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PRODUTOR
RESPONSABILIDADE CIVIL
PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
CULPA
Sumário
1. O regime legal do consumidor é inaplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre sociedades comerciais relativos a bens transaccionados com vista a um uso profissional. 2. O regime legal da responsabilidade objectiva do produtor é inaplicável, além do mais, no caso de o vendedor do produto, uma sociedade portuguesa, não ser quem o produziu nem puder ser como tal considerada em razão de não o haver importado de países terceiros em relação à União Europeia. 3. Tendo sido convencionada entre as partes a compra e venda de ácido tartárico destinado ao tratamento de vinho, e entregue pela vendedora à compradora ácido dl tartárico consubstanciado em aditivo alimentar, a situação não é de venda de coisa defeituosa, mas de incumprimento contratual propriamente dito. 4. Agiram com culpa stricto sensu os agentes da vendedora que entregaram à compradora os sacos fechados com o rótulo tartaric acid food grade, tal como os haviam recebido da respectiva fornecedora, sem se certificarem se o seu conteúdo correspondia ou não ao convencionado entre ambas. 5. Decorrentemente, constituiu-se a vendedora em responsabilidade contratual e na obrigação de indemnizar a compradora pelo prejuízo decorrente da inutilização do vinho em que o ácido dl tartárico foi pela última utilizado.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
"A" intentou, no dia 20 de Novembro de 1995, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra "B-Comércio de Produtos Agrícolas Ldª", pedindo a sua condenação a pagar-lhe 4 183 371$20 e juros desde a citação, à taxa legal de 15%, com fundamento em prejuízo derivado da venda que a última lhe fez de ácido DL tartárico, em vez do ácido tartárico encomendado, incluindo o estrago, pela sua utilização, de 80 000 litros de vinho já engarrafados e na sua recolha.
A ré chamou à autoria "C-Produtos para a Agricultura Ldª", sob o fundamento de lhe haver comprado como ácido tartárico o que vendera à autora, e a última, por seu turno, chamou à autoria D, sob o mesmo fundamento de lhe haver comprado como ácido tartárico o que vendera à segunda chamante.
A chamada D Ldª afirmou, em contestação, ter vendido à chamada C Ldª ácido DL tartárico e não poder ser responsabilizada pela sua posterior má utilização e errado destino, e a ré invocou, em contestação, ter agido sem culpa e haver caducado o direito de acção da autora.
C Ldª afirmou, por seu turno, haver encomendado a D Ldª ácido tartárico e não ácido DL tartárico e a última não a haver alertado para o facto de se tratar de ácidos diferentes nem que o último não servia para a transformação vinícola, e a autora, na réplica, afirmou a inaplicabilidade ao caso das normas legais invocadas relativas à excepção e reafirmou o que referira na petição inicial.
Realizado o julgamento, foi proferida, no dia 10 de Dezembro de 2002, sentença condenatória da ré a pagar à autora € 20 866,57 e juros de mora à taxa anual de 15% desde a data da citação até 16 de Abril de 1999 e de 12% desde então, e declarado que essa decisão valia como caso julgado em relação às chamadas C e D Ldª.
Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 1 de Julho de 2003, negou provimento ao recurso.
Interpôs a apelante B-Comércio de Produtos Agrícolas Ldª recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- encomendou a C Ldª ácido tartárico, esta entregou-lhe um produto com o rótulo Tartaric Acid Food Grade, ou seja, ácido tartárico, não abriu os sacos dela recebidos para se certificar da autenticidade do produto neles contido e entregou-os a A;
- um bonus pater famílias, em idênticas circunstâncias, não abriria os sacos para determinar a qualidade do produto neles contido, e o público confia mais na autenticidade dos produtos contidos em sacos fechados e rotulados do nos contidos em sacos abertos, pelo que agiu sem culpa;
- o acórdão recorrido violou os artigos 487º e 799º do Código Civil, pelo que deve ser revogado e absolver-se a recorrente do pedido.
Respondeu a recorrida A:
- a recorrente incumpriu com culpa a obrigação a que se vinculou, pelo que é responsável pelo prejuízo que lhe causou com o foi o errado fornecimento realizado;
- a recorrente não cumpriu as suas obrigações em matéria de responsabilidade pela segurança geral dos produtos, negligência que contribuiu para os prejuízos por si sofridos;
- a intervenção na acção de C Ldª apenas confere à recorrente como que um título executivo fundamento de acção de regresso, e no confronto da recorrida, só a recorrente é responsável;
- como consumidora tem direito à qualidade dos bens adquiridos, à informação, à protecção dos seus interesses económicos e à prevenção e reparação dos danos resultantes da ofensa dos seus direitos individuais;
- a recorrente deve ser considerada produtor e, por isso, objectivamente responsabilizada pelos prejuízos que lhe causou com o produto que distribuiu ou colocou à venda.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. A autora exerce a actividade industrial e comercial envolvente de produtos vinícolas, que engarrafa e posteriormente comercializa em garrafas, garrafões ou a granel e, no fabrico do vinho utiliza ácido tartárico destinado a clarificá-lo e a corrigir a sua acidez, de forma a estabilizá-lo.
2. A ré B Ldª encomendou ácido tartárico a C, Produtos para a Agricultura Ldª, que se dedica à revenda de produtos para a agricultura, pesticidas, adubos, sementes e produtos para a indústria de transformação, e a última entregou à primeira. em Novembro de 1992, ácido DL tartárico.
3. O referido ácido DL tartárico foi entregue a C, Produtos para a Agricultura Ldª por D Ldª, que se dedica à importação, exportação e comercialização de matérias-primas e produtos químicos para a indústria e produtos alimentares, sendo que um dos produtos que ela comercializa é o ácido DL tartárico, aditivo de aplicação na indústria agro-alimentar.
4. Na sequência da encomenda mencionada sob 2, B Ldª recebeu nas suas instalações, vindos de C, Produtos para a Agricultura Ldª, vários sacos com rótulos que referiam Tartaric Acid Food Grade.
5. No dia 23 de Dezembro de 1992, a autora declarou comprar à ré B Ldª, que declarou vender-lhe, por 143 550$, 150 quilogramas de ácido tartárico, tendo-os entregado tal como os tinha recebido de C, Produtos para a Agricultura Ldª, e a primeira entregou à segunda aquela quantia.
6. No dia 13 de Janeiro de 1993, a autora declarou comprar à ré B Ldª , que declarou vender-lhe, por 191 400$, 200 quilogramas de ácido tartárico, tendo-os entregue á autora tal como os tinha recebido de C, Produtos para a Agricultura Ldª, e a primeira entregou à segunda aquela quantia.
7. A ré sabia qual a aplicação que a autora dava ao ácido tartárico e que a última lho não compraria se não fosse exactamente ácido tartárico.
8. A autora aplicou tal produto no vinho até Março de 1993, em 80 000 litros dele, com o valor de 94$ por litro, sem que tenha alcançado o resultado mencionado sob 1., tendo o vinho ficado mais turvo após lhe ter aplicado o ácido fornecido pela ré B Ldª, porque esse ácido era DL tartárico.
9. A autora teve conhecimento de que o ácido era DL tartárico por carta datada de 16 de Abril de 1993, remetida pelo laboratório do Instituto da Vinha e do Vinho, na sequência do que, por carta datada de 4 de Maio de 1993, deu conhecimento a B Ldª do facto mencionado na parte final de 8, que tinha estragos avaliados em 4 151 653$20, e reclamou dela a entrega dessa quantia.
10. O vinho mencionado sob 8 já se encontrava engarrafado e capsulado, colocado nos distribuidores, houve que proceder à tiragem da cápsula, à sua recolha e despejo, com o que a autora despendeu 126 600$, e foi destinado a destilação, sendo o seu valor de 51$72 por litro.
11. As cápsulas inutilizadas, rolhas, rótulos e taxas acarretaram à autora o custo de 277 703$ e, em transportes e distribuidores, ela despendeu 61 718$.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrida tem ou não direito a exigir da recorrente a indemnização por danos patrimoniais que lhe foi arbitrada na sentença proferida na 1ª instância, confirmada pelo acórdão recorrido.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável na acção e no recurso;
- âmbito do recurso;
- natureza e efeitos dos contratos celebrados entre a recorrente e a recorrida;
- sentido jurídico da divergência, quanto ao objecto mediato dos contratos, entre o convencionado e o realizado;
- é ou não a mencionada divergência imputável aos representantes da recorrente a título de culpa?
- solução para o caso, decorrente dos factos e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1.
Como a acção foi intentada no dia 20 de Novembro de 1995, são-lhe aplicáveis as pertinentes normas anteriores às do Código de Processo Civil Revisto (artigo 16º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Uma vez que a sentença recorrida para a Relação foi proferida no dia 10 de Dezembro de 2002, aos recursos são aplicáveis as pertinentes normas do Código de Processo Civil Revisto, versão originária (artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro).
2.
O âmbito objectivo do recurso é delineado na envolvência das conclusões de alegação do recorrente (artigos 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta o conteúdo das alegações da recorrente, não está em causa no recurso o quantitativo pecuniário do prejuízo que afectou a esfera jurídico-patrimonial da recorrida nem o nexo de causalidade adequada entre ele e o facto de a última lhe ter entregue o ácido dl tartárico por ela utilizado no tratamento do vinho em causa.
Ademais, não está em causa no recurso qualquer questão no quadro do chamamento para intervenção por parte da recorrente em relação a C-Produtos para a Agricultura Ldª.
Com efeito, neste quadro de delimitação, só está em causa no recurso de revista a questão da culpa dos agentes da recorrente na entrega do aludido ácido dl tartárico em vez do ácido tartárico que a recorrida àquela encomendou, pelo que só esta problemática constitui o seu objecto.
3.
Uma vez que a recorrente e a recorrida, no exercício da sua actividade industrial e comercial, declararam, nos dias 23 de Dezembro de 1992 e 13 de Janeiro de 1993, a primeira vender e a segunda comprar, 150 quilogramas e 200 quilogramas de ácido tartárico, por 143 550$ e 191 400$, respectivamente, a conclusão é a de que ambas celebraram dois contratos de compra e venda de natureza comercial (artigos 874º do Código Civil, 2º, 3º, 13º, n.º 2º e 463º, n.º 1º, do Código Comercial).
Por virtude dos referidos contratos, o direito de propriedade sobre as referidas quantidades de ácido tartárico propriamente dito transferiu-se da titularidade da recorrente para a titularidade da recorrida, ficando ambas juridicamente vinculadas em função deles, a primeira a entregá-las à segunda e esta a pagar-lhe o respectivo preço (artigos 3º do Código Comercial e 879º do Código Civil).
Em defesa da sua posição, a recorrida invocou, nas alegações, o regime legal do produtor, do consumidor e da segurança dos produtos transaccionados.
A lei considera consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios (artigo 2º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho).
Como a recorrida adquiriu o produto em causa para um uso profissional, não pode ser considerada consumidor para os efeitos previstos na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
Produtor é o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria prima, e quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo (artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro).
Ademais, considera-se produtor aquele que, na União Europeia e no exercício da sua actividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para a venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição, bem como qualquer fornecedor de produto cujo produtor comunitário ou importador não esteja identificado, salvo se, notificado por escrito, comunicar ao lesado, no prazo de três meses, igualmente por escrito, a identidade de um ou outro, ou a de algum fornecedor precedente (artigo 2º, n.º 2).
O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação (artigo 1º do Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro).
No caso vertente, porém, a recorrente não é o produtor do ácido em causa, nem pode ser considerada como tal, visto que não foi ela quem o importou do exterior da União Europeia.
Decorrentemente, ainda que pudesse considerar-se aquele produto como defeituoso, não era aplicável, na espécie, o regime a que se reporta o Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro).
4.
Estes contratos de compra e venda deviam, como é natural, ser pontualmente cumpridos, certo que a modificação dos seus termos dependia de algum facto legalmente previsto com essa relevância, ou de acordo entre a recorrente e a recorrida, que não ocorreram (artigos 406º, n.º 1, do Código Civil e 3º do Código Comercial).
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigos 3º do Código Comercial e 762º, n.º 1, do Código Civil)
O vendedor realiza a obrigação a que está vinculado quando entrega a coisa devida, no lugar convencionado, à pessoa devida e no lugar devido, devendo, para o efeito, actuar com diligência, ou seja, com o zelo exigível no circunstancialismo do caso.
A recorrida cumpriu integralmente, no confronto com a recorrente, a sua obrigação de pagamento do preço concernente ao ácido tartárico objecto mediato dos referidos contratos de compra e venda.
Outrotanto não ocorreu em relação à recorrente no confronto da recorrida, porque em vez de lhe entregar o ácido tartárico destinado a clarificar e a corrigir a acidez do vinho, com vista à sua estabilização, objecto mediato dos referidos contratos de compra e venda, entregou-lhe ácido dl tartárico, que era um aditivo aplicável na indústria agro-alimentar.
Enquanto na sentença proferida na 1ª instância se qualificou a situação em causa como incumprimento obrigacional por parte da recorrente, no acórdão da Relação a qualificação foi a de venda de coisa defeituosa.
No âmbito da secção relativa à falta de cumprimento e à mora imputáveis ao devedor, a lei posiciona o cumprimento defeituoso da obrigação em paralelo com a falta de cumprimento, o que sugere a sua autonomia (artigo 799º, n.º 1, do Código Civil).
Acresce que numa das secções relativas ao contrato de compra e venda a lei insere a venda de coisas defeituosas, cujo regime pressupõe que a coisa vendida sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou a falta de qualidades asseguradas pelo vendedor ou a falta das qualidades necessárias para a realização daquele fim (artigo 913º do Código Civil).
Tendo em conta a factualidade provada, a situação configura-se como entrega pela recorrente à recorrida de coisa diversa da que foi objecto dos contratos de compra e venda, e não como entrega da coisa convencionada com defeitos.
Em consequência, não é aplicável, na espécie, o regime relativo à segurança geral dos produtos, ou seja, dos bens novos, usados ou recuperados, destinados aos consumidores ou susceptíveis de por eles serem utilizados, fornecidos a título oneroso ou gratuito, no âmbito de uma actividade profissional, a que se reporta o artigo 2º, n 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 311/95, de 20 de Novembro, que a recorrida invocou.
Com efeito, embora a recorrente tenha realizado, na execução dos contratos de compra e venda, a prestação que ocorreu, como ela é estruturalmente diversa da convencionada, a conclusão é a de que se está, na espécie, perante incumprimento propriamente dito e não perante mero cumprimento defeituoso.
Dir-se-á, pois, que a situação em causa se enquadra fora do âmbito do contrato de compra e venda de coisa defeituosa e do cumprimento defeituoso, ou seja, que se enquadra no plano inexecução obrigacional ou falta de cumprimento.
Independentemente da envolvência ou não de culpa dos representantes da recorrente, estamos perante uma situação objectiva de falta de realização da prestação contratualmente devida e de não realização do interesse do credor.
Face à finalidade do ácido tartárico em causa e ao restante circunstancialismo envolvente, a conclusão é no sentido de estarmos perante uma situação de incumprimento definitivo pela recorrente dos contratos de compra e venda celebrados com a recorrida.
5.
A culpa lato sensu exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes do dolo ou da mera negligência.
A culpa stricto sensu ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão, pelo agente, da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes consciente e inconsciente.
No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua inverificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.
Incumbe ao devedor a prova de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, e a culpa deve ser apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (artigo 799º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, n.º 2, do Código Civil).
O critério legal de apreciação da culpa é, pois, abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias do incumprimento contratual em causa, por referência a um comerciante do produto em causa medianamente diligente, isto é, normal, representando um juízo de reprovação, de censura ético-jurídica, por poder ou dever, no caso concreto, proceder de outra forma.
Os representantes da recorrente sabiam a finalidade com que a recorrida havia adquirido o ácido tartárico, que a última apenas adquiriria ácido tartárico para aquele fim, a primeira adquiriu-o a outra sociedade e entregou-o à segunda, nos próprios sacos que recebera da primeira, sem se certificar que o entregue correspondia ao convencionado.
Um comerciante distribuidor de ácido tartárico, em diligência profissional normal, não podia ignorar e existência do aditivo alimentar designado por ácido dl tartárico, diverso do ácido tartárico destinado a clarificar e a corrigir a acidez do vinho com vista à sua estabilização.
À luz desse conhecimento, perante o recebimento do produto rotulado Tartaric Acid Food Grade, devia o referido comerciante padrão do sector em causa certificar-se, por via da análise do produto na sequência da abertura dos sacos ou por outro modo, de que ele correspondia ao que lhe fora encomendado.
Assim deviam ter procedido os agentes da recorrente no caso vertente, independentemente do que ela afirmou no sentido de o público confiar mais na autenticidade dos produtos contidos em sacos fechados e rotulados do que em sacos abertos.
Todavia, não adoptaram o comportamento de zelo necessário e que lhe era exigível, na posição de sociedade comerciante do ramo, de se informar ou certificar de que o produto em causa era realmente ácido tartárico para tratamento de vinho, independentemente da confiança depositada em quem lho havia fornecido.
E como assim não procederam, ao invés do que a recorrente afirmou, ela não ilidiu a presunção de culpa que sobre ela impendia, antes ficou assente que os seus agentes agiram com culpa stricto sensu inconsciente, pelo que, ao invés do que alegou, ao considerar que os agentes da recorrente agiram com culpa, a Relação não infringiu o disposto nos artigos 487º, n.º 2, e 799º, n.º 1, do Código Civil.
6.
Tendo em conta os factos provados e as considerações de ordem jurídica acima desenvolvidas, a conclusão não pode deixar de ser no sentido, por um lado, de que a recorrente incumpriu de modo ilícito e culposo os contratos de compra e venda celebrados com a recorrida e, por outro, que desse facto ilícito e culposo resultaram para a última, em termos de causalidade adequada, os prejuízos em causa.
Consequentemente, a recorrente constituiu-se na obrigação de indemnizar a recorrida relativamente aos mencionados prejuízos (artigos 3º do Código Comercial e 483º, n.º 1, 562º, 563º e 798º do Código Civil).
Improcede, por isso, o recurso.
Vencida é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nº.s 1 e 2, do Código de processo Civil).
IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2004
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís