades de prevenção geral e especial deve-se dar preferência à pena de multa, suprimindo assim para segundo plano a pena de prisão;
6. Da douta sentença ora recorrida parece assim se poder aferir que a condenação em prisão por cada um dos crimes de receptação e detenção de arma proibida ao recorrente se demonstra desajustada, sendo que à data da prática dos factos o recorrente não registava antecedentes criminais, devendo a pena de prisão ser substituída por uma pena equitativa e ajustada de multa, sob pena de se violar o disposto no nº. 2 do artº. 40º e nº. 1 do artº. 71º, ambos do Código Penal;
7. No recorrente se encontram reunidas as condições necessárias para a aplicação do regime especial para jovens delinquentes, atenta a sua primariedade e imaturidade à data da prática dos factos e à actual interiorização das consequências da prática de crimes, tendo o recorrente confessado os factos de forma ampla e espontânea e demonstrando o seu arrependimento;
8. Pelo que ao recorrente deverá ser aplicado o regime especial para jovens delinquentes, devendo ainda, em virtude do mesmo, a sua pena ser suspensa na sua execução;
9. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que determina a condenação do recorrente pelo crime de roubo na forma tentada e pelo crime de detenção de arma proibida, substituindo ainda a espécie da pena aplicada na condenação pelo crime de receptação, aplicando o regime especial para jovens delinquentes e suspendendo a pena na sua execução.

1.3.- O Ministério Público respondeu ao recurso e concluiu o seguinte:
- Concordando nesta parte como o alegado pelo recorrente, entendemos que a detenção e uso de uma navalha de mola travadora ou fixadora com uma lâmina de 7,5 cm de comprimento não constitui a prática do crime de detenção ilegal de arma,
- pois que a referida navalha é uma arma branca sem disfarce, não caindo, pois, na previsão do artº. 3º, nº. 1, al. f), do DL 207-A/75, de 17/4;
- Já assim não no que tange à alegada não punibilidade da tentativa do crime de roubo;
- na verdade, e como se vê da matéria de facto dada como provada no acórdão condenatório, o arguido não consumou o dito crime de roubo, afastando-se do ofendido sem se ter apropriado de qualquer bem ou valor, por recear poder ser detido na sequência dos gritos que aquele ofendido deu;
- Logo, e tal como dispõe o artº. 24º, nº. 1, do CP, a desistência do agente, por não ter sido voluntária, mas provocada por circunstâncias alheias à sua vontade, não releva para efeitos de se considerar não punível a sua conduta criminosa;
- Finalmente, afigura-se-nos que, ao contrário do que vem alegado pelo recorrente, bem andou o tribunal a quo ao optar pela punição em pena de prisão em relação ao crime de receptação, por um lado, e por outro por não ter aplicado o regime penal para jovens delinquentes regulado no DL 401/82, de 23/9;
- Na verdade, o circunstancialismo da actuação, a gravidade objectiva dos factos, a culpa evidenciada e o que a favor e contra o agente se constata, sem perder de vista as necessidades de prevenção e as que in casu se fazem sentir, e bem assim as molduras penais abstractas das infracções por que responde, tornam adequadas, pela observância das normas plasmadas nos artigos 40º e 71º do CP e 4º do DL 401/82, de 23/9, a cominação das penas parcelares de prisão encontradas e o afastamento da aplicação do regime penal para jovens delinquentes;
Assim, deve manter-se a condenação exarada na douta decisão sob recurso, excepção feita aos factos integradores da prática do crime de detenção de arma proibida, que devem antes ser alvo de absolvição, reformulando-se o cúmulo jurídico de modo a encontrar uma pena única de prisão justa e adequada - destarte se concedendo parcial provimento ao recurso.
II
Teve vista o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça.
Colhidos os vistos, foi realizada a audiência com o formalismo legal. No seu decurso, o Ministério Público em alegações orais, sublinhou o uso de uma arma de plástico num dos casos de roubo e reportando-se à pretendida desistência relevante lembrou que, além do mais se tratava de uma situação de comparticipação a que é aplicável o artº. 25º do C. Penal, sendo certo que depois do recorrente se afastar, o co-autor deu uma bofetada no ofendido. Quanto à arma expressou o entendimento de que se não trata de uma arma proibida por não ser uma arma branca sem disfarce. No que se refere ao regime de jovem delinquente opinou pela sua aplicação ao caso, atendendo a que é primário e confessou integralmente e sem reservas, sendo também aceitável a pena e substituição quanto aos crimes de receptação. Neste contexto entendeu o Ministério Público que a pena se poderia situar em 3 anos, suspensa na sua execução com o devido acompanhamento. A defesa retomou a sua motivação e aderiu às alegações orais do Ministério Público.
Cumpre, assim, conhecer e decidir.
III
E conhecendo.
3.1.- As principais questões a decidir são, por ordem lógica, as seguintes:
1º - Quanto ao crime de roubo na forma tentada por que foi o arguido condenado, terá havido desistência na tentativa, tratando-se, portanto, de facto não punível?
2º - Não se verifica o crime de detenção de arma proibida p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 275º, nº. 1 do C. Penal e artº. 3º, nº. 1 al. f) do DL 207-A/75, de 17 de Abril, pois não integra essa previsão a detenção de uma navalha de mola travadora ou fixadora com uma lâmina de 7,5 cm de comprimento?
3º - Encontram-se reunidas as condições necessárias para a aplicação do regime especial para jovens delinquentes, atento ter 17 anos de idade, dada as suas primariedade e imaturidade à data da prática dos factos e a actual interiorização das consequências da prática de crimes, tendo o recorrente confessado os factos de forma ampla e espontânea e demonstrando o seu arrependimento?
4º - A condenação em prisão por cada um dos crimes de receptação e detenção de arma proibida ao recorrente é desajustada, sendo que à data da prática dos factos o recorrente não registava antecedentes criminais, devendo a pena de prisão ser substituída por uma pena equitativa e ajustada de multa?
5º - Deve a pena única aplicada ser suspensa na sua execução?

3.2.- Os factos provados na 1ª instância foram os seguintes:
- No dia 2 de Setembro de 2002, cerca das 10h45m, na Avenida Rovisco Pais, em Lisboa, o arguido SBMO combinou com PAPS, nascido a 29/06/87, apropriarem-se de telemóveis e outros objectos e valores monetários transportados por transeuntes.
O arguido SBMO transportava à cintura, debaixo da camisola que trazia vestida, uma pistola em plástico, com o cano em metal, réplica de uma pistola de marca Sig Sauer, modelo 228, de calibre 9 mm.
- A pistola transportada pelo arguido SBMO, igualmente de modelo P 228 e com o número de série 001369 funciona com o lançamento de pequenas esferas projécteis em plástico, expelindo tais bolas pelo sistema de pressão de ar.
- Quando MNM passava na referida avenida, em frente ao prédio com o nº. ..., o arguido SBMO e o PAPS dirigiram-se ao mesmo, abordando-o pelas costas.
- De imediato, o arguido SBMO como uma das mãos agarrou o MNM pelo braço esquerdo e com a outra levantou a camisola que trazia vestida, exibindo-lhe a pistola acima descrita.
- Ao mesmo tempo, o arguido SBMO disse ao MNM "ou me dás o teu telemóvel, se não queres levar um tiro!".
- o MNM começou de imediato a gritar, pelo que o arguido SBMO começou a afastar-se do mesmo, enquanto o menor PAPS desferiu uma estalada no rosto de MNM.
- De imediato, um agente da PSP deteve o arguido SBMO, não tendo o mesmo chegado a apropriar-se de nada.
- No dia 10 de Outubro de 2002, cerca das 15h30min, quando AFLGCS desce as escadas que dão acesso à estação do metropolitano, no Campo Pequeno, em Lisboa, o arguido SBMO juntamente com outro indivíduo do sexo masculino, cuja identidade não logrou apurar-se, dirigiu- se ao AFLGCS.
- De imediato, o arguido SBMO encostou uma faca, que não foi possível examinar, ao corpo do AFLGCS e exigiu que lhe entregasse o seu telemóvel de marca Nokia, modelo 3310, no valor de 100 € (cem euros), ao que o mesmo obedeceu.
- Além disso, o arguido SBMO e o seu companheiro retiraram ainda ao AFLGCS o cartão multibanco do ....
- Após, o arguido SBMO e o outro indivíduo de identidade não apurada abandonaram o local, levando com eles o dito telemóvel e o cartão multibanco.
- Na noite de 21 para 22 de Outubro de 2002 e em momento não concretamente apurado, desconhecidos apropriaram-se do telemóvel, de marca Nokia, modelo 5510, com o IMEI 350689.20.503867.8, no valor de 100 € (cem euros), que se encontravam dentro de uma mochila pertencente a EFM, quando o mesmo se encontrava na discoteca ..., situada na Rua ... em Lisboa.
- O referido telemóvel era propriedade de MIM, mãe do EFM.
- Em momento não concretamente apurado, mas anterior às 15h30min, no dia 23/10/02, o arguido SBMO acordou com um amigo de identidade não apurada, em vender no Martim Moniz, em Lisboa, o telemóvel pertencente à MIM, tendo o arguido conhecimento de que o mesmo havia sido subtraído nas condições supra descritas.
- Deste modo, o arguido SBMO ficou na posse de referido telemóvel, tendo acordado entregar o valor monetário conseguido como a sua venda, a quem lhe pedira para o vender.
- No dia 23 de Outubro de 2002, cerca das 15h30min, na sequência de um acordo entre os arguidos SBMO e o tal RT, estes abordaram JMPPG, quando este caminhava pela Alameda Afonso Henriques, no sentido do Instituto Superior Técnico para a estação do metropolitano da Alameda, em Lisboa.
- Ambos os arguidos encostaram-se ao JMPPG, tendo o arguido RT perguntado ao mesmo que horas eram.
- Apercebendo-se que os arguidos tinham o propósito de o assaltar, o JMPPG meteu a mão no bolso onde tinha o seu telemóvel.
- Os arguidos aperceberam-se desse gesto, pelo que o arguido RT disse ao JMPPG "Dá cá o telemóvel!", enquanto que o arguido SBMO encostou à barriga do mesmo a lâmina de uma navalha com mola fixadora ou trava em aço inoxidável, tendo o comprimento total de 17,5 cm e medindo a lâmina 7,5 cm de comprimento.
- Perante isso, o JMPPG retirou o seu telemóvel do bolso da marca Nokia, modelo 3310, com o IMEI 350699.20.15 9883.1, da rede Vodafone, no valor de 150 € (cento e cinquenta euros).
- Logo de imediato, o arguido RT retirou o telemóvel da mão do JMPPG e entregou-o ao arguido SBMO.
- Mesmo depois de se apropriarem do telemóvel do JMPPG, o arguido SBMO e o RT seguiram com o mesmo até à estação de metropolitano da Alameda, onde foram abordados por agentes da PSP que os detiveram.
- O arguido SBMO agiu da forma descrita com o propósito de fazer seus os objectos indicados, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos e ainda que lhes havia causado receio, fazendo-os temer pelas suas vidas e colocando-os na impossibilidade de resistência aos intentos do arguido e do tal RT.
- O arguido SBMO agiu ainda com o conhecimento de que o telemóvel pertencente a MIM havia sido subtraído contra a vontade da mesma e ainda o referido arguido acedeu ficar com o mesmo na sua posse, para o vender e desse modo obter uma vantagem patrimonial para quem lho havia entregue.
- Mais sabia o arguido SBMO que a navalha que detinha consigo não tinha aplicação definida, não tendo mesmo justificação para a sua posse e ainda que podia ser utilizada para molestar fisicamente, ou provocar mesmo a morte de outrem.
Os arguidos agiram em comum acordo de esforços, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
- o arguido prestou confissão integral e sem reservas.
- Mostrou algum arrependimento, embora transpareça nas suas palavras que não interiorizou completamente as suas condutas delituosas, justificando-as pelo facto de ter necessidades económicas.
- Enquanto menor, esteve internado no Instituto Navarro de Paiva e no Colégio dos Olivais, em Coimbra, tendo fugido deles diversíssimas vezes.
Na prisão, esteve integrado dois meses no projecto de apoio a reclusos toxicodependentes, tendo saído por falta de perfil para o projecto.
- Propõe-se, quando em liberdade, ir viver com a mãe e o padrasto e trabalhar no café desta. Já trabalhou numa empresa de ar condicionado.
- Porém, denota pouca convicção no que afirma, além de alguma instabilidade pessoal, o que é natural, atento o seu percurso de vida, já que nunca teve hábitos nem de estudo, nem de trabalho.
- Banaliza os crimes que praticou.
- Chegou a estar empregado, mas foi despedido porque dava faltas injustificadas.
- Tem um processo judicial, que se encontra em fase de julgamento, na 4ª Vara criminal de Lisboa - 3ª secção.
- Não tem antecedentes criminais.
Uma vez que não se verificam quaisquer dos vícios previstos no nº. 2 do artº. 410º do CPP, os factos descritos dão-se por definitivamente adquiridos para decisão final.
Vejamos, pois, as questões que importa decidir, anteriormente enunciadas.

3.3.- Questão da desistência da tentativa:
Dispõe o artº. 24º, nº. 1, do CP, que «a tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime».
Ora, o que ficou provado é que o arguido e um comparsa abordaram, pelas costas, um indivíduo que passeava na rua e, depois do arguido lhe agarrar um abraço, lhe exibir uma pistola (de pressão de ar) e o intimar para que lhe desse o telemóvel, ao mesmo tempo que dizia "se não queres levar um tiro", o indivíduo começou a gritar, pelo que o arguido começou a afastar-se.
Ora, como é óbvio, não se está perante uma desistência "voluntária", no sentido de espontânea, pois o arguido, apesar de ter abandonado os actos de execução do crime, fê-lo por medo de ser capturado, o que de resto acabou por suceder. Isto é, o arguido mediu o risco de ser capturado com o alerta que dera a vítima e confrontou tal risco com a eventual vantagem de prosseguir o seu acto até final, acabando por concluir que era mais prudente fugir. Não houve, assim, uma atitude livre e espontânea de revogar a decisão criminosa anterior, mas um obstáculo exterior (os gritos da vítima), que lhe foi oposto contra sua vontade e que o forçou ao não prosseguimento da acção.
A relevância da desistência na tentativa, como causa de não punibilidade do acto, encontra o seu fundamento no arrependimento activo, numa reconsideração livre e espontânea que é feita antes de findar a execução dos actos criminosos ou antes da consumação do crime.
Tem este STJ decidido que "Na desistência da tentativa não basta que o arguido deixe materialmente de prosseguir na execução do crime, por razões de estratégia dada a dificuldade ou impossibilidade de prosseguir na execução do crime ou até receio de intervenção de terceiros. Tem de haver uma decisão voluntária, uma atitude interior, espontânea, de revogar a decisão anteriormente formada de cometer o crime, por motivos próprios, assumidos, de reconsideração e não por meras razões de estratégia" (Ac. STJ, de 28/10/98, proc. nº. 852/98; igualmente, os Acs. do STJ de 26/03/98 e de 17/6/99, respectivamente, in procs. 1511/97 e 467/99).
Deste modo, é evidente que não foi essa a situação que se verificou no presente caso, pois não houve qualquer desistência que tornasse a tentativa não punível, mas um crime de roubo na sua forma tentada, p.p. pelo artº. 210º, nºs. 1 e 2 al. h), com referência ao artº. 204º, nº. 2 al. j) e nº. 4 do C. Penal e artºs. 22º, 23º e 73º do mesmo Código, já que o recorrente executou os actos necessários à execução do crime e este só não se consumou por facto alheio à sua vontade.

3.4.- Crime de detenção de arma proibida
Provou-se, entre outros factos, que, no dia 23 de Outubro de 2002, cerca das 15h 30m, na Alameda Afonso Henriques, o recorrente trazia consigo uma navalha com mola fixadora ou travadora em aço inoxidável, com o comprimento total de 17,5 cm e medindo a lâmina 7,5 cm de comprimento. Provou-se ainda que o recorrente sabia que a navalha não tinha aplicação definida, que podia ser utilizada para molestar outrem, ou mesmo causar a sua morte e não apresentou justificação para a sua posse.
O acórdão recorrido considerou que estes factos consubstanciavam o crime p.p. no artº. 275º, nº. 1, do CP, pois "Atento o disposto no artº. 3º do DL nº. 207-A/75, de 17 de Abril, que considera proibidas a detenção, uso e porte, entre outros, de armas brancas, com disfarce ou ainda outros instrumentos, sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o autor a sua posse".
Contudo, por um lado, o crime, a existir, era o p.p. no artº. 275º, nºs. 1 e 3, do CP, pois este nº. 3 é o que se refere às "armas proibidas". Por outro, a decisão recorrida não estabeleceu que a navalha em questão fosse uma arma branca com disfarce nem explicitou directamente que era um instrumento sem aplicação definida não obstante o que fez constar do conhecimento que o recorrente tinha da aplicação da navalha, pelo que carece de fundamentação bastante para o enquadramento legal punitivo encontrado.
O recorrente e o M.º P.º junto do tribunal recorrido entendem que não cabe no âmbito do citado artº. 3º uma navalha com simples mola fixadora ou travadora, pois não é uma arma branca com disfarce.
Quid juris?
Como se sabe, o C. Penal pune a detenção e uso de "arma proibida", mas não esclarece o conteúdo desta expressão normativa.
Assim, há que recorrer à legislação que se encontra em vigor sobre armas, basicamente, o DL nº. 207-A/75, de 14 de Abril.
O DL nº. 207-A/75, na parte que nos importa, indica que é proibida a detenção, uso e porte de "armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sus posse" (artº. 3º, nº. 1, al. f).
Ora, a navalha em questão não pode ser considerada arma proibida, pois que nem apresentava disfarce [o STJ tem entendido, com bastante consenso, que as armas brancas só são proibidas quando se apresentem com disfarce (vejam-se, por exemplo, os Acs. de 24/01/96, proc. 48543, de 12/03/98, proc. 1469/97, 28/03/91, proc. 367/01, de 12/03/97, proc. 1165/96, de 14/11/84, proc. 37495, de 2/10/96, proc. 728/96, de 31/01/90, proc. 40406)], nem é um objecto sem aplicação definida.
Na verdade, "Arma com disfarce é aquela que encobre a sua verdadeira natureza ou dissimula o seu real poder vulnerante, como, por exemplo, um isqueiro ou um guarda-chuva, que tenham inserida uma lâmina ou arma de fogo, que salte ou dispare por simples premir dum botão" (Ac. STJ de 07/03/96, proc. 48860). Deste modo, um canivete com simples mola fixadora ou travadora não apresenta qualquer disfarce, pois essa é, aliás, a característica mais usual desses objectos.
Por outro lado, "Instrumentos sem aplicação definida são os que normalmente os cidadãos não trazem consigo; e, por isso, a anormalidade da sua detenção terá de ser justificada" (mesmo Ac. do STJ). Ora, uma pequena navalha com lâmina de 7,5 cm de comprimento e com simples mola fixadora, é um objecto que, com alguma frequência, os cidadãos trazem consigo, para os mais variados fins.
Deste modo, a navalha em questão, não sendo uma arma branca com disfarce nem um objecto sem aplicação definida, não deve ser considerada "arma proibida", para o efeito da integração da conduta do recorrente na previsão do crime p.p. no artº. 275º, nºs. 1 e 3, do CP.
Deve recordar-se, sem entrar na discussão sobre a sua vigência, que o artº. 9º do DL 37313 de 21.2.49 já prescrevia que não eram consideradas armas proibidas os canivetes com mola fixadora, quando a lâmina não excedesse 15 cm do rebordo ao cabo.
O recorrente deve ser absolvido da prática de tal crime.
Mas, apesar de não proibida, a navalha em questão é uma "arma", designadamente, para o efeito do disposto nos artºs. 210º, nº. 2, al. b) e 204º, nº. 2, al. f), do CP, pois o artº. 4º do DL nº. 48/95, de 15 de Março, que aprovou a revisão do CP, dispõe que "... considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim".

3.5.- Aplicação do regime especial para jovens delinquentes.
Uma vez que o recorrente tinha, à data dos factos, 17 anos de idade, coloca-se o problema de saber se não lhe devia ter sido aplicado o disposto no DL nº. 401/82, de 23 de Setembro, que prevê um regime especial para jovens delinquentes, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos de idade, designadamente, a atenuação especial da pena (artº. 4º).
Sobre esta questão, o artº. 9º do C. Penal indica que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial. Tal legislação especial foi plasmada no Decreto-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, cujo nº. 2 do artº. 1º esclarece que é considerado jovem para os seus efeitos o agente que, à data do crime, quem tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
O que é caso da recorrente.
E tem entendido este Supremo Tribunal que o regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal de equacionar a sua aplicação ao caso concreto se o agente tiver aquela idade (cfr. por todos o Ac. do STJ de 5.4.2000, proc. nº. 55/2000).
O recorrente pede que lhe seja aplicado o disposto no artº. 4º do DL nº. 401/82, onde se estabelece que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artºs. 73º e 74º do Código Penal (referência que deve ser tida em relação aos artºs. 72º e 73º do Código Penal na versão de 1995), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Mas, antes de proceder a uma atenuação especial, deve o tribunal ter presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal:
«As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos».
Deve, pois, começar por se ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável. E, depois, o Tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».
E tem este Tribunal reflectido, neste domínio, que não é de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no artº. 4º do DL nº. 401/82, de 23 de Setembro, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo. Como não é legitimo concluir então que há razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a sua reinserção social (cfr. o Ac. de 12-12-1991, BMJ nº. 412 pág. 368).
Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes (cfr. o Ac. do STJ de 19-10-1994, proc. nº. 47022).
Não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido, que à data da prática dos factos tinha menos de 21 anos de idade, quando do conjunto dos actos por ele praticados e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação desse regime, por se não mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social (cfr. o Ac. do STJ de 8-1-1998, proc. nº. 1077/97).
Esse prognóstico favorável à ressocialização a radica, como se viu, na valoração, em cada caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes.
E compreende-se este rigorismo: a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, que terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72º e 73º do C. Penal, preceitos estes, que embora inseridos em perspectiva diversa, constituem apoio subsidiário daquele regime (Ac. do STJ de 24-6-99, proc. nº. 498/99).
Ora, no caso dos autos, o tribunal recorrido afastou a aplicação do diploma especial para jovens delinquentes, usando como justificação uma fórmula tabelar («por não ser de crer que dessa atenuação resultem vantagens para a sua reinserção social...»), o que, francamente, é insatisfatório.
Na verdade, há duas ordens de factores a ponderar:
- por um lado, o facto do arguido ter apenas 17 anos de idade, ser delinquente primário, ter confessado os factos integralmente e sem reservas, ter mostrado algum arrependimento e revelar alguma imaturidade;
- por outro, a enorme gravidade da ilicitude dos dois crimes de roubo qualificados, ambos com uso de arma branca, o dolo directo com que agiu o recorrente, o facto de não ter interiorizado completamente as suas condutas delituosas, ter fugido por inúmeras vezes das instituições onde esteve internado, não ter revelado na prisão perfil adequado ao projecto de Apoio a Reclusos Toxicodependentes, não ter hábitos anteriores de estudo ou de trabalho e banalizar os crimes que cometeu.
Na ponderação destes aspectos, este Supremo Tribunal não pode deixar de levar em conta a muita juventude, a imaturidade e a primariedade penal, para, sem perder de vista a necessidade de prevenção geral do crime de roubo à mão armada, reduzir a pena tão só ao mínimo indispensável para que o arguido possa interiorizar o desvalor da sua conduta.
Não seria ajustado negar ao arguido uma oportunidade de reinserção, tanto mais que a sua idade é pouco superior à fasquia legal que o torna penalmente imputável.
E, assim, apesar de não podermos deixar de sancionar o arguido com pena de prisão, dada a enorme gravidade objectiva dos delitos e o seu número, não é de lhe aplicar uma pena prolongada, tanto mais que o arguido não chegou efectivamente a ferir ninguém.
Para tanto, é de aplicar o disposto no artº. 4º do DL nº. 401/82, de 23 de Setembro, e as penas devem ser especialmente atenuadas. O que, em regra, deverá suceder em relação a jovens de 16/17 anos de idade que são julgados pela primeira vez em processo crime, mesmo que o seu passado, antes de atingirem a imputabilidade penal, não seja abonatório.

3.6.- Pena de prisão ou de multa
O recorrente formula a pretensão de que ao crime de receptação seja aplicada uma mera pena de multa.
Tal crime, que está previsto no artº. 231º, nº. 1 do C. Penal, é punível com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
O artº. 70º do CP manda dar prevalência às penas não privativas da liberdade, mas tal tem de ser feito de uma forma fundamentada, pois há que apurar criteriosamente se a pena não detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, é inquestionável que os crimes de roubo não podem deixar de ser punidos com penas de prisão, pois a gravidade da ilicitude, o facto de com eles se atingirem essencialmente bens pessoais, para além dos patrimoniais, a circunstância de ser usada uma arma branca, de cujo manejo pode resultar a morte da vítima, o dolo directo e intenso, são circunstâncias que, por motivo de prevenção geral, impõem tal tipo de pena.
Ora, o crime de receptação em causa nos autos está ligado ao mundo delituoso em que o recorrente estava então inserido e aos motivos que estão na sua origem (obter dinheiro pela via do crime).
Deste modo, seria ilógico e desprovido de conteúdo ressocializador punir os crimes de roubo com penas de prisão e o crime de receptação com pena de multa.
Como bem se apontou no Ac. deste STJ de 12.6.2003, proc. nº. 2154/03-5: «Tal como aqui já foi decidido, nomeadamente no recurso nº. 226/02-5, com o mesmo relator (Conselheiro Pereira Madeira), não resta hoje grande possibilidade de aplicação de penas «mistas» como a que, a ser provido o recurso nesta parte, seria correspondente ao cúmulo jurídico das duas penas em causa.
Discorrendo sobre a bondade de tal chamada pena «mista» de prisão e multa, frequente nos tipos de crime definidos no Código Penal de 1886 e mantida no de 1982, o Prof. Figueiredo Dias (1) considera que tal pena "é, na verdade condenável do ponto de vista político-criminal: quer enquanto patenteia inadmissível desconfiança na eficácia penal da multa simples e vacilação na convicção de que a multa é primordialmente uma alternativa à prisão; quer enquanto implica o pagamento de uma percentagem dos rendimentos do condenado ao mesmo tempo que, privando-o de liberdade, lhe retira a possibilidade de os angariar! Uma pena «mista» é, numa palavra, profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando, com a pena «mista» aquele já as perde na prisão!"
E se estas considerações do ilustre Mestre de Coimbra foram produzidas noutro contexto e noutro plano - afinal numa visão de política criminal propondo a eliminação do texto do Código, do referido tipo de penas «mistas» - elas não deixam de ter cabimento no momento de decidir em casos como o presente, em que, ao lado de uma pena que importa, necessariamente, a condenação em prisão, outras há que permitiriam, em abstracto, a opção pela de multa alternativa.
Mas se os objectivos da pena de multa - em regra aplicável a casos de pequena criminalidade - são aqueles que se mencionam, mormente o de colocar o condenado próximo daquele mínimo existencial, então, também em casos como o presente (2), em que há que cumprir pena de prisão, pouco ou nenhum sentido faria, até por força da concepção de unidade da pena, (3) mesmo em caso de cúmulo, reclamada pela filosofia do Código Penal «quando alguém tiver praticado vários crimes (...) é condenado numa pena única», que, na medida do possível, e até por considerações de pragmatismo na sua execução, aquela não fosse homogénea.
Deste modo, bem andou o acórdão recorrido em não optar pela pena de multa no que respeita ao crime de receptação.

3.7.- Pena efectiva ou pena de substituição
Para se poder responder a esta última questão há que, previamente, determinar quais as penas parcelares que se devem aplicar, já que o recorrente vai beneficiar de atenuação especial, ao abrigo do artº. 4º do DL nº. 401/82, de 23 de Setembro. E apuradas que estejam as novas penas, há que proceder ao seu cúmulo jurídico, só então se sabendo se a pena única pode ser suspensa na sua execução, dado o limite máximo de 3 anos que é pressuposto básico dessa pena de substituição (artº. 50º, nº. 1, do CP).
As circunstâncias a ponderar, para os fins dos artºs. 71º e 72º do C. Penal, são as que anteriormente se citaram. O cálculo da pena abstractamente aplicável far-se-á em função do disposto no artº. 73º, nº. 1, als. a) e b).
Assim, os dois crimes de roubo agravado, na forma consumada, p.p. pelo artº. 210º, nºs. 1 e 2 al. b), com referência ao artº. 204º, nº. 2 al. f) do C. Penal, são puníveis, em abstracto, com a atenuação especial, com de 7 meses e 6 dias a 10 anos de prisão. Mostra-se ajustado punir o recorrente, por cada um desses crimes, em 1 ano e 6 meses de prisão.
O crime de roubo na forma tentada, p.p. pelos artºs. 210º, nº. 1, e 23º, nº. 2, do C. Penal, por dupla atenuação especial, é punível com 30 dias a 3 anos 6 meses e 20 dias de prisão. Mostra-se ajustado punir o recorrente com 8 meses de prisão.
O crime de receptação, p.p. pelo artº. 231º, nº. 1 do C. Penal, por força da atenuação especial, é punível com 30 dias a 3 anos e 4 meses de prisão. Mostra-se ajustada a pena de 6 meses de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico das penas, nos termos do artº. 77º, nºs. 1 e 2, do C. Penal, tendo em atenção em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos já descritos, é adequada a pena única de dois anos e seis meses de prisão.
Encontrada a pena e verificando-se que é inferior a 3 anos de prisão, há que verificar se é ou não de suspender a execução da pena.
Dispõe o artº. 50º, nº. 1, do C. Penal:
"O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (sublinhado agora).
Este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 14ª edição, pág. 191).
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico (Ac. do STJ, de 27 de Junho de 1996; in CJ, Acs. do STJ, IV , tomo 2, 204).
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição (Ac. do STJ, de 11/05/1995, in proc. nº. 4777/3ª).
Este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido (acórdãos do STJ, de 17/09/1997, in proc. nº. 423/97 da 3ª Secção e de 29/03/2001, in proc. nº. 261/01 da 5ª Secção).
Ou dito de outro modo: a suspensão da execução da pena "deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime" (Acórdão do STJ, de in proc. nº. 1092/01 - 5ª secção).
"O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa" (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao artº. 50º, citado no acórdão supra referido e com sublinhados nossos).
No caso vertente verifica-se que está provado que o recorrente não interiorizou completamente as suas condutas delituosas, fugiu por inúmeras vezes das instituições onde esteve internado, não revelou na prisão perfil adequado ao projecto de Apoio a Reclusos Toxicodependentes, não tem hábitos anteriores de estudo ou de trabalho e banaliza os crimes que cometeu.
Assim, pese embora a muita juventude do arguido, não é possível fazer um juízo de prognose favorável, pois a personalidade imatura e não estruturada do arguido revela que não será suficiente a mera censura do facto e a ameaça de execução da pena.
A solução adequada é a da imposição de uma pena relativamente curta, nos termos já apontados, de prisão efectiva.
Termos em que o recurso merece provimento parcial.
IV
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:
- absolver o recorrente do crime de detenção de arma proibida p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 275º, nºs. 1 e 3 do C. Penal e artº. 3º, nº. 1 al. f) do DL 207-A/75, de 17 de Abril;
- condená-lo, por cada um dos dois crimes de roubo agravado, na forma consumada, p.p. pelo artº. 210º, nºs. 1 e 2 al. b), com referência ao artº. 204º, nº. 2 al. f) do C. Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão;
- condená-lo pelo crime de roubo na forma tentada, p.p. pelos artºs. 210º, nºs. 1 e 2 al. b), e 23º, nº. 2, do C. Penal, na pena de oito meses de prisão;
- condená-lo por um crime de receptação, p.p. pelo artº. 231º, nº. 1 do C. Penal, na pena de seis meses de prisão;
- condená-lo, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e seis meses de prisão.
Fixam-se em 2 UC a taxa de justiça a pagar pelo requerente, pelo decaimento parcial no recurso.
Honorários Legais à Defensora Oficiosa.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Novembro de 2003
Simas Santos
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa
Carmona da Mota