DIREITO DE PREFERÊNCIA
CONFLITO DE DIREITOS
Sumário

O direito de preferência do arrendatário só cede perante o direito de preferência do co-herdeiro e do comproprietário (artigo 25°, n°1 do Decreto-Lei n° 201/75) não se encontrando, por isso, ao mesmo nível do direito de preferência do proprietário do prédio confinante (artigo 1380° do Código Civil) ou do prédio encravado (artigo 1555°, do mesmo Código).

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" requereu ao Liquidatário Judicial da Massa Falida - "B", nos Autos de Liquidação do Activo n°902-D/1998, que correm os seus termos no 1° Juízo Cível da Comarca de Guimarães, que fosse declarada nula a praça ocorrida no dia 8 de Março de 2002 e que de novo se procedesse às notificações a que se refere o artigo 1460° do Código de Processo Civil. Alegou para o efeito e em substância que é proprietário de prédios rústicos confinantes com o imóvel objecto do lote n°1 e leiloado naquela praça, e que tem direito de preferência na venda (artigo 1380°, do Código Civil) a exercer concomitantemente com o direito de preferência do arrendatário previsto no artigo 28° da L.A.R.( Decreto-Lei n°385/88, de 25 de Outubro).

Entendeu o Senhor Juiz que o direito de preferência do arrendatário apenas cede perante o direito de preferência do co-herdeiro ou do comproprietário e que, assim, prevalece sobre o direito de preferência do proprietário confinante.

Por acórdão de 25 de Junho de 2003, a Relação de Guimarães julgou procedente o recurso de agravo interposto pelo proprietário confinante, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que permita o exercício simultâneo do direito de preferência daquele e do arrendatário rural.

Inconformado, recorreu C para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:

1. O Recorrente, vive desde que nasceu no Lugar de S. Romão, sendo os seus pais já lá arrendatários.

2. Nos anos oitenta o recorrente, celebrou contrato de arrendamento, com os proprietários do imóvel.

3. O imóvel foi vendido, em leilão.

4. O Recorrente, exerceu o seu direito de preferência, dentro do prazo legal.

5. O arrendatário rural goza de direito de preferência.

6. O direito de preferência do arrendatário rural está numa posição hierarquicamente superior relativamente ao proprietário do prédio confinante.

7. O artigo 28° n°2 do Dec.-Lei n°385/88, refere expressamente que o direito de preferência cede perante o exercício do co-herdeiro e comproprietário.

8. E só cede perante estes.

9. Se assim não fosse não haveria qualquer razão, para o legislador o indicar (sic) o arrendatário rural e deixava que funcionassem as regras gerais da preferência.

10. O legislador quis proteger aqueles que mais directamente lidam com a terra e que têm melhores condições para fazer com que a terra produza.

11. O legislador quis proteger o arrendatário rural e dar-lhe estabilidade para que possa exercer a sua profissão.

12. Se não for preferente relativamente ao proprietário do prédio confinante vai-lhe ser retirada toda a estabilidade que o legislador lhe atribuiu.

13. Devemos ter sempre em atenção a interpretação que consiste em retirar do texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento e já que o texto comporta múltiplos sentidos e contem com frequência, expressões ambíguas ou obscuras, sendo ainda possível que a expressão verbal tenha atraiçoado o pensamento legislativo.

14. O art.° 1381.° do Cod. Civil refere quando é que os proprietários dos prédios confinantes deixam de gozar do direito de preferência.

15. Não gozam de direito de preferência quando a alienação abranja um conjunto de prédios que embora dispersos formem uma exploração agrícola do tipo familiar.

16. O que acontece, nitidamente no caso em apreço.

17. O Recorrente, com a sua família, explora a terra fazendo-a produzir.

18. O recorrido não tem qualquer direito de preferência que deva ser exercido simultaneamente com o do arrendatário rural.

19. O Recorrido só poderia exercer o seu direito de preferência se o arrendatário rural não o fizesse.

20. Os direitos de preferência do arrendatário rural e o do prédio confinante são sucessivos e não simultâneos.

O acórdão recorrido teria, assim, violado, entre outras disposições, as previstas nos art.°s 28°, do Dec.Lei n°385/88 e nos artigos 380.° e 381.°, n°1 alínea b), do Código Civil.

2. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. Encontra-se apreendido a favor da massa falida de B, o prédio rústico denominado Campo e Leiras de Sub-Horta, sito no lugar de S. Romão, freguesia da Caldas de S.João , com a área de 3.700 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o n°00110 (cfr. verba n°4 do auto de apreensão de fls.56-58 do apenso B).

2. Pela Comissão de Credores e pelo Senhor Liquidatário foi deliberado proceder à venda do mencionado bem, sob a designação de lote n°1, pelo valor base de Esc.15.400.000$00.

3. Na data designada para a venda foi apresentada proposta por A para aquisição do aludido imóvel, pelo valor de € 82.301,65;

4. O prédio rústico, denominado Campo da eira Velha de Baixo, sito no lugar de S. Romão, da freguesia de Caldas de S. João, que confronta a Norte com estrada, Nascente e Poente com caminho e a Sul com Joaquim de Sousa Oliveira & Filhos, Lda. (anterior designação da sociedade "B"), descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o n°53, encontra-se inscrito a favor de A;

5. O prédio mencionado em 1. encontra-se arrendado a C.

Cumpre decidir.

3. Suscita, em primeiro lugar, o presente recurso a questão de saber se o direito de preferência do arrendatário rural, previsto no artigo 28°, do Decreto-Lei n°385/88, de 25 de Outubro, deve prevalecer sobre o direito de preferência do proprietário do prédio confinante previsto no artigo 1380°, do Código Civil ou se, como entendeu o acórdão recorrido, ambos os direitos são concorrentes.

Foi o Decreto-Lei n°201/75, de 15 de Abril que reconheceu o direito de preferência do arrendatário rural determinando, contudo, que a regra assim estabelecida "cede..., em face do direito de preferência do co-herdeiro e do comproprietário" (artigo 25°, n°1). O artigo 29° da Lei n°76/77, de 29 de Setembro, ao prever que "No caso de venda ou dação em cumprimento de prédios objecto de arrendamento rural, têm direito de preferência, em primeiro lugar, os respectivos arrendatários" veio, assim, reforçar o direito de preferência do arrendatário rural", eliminando a restrição mencionada naquele preceito.

O artigo 28°, do Decreto-Lei n°385/88, de 25 de Outubro estabelece:

"1. No caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato assiste o direito de preferirem na transmissão.

"2 O direito de preferência do arrendatário cede perante o exercício desse direito por co-herdeiro ou comproprietário."

Com esta alteração ao regime do direito de preferência do arrendatário pretendeu o legislador voltar à solução inicialmente prevista e não colocar este direito ao mesmo nível de outros direitos de preferência, como o do proprietário do prédio confinante (artigo 1380°, do Código Civil) ou do prédio encravado (artigo 1555°).

É certo que no referido n°2 do artigo 28° não se estabelece que o direito de preferência do arrendatário só cede perante o exercício desse direito por co-herdeiro ou comproprietário, mas a quase reprodução da última parte do n°1 do artigo 25°, do Decreto-Lei n°201/75, demonstra bem que era esta a vontade do legislador. Se tivesse querido ir mais além impunha-se que expressamente o dissesse pois tal constituiria uma modificação profunda do regime do direito de preferência do arrendatário.

Entre a necessidade de constituir unidades agrícolas de produção com as dimensões adequadas, na base do direito de preferência do proprietário do prédio confinante e a garantia da "estabilidade necessária ao exercício da... actividade produtiva" do arrendatário rural, um dos objectivos da legislação de 1988 (cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n°385/88), o legislador português, desde 1975, confere a este objectivo prioridade.

No mesmo sentido decidiu o acórdão do supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 1997 (revista n° 825-A/96).

Face ao exposto torna-se desnecessário tomar posição sobre a parte restante do recurso.

Concede-se, pois, a revista, confirmando-se o decidido em primeira instância.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 4 de Março de 2004

Moitinho de Almeida

Ferreira de Almeida

Abílio Vasconcelos