COMPRA E VENDA
ANULAÇÃO
DEFEITOS
Sumário

I- Pedida a resolução, da compra e venda por o automóvel comprado padecer de defeitos caduca o direito se estes não tiverem sido oportunamente denunciados e o direito exercido atempadamente.
II- A lei prevê dois prazos (arts. 12-2 e 4-2 lei 24/96, de 31.07) - um, o de 30 dias, vale apenas para cada vício ou falta de qualidade da coisa; o outro, o de um ano após a entrega da coisa, vale para a generalidade dos defeitos. A denúncia deve ser feita no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do defeito e de um ano a contar da entrega da coisa, se prazo mais longo não resultar da garantia ou de convenção das partes (cfr., ainda art. 916-1 e 2 CC).

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


A e B propuseram acção contra C, a fim de ser declarada a resolução do contrato pelo qual a autora, em 97.08.28, comprou à ré o automóvel de matrícula IU e se a condenar a lhe devolver o preço pago e a garantia adquirida, tudo no valor de 3.473.740$00, e nas indemnizações de 341.000$00, à autora, a título de danos morais à autora e, ao autor, 250.000$00 a título de danos materiais, causados uns e outros pela venda daquele cujos defeitos foram tempestivamente denunciados e nunca reparados com êxito.
Contestando, excepcionou a ré a caducidade do direito à resolução e impugnou, pelo que concluiu pela absolvição do pedido.
Após réplica, prosseguiu o processo até final, onde a acção procedeu parcialmente por sentença que a Relação, sob apelação principal dos autores e subordinada da ré, revogou absolvendo-a do pedido.
Inconformados, pediram revista os autores que, em suma e no essencial concluíram, em suas alegações:
- contrariamente ao que o acórdão concluiu (todas as avarias terem sido reparadas), só uma o foi com sucesso;
- está-se perante venda de um bem defeituoso cuja gravidade dos vícios coloca em causa a sua normal fruição pelo que devia ter sido reconhecido à autora o direito a resolver o contrato;
- nunca pediram judicialmente a reparação do veículo e mantêm a esperança de virem a ser indemnizados pelos prejuízos, não existindo qualquer contradição na posição assumida;
- por existir uma garantia extra, as conclusões do acórdão sobre a caducidade caem por base;
- violado o disposto no art. 12-1 da lei 24/96, de 31.07.
Contraalegando, defendeu a ré a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos.


Matéria de facto que as instâncias consideraram provada:
a)- em 97.08.28 a autora adquiriu à ré um veículo automóvel, marca Ford, Modelo Escort 1.6 Ghia, com a matrícula JU;
b)- o veículo em causa custou 3.410.000$00, cujo preço foi pago a pronto;
c)- tendo sido emitido o respectivo recibo pela ré vendedora;
d)- o veículo, após a venda, encontrava-se abrangido por uma garantia geral de 12 meses e por uma de 6 anos contra a perfuração por corrosão;
e)- em 98.08.20, a autora adquiriu uma garantia extra para o veículo em causa, tendo pago para o efeito 63.740$00;
f)- em 97.08.28 o carro foi à oficina da vendedora por ter uma avaria na ventoinha do ar e saiu de lá no mesmo dia devidamente reparado;
g)- consta do doc. de fls. 15: " . . . Período coberto pela Garantia Extra . . . Tipo B . . . 24 meses. .. ou 50.000 Km . .. Componentes cobertos pela Garantia Extra. . . ";
h)- o carro em causa era e é o único da família, servindo para as necessidades do agregado, nomeadamente as do pai, ora também autor;
i)- por disparos intempestivos do alarme, porque a tampa da mala e do capot se encontrava desalinhada e ainda por ruídos de origem desconhecida, o veículo voltou à oficina da "C", por duas vezes em data indeterminada de 1997;
j)- porque o motor falhava e pelas referidas questões de alinhamento e ruídos, o carro voltou à oficina da ré;
l)- pelos mesmos problemas não resolvidos e ainda por mau contacto no rádio, o carro voltou à oficina;
m)- e lá voltou com uma avaria no sistema de air-bag, pintura da mala e do capot e ainda ruídos;
n)- e voltou para ser pintado por dentro;
o)- o autor alertou para uns pontos que apareceram na pintura;
p)- por falhas no motor - o motor desligava nomeadamente em aceleração -, por avaria no alarme e por ruídos, o carro voltou à oficina;
q)- em 1998, o autor solicitou ao Stand Moderno a reparação do alarme o que foi efectuado, embora sem sucesso;
r)- de toda esta situação reclamou o autor para a Ford Lusitana através de faxes de 98.05.14, 98.06.01 e 98.06.08;
s)- em 99.03.05, foi o sistema de alarme do veiculo inspeccionado por um técnico, o qual detectou as seguintes anomalias:
- as células não funcionam, pelo que o alarme não tem sensibilidade;
- o consumo não estava ligado;
- posicionamento do alarme e corte de corrente feitos em locais impróprios;
- cablagem partida;
- e ligações inapropriadas;
t)- actualmente, o carro apresenta pontos de ferrugem na pintura;
u)- o volante descaiu, por duas vezes, quando a direcção foi virada para a esquerda;
v)- a situação descrita tem trazido a autora desgostosa, pois a aquisição feita não correspondeu à expectativas mínimas que seriam garantidas pelo vendedor;
x)- a autora é licenciada em engenharia necessitando de carro para as suas deslocações muitas vezes fora de Lisboa;
y)- em termos familiares, o carro em causa é utilizado diariamente pelo autor, para as suas deslocações profissionais;
w)- o autor teve que se deslocar muitas vezes para ir pôr o carro a arranjar e para ir buscá-lo;
z)- o autor esteve um número indeterminado de dias sem o carro, em virtude das sucessivas reparações;
a-1)- em consequência, sofreu prejuízos computados em montante não determinado por dia;
b-1)- os documentos de fls. 65 a 74 referem-se ao historial existente nos registos da ré das entradas, permanências e serviços efectuados ao veículo da autora.


Decidindo:

1.- O recurso do autor não pode ser conhecido - embora o valor da acção ultrapasse o da alçada da Relação, ficou vencido em montante inferior ao de metade desta (o do seu pedido, o qual era de 250.000$00) - art. 678, 2 CPC.
Por isso apenas se conhecerá da revista pedida pela autora.

2.- Como dispõe a lei e constantemente é lembrado pelos tribunais, é de decisões que se recorre e são as conclusões que delimitam, salvo onde se imponha o conhecimento oficioso, o objecto do recurso.
A Relação, conhecendo da excepção de caducidade do direito à resolução, julgou-a procedente por a autora não ter novamente denunciado, no prazo de 30 dias a partir do conhecimento dos defeitos, após a entrega do automóvel vindo da reparação, daqueles ou de outros (a última reclamação ocorreu em 98.06.08; a acção foi proposta em 00.02.22) - «perante a entrega da coisa e se durante um ano aparecerem defeitos, então sim, terá o comprador direito a denunciá-los, novamente no prazo de 30 dias» (fls. 188).
A lei prevê dois prazos (arts. 12-2 e 4-2 lei 24/96, de 31.07) - um, o de 30 dias, vale apenas para cada vício ou falta de qualidade da coisa; o outro, o de um ano após a entrega da coisa, vale para a generalidade dos defeitos. A denúncia deve ser feita no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do defeito e de um ano a contar da entrega da coisa, se prazo mais longo não resultar da garantia ou de convenção das partes (cfr., ainda art. 916-1 e 2 CC).
Os autores não atacaram a decisão tomada - apenas invocam o segundo prazo sem que tivessem o cuidado de contrariar a decisão que teve por não exercida atempadamente a denúncia.
Deixaram transitar a concreta decisão sobre caducidade e esgrimem contra uma que não existe - ‘recorrem’ de uma «decisão» que não foi proferida.
O direito à resolução, a havê-lo (o que não tem de ser discutido face à procedência da excepção), não poderia ser exercido - opunha-se-lhe relevantemente um facto extintivo, a inércia durante o decurso do prazo de denúncia.

3.- À venda de coisas defeituosas é aplicável, com as devidas adaptações, o prescrito para a venda de bens onerados, em tudo quanto não seja modificado pelo regime das primeiras (CC- 913).
Pressuposto do direito à indemnização, a dever ter lugar, é a existência de danos. Pela sua prova onerada estava a autora.
Peticiona indemnização a título de danos morais, mas soçobrou na prova destes. Só se provou que «a situação descrita tem trazido a autora desgostosa, pois a aquisição feita não correspondeu às expectativas mínimas que seriam garantidas pelo vendedor».
Isto, além de incaracterístico como «dano não-patrimonial», é manifestamente pouco para, se porventura houvesse de reconhecer-lhe, em tese, direito a ser indemnizada e devesse ter-se como constituindo um tal dano, lhe conferir dignidade merecedora da tutela do Direito.
Desinteressa, por isso, toda a outra discussão.


Termos em que se não conhece do recurso do autor e se nega a revista da autora.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2004
Lopes Pinto
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante