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CONTRATO-PROMESSA
ASSINATURA
NULIDADE DO CONTRATO
CONVERSÃO DO NEGÓCIO
PROMESSA UNILATERAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Sumário
I - O Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 1989, presentemente com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, consagra a tese da nulidade total do contrato promessa de compra e venda, sem prejuízo da sua conversão em promessa unilateral, nos termos gerais do art. 293 do Código Civil . II - Os pressupostos da conversão assentam na constatação de um negócio jurídico ferido de vícios que ponham em causa a sua eficácia e que, no caso, é a nulidade formal, por falta de assinatura da promitente vendedora. III - Os requisitos da conversão são objectivos e subjectivos, traduzindo-se os primeiros na substância e na forma e repousando os segundos na vontade hipotética das partes . IV - O tribunal não pode conhecer oficiosamente da conversão . V - É válida a promessa de venda de bem próprio assinada apenas pela promitente vendedora, sem intervenção do marido, com quem era casada no regime da comunhão de adquiridos . VI - É possível a execução específica, por a promitente vendedora se ter recusado a cumprir e, entretanto, se ter divorciado do marido .
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :
Em 9-12-91, "A - Vendas Judiciais e Extrajudiciais, L.da", com sede em Vila Franca de Xira, instaurou a presente acção ordinária contra as rés B, viúva, e filhas, C e D, pedindo:
- que fosse proferida sentença que, em execução específica de um contrato promessa de compra e venda, declarasse vendido pelas rés à autora o prédio rústico, denominado Lagoa, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Rio de Mouro, do concelho de Sintra, sob o art. 52, da Secção K, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 923 / 300486, com o conjunto de edificações nele implantadas e ainda como dele fazendo parte integrante uma parcela de terreno confinante, com a área de 7.640 m2, inscrita na matriz sob o art. 5, da Secção K, e actualmente descrita na mesma Conservatória sob o nº 17204;
- que se condenem as rés no pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos suportados pela autora, em consequência da falta de cumprimento do contrato prometido.
Parta tanto, a autora alega, resumidamente, que as rés se recusam a cumprir um contrato promessa de compra e venda, outorgado em 24-9-91, em que prometeram vender-lhe, pelo preço de 40.000.000$00, que logo receberam, o prédio identificado em primeiro lugar, do qual faz parte integrante a parcela de terreno mencionada em segundo lugar, adquirida para arredondamento das extremas do primeiro .
As rés contestaram.
Arguem a nulidade do invocado contrato promessa, por simulação, e ainda porque, sendo um contrato bilateral, não se mostra assinado pela promitente compradora, acrescentando que não o teriam subscrito se não estivessem convencidas de que a autora também o ia assinar.
Impugnam que o segundo prédio faça parte da promessa .
Em reconvenção, pedem que autora seja condenada a pagar-lhes a indemnização de 30.000.000$00, montante do prejuízo que sofrerão por serem impedidas, pelo registo da presente acção, de aproveitar uma proposta vantajosa de venda do prédio objecto do contrato promessa.
A autora replicou, pugnando pela validade do contrato e referindo que a falta da sua assinatura se deve a mero lapso, não afectando a validade das declarações negociais das promitentes vendedoras, que logo receberam a totalidade do preço e conferiram àquela a posse do prédio prometido vender.
No decurso da causa, faleceu a ré B, tendo a ré D repudiado a herança.
Então, E, F, G e H foram habilitados como sucessores de B, em virtude do repúdio formalizado pela mesma ré D.
O processo prosseguiu seus termos, com elaboração de especificação e questionário e realização de julgamento, após diversas vicissitudes decorrentes de vários incidentes e recursos.
Apurados os factos, foi proferida sentença que decidiu :
- julgar a acção apenas parcialmente procedente e declarar a autora dona do prédio rústico, denominado Lagoa, inscrito na matriz cadastral da freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, sob o artigo 52, da Secção K, e descrito na
Conservatória do Registo Predial de Sintra, 2ª Secção, sob o nº 923/300486, bem como das construções nele implantadas, transmitindo-lhe a propriedade de tal prédio, livre e desembaraçado de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades ;
- julgar improcedente a reconvenção .
Apelaram as rés, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 8-5-2003, negou provimento à apelação, bem como a um agravo de um despacho de não admissão de um depoimento pessoal, que havia subido conjuntamente.
Continuando inconformados, os sucessores habilitados E, F, G e H recorreram de revista, onde resumidamente concluem:
1 - O Acórdão recorrido não podia deixar no ar a mera e eventual aplicação, no caso concreto, de um ou outro dos preceitos dos artigos 292 e 293 do Cód. Civil.
2 - Teria de definir se, neste caso, é aplicável a doutrina da redução ou a figura da conversão do negócio jurídico, com as inerentes consequências jurídicas.
3 - O recurso à figura da redução só seria viável, se fosse possível encontrar na ordem jurídica um contrato cuja perfeição pudesse ocorrer com a utilização de alguns dos elementos essencialmente constitutivos do contrato desenhado no texto que apenas uma das partes subscreveu .
4 - Por sua vez, o recurso à figura da conversão só se revelaria aceitável se fosse possível manter os elementos essenciais do contrato e a partir daí encontrar um contrato diferente, válido na nossa ordem jurídica, que salvaguardasse os interesses das partes em presença , o que não aconteceu .
5 - O contrato promessa de compra e venda é bilateral e sinalagmático.
6 - A falta de assinatura da autora, como promitente compradora, importa a sua nulidade .
7 - Tal contrato nulo não pode atingir os fins por ele pretendidos, sem ser reposta a assinatura omitida da promitente compradora, que a nada se obrigou.
8 - Não pode requerer-se a execução específica de um contrato nulo, pois a execução específica pressupõe uma promessa válida dos promitentes comprador e vendedor, pelo que a petição devia ser liminarmente indeferida .
9 - Além disso, o invocado contrato promessa também é nulo, porque, na data em que foi subscrito, a ré D era casada, no regime da comunhão de adquiridos, com I, o qual não teve intervenção nesse contrato, nem deu o seu consentimento para a prometida venda .
10 - Por outro lado, os armazéns construídos no terreno prometido vender não passam de construções clandestinas, o que, só por si, era de molde a obstar que a alienação do ajuizado terreno pudesse ser efectuada validamente .
11 - Consideram violados os arts 410, nº2, 442, nº3, 830 e 220 do C.C., e 193, nº1, al. b) e 288, nº1, al. b) e nº3 do C.P.C.
A recorrida contra-alegou em defesa da validade da execução específica, fundada na promessa de venda das rés.
Corridos os vistos cumpre decidir
Estão provados os factos seguintes :
1 - A autora dedica-se à compra e venda de imóveis.
2 - As primitivas rés são as únicas herdeiras de L, falecido em 2-1-85.
3 - Da herança do falecido fazia parte um prédio rústico, denominado Lagoa, inscrito na matriz cadastral da freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra, 2ª Secção, sob o nº 923/300486 .
4 - Por escritura de 20-9-81, lavrada no 17º Cartório Notarial de Lisboa, J e Outros declararam vender ao dito L, que declarou comprar-lhes, uma parcela de terreno com a área de 7640 m2, parcela essa a destacar do prédio descrito na 2ª Secção da Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 14.556.
5 - No mesmo acto declararam os vendedores que tal parcela se destinava a arredondamento das extremas do prédio identificado em 3.
6 - Efectuado o destaque, veio o mesmo a ser descrito sob o nº 17 204, da 2ª Secção, da Conservatória do Registo Predial de Sintra.
7 - Por escrito particular de 24-9-91, as primitivas rés declararam prometer vender à autora e esta prometeu comprar àquelas um prédio rústico, denominado Lagoa, com a área de 6.680 m2, onde está implantado um conjunto de armazéns, casa e posto de transformação, com a área coberta de 4.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 923/ 30 0486, a fls 44, do Livro B-25, da freguesia de Rio de Mouro, e inscrito na respectiva matriz, sob o art. 52, Secção K.
8 - As partes acordaram que a escritura de compra e venda seria outorgada no prazo de dois meses, em dia, hora e local a combinar por acordo ou, na falta deste, por marcação de qualquer dos contraentes, com a antecedência de pelo menos oito dias .
9 - No acto da outorga do escrito de 24-9-91, as primitivas rés declararam prometer vender o prédio em causa pelo preço de 40.000.000$00, que receberam no acto e de que deram quitação.
10 - Com a celebração do acordo, a autora passou a deter as chaves do armazém e demais instalações, que lhe foram entregues pelas primitivas rés .
11 - Posteriormente e com o propósito de obstar ao aceso da autora, as primitivas rés colocaram um cadeado impeditivo da abertura dos armazéns e demais instalações .
12 - A autora não assinou o contrato promessa, que se encontra apenas subscrito pelas primitivas rés.
13 - As rés manifestaram à autora a sua vontade de não realizarem o contrato prometido.
Documentalmente, estão ainda provados os factos seguintes:
14 - A ré D casou com I em 23 de Maio de 1971, sem convenção antenupcial (fls 62).
15 - Tal casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 31-1-95, transitada em julgado em 23-2-95 ( fls 8 do apenso de habilitação de herdeiros )
A questão a decidir consiste em saber se é nulo ou válido, e em que termos pode ser susceptível de execução específica, um contrato promessa de compra e venda, assinado apenas pelas promitentes vendedoras.
A promessa bilateral, o contrato em que os dois contratantes se vinculam à celebração do contrato definitivo, deve ser exarada em documento assinado por ambos, nos casos abrangidos pelo art. 410, nº2, do Cód. Civil .
Muitas vezes, porém, apenas uma das partes assina, normalmente o promitente vendedor.
Foi o que aconteceu no caso sub juditio.
Qual o valor do contrato nesta hipótese ?
A questão entronca no preceituado no nº2, do art. 410 do Cód. Civil, que estabelece que a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato seja unilateral ou bilateral.
Quer dizer, é imprescindível a assinatura da parte que se vincula.
Pode, porém, suceder que as duas se obriguem, mas só uma venha a firmar o documento.
Torna-se então necessário saber se é nulo ou válido o contrato, e em que condições, bem como as respectivas consequências jurídicas .
A doutrina e a jurisprudência são unânimes em que, faltando a assinatura de um dos contraentes, o contrato é nulo, por vício de forma - art. 220 do C.C.
Mas já há divergências quanto a saber se o caso é de nulidade total ou parcial .
Numa primeira perspectiva, na falta de assinatura de um dos promitentes, defrontam-se a tese da nulidade total do negócio, de modo a ficar completamente inviabilizado (art. 220), ou a da nulidade parcial, no que respeita à obrigação do não subscritor, mantendo-se a validade quanto à obrigação do promitente subscritor.
Concomitantemente, discute-se se qualquer destas soluções acontece de modo necessário, sistemático e automático ou se há necessidade de intervenção da vontade presumida das partes para a sua validade ou nulidade.
Daquelas duas teses surgidas, a da nulidade total, necessária ou sistemática do negócio, e a da nulidade parcial, com o seu aproveitamento enquanto contrato unilateral, mostra-se actualmente afastada a primeira, com a prolação do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 1989, publicado no Bol 391-101 (que actualmente tem o valor de Acórdão Uniformizador de jurisprudência - art. 17, nº2, do dec-lei 329-A/95, de 12 de Dezembro - como se fosse Acórdão proferido nos termos dos arts 732-A e /32-B do C.P.C.) , onde se dispõe o seguinte:
"No domínio do texto primitivo do nº2, do art. 410 do Cód. Civil, o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóvel exarado em documento particular assinado apenas por um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato promessa unilateral desde que essa tivesse sido a vontade das partes".
É de notar que a doutrina deste Assento é aplicável à actual redacção do nº2, do mesmo art. 410 (introduzida pelo dec-lei 379/86, de 18 de Julho), que apenas se limitou a retocar a anterior, sem qualquer alteração significativa .
A corrente que defendia a manutenção do negócio, como promessa unilateral, não tardou em desdobrar-se em três modalidades: a da redução comum, a da redução corrigida e a da conversão comum.
Segundo a modalidade da redução comum, o contrato-promessa, quando assinado por só um dos contraentes, sofre de uma invalidade parcial, conduzindo, em princípio à sua conservação quanto à declaração da parte que assinou o documento, ficando reduzido à respectiva promessa unilateral, salvo se o contraente interessado na nulidade total alegar e provar que o contrato não teria sido celebrado sem a parte viciada ( art. 292 do C. C. ).
É a solução acolhida por Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 378; Almeida Costa, em Contrato-Promessa, pág. 32 , em Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 317 e em R.L.J. Ano 116-373 e 375 e Ano 119-21; Vaz Serra, R.L.J. Ano 106-127, Ano 108-287, Ano 109-72 e Ano 110-245; Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 1ª ed, pág. 31; Ribeiro Faria, Das Obrigações, Vol. I, 256 e 258, Pessoa Jorge, Das Obrigações, Vol. I, ed. 1972, pág. 263).
Segundo a modalidade da redução corrigida, a bilateralidade ou sinalagmaticidade do contrato-promessa, se não justifica a nulidade sistemática, faz presumir que o contraente cuja declaração persiste não teria querido o negócio se tivesse previsto a não vinculação da outra parte ; e, para ilidir esta presunção da indivisibilidade, é necessária a invocação de factos que permitam a contraprova de que, mesmo sem a vinculação do contraente cuja assinatura está em falta, o contrato teria sido querido e como tal mantido.
Agora, será a pessoa interessada na validade parcial do negócio a ter de alegar e provar que o contrato deve ser mantido.
É a tese defendida por Antunes Varela (R.L.J. 119-326) e por Calvão da Silva, (Sinal e Contrato-Promessa, 6ª ed, pág. 61), correctiva de posições anteriormente assumidas e que conduz ao afastamento do regime geral da redução inserto no citado art. 292 do C.C.
Na modalidade da conversão comum, parte-se da ideia de invalidade total, mas com a possibilidade de converter o negócio bilateral em negócio unilateral, desde que o interessado na conversão alegue e prove os requisitos respectivos, nos termos do art. 293 do C.C. (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 98/99).
Que posição seguir, perante a doutrina do Assento de 29-11-89 ?
No sentido de que o Assento consagra a tese da nulidade total do contrato-promessa, sem prejuízo da sua conversão em promessa unilateral, nos termos gerais do art. 293 do C.C., temos as posições de Antunes Varela ( Direito das Obrigações, 9ª ed., pág. 335), Galvão Telles (Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 117, nota 1), Menezes Cordeiro, ( Tratado de Direito Civil, I Parte Geral, tomo I, 1999, pág. 589) e Ana Prata (Contrato Promessa, 1995, págs 500, 509 e 510), bem como, entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 5-7-90, na revista nº 76.481, e de 4-10-90, na revista nº 79.145, de 16-12-99, no Bol. 492-437 e de 23-10-01, na revista nº 2707/ 01, da 6ª secção (que seguimos de perto, também relatado pelo ora relator e subscrito pelo Ex-mo Conselheiro, 1º Adjunto ).
Na esteira de que o Assento consagra antes a tese da redução, pronunciam-se Almeida Costa (R.L.J. Ano 125-222) e Carvalho Fernandes (RDES, 1993, pág. 185), bem como os Acórdãos deste Supremo de 3-11-92, Bol. 421-392, de 25-3-93, Bol. 425-510, de 9-1-97, Bol. 463-544 e de 12-3-98, Bol. 475-654, entre outros .
Confrontando as duas proposições em que o Assento se desdobra com as duas correntes mais importantes sobre a matéria, temos para nós que não pode aceitar-se a validade directa da promessa bilateral com a assinatura de um só dos promitentes, como promessa unilateral, nem tão pouco a tese da nulidade meramente parcial do contrato, com a sua consequente redução, nos termos genéricos do art. 292, visto o Assento ditar em primeira linha a nulidade do contrato e subordinar a sua validade, como promessa unilateral, à alegação e prova de essa ter sido a vontade das partes.
A redução supõe que a causa da invalidade só atinge, directamente, uma parte do acto, sendo válida, em si, a parte restante .
A lei estabelece, como regra, que a invalidade se mantém confinada à parte afectada pelo vício.
Essa parte é amputada e o negócio jurídico salva-se, embora reduzido à outra parte que se apresenta como sã.
Tal só não acontecerá se o contraente interessado na invalidade total alegar e provar que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada - art. 292.
O ónus de alegação e prova recai, pois, sobre quem pretende dar o acto como totalmente inválido e não sobre quem pretende o seu aproveitamento parcial, porque a lei parte do princípio desse aproveitamento parcial (utile per inutile non vitiatur).
Já quanto à conversão, as coisas se passam em termos diversos.
O acto está ferido de invalidade total, sendo todo ele nulo ou anulado.
O problema está em saber se poderá dar-se como transformado ou convertido num acto válido doutro tipo ou, pelo menos, de conteúdo diferente.
Essa conversão operar-se-á quando o fim prosseguido pelos contraentes permita supor que eles a teriam querido se tivessem previsto a invalidade - art. 293 .
Aqui, o ónus de alegação e prova não recai sobre o interessado na invalidade total, porque esta dá-se como assente .
Tal ónus impende, antes, sobre o interessado no aproveitamento do acto, a este cabendo invocar e demonstrar os factos que convençam de que os autores do negócio teriam querido aquela forma de aproveitamento se a invalidade tivesse sido alcançada por eles.
Assim, não obstante as dúvidas de interpretação de que é susceptível, entende-se que o Assento de 29-11-89 consagra a tese da conversão .
Com efeito, o que se tem de averiguar, antes de mais, é se o negócio celebrado é nulo no seu todo ou só em parte .
Ora, um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, que se mostre subscrito apenas por uma das partes, é totalmente nulo.
Não se pode decompor numa parte válida e numa parte viciada, porque tratando-se de um contrato bilateral, deve estar documentado todo o acordo, como acordo sinalagmático que é.
Como bem observa Galvão Telles ( Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 96) "o concreto negócio celebrado é um contrato-promessa sinalagmático e uma convenção desse tipo, quando dependente de documento, tem de constar toda ela, do texto elaborado, que deve corporizar as duas declarações de vontade, através das assinaturas respectivas .
Se esse texto consubstancia apenas uma das declarações de vontade, porque só um dos seus autores a subscreveu, o negócio é nulo na sua integralidade, por falta de forma prescrita, uma vez que não se acha documentado o acordo de vontades: o que se acha documentado é, tão somente, um elemento ou parcela desse acordo".
Nem se diga que a declaração do subscritor é uma parte válida do negócio, pois vale como contrato promessa unilateral, situação para que a lei se contenta com documento do único promitente .
Tal objecção não tem consistência, na medida em que isso não faria sentido, como escreve Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 97), "porquanto um contrato-promessa unilateral não pode jamais conceber-se como parte de um contrato-promessa bilateral. É, em si e por si, um negócio completo, acabado, e com uma natureza e conteúdos distintos deste outro ".
O que se pretende é justamente saber se o contrato-promessa sinalagmático, como tal inteiramente nulo, por não revestir a forma adequada, se pode transformar numa promessa unilateral, válida.
Só que isto não se traduz numa questão de redução, mas antes num problema de conversão.
Também Menezes Cordeiro ( obra e local citados ) ensina que " uma promessa monovinculante é visceralmente diferente da bivinculante: na primeira, surge uma parte sujeita ao livre arbítrio da outra, o que não sucede na segunda . Não há, aqui, um mero problema de invalidade parcial : o ponto é tão importante que todo o contrato fica atingido.
Apenas a conversão podia salvá-lo ".
E acrescenta, logo a seguir :
"Só que, surpreendentemente, a redução poderá, em concreto, salvaguardar melhor os interesses do contratante vinculado.
Donde a importância do papel da boa fé, para assegurar o predomínio da solução mais justa ".
Consequentemente, sendo nulo o contrato promessa bilateral assinado apenas por um contraente, se o não subscritor pretender, apesar disso, que o subscritor fique vinculado perante ele, em termos de unilateralidade, terá, então de promover a conversão do contrato sinalagmático, nulo, numa promessa não sinalagmática, válida .
Para tanto, o interessado na validade terá de alegar e provar os requisitos gerais do art. 293 do C.C. e , designadamente, que o fim prosseguido pelas partes permite supor que elas teriam querido uma promessa unilateral, obrigatória apenas para o signatário, se tivessem previsto a nulidade da promessa bilateral entre si celebrada.
A conversão traduz-se numa revaloração dada pela ordem jurídica a um negócio inválido, mediante a atribuição de uma eficácia sucedânea realizadora do fim visado pelo tipo negocial em vista, respeitando-se os requisitos de validade e de substância do negócio que se procurou celebrar.
Na conversão, há que atender à vontade hipotética ou conjectural das partes, que não deve ser surpreendida por um mero critério subjectivo, mas antes norteada pela ponderação dos interesses em jogo e pelos ditames da boa fé.
Pois bem .
In casu, as rés não lograram provar que não teriam subscrito o contrato promessa se soubessem que a autora não o iria assinar também ( resposta negativa ao quesito 2º).
Assim, perante o quadro circunstancial apurado, temos aqui por mais correcta a aplicação da tese da conversão, nos termos do art. 293 do C.C.
Embora o Tribunal não possa conhecer oficiosamente da conversão (Carvalho Fernandes, RDES, págs 369 a 372; Ana Prata, Contrato Promessa, 1995, pág. 512, nota 1424; Teresa Luso Soares, A Conversão do negócio Jurídico, pág. 58/59 ; Ac. S.T.J. de 5-11-98, Bol. 481-377; Ac. S.T.J. de 16-12-99, Bol. 492-437), terá de entender-se que a autora também pretende valer-se deste instituto, ao pugnar pela validade do negócio da promessa unilateral de venda e ao invocar factos que evidenciam que o fim prosseguido pelas partes permite supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade do contrato promessa bilateral .
Com efeito, resulta dos factos provados que, logo no momento da celebração do contrato promessa, a autora procedeu ao pagamento integral do preço, de que as rés deram quitação, tendo estas conferido a posse, mediante a entrega das chaves do armazém e demais instalações .
Verificado este circunstancialismo, é de supor, à luz da boa fé, ser indiferente para as rés o que a autora pudesse fazer com o contrato promessa, já que, relativamente a estas, se mostravam satisfeitas as exigências de forma da promessa unilateral de venda e completamente satisfeitos os seus interesses patrimoniais decorrentes dessa promessa.
Daí que estejam verificados todos os requisitos objectivos e subjectivos, previstos no art. 293 do C.C., para se aceitar a conversão do contrato promessa bilateral, nulo, numa promessa unilateral de venda, válida, susceptível de execução específica, nos termos do art. 830, nº1, do C.C., face à recusa das rés em cumprir.
Nem se diga - como fazem os recorrentes - que a promessa de venda é nula, pelo facto do então marido da ré D não ter subscrito o contrato, nem dado o seu consentimento para a referida promessa de venda de um bem próprio desta.
É certo que, ao tempo da subscrição do contrato promessa, a ré D era casada no regime supletivo da comunhão de adquiridos ( art. 1717 do C.C.) com I e que a alienação de imóveis próprios da promitente carecia do consentimento do cônjuge ( art. 1682-A, nº1, do mesmo diploma).
O art. 410, nº1, do C.C., manda aplicar ao contrato promessa as disposições legais relativas ao contrato prometido .
Exceptua as disposições legais relativas à forma e as que, pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa.
Ora, o contrato promessa e o contrato prometido são contratos distintos e com efeitos diversos.
Para se apurar se uma determinada norma disciplinadora do contrato prometido é ou não aplicável ao respectivo contrato promessa haverá, pois, que atender ao seu fundamento .
Como é sabido, a promessa de venda tem eficácia meramente obrigacional.
Através do contrato promessa, o promitente apenas se obriga a celebrar o contrato prometido .
Por isso, deve considerar-se válida a promessa de venda de coisa alheia ou parcialmente alheia .
Pela mesma razão, deve considerar-se inaplicável à promessa de venda de bens imóveis o disposto no art. 1682-A, nº1, do C.C.
Assim, embora falte a um dos cônjuges legitimidade para a venda de bens imóveis, sem o consentimento do outro, é-lhe lícito realizar a respectiva promessa de venda ( Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pág. 337 ; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed, pág. 326; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 109; Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª ed, pág. 389 ; Ac. S.T.J. de 26-10-98, Bol. 390-404).
É que o promitente não aliena e apenas se vincula a uma alienação possível objectivamente, quer dizer, em si mesma.
O promitente responde se não cumprir, ainda que o facto se deva pura e simplesmente à recusa de consentimento do outro cônjuge .
Daí que seja válida a ajuizada promessa de venda de bem imóvel próprio, efectuada pela ré D, sem intervenção do então marido, cujo consentimento deixou de ser necessário para a admissibilidade da execução específica da promessa, visto o respectivo casamento se ter dissolvido por divórcio, por sentença de 31-1-95, transitada em julgado.
Por último, apenas resta salientar que a questão da invocada clandestinidade das construções só agora foi suscitada pelos recorrentes, não tendo sido oportunamente alegada, averiguada nem discutida, pelo que dessa matéria não pode conhecer-se.
Termos em que negam a revista.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 25 de Novembro de 2003
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Ponce de Leão