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PROPRIEDADE HORIZONTAL
OBRAS
INOVAÇÃO
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
ALTERAÇÃO DA ESTRUTURA DO PRÉDIO
CONDOMÍNIO
ESCOAMENTO DE ÁGUAS
ADMINISTRADOR
AUTORIZAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário
I. Um tubo/cano receptor das águas residuais/pluviais dos ramais de descarga, corresponde a uma instalação geral do prédio, maxime se servir uma pluralidade de condóminos, assim integrando as chamadas "partes comuns" do edifício (alínea d) do nº. 1 do artº. 1421º do C.Civil), sendo que devem ser considerados comuns todos os ramais principais de esgotos que, como em geral aquelas instalações, são montadas por ramais verticais dos quais irradiam derivações para as fracções. II. Se um dado condómino efectuou obras nas instalações sanitárias da sua fracção habitacional condominal, procedendo à alteração/desvio daquele cano de escoamento, em ordem a alterar substancialmente seu curso/trajecto normal, com a forte probabilidade de o aumento do risco de espalhamento dessas águas poder vir a causar danos à normal fruição das restantes fracções, tal operação consubstancia uma instalação/alteração estrutural, juridicamente qualificável como obra de carácter inovatório. III. Dependeria assim tal obra da aprovação da maioria de 2/3 do valor total do prédio, sendo que nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns - artº. 1425º, nºs. 1 e 2 do C. Civil. IV. Para as obras previstas no artº. 1422º, nº. 2, al. a) (proibidas aos condóminos) é necessária a prova do efectivo dano ou prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do prédio, enquanto que para as obras dependentes da maioria qualificada de 2/3 do total do capital investido bastam as simples «inovações» ou alterações introduzidas na coisa (artº. 1425º, nº. 1 do C. Civil). V. O conhecimento - pelo administrador do condomínio - das obras e do modo como foram realizadas, não pode assumir o significado da respectiva aprovação/aceitação, já que esta, a ter existido, não poderá dispensar a necessária aprovação pela maioria qualificada prevista na lei. VI. Os licenciamentos municipais em sede urbanística ou de polícia das construções, não pode contender com disposições civilísticas de carácter imperativo, como são aqueles atinentes à regulação dos direitos reais em geral, maxime das restrições ao direito de propriedade e à propriedade horizontal em particular. VII. A sanção correspondente à realização de obras que se traduzam em inovação é a respectiva demolição (reconstituição natural). VIII. Para que a pretensão de demolição (de obra inovatória ilegal) pode ser julgada improcedente com fundamento em abuso de direito (artº. 334º do C. Civil), torna-se necessária a alegação e prova de factos donde possa concluir-se que o direito em causa foi exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. O "CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA POLICARPO ANJOS, nº. ..., CRUZ QUEBRADA", na pessoa do seu administrador A, intentou, com data de 30-9-99, acção ordinária contra B, residente na Rua Policarpo Anjos, nº. ..., r/c esq. Cruz Quebrada.
Alegou, para tanto e em suma, o seguinte:
- em Outubro de 1998, a R. realizou, sem qualquer autorização do condomínio A., obras em partes comuns do prédio sito na Rua Policarpo Anjos, nº. ..., na Cruz Quebrada;
- essas obras provocaram a alteração da disposição do tubo de queda que recebe directamente as águas residuais provenientes dos ramais de descarga que servem directamente os 1º, 2º, e 3º andares do referido imóvel;
- a alteração do traçado do tubo de queda, por parte da R., causa graves danos a todos os condóminos por ele servidos;
- após as obras feitas pela R., verifica-se um desvio do tubo de queda, em cerca de 55 centímetros, causando a existência de três troços rectilíneos, em lugar de um, como até então estava;
- apesar do então administrador do imóvel lhe ter solicitado que lhe fosse facultado acesso ao local da obra em parte comum, a R. recusou tal pedido, invocando que ninguém entraria em sua casa sem sua autorização e que esta não seria concedida;
- aqueles desvios no tubo de queda do esgoto do prédio são inevitavelmente causadores de entupimentos cujo efeito se repercute nas instalações sanitárias do 1º, 2º e 3º andares, podendo mesmo vir a impossibilitar a utilização das respectivas instalações sanitárias;
- porque tecnicamente mal concebida, a alteração ao tubo de queda feita pela R. catalisará uma situação de funcionamento incorrecto dos esgotos, pondo em risco, não só as canalizações gerais do imóvel, como, também a das habitações correspondentes ao 1º, 2º e 3º andares, através de um retrocesso de esgotos;
- pelos mesmo motivos, não se encontra assegurado o correcto escoamento das águas residuais.
Pediu, a final, a condenação da R. a repor, a expensas suas, a situação em que se encontrava a disposição do citado tubo de queda do esgoto antes da realização das obras (alegadamente ilegais) efectuadas pela R..
2. Contestou a Ré alegando, em resumo, o seguinte:
- a R. tem a seu cargo duas tias de idade avançada, a quem tem de prestar cuidados de higiene e de dar banho, encontrando-se a casa de banho da sua fracção em estado de degradação, com necessidade de modificação dos sanitários, com a consequente modificação das tubagens, que aliás necessitavam de reparação;
- a R. informou a Administração do Condomínio das obras que ia fazer, e facultou à mesma a possibilidade de as ir verificar, o que o então administrador fez, tendo obtido do empreiteiro todos os esclarecimentos sobre o que ia ser feito e verificado a sua realização no local;
- a R. requereu na respectiva câmara a aprovação do projecto das obras a efectuar, tendo as mesmas sido vistoriadas e aprovada a sua execução;
- o desvio do cano de esgoto foi feito após parecer técnico sobre a sua viabilidade e sobre o facto de em nada afectar o escoamento;
- não sendo verdade que tal desvio tenha a inclinação que a petição refere ou que não cumpra o legalmente exigido e não sendo também verdade que das obras efectuadas possam resultar os prejuízos invocados pelo condomínio A.;
- é verdade que, embora a R. tenha tido o cuidado de informar a Administração do Condomínio das obras que ia realizar, não pediu formalmente autorização ao condomínio para as realizar;
- trata-se de um prédio com oito condóminos, em que as pessoas se conhecem e em que aspectos formais nunca têm sido cumpridos;
- a R. também não pediu aquela autorização na convicção de que, se algum dos condóminos não concordasse com as obras, certamente lhe diria.
Tal autorização não era necessária, uma vez que as obras em causa não constituem "inovação", nos termos e para os efeitos do artº. 1425º, nº. 2, do Cód. Civil, mas somente "reparação".
Concluiu pela sua absolvição do pedido.
3. Por sentença de 24-4-02, o Mmo. Juiz da Comarca de Oeiras julgou procedente a acção e, em consequência, condenou a Ré a repor, a expensas suas, o tubo de queda de esgoto, na posição em que se encontrava (isto é inteiramente na vertical, sem qualquer desvio) antes da realização das obras que levou a efeito na sua fracção sita no rés-do- chão, esquerdo, do prédio sito na Rua Policarpo Anjos, nº. ..., na Cruz Quebrada.
4. Inconformado com tal sentença, dela veio a Réu apelar mas o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de por acórdão de 26-6-02, negou provimento ao recurso.
5. De novo irresignada, desta feita com tal aresto, dele veio a mesma Ré recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
...
3ª- As obras em causa não afectam a segurança, o arranjo estético ou a linha arquitectónica do prédio, não fazem com que a fracção se destine a usos ofensivos dos bons costumes, não são susceptíveis de causar prejuízo a quem quer que seja, razão porque a sua realização não dependia do consentimento do condomínio - artºs. 1422º, nº. 2, e 1425º, nº. 2, do C. Civil;
4ª- E nem se objecte que o desvio do tubo de descarga dos esgotos causa prejuízo aos condóminos dos 1º, 2º e 3º andares esquerdos do prédio, pois não se provou que tal desvio provoque entupimentos ou inundações e a verificação dos técnicos dos serviços camarários confirmou a inexistência desses prejuízos - resposta negativa dada à matéria constante da base instrutória e doc. 1 oferecido pela A. com o rol de testemunhas;
5ª- O que está em causa é o saber se as obras feitas no tubo de queda das águas residuais causam prejuízo aos condóminos - artº. 1425º, nº. 2, do C. Civil, e a importância da autorização da câmara não reside no facto de a obra não estar a ser feita sem o cumprimento das formalidades administrativas, mas antes do facto de a Câmara, para poder autorizar, ter mandado proceder à verificação se o desvio do tubo era prejudicial ao escoamento das águas, resultando do doc. 1, junto pela R. com o rol de testemunhas que o fiscal camarário acompanhado do técnico dos Serviços Municipalizados de Águas, efectuou uma inspecção à obra, concluindo que aquele desvio não prejudicava o prédio;
6ª- Por outro lado, o desvio do tubo em causa não constitui "inovação" nos termos e para os efeitos do artº. 1425º do C. Civil, pois não conduziu ao desaparecimento de coisas comuns existentes, com prejuízo para os condóminos - Ac. da RP de 14-1-86;
7ª- E aquela norma não foi feita para tutelar caprichos dos condóminos que dela se querem socorrer para impedir uma modificação de um tubo de queda das águas residuais invocando ciclópicos prejuízos (inundações, subida das águas, etc.) que afinal, em termos de prova, se reconduziram a uma mera possibilidade de maior entupimento do tubo de queda, quando os próprios técnicos dos serviços de águas confirmaram que não havia qualquer prejuízo decorrente daquele desvio e o decurso do tempo tem demonstrado que não existem os ditos prejuízos tendenciais;
8ª- A norma do artº. 1425º do C. Civil está pois a ser usada no caso dos presentes autos para satisfação de um mero capricho dos condóminos do prédio, não se atendendo sequer a que a R. com os poucos rendimentos que a concessão do apoio judiciário revela poderá nem sequer ter meios económicos que lhe permitam dar execução à decisão se ela se mantiver no sentido definido pelo acórdão recorrido;
9ª- Mostra-se pois violado o artº. 334º do C. Civil ao aplicar-se a norma do artº. 1425º do mesmo Código para tutela de interesses que não são, visivelmente, aqueles que a norma visa tutelar;
10ª- O douto acórdão recorrido violou por isso os artºs. 1425º e 334º do C. Civil.
6. Contra-alegou o Condomínio A. sustentando a correcção do julgado formulando, por seu turno, as seguintes conclusões:
A- O fulcro do presente recurso prende-se, tal como em sede de apelação, foi oportuna e doutamente entendido pelo tribunal recorrido, com os seguintes factos relativos às obras:
- se foram realizadas numa parte comum do prédio;
- se correspondem, ou não, a uma inovação;
- na afirmativa, se essa inovação é subsumível no disposto no artº. 1425º do C.Civil;
B- Tal como foi entendido nas instâncias inferiores, e em particular no tribunal a quo, é uma realidade que o tubo da água sobre o qual incidiram obras que o alteraram, recebedor das águas residuais dos ramais de descarga, integra as partes comuns do edifício, conforme está consagrado na alínea d), do nº. 1, do artº. 1421º do C.C., pois corresponde a uma instalação geral do prédio, dado servir uma pluralidade de condóminos;
C- Sobre esse tubo foi feita uma inovação, traduzida numa alteração estrutural, criando-se um tubo novo e diferente do anteriormente existente; logo, a obra consistiu numa inovação;
D- Assim sendo, cabe agora descortinar se a mesma obra foi, ou não, autorizada pela maioria dos condóminos, representativa de dois terços do valor total do prédio. Ora, consta dos factos provados que tais obras foram feitas à total revelia do prédio, o que significa terem sido realizadas sem a necessária autorização do prédio;
E- Ora, como muito bem foi entendido nas instâncias inferiores, é irrelevante que o administrador tenha tido conhecimento das obras e do modo como foram realizadas, pois isso não afasta a necessidade de obtenção da competente autorização por parte dos restantes condóminos, nas condições previstas na lei. Até porque, a competência administrativa da Câmara Municipal de Oeiras não pode ser confundida com matéria regulada pelo C. Civil, em sede de direitos reais, para além de que os pareceres técnicos e subsequente autorização violaram frontal e acintosamente o Regulamento Geral das Edificações Urbanas;
F- Mas, apesar de, como diz a recorrente, desde que as obras foram realizadas e até à actualidade, terem decorrido nove anos sem que nada de anormal tenha acontecido, nada nem ninguém pode garantir que, futuramente, algo não venha a suceder. Na realidade, e conforme pode ser constatado pela experiência comum de vida:
F.1- Os sedimentos transportados por quaisquer cursos de água e pelos oceanos depositam-se ao longo do tempo e sempre em locais onde diminui a velocidade das águas. E o mesmo sucede com os vasos arteriais dos humanos, que ganham placas rígidas de colesterol nas bifurcações e curvas daqueles, precisamente, onde a velocidade do sangue diminui;
F.2- Garantir que isso jamais pode acontecer num vulgar tubo de descarga de águas residuais é apostar puramente numa roleta de sorte; aliás, nenhum técnico pode produzir uma afirmação semelhante.
F.3- Isto significa uma coisa muito simples: até à actualidade, as obras não causaram quaisquer prejuízos. Mas nada nem ninguém pode garantir a inexistência de prejuízos futuros, que podem muito facilmente ser prevenidos com a mera reorientação do tubo de descarga, colocando-o de novo e inteiramente, na vertical.
7. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
8. Em matéria de facto deu a Relação como assentes os seguintes pontos:
A- Em assembleia geral de condóminos do prédio sito na Rua Policarpo Anjos, nº. ..., Cruz Quebrada, datada de 23/01/99, foi eleito administrador do condomínio, para o período de 1999, A;
B- Nessa mesma assembleia foi deliberado pela totalidade dos condóminos presentes, com excepção do representante da Ré, a actuação do condomínio em juízo, nos termos constantes do mesmo documento;
C- Em Outubro de 1998, a Ré procedeu a obras nas instalações sanitárias da sua habitação, sita no rés do chão esquerdo do imóvel acima identificado;
D- E procedeu à alteração da disposição do tubo de água que recebe directamente as águas residuais provenientes dos ramais de descarga que servem os 1º, 2º a 3º andares do referido imóvel;
E- Até à realização dessas obras o tubo de queda - na parte que correspondia à passagem pela zona das instalações sanitárias da Ré - encontrava-se absolutamente na vertical, em linha recta, até à sua ligação à caixa de esgoto - câmara de ramal de ligação - sita no subsolo do prédio, por debaixo das instalações sanitárias da Ré;
F- A Ré procedeu às obras aludidas em D) sem autorização do condomínio;
G - O A. apresentou na Câmara Municipal de Oeiras - Divisão de Polícia Municipal, em 22/10/98, a queixa a que se reporta o documento de fls. 18 dos autos;
H- Na Assembleia aludida em A) a Ré apresentou a declaração escrita que consta de fls. 36 dos autos;
I- A Ré apresentou na Câmara Municipal de Oeiras o pedido de concessão para legalização de alterações constante do documento de fls. 34 dos autos, deferido conforme consta do documento de fls. 35 dos autos;
J- Com tais obras, a Ré procedeu a um desvio do tubo de queda (que antes descia na vertical até à respectiva caixa no subsolo), passando o mesmo a seguir obliquamente (inclinado) por um percurso não superior a um metro e, em seguida, na vertical até à respectiva caixa no subsolo - a qual foi construída de novo, a cerca de 30 (trinta) a 60 (sessenta) centímetros da anterior;
L- O desvio do tubo de queda mencionado na resposta dada ao quesito anterior situa-se imediatamente a seguir ao tecto (placa) das instalações sanitárias, fazendo uma mudança de direcção num ângulo de cerca de 45 (quarenta e cinco) graus;
M- O escoamento das águas e das camadas orgânicas contidas nas águas residuais faz-se a menor velocidade e com alguma tendência ou possibilidade de acumulação na face interior do tubo de queda, com a inclinação referida na resposta dada ao quesito 1º, do que anteriormente - encontrando-se o tubo na vertical, sem quaisquer desvios;
N- Aquando da realização das obras mencionadas em C), D) e E), a R. tinha a seu cargo duas tias de idade avançada, a quem tinha que prestar cuidados de higiene e de dar banho;
Passemos agora ao direito aplicável.
9. Os "thema decidendum centram-se em, por um lado, saber se as obras realizadas pela R., foram ou não feitas em parte comum do prédio pertencente ao Condomínio autor, e corresponderam ou não a uma "inovação" não autorizada em partes comuns do edifício nos termos e para os efeitos do artº. 1425º, nº. 1, al. d) do C. Civil e, por outro, se o pedido de reposição do «statu quo ante» às obras realizadas pela Ré configura uma situação de abuso de direito.
10. Ora, da matéria de facto dada como assente pela Relação, dúvidas não restam dúvidas de que:
- em Outubro de 1998 a R., ora recorrente, procedeu a obras nas instalações sanitárias da sua habitação, sita no rés-do-chão do imóvel onde reside, cujo condomínio é aqui originariamente A. e ora recorrido;
- nessas obras, procedeu-se à alteração do tubo da água que recebe directamente as águas residuais provenientes dos ramais de descarga que servem os 1º, 2º e 3º andares do referido imóvel;
- até à realização dessas obras, o tubo de queda - na parte que correspondia à passagem pela zona das instalações sanitárias da ora recorrente - encontrava-se absolutamente na vertical, em linha recta, até à sua ligação à caixa de esgoto - câmara de ramal de ligação - sita no subsolo, por debaixo das instalações da ora recorrente;
- com tais obras procedeu-se a um desvio do tubo de queda (que antes descia na vertical até à respectiva caixa no subsolo), passando o mesmo a seguir obliquamente (inclinado) por um percurso não superior a um metro e, em seguida, na vertical até à respectiva caixa no subsolo - a qual foi construída de novo, a cerca de 30 a 60 centímetros da anterior;
- o desvio do citado tubo de queda situa-se imediatamente a seguir ao tecto (placa) das instalações sanitárias, fazendo uma mudança de direcção num ângulo de cerca de 45 graus;
- o escoamento das águas e das camadas orgânicas contidas nas águas residuais faz-se a menor velocidade e com alguma tendência ou possibilidade de acumulação na face interior do tubo de queda, com a inclinação referida, do que anteriormente quando o tubo estava na vertical, sem quaisquer desvios.
Torna-se, pois, claro que o aludido tubo da água, sobre o qual incidiram as obras que o alteraram, tubo esse recebedor das águas residuais dos ramais de descarga, integra as chamadas "partes comuns" do edifício, tal como postula a alínea d) do nº. 1 do artº. 1421º do C.Civil, consubstanciando uma instalação/alteração estrutural, pois que se traduziu na implantação de um tubo novo e diferente do anteriormente existente, sendo por isso de qualificar como obras de carácter inovatório.
Obras essas que não foram autorizadas pela maioria dos condóminos, representativa de dois terços do valor total do prédio, antes à total revelia da assembleia de condóminos.
E, em contrário, não se diga - contra o que pretende a recorrente - que muito embora não tenha solicitado autorização ao condomínio, o administrador teve conhecimento das obras e do modo como foram realizadas e que as mesmas foram autorizadas pela Câmara Municipal de Oeiras.
É irrelevante que o administrador tenha tido conhecimento das obras e do modo como foram realizadas, pois tal não afastaria a necessidade de obtenção da competente autorização por banda dos restantes condóminos, nas condições previstas na lei; por seu turno, a competência administrativa da Câmara Municipal de Oeiras em sede urbanística ou de polícia das construções, não pode contender com disposições civilísticas de carácter imperativo, como são aquelas atinentes à regulação dos direitos reais em geral, maxime das restrições ao direito de propriedade e à propriedade horizontal ou condominial em particular.
Ora, de harmonia com o preceituado no artº. 1425º do C. Civil, «as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio» (nº. 1), acrescendo que "nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns" (nº. 2).
E sem dúvida de que o tubo de água que recebe as águas residuais provenientes dos ramais de descarga integra as partes comuns do edifício, sendo que conforme dispõe o nº. 1 d) do artº. 1421º do C. Civil são comuns «as instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes». O tubo de água que recebe as águas residuais provenientes dos ramais que servem os 1º, 2º e 3º andares, corresponde a uma instalação geral do prédio, urna vez que serve uma pluralidade de condóminos.
Tal como bem observa a Relação, citando Rosendo Dias José, em «A Propriedade Horizontal», págs. 63-64, "são comuns todos os ramais principais de esgotos e que, como em geral aquelas instalações, são montadas por ramais verticais que depois dão derivações para as fracções, é frequente falar-se que são comuns as prumadas dessas instalações".
E quanto às inovações?
As inovações distinguem-se da simples reparação ou reconstituição das coisas, na sua definição cabendo tanto as alterações introduzidas na forma ou na substância da coisa como as modificações estabelecidas na sua afectação ou destino - conf. Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. III, 2ª ed, pág. 434.
Aderindo à qualificação operada pelas instâncias, a obra realizada pela A. corresponde pois a uma «inovação», porquanto, conforme o que ficou provado, a Autora procedeu à alteração da disposição do tubo de água que recebe directamente as águas residuais provenientes dos ramais de descarga que servem os 1º, 2º e 3º andares do edifício.
Até à realização dessas obras o tubo de queda - na parte que correspondia à passagem pela zona das instalações sanitárias da Ré - encontrava-se absolutamente na vertical, em linha recta, até à sua ligação à caixa de esgoto - câmara de ramal de ligação - sita no subsolo do prédio, por debaixo das instalações sanitárias da Ré.
Com as obras a Ré procedeu a um desvio do tubo de queda (que antes descia na vertical até à respectiva caixa no subsolo), passando o mesmo a seguir obliquamente (inclinado) por um percurso não superior a um metro e, em seguida, na vertical até à respectiva caixa no subsolo - a qual foi construída de novo, a cerca de 30 (trinta) a 60 (sessenta) centímetros da anterior.
O desvio do tubo de queda situa-se imediatamente a seguir ao tecto (placa) das instalações sanitárias, fazendo uma mudança de direcção num ângulo de cerca de 45 (quarenta e cinco) graus.
Assim, o escoamento das águas e das camadas orgânicas contidas nas águas residuais faz-se a menor velocidade e com alguma tendência ou possibilidade de acumulação na face interior do tubo de queda do que sucedia anteriormente - encontrando-se o tubo na vertical, sem quaisquer desvios.
Ocorreu, pois, uma alteração introduzida na forma da coisa comum antes existente, uma modificação material dessa coisa comum, em suma uma alteração estrutural susceptível de prejudicar os restantes condóminos no que concerne ao escoamento das águas e das camadas orgânicas contidas nas camadas residuais que se passou a fazer com menor velocidade e com alguma tendência ou possibilidade de acumulação.
Não ficou, com efeito, provado, como sustentou a Ré, que esta procedera apenas à mera substituição ou reparação de tubagens que se encontravam degradadas designadamente o tubo de queda dos esgotos.
11. E a circunstância de o administrador do condomínio haver entrado na fracção da R., tendo tido conhecimento das obras efectuadas e do modo como foram feitas - de resto não provada - jamais poderia assumir o significado da sua aprovação ou aceitação, sendo, em qualquer caso, que tal aceitação/aprovação, a ter existido, não poderia precludir a necessária a aprovação pela maioria qualificada prevista na lei.
12. A "sanção" para a falta de preenchimento dos pressupostos legais para a obra inovatória será, na peugada de Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit, pág. 435, a ordenação da respectiva demolição, quer a inovação viole o disposto no nº. 1 do artº. 1425º (falta de aprovação da maioria necessária), quer ofenda o preceituado no nº. 2 (privação da utilização das coisas comuns ou próprias por parte de algum dos condóminos).
Também para Aragão Seia, in «Propriedade Horizontal», 2ª ed, pág. 143, a sanção correspondente à realização de obras que se traduzam em inovação é a destruição delas, «isto é, a reconstituição natural, que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo do princípio da equidade estabelecido nos artigos 566º, nº. 1, «in fine», e 829º, nº. 2, porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, em que estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio» (sic). Conf. ainda a jurisprudência deste Supremo Tribunal nesse mesmo local citada.
Isto sem que seja de fazer apelo ao disposto no nº. 2 do artº. 1422º do C. Civil, já que, na senda do Ac. deste Supremo Tribunal de 23-4-98, in CJSTJ, Tomo II, pág 52, "a distinção entre as obras previstas no artº. 1422º, nº. 2, al. a) (proibidas aos condóminos) e no artº. 1425º, nº. 1, (apenas dependentes da maioria qualificada de 2/3 do total do capital investido), reside em que, nas primeiras, é necessária a prova do efectivo dano ou prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do prédio e, nas segundas, bastam as simples «inovações» ou alterações introduzidas na coisa" (sic).
Refira-se, ainda, que a autorização das obras pela Câmara Municipal de Oeiras em nada obstará às considerações supra-expendidas, sabido como é que as autorizações ou licenciamentos camarários apenas terão que obedecer a princípios ou finalidades de natureza administrativo/urbanística - salubridade, ordenamento do território, estética das povoações e polícia das construções (segurança) - que não a velar pela observância das normas atinentes ao direito de propriedade (conf., neste sentido, vg. o Ac do STJ de 4-10-95, in BMJ nº. 450, pág. 492 e demais jurisprudência ali citada).
13. É certo que no citado aresto deste Supremo Tribunal de 23-4-98, se obtemperou que a pretensão dos condóminos à demolição (de obra inovatória ilegal) pode ser julgada improcedente com fundamento em abuso de direito (artº. 334º do C. Civil).
Instituto esse, aliás, expressamente invocado na presente alegação de recurso.
Que dizer?
Estatui o artº. 334º do C.Civil, que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Tal como se considerou, v.g, nos Acs deste Supremo Tribunal de 7-6-01, in Proc. 1334/01, 7-3-02, in Proc. 284/02, e 13-11-02, in Proc. 2967/02, todos desta 2ª Sec, «o abuso do direito pressupõe um excesso ou desrespeito dos respectivos limites axiológico-materiais, traduzido na violação qualificada do princípio da confiança».
Situação que logo se configura quando o titular do direito se deixa cair numa longa inércia sem a respectiva exercitação, susceptível de criar na contraparte a convicção ou expectativa fundada de que esse direito não mais será exercido, e que a sua posição jurídico-substantiva se encontra já consolidada, nela investindo, em conformidade, as suas expectativas e até o seu capital; violação drástica do princípio da confiança, que a doutrina sintetiza na máxima "venire contra factum proprium".
O "venire contra factum proprium" traduz, pois, o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente.
Contudo, na hipótese vertente, a recorrente não curou de substanciar a sua alegação em ordem a poder concluir-se pela verificação dos pressupostos do funcionamento do instituto do abuso do direito. Limitou-se a alegar que a norma do artº. 1425º do C. Civil foi "usada... para satisfação de um mero capricho dos condóminos do prédio, não se atendendo sequer a que a Ré, com os poucos rendimentos que a concessão do apoio judiciário revela nem sequer ter meios económicos que lhe permitam dar execução à decisão se ela se mantiver no sentido definido pelo acórdão recorrido" (sic).
Muito pouco para que possa concluir-se que o direito em causa foi exercido "em termos clamorosamente ofensivos da justiça" na expressão de Manuel de Andrade, in "Teoria Geral das Obrigações", 2ª ed, pág 63.
14. Assim havendo decidido neste pendor, não merece o acórdão revidendo qualquer censura, pelo que improcedem as conclusões da alegação da recorrente.
15. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio de Vasconcelos
Duarte Soares