CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CONTAGEM DOS PRAZOS
RECLAMAÇÃO
EFEITOS
Sumário

I - Da liberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça.
II - Dessa deliberação pode também reclamar-se, nos termos gerais dos arts. 158º e segs do Cód. Proc. Administrativo, para a própria entidade que a proferiu.
III - Tal reclamação não tem efeito suspensivo do prazo do recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça.
IV - A segunda deliberação do Plenário do C.S.M. que indefere a reclamação apresentada contra a primeira deliberação do mesmo órgão, sendo simplesmente confirmativa desta, não é autonomamente impugnável, por não ter lesividade própria, na medida em que se limita a confirmar a anterior, sem lhe introduzir qualquer alteração qualitativa na sua substância.

Texto Integral

Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

Dr. A, Juiz Desembargador, a exercer funções no Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs recurso, nos termos do art. 168 do E.M.J., para este Supremo Tribunal de Justiça, da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 10-7-03, (que o recorrente designa por "acórdão de 10-7-03, aclarado pelo Acórdão de 23-10-03"), que lhe atribuiu a classificação de "Bom com Distinção", pelo serviço desempenhado na Relação de Lisboa, desde o ano de 1994 até 13-12-2002, na sequência da inspecção extraordinária que, a seu pedido e ao abrigo do art. 37-A do E.M.J., foi realizada ao seu serviço.
Para tanto alega, resumidamente, que a classificação atribuída não está de acordo com a matéria de facto relevante apurada e que o procedimento seguido para com ele, ao negar-lhe a notação de "Muito Bom", foi discriminatório, em cotejo com os critérios utilizados com os demais colegas, com o objectivo último de impedir ou dificultar a sua ascensão ao Supremo Tribunal de Justiça .
Considera que ocorrem as nulidades previstas nos arts. 668, nº1, al. c) do C.P.C. e 268, nº3, da Constituição da República Portuguesa e que também foi violado o princípio da igualdade, ínsito no art. 13 da Constituição .
Termina por pedir que se dê provimento ao recurso e que a deliberação seja reformada, no sentido de se lhe atribuir a classificação de "Muito Bom".

O Conselho Superior da Magistratura, na sua resposta, suscitou a questão prévia da extemporaneidade do recurso, ficando prejudicado o conhecimento do seu objecto, com a seguinte argumentação:
- o recurso respeita à impugnação da deliberação do Plenário do C.S.M. de 10-7-03;
- tal recurso só foi interposto em 31-10-03, já depois de ter decorrido sobre a notificação daquela deliberação o prazo de 30 dias, fixado no art. 169, nº1, do E.M.J.;
- a reclamação decidida pelo Acórdão do Plenário do C.S.M. de 23-10-03, que o ora recorrente introduziu no processo de inspecção, relativamente à deliberação de 10-7-03, não teve qualquer efeito suspensivo do prazo do recurso contencioso para o Supremo .

O recorrente foi ouvido sobre a matéria da questão prévia e pronunciou-se pela sua improcedência, com esta sintetizada fundamentação:
- o que está em causa não é apenas a deliberação de 10-7-03, mas um todo unitário que integra aquela e a subsequente de 23-10-03, que a complementa;
- o prazo para o recurso deve contar-se a partir da notificação da deliberação de 23-10-03, atento o disposto no art. 686, nº1, do C.P.C.;
- de qualquer forma a reclamação apresentada pelo recorrente, relativamente ao Acórdão de 10-7-03, sempre teria o efeito suspensivo previsto no art. 167-A do E.M.J. e não o efeito não suspensivo do art. 163, nº2, do Cód. Proc. Administrativo.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, no seu esclarecido parecer, também se pronuncia pela extemporaneidade do recurso.

Cumpre decidir a questão prévia, com dispensa de vistos - art. 173, nº3, do E.M.J.

Os factos relevantes a considerar são os seguintes:

1 - O relatório da inspecção extraordinária ao serviço do recorrente, elaborado pelo Ex.mo Inspector, termina com a proposta de atribuição da classificação de Muito Bom.

2 - O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, através do seu Acórdão de 10-7-03, deliberou, por unanimidade, atribuir ao recorrente a classificação de Bom com Distinção, pelo seu desempenho no Tribunal da Relação de Lisboa até 13-12-02.

3 - O recorrente foi notificado dessa deliberação do Plenário, por ofício postal registado, expedido em 17-7-2003.

4 - No dia 28-7-03, o recorrente dirigiu ao Ex-mo Presidente do C.S.M. um requerimento, onde dizia vir "arguir a nulidade da deliberação do Conselho Plenário de 10-7-03, por violação dos arts. 668, nº1, al. c), do C.P.C., 13 e 268, nº3, da Constituição e art. 178 do E.M.J.", invocando oposição entre os fundamentos e a decisão e ainda violação do princípio constitucional da igualdade.

5 - Através do seu Acórdão de 23-10-2003, o Plenário do C.S.M.:
- decidiu tomar conhecimento do referido requerimento, depois de lhe atribuir a natureza e de o qualificar como sendo uma reclamação de acto administrativo, nos termos dos arts 158 a 161 e 163, nº2, do Cód. Proc. Administrativo;
- e deliberou, por unanimidade, indeferir a reclamação apresentada e confirmar a deliberação do Plenário de 10-7-03.

6 - O recorrente foi notificado em 30-10-03 deste segundo Acórdão do Plenário de 23-10-03.

7 - O presente recurso contencioso foi apresentado em 31-10-03.

Conhecendo:

Perante esta factualidade, desde já se pode afirmar a extemporaneidade do presente recurso contencioso, por só ter sido interposto em 31-10-03, ou seja, quando já tinha decorrido sobre a notificação do Acórdão do Plenário de 10-7-03, o prazo de 30 dias, fixado para o efeito, no art. 169, nºs 1 e 2 , al. b), do E.M.J.
É que das deliberações do conselho permanente reclama-se para o Plenário do C.S.M. - art. 165 do E.M.J.
A aludida reclamação suspende a execução da decisão e devolve ao Plenário do Conselho a competência para decidir definitivamente - art. 167-A do E.M.J.
A atribuição de efeito suspensivo a esse tipo de reclamações (uma vez que das decisões ou deliberações do Conselho Permanente não pode ser interposto recurso contencioso directo) identifica-se com o regime geral contido no art. 163, nº1, do C.P.A., onde se estabelece:
"A reclamação de acto de que não caiba recurso contencioso tem efeito suspensivo, salvo nos casos em que lei disponha em contrário ou quando o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público".

Mas não é este o caso dos autos.

Aqui, não tem aplicação a previsão dos citados arts. 167-A do E.M.J. e 163, nº1, do C.P.A., pois a reclamação apresentada em 28-7-03 respeita a deliberação do próprio Plenário e não do Conselho Permanente.
Ora, das deliberações do Plenário do C.S.M. recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça - art. 168, nº1, do E.M.J.
Tendo o recorrente reclamado de deliberação do Plenário de que cabia imediato recurso contencioso, tal reclamação não tem efeito suspensivo, como expressamente se consigna no art. 163, nº2 do C.P.A.

Ao julgamento do recurso são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo - art. 178 do E.M.J.
Nos presentes autos tem ainda aplicação a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo dec-lei 267/85, de 16 de Julho.
E, por força do art. 1º, da mesma L.P.T.A., é ainda aplicável supletivamente, o disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações .
O requerimento de 28-7-03, que o recorrente dirigiu ao C.S.M., não pode ter outra qualificação, significado ou valor jurídico que não seja o de uma reclamação de acto administrativo, nos termos dos arts. 158 a 161 do C.P.A., como aliás foi decidido na própria deliberação do Plenário de 23-10-03 .
O facto da lei prever que das deliberações do Plenário se recorre para o Supremo (art. 168, nº1 do E.M.J.), não constitui obstáculo, só por si, a que tais deliberações possam também ser objecto de reclamação para o próprio órgão que as proferiu, nos termos gerais dos arts 158 e segs do C.P.A., como actos administrativos que são, até porque o art. 163, nº2, deste último diploma prevê que possa haver reclamação de acto de que caiba recurso ordinário.
O que acontece, como já vimos, é que uma reclamação, em tais circunstâncias, não tem efeito suspensivo.
Por outro lado, o entendimento do recorrente também não encontra respaldo no invocado art. 686, nº1, do C.P.C.
Aí se estipula que "se alguma das partes requerer a rectificação, a aclaração ou reforma da sentença, nos termos do artigo 667 e do nº1, do artigo 669, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento".
É que, através do aludido requerimento de 28-7-03, o ora recorrente não pretendia a rectificação de erros materiais da deliberação do Plenário de 10-7-03 (art. 667 do C.P.C.), nem o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contivesse, ou a sua reforma quanto a custas e multa (art. 669, nº1, do C.P.C.).
Pode pedir-se a aclaração de uma decisão, quando ela contiver alguma obscuridade ou ambiguidade .
Como ensina Alberto dos Reis (Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. V, pág. 151), "a sentença é obscura, quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso, não se sabe o que o Juiz quis dizer; no outro, hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos".
Mas é obvio que o que foi solicitado pelo recorrente não foi qualquer aclaração da deliberação em crise.
O que ele verdadeiramente pretendia, com o dito requerimento de 28-7-03, era invocar a nulidade da deliberação do Plenário do C.S.M. de 10-7-03, com fundamento em alegada oposição entre os fundamentos e a decisão, ao abrigo do art. 668, nº1. al. c) do C.P.C.
É sabido que tal nulidade só pode ser arguida perante a entidade que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, só poderá ser invocada perante o tribunal competente para o julgamento do recurso - art. 668, nº3, do C.P.C.

A última deliberação de 23-10-03, que indeferiu a reclamação de 28-7-03, sendo simplesmente confirmativa da primeira deliberação do Plenário de 10-7-03, não é autonomamente impugnável, pois não contém lesividade própria, na medida em que se limita a confirmar a anterior, sem lhe introduzir qualquer alteração qualitativa na sua substância ( Ac. S.T.A. de 18-12-03, Proc. 01652/02).

Tanto basta para se poder concluir que, não tendo a reclamação de 28-7-03 efeito suspensivo do prazo de recurso, então já em curso para o Supremo, o prazo de 30 dias para o recurso contencioso, não se conta a partir da notificação do Acórdão de 23-10-03, que decidiu tal reclamação, mas antes a partir da notificação ao recorrente da deliberação do Plenário do C.S.M. de 10-7-03, que teve lugar por registo postal de 17-7-03.
Daí que o recurso seja extemporâneo.

Termos em que acordam em julgar procedente a questão prévia suscitada pela entidade recorrida e em rejeitar o recurso interposto, com fundamento na sua extemporaneidade.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 75 euros e a procuradoria em 40 euros.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2004
Azevedo Ramos
Pinto Monteiro
Neves Ribeiro
Abílio Vasconcelos
Henriques Gaspar
Carmona da Mota
Nunes da Cruz