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SOCIEDADE POR QUOTAS
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
VOTAÇÃO
Sumário
I. O Código das Sociedades Comerciais aprovado pelo DL 262/86 de 2/9 (CSC86) remete subsidiariamente, a propósito das sociedades por quotas e no nº 1 do seu artº 248º, em tudo o que especificamente não contemple, para o "disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas". II. Ora, por mor do nº 1 do artº 386º do mesmo diploma, a assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato ", sendo que "as abstenções não são contadas". III. Nada obstará assim a que uma deliberação seja tomada apenas por um único sócio titular de uma pequena quota minoritária, observados que sejam todos os restantes pressupostos de validade formal ou substancial da mesma, formando-se as maiorias deliberativas tão-somente pelos votos emitidos e validamente expressos. IV. A não imposição pelo CSC86 de qualquer «quorum» deliberativo para as assembleias gerais das sociedades por quotas, deve-se a razões de eficácia e funcionalidade do processo deliberativo social, por um lado, e de fomento do interesse da participação pessoal dos sócios nesse mesmo processo por outro.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. "A", por si e na qualidade de representante legal de seu filho menor B e C, propuseram no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, com data de 15-9-97, acção ordinária contra "D" na qual solicitaram fossem declaradas nulas ou anuladas as deliberações sociais da Ré tomadas na assembleia-geral extraordinária de 31-1-02
2. A acção foi julgada procedente por sentença do Mmo Juiz do 1º Juízo daquele tribunal, datada de 28-11-02, que decretou a "anulação" das questionadas deliberações.
3. Inconformada interpôs a Ré recurso de apelação, mas o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14-7-03, confirmou, por mera remissão, a decisão do tribunal de 1ª instância.
4. De novo irresignada, desta feita com tal aresto, dele veio a mesma Ré recorrer de revista, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1ª- As deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções;
2ª- Os votos emitidos podem coincidir acidentalmente com os votos correspondentes ao capital social, mas quando isso não aconteça, não há que atender à percentagem do capital a que os votos emitidos correspondem;
3ª- Nada impede que uma deliberação seja tomada por um sócio, titular de uma pequena quota, ressalvados todos os outros pressupostos de validade da deliberação;
4ª- As maiorias contam-se, em princípio, só entre votos emitidos ou expressos, isto é, não são maiorias de número legal, e a maioria simples tida em vista pelo CSC, quando dela fala, será efectivamente a maioria absoluta, mas de votos emitidos;
5ª- Para que uma proposta de deliberação passe basta ser aprovada por um número de votos que ultrapasse a expressão aritmética correspondente à metade do total dos votos validamente expressos;
6ª- As deliberações tomadas na assembleia geral da recorrente de 31/01/02 foram aprovadas pela totalidade dos votos emitidos ou validamente expressos;
7ª- Não existe na CSC uma exigência geral de quorom para as sociedades por quotas, pelo que, as deliberações tomadas na assembleia geral da recorrente de 31/01/02 foram inteiramente válidas e legais, não sofrendo de qualquer vício que imponha a declaração da sua anulabilidade;
8ª- Violou o douto acórdão recorrido o disposto no nº 5 do artº 230º e o n° 1 do art° 386 do C.S.C.
Termos em que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que declare válidas as deliberações tomadas na assembleia geral da recorrente realizada no dia 31/01/02.
5. Contra-alegaram os AA sustentando a correcção do julgado.
6. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
7. Em matéria de facto relevante, mostram os autos os seguintes pontos:
1º- "D" tem como objecto social a construção e reparação de edifícios e obras públicas;
2º- São sócios E, com uma quota no valor nominal de € 49.879,79, A, C e B, todos com uma quota de € 49 879,79, na proporção de 2/3 para o primeiro e de 1/6 para cada um dos restantes;
3º- A gerência pertence a ambos os sócios;
4º- Em 31-1-02 teve lugar uma assembleia geral extraordinária da sociedade, convocada pelo sócio gerente E, sob a seguinte ordem de trabalhos:
i)- discutir e deliberar a actual situação da fracção H do prédio da Rua D. Manuel II, Vereda II, nº..., Mafamude;
ii)- discutir e deliberar sobre a destituição da gerência, por justa causa, do sócio A;
iii)- discutir e deliberar sobre a exclusão da sociedade do sócio A e sobre a proposição da competente acção judicial com pedido de indemnização, sob o fundamento de factos por ele praticados e que se entendem ser gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade, para além de desleais para com a mesma, dos quais resultaram prejuízos elevados;
5º- Os restantes sócios não compareceram à assembleia, tendo contudo enviado ao sócio E, presente, carta de justificação;
6º- Da acta resulta: decorrido este lapso de tempo, o sócio E era o único presente, não fazendo qualquer maioria, mesmo simples, para poder deliberar;contudo deu início aos trabalhos...;
7º- Na referida assembleia, deliberou o sócio E quanto aos pontos (i) e (iii); quanto ao ponto (ii) não foi tomada qualquer deliberação face à ausência de outro sócio; e postas à votação as propostas de (i) e (iii) foram aprovadas com voto favorável daquele.
Passemos ao direito aplicável.
8. Há que dizer, desde já, que assiste plena razão à recorrente.
As deliberações ora em apreço, foram tomadas com o voto favorável apenas do sócio E, detentor de uma quota no valor nominal de € 49.879,79, representativa de 50% do capital da sociedade..
Partindo dessa realidade, sustentaram os AA, além do mais, que o sócio E não poderia ter votado qualquer deliberação por falta de quorum.
Mas não é assim.
O Código das Sociedades Comerciais aprovado pelo DL 262/86 de 2/9 (CSC86) - actualmente em vigor - apenas contempla, no seu artº 248º, normas relativas aos direitos de convocação, participação e presidência das assembleias gerais das sociedades por quotas.
Por isso, esse preceito, remete, subsidiariamente, e em tudo o que especificamente não contemple, para o "disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas" - conf. nº 1 desse mesmo preceito.
Ora, no artº 386º do mesmo diploma - directamente aplicável às sociedades anónimas, portanto supletivamente também às sociedades por quotas por mor daquela remissão - estatui, muito enfaticamente, no respectivo nº 1, que "a assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato", sendo que "as abstenções não são contadas".
Destarte, não se torna possível reportar ou referir os votos expressos e/ou presenciais na assembleia a qualquer percentagem ou proporção do capital social circunstancialmente representado na assembleia concretamente realizada.
Como bem salienta a recorrente, "os votos emitidos podem coincidir acidentalmente com os votos correspondentes ao capital social, mas quando isso aconteça não há que atender à percentagem do capital a que os votos emitidos correspondem".
Nada obstará assim a que uma deliberação seja tomada apenas por um único sócio titular de uma pequena quota, observados que sejam todos os restantes pressupostos de validade formal ou substancial da mesma.
As maiorias deliberativas formar-se-ão pois e, em princípio, (salva disposição legal ou contratual em contrário) tão-somente pelos votos emitidos e validamente expressos. Maioria absoluta sim, mas de votos expressamente emitidos na assembleia.
E, na realidade, as deliberações impugnadas nos presentes autos, tomadas na assembleia geral da recorrente levada a cabo em 31-2-01, foram aprovadas pela totalidade dos votos emitidos ou validamente expressos, apesar do seu carácter unipessoal e uninominal.
Não impõe pois o CSC86 qualquer «quorum» deliberativo para as sociedades por quotas. E isto certamente por razões de eficácia e funcionalidade do processo deliberativo social, por um lado, e de fomento do interesse da participação pessoal dos sócios nesse mesmo processo por outro.
E não há que chamar aqui à colação o postulado no artº 261º do mesmo CSC86, já que esse preceito apenas regula o funcionamento da gerência plural e a vinculação da sociedade, determinando «inter alia» que só se consideram válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria dos gerentes e que a sociedade só é vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes ou por ela ratificados.
Nada pois tem a ver esse preceito com o processo formativo ou deliberativo e/ou de formação de maioria em assembleia geral.
Deste modo, as deliberações em apreço foram inteiramente válidas, legais e legítimas, não enfermando de qualquer vício gerador da respectiva invalidade, designadamente quanto ao respectivo processo formativo e deliberativo.
9. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
conceder a revista;
revogar o acórdão recorrido.
julgar a acção improcedente.
Custas pelos recorrentes no Supremo e nas instâncias.
Lisboa, 4 de Março de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares