CATEGORIA PROFISSIONAL
ALTERAÇÃO
Sumário

A entidade empregadora não pode obrigar o trabalhador a dedicar-se exclusiva ou principalmente à execução de tarefas sem cabimento na sua qualidade profissional, ainda que se trate de uma categoria mais alta.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

"A" instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "B, S.A.", pedindo que o seu despedimento seja considerado ilícito e que a Ré seja condenada a pagar-lhe as importâncias correspondentes ao valor das retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até a data da sentença, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, bem como a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização de antiguidade.
Alegou para tanto e em síntese o seguinte:
Foi admitido ao serviço da Ré em 17.11.97, ao abrigo de um "Contrato de trabalho por tempo indeterminado", com a categoria profissional de "Técnico Júnior de Engenharia de Reservatório" e a remuneração base mensal ilíquida de 280.400$00;
Em 16 de Março de 1999 a Ré, unilateralmente, deu por finda a relação de trabalho com notificação ao A. por meio de carta registada com aviso de recepção, datada do dia anterior, na sequência da instauração de processo disciplinar, com prévia dedução de nota de culpa;

A Ré imputou-lhe os seguintes comportamentos:
a) Recusa de prestação de trabalho apesar de se ter operado a modificação do objecto do contrato de trabalho;
b) Elaboração de uma telecópia e envio desta a terceiros com intuito de, pelo menos, menosprezo e descrédito da Ré, da sua Administração e da sua actividade no mercado;
c) Prestação de contas com inexacta referência à taxa de câmbio das operações efectuadas, com injusto locupletamento em desfavor da Ré e ao arrepio do regulamento interno desta e dos procedimentos anteriores do próprio A. e que este manteve até em face de documentos indicando taxa de câmbio diferente da utilizada por si.

Todavia, o A., sempre que solicitado pela Ré e até ao final, desempenhou tarefas de Engenharia de Reservatório e ainda outras não incluídas naquelas funções habituais, ao abrigo da cláusula IV do contrato de trabalho.
Apesar de não ter havido modificação do objecto do contrato, uma vez que o A. desempenhou tarefas não incluídas na Engenharia de Reservatório, designadamente as de Engenharia de Processo, no pressuposto de serem temporárias e transitórias e quando a partir de Junho de 1998 se lhe afigurou que pelo seu volume e grau de responsabilidade já não cabiam no âmbito da mencionada cláusula, fê-lo saber à Ré, por diversas vezes, até que em 16 de Dezembro de 1998, como era seu direito, lhe comunicou que não mais as desempenharia.
Quanto à telecópia que elaborou e enviou ao responsável da "OOCL" no projecto conjunto desenvolvido por esta e pela Ré, em que o A. colaborava na área de Engenharia de Processo, fê-lo porque era seu dever dar a conhecer tal decisão àquele responsável, por ser ele quem desempenhava as funções de coordenação do projecto.
Foi essa a única intenção do A. e não causou à Ré prejuízos de qualquer espécie.
Quanto à prestação de contas, foi feita da forma que sempre fizera em anteriores deslocações e como era usual na empresa, podendo a Ré proceder à sua correcção ou determinar que se fizessem de outro modo, sendo certo que a Ré veio a utilizar uma taxa média inexacta, por considerar apenas as taxas de parte do período de deslocações.
Concluiu pela inexistência de justa causa e pela ilicitude do seu despedimento.

A Ré contestou alegando, em resumo, o seguinte:
Ao contrário do articulado na petição inicial, houve modificação do objecto do contrato de trabalho, dada a sua aceitação pelo A., pelo que constitui abuso de direito a recusa deste em efectuar tarefas que exorbitassem da área da Engenharia de Reservatório.
O A. praticou os ilícitos disciplinares que lhe foram imputados, sendo o despedimento válido e com justa causa.
Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido.
Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido.
Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, ao qual foi concedido provimento nos seguintes termos:
"Em conformidade com os fundamentos expostos (...), decide-se:
1. Revogar a sentença recorrida;
2. Considerar ilícito o despedimento do apelante;
3. Condenar a apelada a reintegrar o apelante, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a pagar-lhe a importância correspondente aos salários que deixou de auferir desde o 30º dia anterior ao da propositura da acção até à data da sentença, à qual deverão ser deduzidas as quantias auferidas em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, cuja liquidação se relega para execução de sentença;"

Foi agora a vez da Ré se mostrar irresignada, trazendo o presente recurso de revista.
E em devido tempo apresentou as suas alegações, que constam de fls. 354 a 363, corrigidas conforme o constante de fls. 443.
Às mesmas juntou um parecer do Exmo. Professor Menezes Cordeiro (fls. 365 a 423).
E naquelas extraiu as seguintes conclusões:
"63. Por violação do disposto nos artºs. 349º e 351º do CC, deve considerar-se como não isento o facto provado nº. 63 do acórdão recorrido, sendo que ao STJ é lícito conhecer desta matéria atenta a fundamentação supra - vide ACSTJ referido em 18 supra;
64. Atentas as circunstâncias e o grau de culpa do A., ao praticar os factos violadores dos seus deveres laborais para com a R. que foram objecto da Nota de Culpa do processo disciplinar dos autos e aqueles que foram dados como provados no acórdão recorrido, atenta a sua gravidade e consequências, é imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral.
65. Destacando-se, de entre eles, a recusa em prestar o serviço à R.,
66. Dada a intensividade que revela na intenção do A. em confrontar-se com a hierarquia da R. e a ela rebelar-se,
67. E a reiteração do A. nessa recusa, a qual, como se referiu supra, foi objecto de confissão pelo A. por duas vezes em declarações no processo do inquérito dos autos, prestadas em datas diferentes uma da outra (estão respigadas em 39. supra) e na p.i. - artº. 49º.
68. Pelo que o despedimento do A. é lícito;
69. Por erro de interpretação o acórdão recorrido violou o disposto nos artºs. 349º e 351º do CC, e nas alíneas a), b), c), e) e f) do nº. 1 do artº. 20º do Dec. Lei 49408, de 24.11.69, e artº. 9º do D.Lei 64-A/89, de 27/2;
70. Pede-se que julgando procedente o recurso, se revogue a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se mantenha a sentença que nos autos foi proferida em primeira instância."

O A. contra-alegou, sustentando que deve ser negada a revista, e o mesmo entendimento foi manifestado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer que, notificado às partes, não obteve resposta.
Correram os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

Vem dada como provada pela Relação - que introduziu alterações ao apurado na 1ª instância - a seguinte matéria de facto:
1. A R. fez publicar no jornal Expresso de 26/07/97 anúncio com vista à admissão de técnicos petrolíferos das seguintes especialidades: geofísicos de petróleo, geólogos de petróleo, engenheiros de reservatório, engenheiros de sondagem, engenheiros de produção e engenheiros de processo.
2. O A. respondeu a esse anúncio, dirigindo à R. a carta e currículo de fls. 71 e ss., naquela se dizendo, designadamente: "Na sequência do vosso anúncio no Jornal Expresso de 26/7/97, venho por este meio apresentar a minha candidatura à posição de Engenheiro de Reservatório / Produção / Processo. Conforme podem ver no meu curriculum vitae, sou Engenheiro Químico, com forte experiência industrial como Engenheiro de Projecto e Engenheiro de Processo. Em simultâneo com o meu trabalho, fiz o Mestrado em Física e Engenharia de Plasmas, após o que leccionei a disciplina de Física no Instituto Superior Técnico. Recentemente concluí o MBA da Universidade Nova de Lisboa. Penso que a experiência profissional como Engenheiro de Processo na Refinaria de Sines e como Engenheiro de Projecto no «up-grading» da refinaria de Sines é extremamente relevante para as funções a desempenhar".
3. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em 17/11/97, ao abrigo de "Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado" (doc. nº. 1), para exercer a sua actividade profissional por conta e sob a direcção e autoridade da Ré (doc. nº. 1 - clª. I).
4. A Ré atribuiu ao Autor a categoria profissional de "Técnico Júnior de Engenharia de Reservatório" e a remuneração base mensal ilíquida de 280.400$00 (doc. nº. 1 - clªs. II e IV).
5. A cláusula IV do contrato estabelecia o seguinte: "O segundo contratante dá igualmente o seu acordo à execução de tarefas não incluídas nas suas funções habituais, quando tal seja solicitado e se revele necessário ou conveniente e desde que as mesmas não provoquem uma alteração substancial da sua posição contratual."
6. Em 16/3/99, a Ré, unilateralmente, deu por finda a relação de trabalho, tendo o A. sido notificado, por meio de carta registada, com aviso de recepção, datada do dia anterior (doc. nº. 3).
7. A cessação unilateral do contrato de trabalho foi precedida de instauração de processo disciplinar, com prévia dedução de nota de culpa (docs. nºs. 4 e 5).
8. À nota de culpa respondeu o A. oportunamente, impugnando factos e os fundamentos dela constantes (doc. nº. 6).
9. A Engenharia de Reservatórios de Petróleo e Gás consiste no exercício das actividades relacionadas com a definição de planos de desenvolvimento para acumulações subterrâneas de hidrocarbonetos líquidos ou gasosos, normalmente conhecidos por campos ou reservatórios petrolíferos.
10. Esta área de conhecimento envolve a gestão de desenvolvimento de reservatórios petrolíferos, bem como a execução de estudos necessários para optimizar esse desenvolvimento. Em especial, avultam as tarefas de:
- Definição do método mais adequado e do tipo e número óptimo de poços, para o desenvolvimento de reservatórios petrolíferos;
- Execução de estudos de computadores para a modelação de reservatórios;
- Acompanhamento de produção de campos petrolíferos em desenvolvimento de modo a permitir actuações correctivas em caso de desvios relativamente à produção esperada.
11. A Engenharia de Processo, aplicável à extracção de petróleo bruto, relaciona-se com a actividade de processamento do produto extraído do respectivo poço de petróleo em exploração industrial e o seu transporte em tubagem, para permitir o escoamento, através de terminal adequado, para o cliente ao qual é fornecido. Tal tratamento implica diversas operações, designadamente a extracção de gás associado ao petróleo bruto. Quanto ao transporte propriamente dito, avulta a necessidade de vencer longas distâncias em tubagem, por vezes na ordem de centenas de quilómetros, com a instalação e regular funcionamento de estações de bombagem, cuja manutenção, entre outros cuidados, exige a implementação de sistemas anti-corrosão.
12. À data da admissão do A., a R. prestava serviços técnicos às empresas do Grupo "Partex Oil and Gas", do qual faz parte, exercendo actividade na área da indústria petrolífera no Médio Oriente - Emiratos Árabes Unidos e Sultanato de Oman.
13. Ainda na altura da admissão do A. ao serviço da R., desenvolvia-se o Projecto Dunga. Tratava-se e trata-se de um campo petrolífero situado na península de Mangyshlak no território da República de Cazaquistão.
14. Em 16/12/98, o A. elaborou e divulgou o documento nº. 8 que enviou ao Administrador do pelouro, Sr. Eng. C, e ao seu superior hierárquico directo, Sr. Eng. D.
15. Tal documento reporta-se a "Assunto: Pagamento em falta" e aí se diz: "Serve a presente para informá-los acerca da falta de pagamento, por parte da "A, S.A."/Partex Oil and Gas, da remuneração devida pelos trabalhos de engenharia de processo executados durante o período de Outubro/Novembro de 1998. Devido à situação acima mencionada, seja ela reveladora de dificuldades financeiras, má gestão ou outro motivo, deixarei de realizar tarefas de Engenharia de Processo para a "A, S.A.", Partex Oil and Gas ou respectivas empresas associadas".
16. O A. deu ainda conhecimento desse documento ao Sr. E e à Sociedade Oman Oil Company Limited (OOCL).
17. A OOCL, à data da expedição do fax e presentemente, como bem sabia o A. na ocasião, é parceira em Joint Venture de uma empresa do grupo Partex Oil and Gas para o desenvolvimento do citado Projecto Dunga.
18. A OOCL é a entidade "Operator" (operadora) do projecto, isto é, a entidade que, em nome das associadas na Joint Venture, desenvolve e gere em concreto aquele Projecto.
19. O Grupo integra um conjunto de sociedades comerciais em relação de grupo entre si, e nas quais se inclui a "A, S.A.".
20. A "A, S.A.", como o A. bem sabia aquando da expedição do fax, foi encarregada da realização dos principais estudos técnicos necessários à actividade em causa, reunindo no seu seio a maior e mais especializada equipa técnica de entre os parceiros da Joint Venture.
21. O Sr. E é hoje, e assim já sucedia à data do envio do fax pelo A., e como este bem sabia nessa ocasião, o Project Manager da OOCL, sendo encarregado de coordenar e dirigir a participação daquela sociedade no Projecto Dunga, dependendo e reportando, para esse efeito, directamente à Administração da OOCL.
22. O envio do "fax" pelo A. não acarretou prejuízos à R..
23. O A. enviou à R. o documento nº. 11 do processo disciplinar, em resposta ao pedido de relatório constante do documento nº. 3.
24. O A. esteve deslocado na Rússia ao serviço da R. entre 30 de Outubro e 25 de Novembro de 1998.
25. O A., antes daquela viagem, recebeu da "A, S.A." um adiantamento em dólares para despesas em viagem e pagamento de ajudas de custo.
26. Tais dólares foram trocados pelo A., na Rússia, em rublos, a moeda corrente nesse País.
27. Quando entregou os documentos relativos às despesas e que titulavam o respectivo gasto pelo A., este juntou a esse grupo de documento, os quais entregou nos competentes serviços da "A, S.A." para processamento e acerto de contas, um só documento titulando o câmbio que efectuou de dólares/rublos.
28. Houve operações de troca de moeda, realizadas pelo A., cuja taxa de câmbio varia todos os dias.
29. O documento entregue pelo A. titulava uma operação de câmbio de 100 dólares, à taxa de 14,8 (1 dólar = 14,8 rublos).
30. O A. recebeu da R. para despesas da viagem em causa 4555 dólares.
31. A fase em que então se encontrava o Projecto Dunga era incipiente no sentido de que o estudo da viabilidade da exploração ainda não estava definido, o qual foi concluído em Novembro/99.
33. Ou seja, poderia vir a concluir-se a todo o momento, e em face das informações técnicas que iriam sendo recebidas na Fase Piloto, que o Projecto não era viável, o que teria como consequência o abandono do mesmo.
34. Nos serviços técnicos que a Ré prestava na área da indústria petrolífera no Médio Oriente seria necessária a colaboração do A. como engenheiro de reservatório por serem insuficientes os existentes na empresa.
35. O A. não tinha (nem tem) experiência na área de Reservatórios, mas sim na área de Projecto e de Processo.
36. Face às suas habilitações académicas, não seria difícil a aquisição de conhecimentos e experiência que lhe permitissem o exercício em termos adequados do cargo de Engenheiro de Reservatório.
37. Durante os dois ou três primeiros meses após o início de funções ao serviço da R., e coincidente com a data de outorga do contrato de trabalho acima referido, o A., por instruções daquela, limitou-se a tomar conhecimento com as actividades da empresa e a estudar matérias relacionadas com a actividade da indústria petrolífera em geral, sem sujeição a quaisquer prazos ou outras instruções, para além do referido a seguir.
38. Este procedimento foi tomado pela R. em relação aos Engenheiros Juniores que foram admitidos ao serviço da R. na mesma data em que o A. iniciou funções ao serviço daquela.
39. A R. forneceu instruções a todos esses mesmos profissionais para que procedessem individualmente a uma exposição perante os seus superiores hierárquicos sobre temas relacionados com a indústria petrolífera, a qual decorreu em Janeiro de 1998, na presença, nomeadamente, dos Srs. Dr. F e Eng. D, ambos com a categoria profissional de Director-Consultor.
40. Coube ao Autor a exposição intitulada "Origens e evolução geológica de reservatórios de hidrocarbonetos", tema de carácter geral da Engenharia Petrolífera.
41. A partir de Fevereiro de 1998 e na área de Engenharia de Processo / Projecto, o A. assumiu um papel activo na componente das "surfaces facilities", o que significa "instalações de superfície", participando nos trabalhos de avaliação que se seguiram ao projecto apresentado pela empresa "Expro North Sea" e de que viria a resultar a sua profunda remodelação no sentido de se obter uma maior eficiência a um menor custo.
42. Ainda no domínio desse papel activo, participou com resultados positivos na elaboração de vários contratos das "surfaces facilities", tendo viajado com o seu superior hierárquico, Sr. Eng. D, numa viagem a Ufa (Rússia), deslocação essa de utilidade, uma vez que, com a colaboração do A., se detectou uma alternativa credível aos trabalhos propostos pela dita "Expro North Sea" nas instalações de processamento de "crude" a implantar no poço de petróleo em exploração no Dunga, próximo da cidade de Aktau (Cazaquistão), através de uma empresa Russa que apresentou um projecto com melhores condições para a prestação do serviço, incluindo a parte remuneratória: tratava-se do fabrico de equipamento para processamento de "crude" para a exploração industrial daquele poço de petróleo.
43. Nas discussões técnicas que tiveram lugar durante essas negociações, o A. revelou capacidade técnica adequada ao bom andamento dos trabalhos e ao necessário conhecimento da extensão e objectivos da proposta russa, em suma, a avaliação técnica desta.
44. O A., com custos pagos pela R., incluindo deslocação e estada, frequentou na data e local indicados, por instruções daquela e aceitação entusiasmada do A., os seguintes cursos nos quais obteve plena aprovação:
a) "Natural Gas Processing" - (Londres, 6 a 10 de Julho/98);
b) "Petroleum Risks and Decision Analysis" - (Londres, 21 a 25 de Setembro/98).
45. Ambos os cursos trataram de matérias relacionadas com a actividade da indústria petrolífera, e, especificamente, sobre os temas indicados nas suas designações, tendo o referido em a) tratado tão só temas que se situam na Área de Engenharia de Processo.
46. A partir de Fevereiro/Março de 1998, o A. executou tarefas somente na área de Engenharia de Processo / Projecto.
47. O documento do A. referido em X) (anterior AA) - 23 - não satisfez a execução de tarefas mencionadas no aí referido documento nº. 3 como estando em falta, e tal falta acarretou um atraso de cerca de 3 meses na resolução de algumas das questões em causa.
48. Face às recusas do A. (cfr. nºs. 15 e 47), sem que este as tenha revogado, a R. deixou de dar trabalho ao A. e este deixou de o prestar, com excepção do referido em 62.
49. Pretendia o A., através da apresentação da nota de operação de câmbio referida em 27 e 29, que lhe fosse aplicada a taxa de câmbio respectiva a todas as operações de câmbio realizadas.
50. A R. solicitou ao Banco Central em Moscovo as taxas por este praticadas e procedeu ao acerto das contas tendo como base de cálculo a taxa média de 15,86.
51. A utilização da taxa de 14,8 em vez da taxa de 15,86, significaria uma diferença a favor do A. de cinquenta mil e cinquenta e três escudos, que este não recebeu porque a R. procedeu ao acerto de contas nos termos referidos.
52. O A., em anteriores deslocações ao serviço da R., indicava as taxas de câmbio praticadas nas diversas operações de câmbio dólar/moeda corrente no país para onde se deslocava, entregando os documentos comprovativos que obtivesse e prestando as contas através da respectiva taxa média.
53. O A. sempre manteve o seu pedido de aplicação da taxa de 14,8, mesmo depois de confrontado pelos serviços de Tesouraria e Contabilidade da R. com os valores das taxas fornecidas pelo banco e pelo modo atrás descrito.
54. Em Março de 1998, procedeu o A. à elaboração de contratos de fornecimento e construção e procedeu à avaliação do projecto da "Expro North Sea".
55. Em Abril e Maio de 1998, procedeu à avaliação de propostas e à avaliação de recomendações de adjudicação e participou nas discussões sobre o projecto Uraltechnostroy.
56. Em Junho de 1998, procedeu à finalização de contratos e à negociação com empreiteiros e fornecedores.
57. De Julho a Outubro de 1998, procedeu ao estudo do Pipeline de Exportação de Óleo.
58. Em Novembro e Dezembro de 1998, procedeu ao estudo do projecto da Uraltechnostroy e do Pipeline de Exploração.
59. O A., cerca do Verão de 1998, começou a entender que a supra mencionada dedicação a tarefas da área de Engenharia de Processo/Projecto, onde tinha formação e experiência há cerca de 10 anos, justificava o aumento da sua retribuição, o que referiu ao Eng. G, Director de Recursos Humanos e Administrador da R..
60. Igual observação fez em Setembro seguinte aos Engenheiros D e H, respectivamente, Directores de Serviço da R. e superiores hierárquicos do A..
61. Também em Setembro de 1998, ao Eng. D, sugeriu o A. que a R. contratasse um Engenheiro de Processo Sénior, dado que o volume e a natureza de trabalho desta área o justificava.
62. O A., em 18/12/98, participou em reunião "A, S.A." / Lusotecna e, em 20/1/99, participou em reunião com outros técnicos da R., designadamente os Engenheiros I e J e o Dr. F.
63. As actividades desenvolvidas pelo A. na área da Engenharia de Processo - pela sua complexidade - implicavam um grau de responsabilidade bem maior que o expresso no nível salarial do A..
64. Era usual na empresa proceder como referido em 50.
65. E com apresentação ulterior de mais documentos, ou prestação de esclarecimentos adicionais, sempre que o serviço competente entendesse assim solicitar ao trabalhador.
66. O A. apresentou as contas utilizando taxa de câmbio única, alegando que não dispunha de documentos comprovativos de outras operações de câmbio.
67. A R. utilizou uma taxa média que não considerava os períodos antes de 3/11 e depois de 19/11, por o Banco Central em Moscovo ter informado a inexistência de taxa quanto aos dias relevantes do período anterior e nunca ter fornecido as taxas dos dias relevantes do período posterior.
68. Posteriormente ao despedimento, o A. auferiu Euros 79,81 de Espírito Santo Finantial Consultantes (Gestão de Patrimónios), S.A., e Euros 1.470,21 de SGS/ICS - Serviço Internacional de Certificação, Lda.

Conhecendo.
Neste recurso de revista a Ré e Recorrente "A, S.A." questiona o facto de os fundamentos que consubstanciaram a sua decisão de despedimento no processo disciplinar, relativamente ao Autor A não terem sido havidos como bastantes para tal efeito.
E três são eles, a saber:
- recusa de prestação de trabalho, apesar de se ter modificado o objecto do contrato de trabalho;
- elaboração de uma telecópia e envio desta a terceiros com intuito de, pelo menos, menosprezo e descrédito da R., da sua Administração e da sua actividade no mercado;
- prestação de contas com inexacta referência à taxa de câmbio das operações efectuadas, com injusto locupletamento em desfavor da Ré e ao arrepio do regulamento interno desta e dos procedimentos anteriores do próprio A., e que este manteve até em face de documentos indicando taxa de câmbio diferente da utilizada por si.
Sucede, no entanto, que este último não foi posto à consideração do Tribunal da Relação que, por isso, não o apreciou.
Na verdade, competia à Ré, se o tivesse por conveniente, colocar ao crivo da 2ª instância tal questão, nos termos do artº. 684º-A, nº. 1, do CPC, pois que, embora merecedora em 1ª instância, a mesma tinha sido julgada improcedente.
Assim, porque os recursos se destinam a sindicar decisões e não a pronunciar-se sobre matéria nova - ressalvadas as questões de conhecimento oficioso - não vai este tribunal conhecer daquele fundamento.

Ficam, assim, por apreciar, os dois restantes.
Trata-se de saber se ambos, ou algum deles, enformam a justa causa para despedimento.
E sobre a noção de tal instituto, já a Relação se espraiou de longe e em termos que, em geral, merecem a nossa concordância.
Deixaremos, ainda assim, algumas breves notas, a tal propósito, à guisa de prólogo.
De acordo com o artº. 9º, nº. 1, da LCCT, aprovada pelo Dec. Lei nº. 64-A/89, de 27.2, constitui justa causa para o despedimento "O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho...".
Tal impossibilidade representa uma situação de quebra absoluta de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último.
Como diz Monteiro Fernandes ("Direito do Trabalho", Almedina, pág. 555), "a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória."
E como decorre do artº. 12º, nº. 5, da LCCT, e se refere no Ac. deste Tribunal de 10.12.97 (CJSTJ, 1997, tomo III, pág. 298) "... existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de molde a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição de empregado, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregado".
Dito isto, enfrentemos o primeiro dos fundamentos, ou seja, a dita recusa da prestação de trabalho.

Considerou a este propósito a Relação, o que a seguir se transcreve:
"No contrato de trabalho celebrado pelas partes constam duas cláusulas (as cláusulas II e IV) que se nos afiguram de fundamental importância para a apreciação desta questão. Na cláusula II, ficou estabelecido que "ao segundo contratante (ao A.) era atribuída a categoria profissional de Técnico Júnior de Engenharia de Reservatórios" e na cláusula IV o A. deu o seu acordo "à execução de tarefas não incluídas nas suas funções habituais, quando tal seja solicitado e se revele necessário ou conveniente e desde que as mesmas não provoquem uma alteração substancial da sua posição contratual".
A única leitura possível da cláusula IV - na parte onde se refere que o A. dá "o seu acordo à execução de tarefas não incluídas nas suas funções habituais, quando tal lhe seja solicitado e se revele necessário ou conveniente e desde que as mesmas não provoquem uma alteração substancial da sua posição contratual" - é a de que as partes acordaram na execução de outras tarefas, para além das que fazem parte do núcleo da categoria profissional para que o A. foi admitido, desde que o exercício destas últimas se mantivesse como actividade principal.
O que as partes quiseram com a cláusula IV foi consignar no contrato um regime semelhante ao estabelecido nos nºs. 2 a 6 do artº. 22º, da LCT e nunca, como se sustenta na sentença recorrida, o de afastar este regime, ou seja, o de conceder à entidade patronal o poder de exigir do A. tanto o desempenho de funções próprias da sua categoria profissional, como o exercício de tarefas próprias de outras categorias, desde que se revele necessário ou conveniente e desde que as mesmas não provoquem uma alteração substancial da sua posição contratual. Aliás, uma cláusula com esse âmbito ou aplicada com essa interpretação seria ilegal, por contrariar o regime imperativo mínimo consagrado naquele preceito.
As partes podiam estabelecer um regime mais favorável ao trabalhador, nunca um regime menos favorável do que o que consta naquele preceito.
E o que se estatui nos nºs. 2 a 6 do artº. 22º da LCT, é a flexibilidade / mobilidade / polivalência, cujo âmbito por mais largo que se entenda, nunca admite o afastamento do exercício das funções inerentes à categoria para que o trabalhador foi contratado, como se estatui nos nºs. 1 e 3 desse artigo.
O que a lei veio acolher com aquelas alterações introduzidas neste preceito pelo artº. 6º da Lei 21/96, foi permitir, como se vê da alteração da própria epígrafe do artigo, a "prestação pelo trabalhador de actividades compreendidas ou não no objecto do contrato". Mas, - atenção - nas condições e com os pressupostos nela acolhidos, designadamente, que a actividade não correspondente à categoria profissional contratada que o empregador mande executar ao trabalhador, compreendida ou não no objecto do contrato, tenha afinidade ou ligação funcional com as actividades correspondentes à função normal do trabalhador (artº. 22º, nº. 2, da LCT) e que essa actividade seja desempenhada em regime de cumulação com a actividade principal (nº. 3 do artº. 22º).
O empregador não pode subverter a estrutura da actividade contratualmente devida pelo trabalhador. A função correspondente à categoria para que foi contratado, tem que continuar a ser o elemento central e nuclear da situação do trabalhador (a sua "actividade principal"), sob pena de se subverterem os princípios e os valores que estão subjacentes à garantia legal da categoria profissional.
No caso em apreço, não se questiona e pode dar-se como assente a infracção do requisito de "afinidade ou ligação funcional" entre as actividades correspondentes ao núcleo das funções correspondentes à categoria profissional de Engenheiro de Reservatório e as actividades que o apelante foi chamado a executar e que são substancialmente correspondentes à categoria profissional de Engenheiro de Processo.
Mas, como resultou provado, a partir de Fevereiro/Março de 1998, o apelante deixou de exercer qualquer actividade (fosse ela de simples formação ou não) do âmbito da sua categoria profissional sendo-lhe exigidas apenas tarefas correspondentes à categoria de Engenheiro de Processo.
Tal situação, até porque objectivamente se traduzia na desvalorização profissional do apelante, como tem até de presumir-se, o qual viu suspensa e atrasada a sua formação na área de Engenharia de Reservatórios, legitimou, necessariamente, a recusa do apelante na situação em que a apelada confessadamente o colocou, na medida em que a mesma se mostrava contrária aos seus direitos e garantias (cfr., 2ª parte da al. c) do nº. 1 do artº. 20º e da al. a) do artº. 21º da LCT).
Esta tem sido também a jurisprudência desta Relação, a qual no seu acórdão de 31/01/01 (CJ, ano XXVI, tomo 1º, pág. 162), sustenta que o recurso à polivalência funcional exige:
a)- que a actividade adicional seja afim ou conexa com a função principal e tenha com esta uma ligação funcional;
b)- que o trabalhador tenha qualificação e capacidade para o exercício dessa actividade adicional;
c)- que se mantenha a "função normal" (ou seja, a função correspondente à categoria para que foi contratado) como actividade principal do trabalhador e que a actividade adicional não determine desvalorização profissional do trabalhador ou a diminuição da sua retribuição.
E não se afirma, como se afirma na sentença recorrida, que pelo facto de o A. ter passado, a partir de Fevereiro/Março de 1998, a executar apenas tarefas na área de Engenharia de Processo/Projecto se terá verificado uma modificação do objecto do contrato. De modo algum. Além da colaboração do A. como engenheiro de reservatório são necessários nos serviços técnicos que a Ré prestava na área da indústria petrolífera do Médio Oriente (cfr. nº. 34 da matéria de facto provada), resulta da prova produzida que o A. nunca se conformou com essa situação, tendo, em Setembro e Outubro de 1998, chegado a referir ao seu superior hierárquico Eng. D que "ao serviço da empresa era engenheiro de reservatório e não engenheiro de processo" e a sugerir-lhe que a Ré contratasse um engenheiro de processo, dado que o volume e a natureza desta área o justificava (cfr. nº. 61 da matéria de facto provada e cassete nº. 2, lado B, de 1121 até final e cassete nº. 3, todo o lado A e lado B de 0000 até 0800).
E como essa situação se mantivesse inalterável, isto é, como a Ré, não obstante o estabelecido no contrato e na lei e apesar da reclamação do A., continuasse a exigir-lhe apenas o exercício de tarefas da área de Engenharia de Processo/Projecto (como se fossem estas e não as de Engenharia de Reservatório as suas "funções normais") e como a actividade desenvolvida pelo A. na área de Engenharia de Processo - pela sua complexidade - implicava um grau de responsabilidade maior que o expresso no seu nível salarial, discrepância que a Ré, apesar das reclamações do A., nunca eliminou, (cfr. nºs. 59, 60, 61, 63 e 15 da matéria de facto provada), a sua recusa em continuar nessa situação contrária aos seus direitos e garantias, tem que se considerar uma recusa legítima.
Ao contrário do que se sustenta na sentença recorrida, tal atitude não configura uma "desobediência ilegítima, ostensiva e reiterada a ordens legítimas dadas pela entidade patronal", mas sim o exercício legítimo do direito de recusar ordens e instruções contrárias aos seus direitos e garantias.
Mesmo que assim não fosse e se entendesse que a recusa era ilegítima, tal procedimento nunca poderia constituir justa causa de despedimento, uma vez que o apelante terá procedido daquela forma por se considerar vítima de uma situação ilegal e não por indisciplina ou rebeldia ou com o intuito de pôr em causa a autoridade e o respeito dos seus superiores hierárquicos e da sua entidade patronal. Se estas questões são controversas até para os juristas mais familiarizados com estas matérias, por maioria de razão o serão para um leigo, como era o caso do apelante".
Agora, no recurso, a impugnante lavra a discordância quanto ao assim decidido, o que analisaremos de seguida.

Vejamos, pois.
Primeiramente, afirma a Recorrente que o objecto do contrato de trabalho se modificou pelo acordo entre as partes, passando a compreender-se nele as funções de engenharia de processo/projecto.
Ora, como se viu já a partir da transcrição atrás feita, a Relação interpretou a cláusula IV do contrato como significando que o acordado foi no sentido de que o A. poderia desempenhar outras tarefas para além das que fazem parte do núcleo da categoria profissional em que foi admitido - Técnico Júnior de Engenharia de Reservatórios -, desde que o exercício destas últimas se mantivesse como actividade principal.
E este é um ponto relativamente ao qual, e se bem a interpretamos, a Recorrente não lavra verdadeira discordância.
Mas ainda que assim não seja, e admitindo mesmo que nos encontramos no domínio do artº. 236º, nº. 1, do C.C. (interpretação normativa) não há razão para dissentir das conclusões por esta forma alcançadas.
Mas terá existido mesmo aquela modificação?
A resposta, desde já se adianta, é negativa.
O A. foi contratado em 17.11.97 para exercer as funções de Engenheiro de Reservatório e depois, a partir de Fevereiro/Março de 1998, passou a executar apenas as tarefas na área de Engenharia de Processo.
E sobre esta última factualidade não pode haver dúvidas face ao ponto 46 da matéria de facto, agora imodificável (v. artºs. 722º, nº. 2, e 729º, nº. 2, do CPC).
E trata-se de funções bem distintas, como resulta dos pontos 9 a 11 da mesma matéria.
Ora a Relação respondeu negativamente a tal questão, pelas razões constantes do excerto que atrás se deixou consignado e que nos dispensamos de repetir aqui.
Afirmou-se aí, nomeadamente, o que é de primordial importância, que o A. nunca se conformou com a situação, ou seja, com a atribuição a título principal, e mesmo único, das funções de engenharia de processo.
E nem se invoque aqui, como a Recorrente o faz, que o autor confessou a sua qualidade de engenheiro de processo através de documento que enviou para Mr. L (Shell Research) - v. ponto 26 das alegações.
É que, independentemente da interpretação que tal documento (o fax) possa merecer, a verdade é que tem natureza particular e não foi, como se vê, dirigido à aqui Ré, pelo que a prova que possa fazer é de livre apreciação, insindicável para este Tribunal, nomeadamente o artº. 358º, nº. 2 do CC.
Neste contexto, será bom ouvirmos Monteiro Fernandes ("Direito do Trabalho", 11ª edição, págs. 197/198).
"A entidade empregadora - diz - não pode, em suma, obrigar o trabalhador a dedicar-se, exclusivamente ou principalmente, à execução de tarefas sem cabimento na sua qualidade profissional. Se não houver oposição (desobediência ou reclamação) do trabalhador, pode, verificar-se frequentemente uma de duas alternativas: ou essas tarefas caracterizam uma categoria superior, e esta deverá então ser reconhecida, ou correspondem a uma categoria inferior e estar-se-á perante uma (encapotada) baixa de categoria, que a lei proíbe fora do afectado condicionamento do artº. 23º da LCT."
E em nota de rodapé ((1), pág. 198), refere-se ainda que "Há evidentemente, uma terceira hipótese: a de as novas funções corresponderem a uma categoria do mesmo nível, com identidade de estatutos retributivos. Ainda aqui - tratando de uma tentativa de alteração unilateral do objecto do contrato - o trabalhador pode opor-se; se o não fizer, deverá ser-lhe reconhecida nova categoria."
E antes o mesmo autor (ob. Citada, pág. 190), já havia admitido que "se o empregador pretende atribuir ao trabalhador uma categoria mais alta, envolvendo alteração de funções e responsabilidades, está-se no domínio em que a consensualidade prevalece: o trabalhador pode opor-se, afastando assim o significado de uma aquiescência tácita que ao seu silêncio poderia ser atribuída".

Pois bem.
Já vimos que a partir dos factos apurados a Relação concluiu que o A. nunca se conformou com a situação que lhe foi criada, não interessando em princípio; acrescentamos nós, as razões por que assim actuou.
Trata-se de uma ilação extraída em matéria de facto, que, portanto, escapa à censura deste Tribunal, por repor, podendo aceitar-se a sua sindicabilidade se estivermos perante um raciocínio que, de modo patente, fira as mais elementares regras da lógica e da experiência comum.
Mas esse não é o nosso caso, podendo embora, como é natural, aceitar-se a controvérsia.
E, assim, também não interessa especialmente ao caso se a conduta da Ré representava uma desqualificação ou valorização profissional.
Mas aqui, e seja como for, não se pode considerar, efectivamente, o ponto 63 da matéria havida como de facto, por conclusivo (v. artº. 646º, nº. 4, do CPC).
É ele do seguinte teor:
"As actividades desenvolvidas pelo A. na área de Engenharia de Processo - pela sua complexidade - implicavam um grau de responsabilidade bem maior que o expresso no nível salarial do A.".
Ora não há premissas, verdadeiros factos, que suportem aquela asserção, tratando-se de uma conclusão, de um mero juízo de valor.
Pode assim dizer-se, por aqui, que foi legítima a recusa do A. em desempenhar funções exclusivamente na área de engenharia de processo/projecto.
Mas já não mereceu o nosso aplauso as considerações expendidas no acórdão recorrido, terem juízo tripolético (ver parte final da transcrição acima efectuada) e que vão no sentido de não reconhecer a justa causa, ainda que a recusa do A. fosse ilegítima, atentas as motivações com que terá agido.
Na verdade, a mera opinião que o trabalhador, só por si, pudesse ter sobre a sua situação funcional, não afastaria, em princípio a culpa, que radica no facto de o agente, perante as circunstâncias do caso, poder e dever agir de outro modo.
Neste capítulo entende ainda a Recorrente que, a não ser aceite a sua posição, então deverá entender-se que o A. abusou do direito (v. artº. 334º do CC).
Mas não é assim.

Segundo o supracitado normativo, "É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito".
Ora, como já se viu, a Relação assentou em que o A. nunca se conformou com a situação que lhe foi criada, na atribuição do serviço (tendo a razão do seu lado).
Sendo assim, não se vê que hajam sido excedidos os referenciados limites, nomeadamente os que se reportam à boa-fé, e muito menos por forma manifesta.

E já agora, em jeito de remate, diga-se, por a questão também vir aflorada, que da recusa do A. não pode concluir-se - como não concluiu a Relação - qualquer manifestação de vontade do A. no sentido da suspensão do contrato de trabalho.
Este apenas se escusou a desenvolver as funções de engenheiro de processo, como vinha acontecendo por forma exclusiva, e não aqueloutras para que tinha sido contratado (engenheiro de reservatório).
Em suma, e quanto a este primeiro fundamento do despedimento, pode, pois, dizer-se que o A. não infringiu qualquer dever ao recusar-se a cumprir determinações ilegais da Ré.

Passemos, agora, ao segundo e último dos fundamentos aqui em equação, ou seja, o facto de o A. ter enviado cópia do fax junto a fls. 76 ao Sr. E - Oman Oil Company Limited (OOCL), onde dava conta da sua insatisfação pelo não pagamento da remuneração que considerava ser-lhe devida pelos seus trabalhos de projecto, deixando assim de realizar tarefas nessa área.
Em primeiro lugar, deve atender-se a que o referido Senhor era o encarregado da coordenação do Projecto Dunga (ponto 21 da matéria de facto), em cujo desenvolvimento o A. estava a operar por determinação da Ré (pontos 13, 17, 42 e 43).
Daí que não seja de todo destituído de sentido levar ao seu conhecimento tal ocorrência.
Depois, "o envio do fax pelo A. não acarretou prejuízos à Ré" (ponto 22 da m.f.).
Finalmente, como se frisa no acórdão impugnado, não ficou provado que o A. tivesse agido com o intuito de lançar na OOCL a dúvida sobre as causas da alegada falta de pagamento ou com o intuito de por em causa a consideração e a imagem da Ré ou dos seus representantes.

Nestas circunstâncias, e perante tais factos que nos impõem (voltam a citar-se os artºs. 722º, nº. 2, e 729º, nº. 2, do CPC), não se descortina onde esteja a ilicitude do comportamento do A..
Mas a existir a mesma, a culpa sempre seria leve e as consequências não gravosas, pelo que, como diz o Mmo. Procurador-Geral Adjunto, seria então de optar por uma sanção que fosse conservatória da relação contratual.

Nestes termos acorda-se em negar a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Março de 2004
Ferreira Neto,
Fernandes Cadilha,
Mário Pereira.