Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRÉPLICA
GRAVAÇÃO DA PROVA
NULIDADE PROCESSUAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Sumário
I - Impugnado nos termos do n.º 3 do artigo 511.º do Código de Processo Civil o despacho proferido sobre reclamação à especificação e questionário, a fixação dos factos materiais da causa pela Relação em apreciação da impugnação não pode ser objecto do recurso de revista, salvo nas hipóteses excepcionadas no n.º 2 do artigo 722.º, e do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo Código; II - Não tendo os autores reconvindos modificado o pedido ou a causa de pedir na réplica ao abrigo do artigo 273.º, e tão-pouco havendo replicado por excepção ao pedido reconvencional, a tréplica é inadmissível (artigo 503.º, n.º 1); III - Sendo assim a réplica o último articulado, a circunstância de os autores a terem instruído com um documento, e de nela haverem formulado ademais o pedido de condenação dos réus em multa e indemnização como litigantes de má fé, nem por isso conduz à admissibilidade da tréplica; IV - Com efeito, o exercício do contraditório relativamente a documento apresentado com o último articulado não pode ser oferecido à contraparte mediante um articulado inadmissível, mas tão-só por simples requerimento (artigos 526.º e 544.º e segs.); V - Competindo ao tribunal conhecer oficiosamente a litigância de má fé, o facto de não estar vedado às partes pronunciar-se sobre a conduta processual da parte contrária, e de ser direito seu contraditar ao respeito as arguições adversas, não lhes confere a faculdade de deduzirem um articulado inadmissível, devendo para os dois efeitos intervir no processo através de simples requerimento, aliás indispensável, caso não havendo portanto mais articulados, pretendam ser indemnizadas; VI - As deficiências de registo magnético impeditivas da reapreciação da prova facultada às partes nos termos dos artigos 522.º-B e 522.º-C, na perspectiva do cumprimento dos ónus previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 690.º-A, têm manifesta influência na decisão da causa, constituindo nulidade processual tipificada no n.º 1 do artigo 201.º, cujo conhecimento depende de arguição da parte (artigo 202.º), no prazo de 10 dias que flui dos preceitos conjugados dos artigos 205.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1; VII - Tendo os recorrentes recebido cópia das cassetes em 10 de Junho de 2001, quando com razoabilidade podiam ter tomado conhecimento das alegadas omissões e imperceptibilidade dos depoimentos agindo com a necessária diligência (artigo 205.º, n.º 1, segundo período, segunda parte), deviam ter arguido o vício em 10 dias a contar daquela data e não apenas na alegação da apelação, de 8 de Março de 2002, pelo que a nulidade se considera sanada; VIII - O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, não permite a invocação da referida nulidade a todo o tempo.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
"A" e esposa B, C e esposa D, todos residentes em Lisboa, instauraram em 28 de Junho de 1996, no Tribunal de Leiria, contra E e esposa F, residentes na Batalha, acção ordinária de reivindicação/demarcação relativa a um prédio urbano com quintal e logradouro de que são proprietários na Rua Afonso Henriques, n.os ......, da cidade de Leiria, confrontando do lado nascente com o prédio urbano dos réus conhecido pela antiga «Casa dos Magistrados», provido também de logradouro e sito na mesma Rua, n.os ..... a ......, ambos os prédios com os demais sinais dos autos - e doravante identificados por simplicidade através dos seus números de polícia, 30A/30B o dos autores, 24/30 o dos réus.
Alegam, em resumo, além da presunção derivada do registo a seu favor, os factos integradores da aquisição da propriedade do imóvel por compra e venda e usucapião, bem como, por outro lado, o facto de os demandados, violando a «linha de fronteira» entre os dois prédios, terem ocupado ilegitimamente uma parte do prédio dos autores onde realizaram obras e implantaram edificações, causando-lhes prejuízos de vária espécie ainda não quantificáveis.
Pedem consequentemente a condenação dos réus: a) a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o referido prédio, segundo a confrontação resultante de uma certa linha de fronteira e determinadas áreas; b) a reconhecerem ainda que as obras e a ocupação desse prédio foram levadas a efeito em desrespeito destes limites materiais, pelo que devem os réus a expensas próprias proceder às indispensáveis desocupação e demolições; c) e, bem assim, abster-se no futuro de actos ofensivos do direito de propriedade dos autores; d) devendo finalmente executar a expensas suas as obras necessárias à separação física dos dois prédios com respeito dos mesmos limites; e) e indemnizar os autores dos prejuízos causados, a liquidar em execução.
Os réus contestaram a acção e deduziram reconvenção pedindo, por seu lado, em suma, a declaração do direito de propriedade a favor deles sobre a parte do imóvel reivindicada.
No termo dos articulados foi a tréplica considerada inadmissível à sombra do artigo 503.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e por isso declarada não escrita, tendo os réus interposto agravo nessa parte do saneador que assim decidiu.
E prosseguindo o processo seus trâmites regulares, veio a ser proferida sentença final em 17 de Outubro de 2001, que considerou a acção parcialmente procedente, condenando os réus nos pedidos há momentos identificados sob as alíneas a) a c), e absolvendo-os dos referenciados nas alíneas d) e e), do mesmo passo que julgou improcedente a reconvenção com a absolvição dos autores.
Foram os réus ademais condenados como litigantes de má fé, nos termos dos artigos 456.º, n.os 1 e 2, alínea a), 457.º do Código de Processo Civil, e 102.º do Código das Custas Judiciais, na multa de 3 UC e indemnização aos autores de 84 000$00.
Apelaram os réus da sentença, mas a Relação de Coimbra, conhecendo da apelação e do agravo, que com ela subiu, negou provimento a ambos os recursos, confirmando as duas decisões recorridas.
Do acórdão adrede proferido, a 1 de Outubro de 2001, trazem os réus a presente revista, cujo objecto, considerando a alegação e suas conclusões, compreende, como adiante melhor se verá: quanto ao agravo, a questão de saber se a tréplica devia ser declarada não escrita; no tocante à apelação, as questões da deficiente gravação da prova conducente à anulação do julgamento e da litigância de má fé, e a questão de fundo da prova dos factos integradores do direito de propriedade dos autores sobre a parte do prédio reivindicada, com a delimitação pela linha divisória discutida no processo.
II
1. A Relação considerou assente a factualidade já dada como provada na 1.ª instância, elenco a que aditou, nos termos do artigo 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, determinados factos provados documentalmente concernentes à gravação da prova e à reclamação dos réus sobre a especificação e o questionário (pontos II, «matéria de facto provada», 59. a 65., do acórdão), o que, tudo devendo manter-se inalterado, se dá aqui como reproduzido nos termos do artigo 713.º, n.º 6, do mesmo corpo de leis, sem prejuízo das alusões pertinentes.
Aliás, o procedimento de remissão, permitindo evitar no nosso caso a reprodução de um extenso complexo factual nem sempre com relevo na revista, recomenda inclusive, mais do que alusões eventuais a factos pertinentes, se procurem esboçar desde já, a título de elucidação da causa, os contornos nucleares da situação litigiosa tal como descrita no processo.
Vejamo-los, recorrendo principalmente aos pontos de facto enumerados na decisão em recurso, que por seu turno citam correspectivos itens da especificação e questionário.
2. Antes de se tornarem propriedade dos autores e dos réus, os prédios 30A/30B e 24/30, inicialmente referidos, constituíam no plano cadastral um prédio único pertencente por último a G (ponto 7), com o qual os autores negociaram a respectiva venda (pontos 15, 17), pressupondo ulterior separação dos prédios (ponto 21).
Entre aquele e estes foi assim celebrado em 24 de Fevereiro de 1978 um contrato-promessa de compra e venda do actual prédio 24/30, conhecido como se disse pela antiga Casa dos Magistrados, estipulando-se, além do mais, por sugestão do promitente vendedor aceite pelos autores, a definição (cláusula 2.ª) de uma linha divisória rígida dos dois prédios e respectivos quintais/logradouros a destacar matricialmente, constituída por um segmento de recta que parte das empenas das fachadas formando com elas um ângulo recto, seguindo as paredes mestras e prosseguindo até a um prédio de terceiro confinante a norte (pontos 16 e 18 a 20; doc. n.º 6 junto com a petição de fls. 42 a 45).
A justificação desta linha divisória compreender-se-á melhor a propósito da rectificação matricial dos prédios a que adiante se aludirá.
Esclareça-se, todavia, no mesmo sentido desde já, em breve parêntesis, que os proprietários antecessores de G, ao tempo em que os dois prédios se encontravam ainda unificados na titularidade do mesmo dono, fizeram vários acrescentos para o interior que não respeitavam a linha recta das respectivas fachadas (ponto 11).
Tais acrescentos destinaram-se a ampliar a antiga Casa dos Magistrados, mediante a edificação de uma cozinha e duas pequenas salas no quintal, que antes da divisão era comum a ambos os prédios (ponto 12), visando acorrer às necessidades da família dos próprios donos e da família de uns inquilinos (ponto 57).
Esses acrescentos na Casa do Magistrados tiveram lugar há mais de 30 anos (ponto 47) e desde a sua construção, enquanto foram do mesmo dono, eram usados quotidianamente pelos possuidores do prédio que é hoje dos réus, à vista de todos, sem interrupção nem oposição de ninguém, na convicção de que estes actos correspondiam ao exercício do direito sobre o prédio onde foram acrescentados (ponto 48).
Registado o precedente esclarecimento, prossiga-se na descrição da situação que nos é presente, observando o seguinte.
Por contrato-promessa de 7 de Julho de 1983, os autores prometeram vender a H - com quem precedentemente se haviam associado no mesmo sentido em termos que perderam actualidade -, o qual prometeu comprar-lhes o mesmo prédio 24/30 objecto do contrato-promessa de 24 de Fevereiro de 1978 aludido há momentos, transferindo-lhe todos os direitos emergentes desse contrato e convencionando-se ademais como limite deste prédio a mesma linha divisória nele já definida (artigo 9.º), bem como a obrigação de H executar as obras de divisão, ficando estas de sua exclusiva propriedade (artigo 10.º; cfr. doc. n.º 11 junto com a petição de fls. 48 a 51; pontos 28 a 31 e 37).
G e esposa sempre tiveram integral conhecimento desses negócios e nunca se opuseras a eles, antes lhes havendo prestado o seu consentimento (pontos 32 a 34).
No cumprimento do acordado no contrato-promessa de 24 de Fevereiro de 1978,G procedeu em 1984 à discriminação dos prédios (pontos 8, 9, 21, 22).
E, já em 1985, providenciou junto da Repartição de Finanças de Leiria pela rectificação matricial das respectivas áreas (ponto 10), a qual toma em conta a divisão dos prédios segundo a linha divisória definida no contrato-promessa (ponto 23).
Esta rectificação visou corrigir os desvios operados pelos acrescentos no quintal acima mencionados e pela necessidade de estabelecer uma linha de fronteira que corrigisse tais desvios (ponto 24), permitindo também um melhor aproveitamento dos prédios, eventual comercialização futura (ponto 25).
Finalmente, por escritura pública de 23 de Setembro de 1985, G e esposa venderam aos autores o prédio 30A/30B, constando o facto de inscrição no registo predial (pontos 1 e 2; doc. n.º 4 junto com a petição de fls. 26 a 30).
E mediante escritura também de 23 de Setembro de 1985, venderam igualmente o prédio 24/30 a H, que, por seu turno, o vendeu aos réus por escritura de 16 de Março de 1988, informando-os que a divisão dos prédios se faria pela linha divisória definida no contrato-promessa de 24 de Fevereiro de 1978, condição que os réus aceitaram (pontos 35, 36, 37 a 40; doc. de fls. 351/354).
Para evitar a invocação de quaisquer dúvidas, a linha divisória em apreço, que os réus aceitaram respeitar e manter quando adquiriram o prédio, fora previamente traçada nas paredes a tinta vermelha, e foi conferida com a descrição do contrato promessa, a 3 de Novembro de 1988, em presença do réu marido (pontos 50 e 51).
Não obstante estas delimitações, os réus fizeram obras de beneficiação das construções que estavam para além da linha divisória assim configurada, quer ao nível do 1.º andar, quer do piso térreo (ponto 41).
3. Tais, por conseguinte, os factos que nuclearmente interessam à apreciação da revista, para além evidentemente da factualidade processual, passe a expressão, que o acórdão sob recurso não se dispensou de evidenciar, como anotámos, cujo relevo se restringe à questão da alegada deficiência de gravação da prova, concernente à matéria de apelação, a focar dentro em pouco.
Deparou-se, com efeito, à Relação de Coimbra um agravo e uma apelação, de que o acórdão recorrido conheceu pela ordem de interposição, conforme imperativo do artigo 710.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
3.1. Considere-se, em primeiro lugar, o agravo.
Apresentada tréplica pelos réus, decidiu-se no despacho saneador ser inadmissível por não se verificar nenhuma das hipóteses delineadas no artigo 503.º do Código de Processo Civil, declarando-se o articulado não escrito.
A Relação entendeu igualmente que os autores não tinham alterado o pedido ou a causa de pedir na réplica, nem se haviam aí defendido do pedido reconvencional por excepção, nesta medida não surgindo ensejo à dedução de tréplica nos termos do citado normativo.
Contudo, os autores pediam na réplica a condenação dos réus em multa e indemnização como litigantes de má fé, juntando ao mesmo articulado um documento, de modo a emergir por este lado a faculdade de apresentação de tréplica, na qual vieram ainda os réus cruzar idêntica arguição contra os autores.
Daí que o despacho agravado, ao declarar não escrita toda a tréplica e não apenas a parte desta que acresceu aos aspectos aludidos, incorresse segundo a decisão recorrida em mera imprecisão, mantendo-se por isso o mesmo despacho com este esclarecimento, aliás sem qualquer relevância, sublinha a arrematar o aresto.
3.2. No tocante, por seu turno, à apelação, o acórdão sub iudicio circunscreveu o seu objecto às questões seguintes: a) impugnação do despacho que decidiu a reclamação dos réus contra a especificação e o questionário; b) anulação do julgamento por deficiências na gravação da prova; c) alteração, nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil, das respostas a determinados quesitos para «provado» e a outros para «não provado»; d) violação das regras do ónus da prova; e) indevida condenação dos réus como litigantes de má fé.
Interessam ao objecto da revista a segunda, quarta e quinta questões.
A segunda relaciona-se com a alegação de deficiências técnicas na gravação da prova que tornaram omissos ou imperceptíveis aos réus apelantes trechos significativos de depoimentos produzidos na audiência.
Neste conspecto, a Relação, ponderando o regime das gravações vertido nos artigos 7.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, e o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 690.º-A, do Código de Processo Civil, estimou que as deficiências de registo magnético impeditivas da reapreciação da prova legalmente facultada às partes têm manifesta influência na decisão da causa, constituindo nulidade processual nos termos do n.º 1 do artigo 201.º do mesmo Código, cujo conhecimento depende de arguição da parte (artigo 202.º) no prazo de 10 dias previsto nos preceitos conjugados dos artigos 205.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1.
No entanto, os réus receberam cópia das cassetes a seu pedido no dia 10 de Julho de 2001 e não arguiram no referido prazo a nulidade, que assim se considerou sanada.
A quarta questão surge, por sua vez, devido à alegação dos apelantes no sentido de que os autores não haviam logrado provar os factos constitutivos do seu direito de propriedade sobre a parte do prédio reivindicada, antes resultando pelo contrário demonstrada a propriedade dos réus.
O aresto em revista julgou, porém, exactamente ao invés, que os autores provaram os factos constitutivos do direito de propriedade do seu prédio com a delimitação resultante da linha divisória alegada, e, bem assim, que os réus nas construções a que procederam não respeitaram os limites por ela definidos (supra, II, 2., ponto 41 do acórdão). Pelo que o prédio deve ser restituído aos autores tal como se provou ter sido delimitado ou demarcado, ainda que demolindo-se as obras que os réus nele efectuaram ilicitamente.
Não obstante, aliás, a prova dos acrescentos realizados no quintal antes da divisão do prédio-mãe e das condições em que tiveram lugar (supra, II, 2., citados pontos 47, 48 e 57) - pondera o acórdão sub judicio -, o certo em contraponto é ter-se provado também o acordo dos réus à demarcação pela referida linha divisória (supra, II, 2., pontos 28 a 31, 36, 37 a 40, 50 e 51), em face do qual devem por isso desconsiderar-se eventuais direitos em contrário anteriormente adquiridos por quaisquer legítimos possuidores/proprietários.
Não tendo os réus, por conseguinte, respeitado esses limites na reconstrução do seu prédio, só a partir do acordo, ou da reconstrução, poderiam prevalecer-se da usucapião com todos os seus elementos.
E precisamente porque os réus negaram, com negligência grave, os termos desse convénio - assim passamos à questão quinta -, um facto verdadeiramente pessoal que não podiam desconhecer e todavia resultou provado, daí também a pronúncia da Relação no sentido da sua condenação como litigantes de má fé, nos termos do artigo 456.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
4. Insurgem-se os réus mediante a presente revista contra a decisão, formulando na alegação 50 conclusões cuja correcção mereceu aos autores recorridos justos reparos já evidenciados no despacho liminar.
Mais que a transcrição desse acervo analítico e repetitivo, salvo o devido respeito, de parágrafos de texto imbuídos de rara densidade, quando não excessivamente extensos ou reproduzindo a alegação da apelação, e carecendo porventura de uma certa disciplina expositiva, mais do que a reprodução de tudo isso interessará decerto sintetizar as problemáticas aí focadas.
4.1. Assim, à matéria do agravo respeitam as conclusões 18 a 22, onde se aduz, em resumo, que a motivação nesta parte invocada no acórdão conduz à admissibilidade da tréplica, verificando-se, por consequência, uma nítida contradição entre os fundamentos e a decisão.
Além de que, no ponto de vista dos recorrentes, assim se desvirtuou a própria selecção da matéria de facto quanto aos factos constantes do articulado com interesse para a boa decisão da causa.
4.2. As demais conclusões concernem, por seu lado, à matéria da apelação.
É o caso das conclusões 2 a 6, em que se circunscreve o objecto do direito de propriedade, procurando inferir-se dos factos que o prédio vendido aos recorrentes foi a Casa dos Magistrados, incluindo todos os acrescentamentos efectuados há mais de 30, 40 e 50 anos, com as áreas correspondentes.
As conclusões 7 a 17 relacionam-se com as alegadas deficiências de gravação da prova, nelas sustentando em suma os recorrentes, por um lado, terem suscitado a nulidade em prazo na alegação da apelação, por só então se haverem apercebido, com recurso a aparelhagem de alta tecnologia, após aturado estudo e reiterada audição das cassetes, da profundidade e extensão da imperceptibilidade das mesmas; além de que, por outro lado, a arguição do vício pode ter lugar a todo o tempo, consoante expressamente resulta do artigo 9.º do Decreto--Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, sob pena de entendimento diverso cercear o direito constitucional de acesso ao direito e à justiça.
Nas conclusões 23 a 28 insurgem-se os recorrentes, se bem se compreende, contra a reapreciação pela Relação do despacho que decidiu a sua reclamação contra a especificação e o questionário.
Contudo, a esta parte do acórdão recorrido não estende o Supremo os seus poderes de cognição (1), estritamente lhe cumprindo cuidar, como se sabe, da aplicação definitiva do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (artigo 729.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Dito por outras palavras, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, posto que assim o dispõe o n.º 2 do artigo 722.º, salvo nas hipóteses excepcionadas neste normativo e no n.º 3 do artigo 729.º, que aqui não se verificam.
Nas conclusões 29 a 37 e 45 a 50 abordam os réus recorrentes, por seu turno, a questão da prova do direito de propriedade dos autores, vindo a sustentar que estes não lograram provar os respectivos factos integradores, nomeadamente com a amplitude que invocam, e menos ainda quanto às áreas e estremas do prédio vendido aos réus. Deste modo, o tribunal a quo, para além da violação dos artigos 342.º, 1311.º e 1353.º do Código Civil, decidiu contra os factos assentes, incorrendo na nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
Finalmente, as conclusões 39 a 44 intentam contrariar a decisão da litigância de má fé.
5. Os autores sustentam na contra-alegação a confirmação do acórdão recorrido.
III
1. Coligidos os necessários elementos de apreciação, cumpre decidir.
Como se adiantou introdutoriamente, os temas que constituem objecto da revista consistem, por um lado, na questão da declaração da réplica como não escrita, matéria do agravo para a Relação e, por outro lado, nas questões concernentes à apelação, a saber: deficiência de gravação da prova; prova dos factos integradores do direito de propriedade dos autores sobre a parte do prédio reivindicada, segundo a linha divisória debatida no processo; litigância de má fé.
Observe-se, todavia, que a problemática enunciada foi decidida no aresto sub judicio com fundamento nos factos provados, à luz do direito aplicável, de forma a merecer inteira concordância, salvo com uma nuance de análise e motivação na matéria do agravo, adiante evidenciada.
Conquanto não se suscitem, por conseguinte, divergências fundamentais de entendimento, não nos dispensaremos em todo o caso de consignar a propósito algumas considerações, de certo modo sugeridas pela alegação dos recorrentes.
2. Em primeiro lugar, precisamente, quanto à declaração da tréplica como não escrita, matéria do agravo, dir-se-á o seguinte.
Uma vez que os autores reconvindos não replicaram por excepção no tocante ao pedido reconvencional, nem modificaram neste seu articulado o pedido ou a causa de pedir de conformidade com o artigo 273.º, a tréplica era inadmissível nos termos do artigo 503.º, n.º 1, tal como decidiram as instâncias, sendo a réplica, por consequência, o último articulado admissível.
É certo que os autores apresentaram um documento com a réplica (cfr. fls. 124/125) e pediram nesta a condenação dos réus em multa e indemnização como litigantes de má fé, deduzindo estes, por seu turno, na tréplica similar pedido contra aqueles.
Em quanto, porém, ao documento concerne, é óbvio que, sendo este oferecido com o último articulado, o exercício do contraditório respectivo não podia ser facultado à contraparte mediante um articulado inadmissível, mas tão-só por simples requerimento (artigos 526.º e 544.º e segs.).
Com respeito à litigância de má fé, trata-se de matéria que ao tribunal compete conhecer oficiosamente, sem dependência de iniciativa das partes.
E se bem que a estas não esteja vedado pronunciar-se sobre a conduta processual da parte contrária, e seja seu direito contraditar arguições adversas, nem pelo facto de o desejarem fazer adquirem, para qualquer dos dois efeitos, a faculdade de deduzirem um articulado não admissível.
Devem, também nesta hipótese, intervir no processo mediante simples requerimento, aliás indispensável, caso não havendo mais articulados, como na situação sub judicio, pretendam ser indemnizadas.
Salvo melhor entendimento, a peça processual apresentada como tréplica podia em princípio desempenhar a função do requerimento, declarando-se não escrita tão-somente quanto aos factos cumulativamente alegados em impugnação da réplica.
E sendo este, em termos hábeis se interpreta, o sentido do esclarecimento a propósito registado no acórdão recorrido - em lugar daquele que os recorrentes lhe atribuem de lógica admissibilidade da tréplica, com a consequente contradição entre os fundamentos e a decisão -, parece efectivamente que a respectiva «imprecisão» do despacho do tribunal de Leiria careceu de relevância no exame e decisão da causa conducente ao provimento do agravo (artigo 710.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Basta notar a ausência de qualquer alusão ao documento que instruiu a réplica, quer na especificação (fls. 232/235), quer na reclamação dos réus à especificação e questionário (fls. 245/247) e na resposta dos autores (fls. 259/260), quer por fim na fundamentação das respostas aos quesitos (fls. 367/376), ou noutro diferente passo do processo se bem vemos.
E constatar, no que se refere à arguição de má fé pelos autores, que os réus não articularam, na tréplica, nenhuma sorte de impugnação.
Resta a finalizar esclarecer que, não havendo lugar a tréplica, deixa evidentemente de assistir razão aos recorrentes ao alegarem que a decisão de exautorar o articulado desvirtuou a selecção da matéria de facto.
3. A mesma falta de fundamento, salvo o devido respeito, se verifica mutatis mutandis no tocante à anulação do julgamento por deficiências de gravação da prova, quando os recorrentes pretendem ter arguido a nulidade tempestivamente na alegação da apelação, sem prescindirem, aliás, de que o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, permite a sua invocação a todo o tempo.
Registou-se com efeito no aresto em recurso uma série de actos respeitantes ao tema em apreço, a saber (pontos de facto 59 a 63 do acórdão): deferida a gravação da audiência requerida pelos réus, as respostas aos quesitos tiveram lugar a 2 de Julho de 2001; a 4 de Julho pediram aqueles cópias das cassetes gravadas, que lhes foram entregues a 10 do mesmo mês; proferida e notificada a sentença, apelaram os réus, tendo sido notificados da admissão do recurso por registo postal de 10 de Dezembro de 2001; em 4 de Fevereiro de 2002 pediram a prorrogação do prazo para alegar por mais 30 dias - sem que de resto tenham aí mencionado qualquer defeito das gravações, observamos nós (cfr. fls. 404 (2) -, e, deferida esta em 5 de Fevereiro, apresentaram a minuta a 8 de Março, alegando então os vícios de que se trata.
Em resumo, os recorrentes estiveram na posse das cassetes desde 10 de Julho de 2001, apenas vindo arguir a nulidade derivada de omissão e imperceptibilidade de depoimentos por deficiência dos registos magnéticos na alegação da apelação, de 8 de Março de 2002.
Deviam, porém, tê-la arguido no prazo de 10 dias a contar de 10 de Julho de 2001, data em que com razoabilidade podiam ter tomado conhecimento das deficiências agindo com a necessária diligência (artigo 205.º, n.º 1, segundo período, segunda parte, do Código de Processo Civil), as quais, atendendo exactamente à extensão e profundidade que alegam ter atingido, de imediato se lhes tornariam perceptíveis mesmo sem o aturado estudo e a reiterada audição das cassetes a que procederam.
Não se considera, consequentemente, que o vício possa ser invocado a todo o tempo, com fundamento no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95 de 15 de Fevereiro (3).
Cremos que o normativo deve ser entendido na sequência lógico-sistemática dos artigos 7.º e 8.º em que se integra, concernente ao período do decurso da audiência, significando a expressão «em qualquer momento», justamente, um qualquer instante da mesma.
A interpretação dos recorrentes subverteria, salvo o devido respeito, verdadeiramente a dinâmica e disciplina do processo de forma quiçá intolerável que não pode ser imputada à teleologia legal.
E não se objecte neste conspecto com o princípio constitucional de acesso ao direito e à justiça, posto que o direito fundamental não é reconhecido, decerto, remetendo-se a lei básica para o arbítrio individual, em preterição de regras disciplinares e organizatórias dos meios instrumentais de realização prática do direito, dotadas, assim se pensa, de fundamento material plausível.
Bem decidiu, por conseguinte, a Relação de Coimbra ao considerar sanada a nulidade.
4. Restam as questões da prova do factos constitutivos do direito de propriedade dos autores sobre o prédio reivindicado e da litigância de má fé, que ambas a Relação decidiu a nosso ver segundo os melhores critérios, à luz dos factos assentes e do direito aplicável.
Com respeito à primeira, considerando efectivamente demonstrada a propriedade do prédio 30A/30B, com a delimitação do lado nascente, relativamente ao prédio 24/30, pela linha divisória oportunamente evidenciada, aos réus oponível, que estes violaram não obstante construindo ou reconstruindo para além dela, dentro do prédio dos autores.
Quanto à segunda, sancionando os réus por terem litigado contra a verdade de factos que não podiam ignorar por serem do seu conhecimento pessoal, relativos precisamente à sua vinculação contratual à aludida demarcação.
Dito de outro modo, tendo em mente as respectivas conclusões 39 a 44 da alegação, o que se provou terem os réus comprado em Fevereiro de 1985 a H, não foi singelamente a denominada Casa dos Magistrados, mas a Casa dos Magistrados que existia na titularidade do vendedor, confinando a poente com o prédio dos autores pela aludida linha divisória.
5. Improcedendo por todo o exposto as conclusões da alegação, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento à revista, confirmando o acórdão recorrido, com custas pelos réus recorrentes (artigo 446.º do Código de Processo Civil).
Lisboa, 29 de Janeiro de 2004
Lucas Coelho
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
------------------------------------------
(1) Neste sentido, o acórdão de uniformização n.º 4/99, de 14 de Abril de 1999, «Diário da República», I Série-A, n.º165/99, de 17 de Julho do mesmo ano, págs. 4459 e seguintes
(2) Na verdade, a justificação apresentada para a prorrogação era literalmente a seguinte: «O presente requerimento fica a dever-se à enorme extensão do processo e da prova gravada, bem como à complexidade das questões adjectivas e de fundo que se levantam, sendo certo que existe acordo de ambas as partes nesse sentido.»
(3) Do seguinte teor: «Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade.»