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SERVIDÃO
CONSTITUIÇÃO
USUCAPIÃO
SINAIS VISÍVEIS E PERMANENTES
Sumário
I- Pretendendo-se o reconhecimento de uma servidão predial não basta identificar o prédio dominante mas ainda o serviente. II- Objecto da servidão é uma utilidade susceptível de ser gozada por intermédio do prédio serviente, pelo que tem ser caracterizada a concreta utilidade objecto da servidão cujo reconhecimento se pede. III- Os sinais visíveis e permanentes que revelam a servidão predial constituída por usucapião evidenciam externamente a relação entre os dois prédio, não se reportam aos caracteres da posse
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"A" propôs contra B acção a fim de ser reconhecida servidão de passagem constituída por usucapião a favor do prédio do autor sendo serviente o prédio da ré e se a condenar a restituir-lhe a posse da mesma e a demolir o muro e rede, na parte em que ofende o direito de passar, que levantou.
Contestando, a ré excepcionou a nulidade por ineptidão da petição inicial e o abuso de direito, e impugnou, concluindo pela absolvição da instância ou do pedido.
Após réplica, apresentou o autor nova petição inicial o que foi indeferido em despacho que, contudo, mandou se procedesse a um acrescento na primitiva. Dele agravou a ré.
No saneador, a ré foi absolvida da instância por se ter julgado inepta a petição inicial, decisão que a Relação, sob agravo do autor, confirmou (além de considerar prejudicado o agravo da ré, a Relação teve como irrelevante o aditamento à petição já que a acção sempre improcederia).
Novo agravo do autor que, em suas alegações, concluiu, em suma e no essencial -
- é proprietário e possuidor, há mais de 20 anos, de um imóvel que confina a sul com uma estrada ou caminho construída sobre um imóvel propriedade da ré, acompanhando-o, nessa extrema, por dois segmentos de recta que, numa extensão de 21 metros, se apresentam como secantes,
- factualidade provada documentalmente não tendo sido impugnada;
- durante mais de 20 anos, o autor e a generalidade das pessoas utilizaram a passagem quer para acederem ao parque de estacionamento de uso público instalado no prédio confinante quer para descarregarem e carregarem produtos agrícolas, estrumes e outros materiais quando o prédio possuía vocação e uso agrícolas,
- actos estes que tem vindo a ser praticados de forma reiterada, pacífica e gozando de inilidível aparência;
- aos olhos de toda a gente, a entrada para o prédio do autor é feita por essa mesma estrada ou caminho, sendo clara a sua configuração física e inequívoca a aparência e a realidade do seu uso;
- a ré construiu um muro betonado, com a extensão aproximada de 21 metros, com a intenção de impedir, como impediu que por ali se exerça o direito de passagem constituído por usucapião (CC- 1.296 e 1.548-1);
- há contradição entre a fundamentação e a decisão a julgar inepta a petição inicial;
- o acórdão recorrido veio decidir de forma oposta a outros arestos da mesma Relação, o que é fundamento de recurso nos termos do art. 754-2 CPC.
Contraalegando, a ré suscitou, como questão prévia, a inadmissibilidade do recurso e defendeu a confirmação do acórdão.
O Exº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela inadmissibilidade do agravo se ampliado, mas admissível se simples.
Colhidos os vistos.
Porque agravo do acórdão que confirmou a decisão de ineptidão da petição inicial, é apenas sobre esta que será exercida a cognição, ou seja, não há que questionar o que se tem por provado.
Decidindo:
1.- Questionado pelo Exmo. Desembargador-Relator sobre o fundamento do recurso, o autor veio indicar (fls. 313) dois - nulidade do acórdão por contradição entre a fundamentação e a decisão e, por outro lado, oposição com dos acórdãos da mesma Relação.
Quer para a Relação quer para o STJ, ao alegar, o autor cita dois acórdãos sem, porém, juntar certidão dos mesmos nem indicar o local da sua publicação.
Não respeitando o ónus que sobre si impendia a tal respeito, inviabilizou de todo a possibilidade de se verificar do acerto ou desacerto da alegação de oposição de acórdãos. Porque assim, nem sequer há que submeter ao Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do STJ o processo e, consequentemente pela mesma razão, não há que emitir o respectivo parecer (CPC- 762,3).
Este invocado fundamento é manifestamente infundado, nada foi apresentado em que se pudesse alicerçar.
Resta, portanto, o outro fundamento (nulidade do acórdão), por esse, sim, admissível e a tão somente determinar o julgamento pela conferência dentro da secção (CPC- 754,3 e 755-1 a)).
2.- Um recurso não serve para alegar factos novos.
A matéria de facto é aportada para os autos na petição inicial e na contestação, sendo a réplica reservada à resposta a excepção deduzida neste articulado e à defesa da reconvenção (CPC- 467,1 d), 488, 489 e 502-1). A lei coloca ao alcance das partes outra ocasião se houver factos que possam ser considerados supervenientes (CPC-506). Independentemente de alegação, permite a lei que o tribunal se socorra de certos factos que resultem da instrução e discussão da causa (CPC- 264,2 e 3, e 664), de factos notórios ou de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções (CPC- 514) ou que denunciem o uso anormal do processo (CPC- 665).
Assim, ignorar-se-ão os que vão além do articulado inicial na medida em que o autor não aproveitou a réplica para corrigir o vício de ineptidão que àquele era assacado.
3.- A servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (CC- 1.543).
A noção legal implica necessariamente que o autor, onerado pela respectiva alegação, identifique um e outro prédio, não sendo suficiente apenas identificar o que se tem por dominante. Esta a primeira falha do autor - descurou a identificação do prédio dito serviente.
Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio serviente (CC- 1.544).
A utilidade é aqui a passagem pelo que é preciso caracterizá-la - concretamente por onde, qual o seu início e termo, qual a sua configuração e localização dentro do prédio serviente, quais as medidas (largura e extensão) e finalidade (pé posto, pé posto e veículos animais, pé posto e automóveis, etc.), e o que é necessário para o seu uso e conservação.
Ainda aqui falha rotundamente a petição inicial, o que, como assinalam as instâncias, inviabilizaria, a final, que numa sentença se pudesse reconhecer uma coisa que não conseguia definir, ou seja, que se, porventura, viesse a reconhecer a servidão, fosse exequível.
Justificou o julgador (fls. 229) o não recurso ao convite para aperfeiçoar o articulado, o que não foi objecto de reacção do autor.
Prosseguir no processo seria um acto absolutamente inútil e, como tal, vedado por lei (CPC- 510,1 b) e 137).
4.- A servidão predial constituída por usucapião é aparente, há-de revelar-se por sinais visíveis e permanentes (CC- 1.547,1 e 1.548-1 e 2).
Trata-se de sinais denunciadores da servidão, em que esta se revela por obras ou por sinais exteriores. Sinais que garantam a sua não clandestinidade (visíveis) e que mostrem a permanência da obra ou de outros sinais exteriores (permanentes), sinais que inequivocamente revelam a servidão.
Sinais que, portanto, evidenciam externamente a relação entre os dois prédios, isto é, em que a servidão, aqui, de passagem é por eles denunciada.
Cumpre ao autor caracterizar esses sinais e através deles definir a própria servidão, o seu próprio e concreto conteúdo (CC- 1.544).
Os sinais, a sua visibilidade e permanência, não se reportam aos caracteres da posse, nomeadamente a ser exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados (CC- 1.262).
Todavia, foi com estes caracteres da posse que o autor se preocupou, descurando a indicação e caracterização dos sinais que, porventura, haja.
Afirmando que o autor não alegou o necessário quanto à existência de sinais e às suas características concluiu o acórdão em conformidade pela ineptidão da petição inicial. Não há contradição entre os fundamentos e a decisão, portanto.
Termos em que se nega provimento ao agravo.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2004
Lopes Pinto
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante