TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
MEDIDA DA PENA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
MOLDURA PENAL
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário

1. A divergência do decidido pelas instâncias sobre a matéria de facto nada tem a ver com o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artº 410º, nº 2, alínea a) do CPP, como, aliás, o evidencia o próprio recorrente quando não aponta a falta de um único facto indispensável à qualificação jurídica ou à apreciação e julgamento das concretas questões de direito que suscitou.
2. Constitui jurisprudência firme do Supremo Tribunal de Justiça a de que a invocação dos vícios do citado preceito não pode constituir objecto de recurso para si interposto, sem prejuízo de, como tribunal de revista, deles poder/dever conhecer por sua própria iniciativa, para definir correctamente o direito do caso e impedir que a solução de direito assente em premissas deficientes ou mesmo erradas.
3. Assumindo a conduta do arguido um grau de ilicitude considerável - traduzido no tipo de droga envolvida no tráfico (cocaína), na quantidade que quis ajudar a traficar (uma encomenda com mais de meio quilo e uma outra de peso idêntico) e na reiteração, em muito curto espaço de tempo, da actividade criminosa - e sendo passível de um juízo de censura muito severo - pelo modo como se disponibilizou para receber as duas encomendas, pela circunstância de as mesmas lhe serem dirigidas para local onde normalmente não reside e por se tratar de pessoa que, pela inserção social e familiar e relativo desafogo económico, poucas ou nenhumas suspeitas de envolvimento neste tipo de actividade era susceptível de criar, tudo a revelar grande reflexão sobre o modus operandi - esses graus da ilicitude e da culpa não saem especialmente atenuados por se tratar de pessoa com 24 anos, sem contactos, até então, com o crime e social e familiarmente inserida. Por isso, não estão preenchidos os pressupostos da atenuação especial da pena.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

1.
1.1. O arguido A foi julgado, com outros, na 4ª Vara Criminal do Porto (Pº nº 195/2000) e aí condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão.
Recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, onde impugnou a matéria de facto e reclamou a sua absolvição ou, a não se entender desse modo, a atenuação especial da pena e a suspensão da sua execução.
O recurso foi julgado improcedente.
1.2. Mais uma vez inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça cuja motivação culminou com 108 conclusões (?) que se estendem ao longo de 14 páginas, mas que se poderão reduzir às seguintes:
- a matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para a decisão de o condenar como autor material do crime de tráfico de droga, p. e p. pelo artº 21º, n.° 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro; o caso sub judice é um daqueles em que o princípio in dubio pro reo devia prevalecer, com a sua consequente absolvição «já que é manifesta a insuficiência de matéria de facto provada, para a decisão» (conclusões 1 a 52);
- relativamente à medida da pena,
- por um lado, o Tribunal a quo, em sede de ilicitude, julgou incorrectamente, quando comparada a sua punição com a do co-arguido B: apesar da cocaína que a este foi apreendida pesar quase o dobro da que lhe foi encontrada a si, a pena em que foi condenado é apenas superior à sua em 3 meses - o que, na sua óptica, acarreta falta de fundamentação, com a consequente violação do nº 2 do artº 374º do CPP (conclusões 53 a 62);
Também em comparação com as penas aplicadas aos co-arguidos C (que a Relação baixou de 5 anos e 6 meses para 5 anos e 3 meses) e D (punido com 4 anos e meio de prisão) se acha injustiçado: em relação ao primeiro porque, sendo semelhantes as condutas de ambos, aquele tem antecedentes criminais; em relação ao segundo porque, sendo também semelhante a participação de um e de outro nos factos, o D sofreu condenação inferior, apesar dos seus antecedentes criminais (conclusões 82 a 87);
- por outro, o mesmo Tribunal não fundamentou em concreto a sua culpa, já que «o juízo de culpa que aplicou ao aqui Recorrente repetiu-se pelas mesmas exactas palavras para todos os demais arguidos condenados» e não se lhe «afigura idêntica à dos demais arguidos» - razão por que, também neste ponto, o acórdão recorrido «padece da falta de fundamentação, violando o disposto no artº 374, n.2 do C.P.P» (conclusões 63 a 71);
- por outro, ainda, «o Tribunal a quo não valorou devidamente as diminutas necessidades de prevenção geral e especial do caso sub judice, que no quadro dos fins da penas e da conveniência da sua aplicação ao caso ..., imporiam a aplicação ao Recorrente de uma pena não detentiva da liberdade» - com o que violou os arts. 70º e 71º do CPenal (conclusões 72 a 81); tudo para concluir que a pena que sofreu, de 5 anos de prisão, é manifestamente exagerada «fruto de um calculismo matemático repressivo, sem vestígios mínimos de valoração, no plano da reintegração do F na sociedade, o que deveria ter sido considerado, desde logo, porque estamos a falar de um jovem».
- a pena devia ter sido especialmente atenuada porque, «tanto as circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, bem como, as contemporâneas dele, expressam uma clara inexistência de necessidade de pena de prisão efectiva para o aqui Recorrente», e fixada, no máximo, em 3 anos de prisão, com execução suspensa por 4 anos (conclusões 88 a 108).
1.3. O Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal recorrido, na resposta que apresentou, considerou prejudicada qualquer observação sobre a matéria das primeiras 52 conclusões, porque o Arguido apenas discute aí matéria de facto, e conclui pela improcedência da restante argumentação.
O seu Excelentíssimo Colega neste Tribunal, promoveu se procedesse ao julgamento em audiência.
Colhidos os vistos legais e feito o julgamento do recurso em audiência, com observância do formalismo legal, cumpre decidir.
2. Decidindo.
2.1. Foi a seguinte a matéria de facto julgada provada pela 1ª instância que o tribunal da Relação do Porto ratificou inteiramente:
«2. O E vive no Brasil, de onde é natural;
2.1.1. O E, por si ou por interposta pessoa, enviou uma encomenda postal de correio urgente (EMS) em envelope postal fechado com destino ao arguido E;
2.1.2. Nessa encomenda constava como remetente "G, Avenida Rubens de Mendonça, ..., Cuiabá - MT, CEP 78000 - 000", e como destinatário "F, Rua dos Navegadores, nº .., CEP 4485-531, Mindelo, Portugal";
2.1.3. Em 9.04.2001, por intervenção da Delegação Aduaneira das Encomendas Postais da Alfândega do Aeroporto de Lisboa, constatou-se que a referida encomenda continha cocaína, pelo que foi autorizada a respectiva entrega controlada, por elementos da P.J. ou através de terceiros, sob controlo e orientação daquela polícia;
2.1.4. Para tanto, assegurou-se a remessa do aviso para o destinatário da encomenda, o qual foi colocado, em data não concretamente apurada mas situada entre o dia 12.04.2001 e o dia 17.04.2001, antes das 15 horas, na caixa de correio de E, na Rua dos Navegadores, 116, Mindelo, Vila do Conde, para que procedesse ao levantamento da encomenda referida no aviso;
2.1.5. Em seguida, foram efectuados os contactos necessários no Posto dos C.T.T. de Vila do Conde, tendo-se montado vigilância interior e exterior, vindo, cerca das 15:00 horas, do dia 17/04/2001, a comparecer no local o arguido F, o qual, munido do aviso que havia sido introduzido na sua caixa postal, e depois de se ter identificado, recebeu a referida encomenda, tendo, então, sido interceptado pela P. J. e detido;
2.1.6. Procedeu-se, depois, à apreensão de tal encomenda, que se verificou conter 508,520 gr. de cocaína, bem como à revista pessoal do dito arguido, tendo-lhe sido apreendido uma agenda "GALP" e cinco papéis manuscritos com números de telefones e telemóveis;
2.1.7. Foi, ainda, realizada busca ao domicílio indicado na encomenda, nada tendo sido encontrado de relevante;
2.1.8. Finalmente, procedeu-se à apreensão do automóvel "Opel Corsa", de matrícula JO, pertencente à sociedade "H", e do telemóvel Nokia 5110, avaliado em 4,00 €, bem como dos documentos relativos àquele veículo;
2.1.9. O referido telemóvel pertencia ao arguido F;
2.1.10. O arguido F já no passado dia 06/04/2001, havia recebido uma outra encomenda postal contendo cocaína, tendo feito entrega da mesma ao arguido E, que, então, se encontrava em Portugal e que aquele conhecia como "...";
2.1.11. Acresce que o arguido F indicara uma morada diferente daquela em que vive com carácter permanente - sita em Matosinhos - como forma de mais facilmente passar despercebida a entrega de tais encomendas;
2.1.12. O E, directamente ou por interposta pessoa, enviou duas encomendas postais por correio urgente (EMS) em envelopes postais fechados, com destino ao arguido B, seu pai, fazendo constar nessas encomendas, como remetente "I, Av. de Fev. 1200, 78000-000 Cuiabá, Brasil", e como destinatário "E, Rua Barão de A-Ver-o-Mar, ..., CEP 4490 Póvoa de Varzim";
2.1.13. Acontece que as autoridades alfandegárias alemãs no Aeroporto de Frankfurt Am Main, detectaram que tais encomendas continham cerca de um quilograma de cocaína, pelo que, depois de acertados os necessários formalismos exigidos por lei, foi autorizada a entrega controlada das referidas encomendas, por elementos da P.J. ou através de terceiros, sob controlo e orientação daquela polícia;
2.1.14. Para tanto, depois de contactado o centro de operações de encomendas postais via "express mail", em Crestins, Maia, foi colocado um aviso na caixa de correio do destinatário das encomendas, na Rua Barão, A Ver-o-Mar, ..., Póvoa de Varzim, para que procedesse ao levantamento das encomendas referidas no aviso;
2.1.15. Em seguida, foram efectuados os contactos necessários no Posto dos CTT, na Avenida dos Banhos, P. de Varzim, tendo sido montada vigilância, vindo, cerca das 13:45 horas, do dia 17/04/2001, a comparecer no local o arguido B, o qual, munido do aviso que havia sido deixado na sua caixa postal recebeu as referidas encomendas, tendo, então, sido interceptado pela Polícia Judiciária e detido;
2.1.16. Procedeu-se, então, à apreensão daquelas encomendas, cujo conteúdo, após exame, se constatou ser 1003,660 gr. de cocaína, bem como de um postal da "Post-Log" (EMS), referente ao levantamento das ditas encomendas;
2.1.17. Foi, ainda, realizada busca ao domicílio indicado na encomenda, tendo aí sido encontrados e apreendidos os seguintes artigos:
- um telemóvel Nokia 3310, avaliado em 10,00 €;
- um saco contendo 425,735 gr. de bicarbonato de sódio, substância habitualmente utilizada como produto de corte, de forma a aumentar o peso e o volume da cocaína;
- uma balança de cozinha, descrita e examinada a fls. 601/3, sem valor comercial;
- uma fotografia; e
- diversos papéis manuscritos com nomes, moradas e números de telefones e outros documentos.
2.1.18. Às 07:50 horas do dia 18/04/2001, foi montada uma operação de vigilância pela P.J. com vista à identificação do indivíduo que iria buscar as aludidas encomendas;
2.1.19. Nesse dia 18.04.2001, cerca das 11:20 horas, o arguido J, dirigiu-se a residência do arguido B e, identificando-se como "Néné", disse à mulher deste último, L (que se encontrava acompanhada por inspectores da P.J.), que queria falar com o marido, tendo-lhe a mesma respondido que o marido não estava em casa;
2.1.20. Não obstante, o citado arguido veio a ser interceptado pela P.J., porquanto era a ele que cabia proceder à recolha das encomendas, na sequência de acordo previamente estabelecido com o E, que conhecera há cerca de um mês e o qual lhe oferecera um telemóvel Nokia, devendo, em seguida, entregar as mencionadas encomendas ao arguido M, na zona da Lavra, Matosinhos;
2.1.21. Na verdade, após contacto telefónico estabelecido entre os arguidos J e M, estes combinaram encontrar-se junto da agência da Nova Rede, sita no centro de Lavra, Matosinhos, seguindo no veículo de trabalho daquele arguido - um táxi - o inspector da P.J., C', referenciado como amigo do condutor;
2.1.22. Cerca das 15:45 horas, do dia 18/04/2001, nas imediações da igreja de Lavra, na estrada de acesso a Agudela, em Matosinhos, o arguido J foi abordado pelo arguido M, através da janela do pendura;
2.1.23. Quando o arguido J se preparava para entregar ao arguido M um saco plástico, os inspectores da P.J. procederam à detenção deste ultimo arguido, que se veio a apurar ser indivíduo evadido do E.P. de Paços de Ferreira, onde cumpria pena de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes;
2.1.24. Em seguida, procedeu-se à revista pessoal do arguido M, tendo-se apreendido um telemóvel Panasonic EB, descrito e examinado a fls. 601/3 e avaliado em 10,00 €;
2.1.25. Da consulta ao registo de chamadas efectuadas a partir do telemóvel acima identificado, constata-se a realização de duas chamadas para dois números de telefone no Brasil, utilizados pelo E (00551891224134 e 0055679251276);
2.1.26. Por outro lado, da lista de movimentos da central telefónica do Hotel Sol Póvoa, no período em que o E ali esteve hospedado, verifica-se a ocorrência de dois telefonemas, no dia 02/04/2001, para o telemóvel do arguido M (96.390 64 41);
2.1.27. O E, por si ou por interposta pessoa, enviou também uma encomenda postal para a casa onde, à data, vivia o arguido M, sita na Rua Alferes Malheiro, .., casa 5, em Lavra, Matosinhos e outra para a casa do arguido N, vizinho daquele - Rua Alferes Malheiro, ..., Lavra;
2.1.28. Com efeito, o arguido M havia acordado com o arguido N que este acedesse em receber em sua casa uma encomenda postal proveniente do Brasil que, em seguida, lhe entregaria;
2.1.29. Uma dessas encomendas tinha como remetente Dr. O e como destinatário o arguido N, Rua Alferes Malheiro, ..., Lavra, Matosinhos, e a outra indicava como remetente Dr. P e como destinatário Q, Rua Alferes Malheiro, ..., Lavra, Matosinhos;
2.1.30. Sucede que, por intervenção da Delegação Aduaneira das Encomendas Postais da Alfândega do Aeroporto de Lisboa, em 17/04/2001, constatou-se que as mesmas continham cocaína pelo que foi autorizada a entrega controlada de tais encomendas, por elementos da P. J. ou através de terceiros, sob controlo e orientação daquela polícia;
2.1.31. Para tanto, cerca das 18:05 horas, do dia 19/04/2001, um funcionário do EMS, R, iria proceder à entrega das referidas encomendas, deslocando-se à Rua Alferes Malheiro, ..., em Lavra, Matosinhos;
2.1.32. Aí, estabeleceu contacto com os habitantes da casa 1, o arguido N e sua mulher, S, tendo-se estes recusado a receber a encomenda destinada àquele arguido, o qual já era conhecedor da detenção, na véspera, do arguido M;
2.1.33. Em seguida, junto da casa 5, para onde se deslocou o citado funcionário do EMS juntamente com a referida S, verificou-se estarem apenas crianças, que também não aceitaram receber a encomenda destinada àquela casa, tendo ali sido deixado um aviso para posterior levantamento nos serviços postais;
2.1.34. Procedeu-se, depois, à apreensão das ditas encomendas, verificando-se, após exame, que a destinada à casa do arguido N continha oito placas de cocaína, com o peso de 434,040 gr., e a outra encomenda continha nove placas de cocaína, com o peso de 465,930 gr.;
2.1.35. Foi também efectuada busca à casa do arguido N, nada de interesse tendo sido encontrado;
2.1.36. Teve, ainda, lugar busca ao domicílio do arguido M, aí se apreendendo o seguinte:
- um telemóvel Ericsson A 1018 s, avaliado em 2,50 €;
- um telemóvel Ericsson T 10 s, sem valor comercial;
- um telemóvel Motorola M3588, sem valor comercial;
- vários papéis com diversos números de telemóvel; e
- um aviso de entrega dos CTT Correios, que se encontrava rasgado no chão da cozinha.
2.1.37. Na sequência de informação provinda do Oficial de Ligação da P.J. em Brasília, teve-se conhecimento que o arguido E havia sido detido naquele país, com cerca de dois quilos de cocaína, e que, antes de preso, havia enviado para Portugal duas encomendas postais, por SEDEX (correio expresso), sendo destinatários da encomenda postal nº EE003672495BR a arguida "T, Bairro da Biquinha, Bloco ..., Matosinhos", e da encomenda postal nº EE003672898BR o arguido "U, Bairro de Aldoar, Bloco ..., Porto", e remetentes, respectivamente, D' e E', ambos com residência na Avenida dos Trabalhadores, 180, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil;
2.1.38. Tais encomendas foram, pois, apreendidas em 25/09/2001, nas instalações da "Post-Log - EMS", na Maia, verificando-se, após exame, que a cocaína expedida para a T continha 14 (catorze) placas de cocaína, com o peso de 481,620 gr., e que a encomenda enviada para o arguido U continha 17 (dezassete) placas de cocaína, com o peso de 565,520 gr., sendo que os cartões que envolviam as referidas encomendas apresentavam resíduos de cocaína;
2.1.39. Face ao exposto, a P.J. montou uma operação de vigilância ao Posto dos CTT, sito na Praça Afrânio Peixoto, 101, no Porto, onde deveria ser efectuado o levantamento da encomenda enviada para o arguido U;
2.1.40. Aí compareceu tal arguido, acompanhado de uma sua sobrinha, V, então com 16 anos, cerca das 17:30 horas, do dia 26/09/2001, tendo apresentado no balcão o talão de levantamento da referida encomenda, vindo o mesmo a suspeitar de algo, dada a demora do funcionário dos C.T.T. em proceder à entrega da encomenda, saindo do edifício e colocando-se em fuga, juntamente com a V, vindo os mesmos a ser apanhados a cerca de uma centena de metros do Posto dos C.T.T.;
2.1.41. Procedeu-se, então, à busca ao domicílio do arguido U, no Bairro de Aldoar, Bloco ....., Entrada ...., Casa ...., Porto, pelas 18:45 horas, de 26/09/2001, vindo a apreender-se os seguintes objectos:
- um cartão de carregamentos do telemóvel nº 967188593;
- um telemóvel Motorola Talkabout, avaliado em 10,00 € - pertencente à arguida T, que se encontrava presente naquela habitação aquando da busca.
2.1.42. Realizou-se, também, busca à casa da arguida T, sita no Bairro da Biquinha, Bloco ..., Dtº, Matosinhos, aí se apreendendo um postal em nome da arguida, emitido pela "Post-Log EMS" e necessário ao levantamento de uma encomenda nos Correios Parque, em Matosinhos, com o nº EE003672495BR;
2.1.43. No decurso da busca ao domicílio do arguido U veio a apurar-se, por ela o ter referido, que cabia à arguida T a posterior entrega das encomendas ao arguido C, tendo ambos acordado, antecipadamente, um local de encontro, junto ao Hospital Magalhães Lemos;
2.1.44. Assim, na presença dos inspectores da P.J., a arguida contactou telefonicamente o arguido Miranda, dizendo-lhe que já tinha as encomendas em seu poder e que poderia encontrar-se, de imediato, no largo situado junto ao referido hospital;
2.1.45. Sucede que, pouco depois, a arguida T recebeu novo telefonema do arguido C, o qual lhe sugeriu a marcação de outro local por ter ali visto pessoas estranhas;
2.1.46. Não obstante esse telefonema, a arguida reafirmou manter-se o local anteriormente combinado e que se estava a deslocar para lá;
2.1.47. Ali chegada, a arguida T, depois de procurar o arguido C, uma vez que este se deslocara para a Estrada da Circunvalação, onde havia deixado o carro, chamou-o para vir ter com ela para receber a encomenda que, supostamente, tinha em seu poder;
2.1.48. Porém, ao aperceber-se da presença no local dos inspectores da P.J., o arguido C pôs-se em fuga, pela Estrada da Circunvalação, vindo a ser capturado, e detido, cerca de 200 metros após o início da fuga;
2.1.49. Procedeu-se à revista pessoal deste arguido, tendo-lhe sido encontrados e apreendidos os seguintes bens:
- um telemóvel "Nokia 6210", descrito e examinado a fls. 601/3 e avaliado em 15,00 €;
- um talão de depósito bancário;
- dois papéis manuscritos com números de telefones;
- um cartão de telecarregamento da Telecel;
- um anel de libra, em ouro amarelo, avaliado em 88,50 €;
- um anel de mesa, em ouro amarelo e branco, avaliado em 28,50 €;
- um anel em ouro amarelo e nove pedras brancas, avaliado em 37,50€;
- um anel em ouro amarelo e uma pedra branca, avaliado em 21,00€;
- uma pulseira em malha de laça em ouro amarelo, avaliada em 121,50€;
- uma pulseira em malha de barbela oca em ouro amarelo, com uma figa na mola, avaliada em 63,00 €;
- uma pulseira em malha 1+1, com medalha na mola, em ouro amarelo, avaliada em 126,80 €;
- uma volta em malha 3+1, com crucifixo na mola em ouro amarelo, avaliada em 108,80 €; e
- uma volta em malha 3+1, com uma cara de Cristo com pedras brancas e uma medalha estampada, ambas na mola, em ouro amarelo, avaliada em 178,50 €.
2.1.50. Foi, também, efectuada a apreensão da viatura "Fiat Punto", de matrícula GQ, utilizada pelo arguido C e a ele pertencente, tendo no seu interior sido encontrado e apreendido o seguinte:
- declaração de venda da referida viatura emitida pela firma "..., Lda";
- propostas de subscrição do serviço Óptimos e facturas de compra de dois telemóveis (Nokia e Motorola);
- uma ordem de transferência a favor de "F'", residente no Brasil, transferência essa no valor de 500.000$00;
- documentos da viatura GQ;
- um cartão de visita do E.P. de Paços de Ferreira;
- diversos papéis manuscritos com indicação de números de telefone, apontamentos e moradas, incluindo um papel com o nome "X" e a seguinte morada "R. dos Trabalhadores, nº 180, Cuiabá, Mato Grosso".
2.1.51. A actividade dos arguidos T e U de receberem encomendas postais provenientes do Brasil e contendo substâncias estupefacientes resultou de acordo entre aquela e o arguido D, companheiro da T, que indicou os nomes e as moradas daqueles para o referido efeito;
2.1.52. Acresce que, cerca de 15 dias antes, ou seja, no início de Setembro de 2001, a arguida T havia já recebido uma outra encomenda do mesmo tipo e contendo também cocaína que entregou ao arguido C na companhia do seu tio U;
2.1.53. O telemóvel Panasonic EB-GD92, apreendido ao arguido M foi utilizado por este, nomeadamente, nos contactos telefónicos com o arguido J realizados para combinar a entrega das encomendas com produto estupefaciente;
2.1.54. O telemóvel Motorola Talkabout, apreendido à arguida T servia para melhor combinar os encontros e a forma de entrega das encomendas recebidas, tendo sido oferecido pelo Z;
2.1.55. O telemóvel Nokia 6210, apreendido ao arguido C foi utilizado por este, nomeadamente, nos contactos telefónicos com a arguida T realizados para combinar a entrega de produto estupefaciente;
2.1.56. O automóvel "Fiat Punto", de matrícula GQ, aprendido ao arguido C foi utilizado por este, nomeadamente, na deslocação que efectuou até ao Hospital Magalhães Lemos para receber da arguida T a cocaína por esta recebida e apreendida no dia 25/09/2001;
2.1.57. O arguido F, ao actuar nos termos descritos, fê-lo de comum acordo com o E;
2.1.58. O arguido B, ao actuar nos termos descritos, fê-lo de comum acordo com o E;
2.1.59. O arguido M, ao actuar nos termos descritos, fê-lo de comum acordo com o E;
2.1.60. A arguida T, ao actuar nos termos descritos, fê-lo de comum acordo com os arguidos U, C e D;
2.1.61. Ao actuar nos termos descritos, o arguido U fê-lo de comum acordo com a arguida T;
2.1.62. Ao actuar nos termos descritos, o arguido C fê-lo de comum acordo com a arguida T;
2.1.63. Ao actuar nos termos descritos, o arguido D fê-lo de comum acordo e em conjugação de esforços com a arguida T;
2.1.64. Bem sabiam os arguidos da natureza e características estupefacientes da cocaína e não ignoravam que a sua venda, cedência, transporte e detenção são proibidas;
2.1.65. O arguido F agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as encomendas que lhe foram dirigidas continham cocaína;
2.1.66. O arguido B agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as encomendas que lhe foram dirigidas continham cocaína;
2.1.67. O arguido M agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a encomendas que lhe iriam ser entregues e as enviadas para a sua residência e para a residência do arguido N continham cocaína;
2.1.68. A arguida T agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as encomendas que lhe foram dirigidas e a encomenda dirigida ao arguido U continham cocaína;
2.1.69. O arguido U agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a encomenda que lhe foi dirigida e a encomenda entregue pela arguida T ao arguido C continham cocaína;
2.1.70. O arguido C agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a encomenda que lhe foi entregue pela arguida T e aquela que lhe ia ser entregue quando foi detido continham cocaína;
2.1.71. O arguido D agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as encomendas enviadas para arguida T e o arguido U continham cocaína;
2.1.72. E bem sabiam os arguidos F, B, M, T, U, C e D que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei;
2.1.73. O arguido F é oriundo de uma família com bom nível económico e social;
2.1.74. Os pais separaram-se quando os mesmo tinha 13 anos de idade, tendo ido viver com a mãe, juntamente com o irmão;
2.1.75. A partir do segundo casamento da progenitora, e devido a não aceitar inicialmente a nova situação, foi viver para casa dos avós maternos;
2.1.76. Actualmente, mantém um bom relacionamento com o padrasto;
2.1.77. Fez um percurso escolar nos 1º e 2º ciclos;
2.1.78. Fez uma paragem nos estudos no 9º Ano, passando a ocupar-se junto do padrasto;
2.1.79. Ao cabo de um ano retomou os estudos;
2.1.80. Presentemente, frequenta o 4º Ano do Curso Superior de Educação Física e Desporto, no Instituto Superior da Maia;
2.1.81. Profissionalmente, desde há alguns anos, foi adquirindo alguma experiência profissional, trabalhando em períodos de férias e em fins-de-semana em discotecas e bares;
2.1.82. Actualmente, trabalha numa empresa de higiene e segurança no trabalho, onde aufere um salário de 300 Euros por mês;
2.1.83. No meio da sua residência, quer o arguido, quer os familiares, são bem considerados;
2.1.84. Actualmente mora com os avós maternos, com a mãe e o padrasto, sendo o relacionamento familiar sólido;
2.1.85. Exercia ainda as funções de monitor de música na "Associação de Solidariedade e Acção Social de Ramalde", onde auferia o vencimento mensal de 60.000$00;
2.1.86. Tinha iniciado as funções de monitor de aulas de ginástica num ginásio sito na Rua Oriental, em Parafita, propriedade de ...., onde auferia a quantia de 130.000$00 por mês;
2.1.87. Tinha fortes perspectivas de iniciar um curso de animador sócio cultural por um prazo de 4 anos, com remuneração a definir, com o antropologo Sr. A' , residente na Rua Alberto Saavedra, em Matosinhos, ligado à Associação de Solidariedade e Acção Social de Ramalde;
2.1.88. Tinha arrendado uma loja para comercialização de aves, na qual pagava a renda mensal de 30.000$00, arrendamento em nome do referido A' , futuro sócio da sociedade a constituir;
2.1.89. Tal arrendamento foi feito por um valor simbólico por a loja pertencer à sociedade comercial "Prec-Promoção Imobiliária e Construção, Limitada, cujo gerente é seu padrasto, Engº B';
2.1.90. É considerado por todos os que o conhecem um jovem de irrepreensível comportamento, sendo pessoa bem conceituada e estimada no meio em que vive, com uma vida familiar, social e profissional estabilizada;
2.1.91. O arguido B é oriundo de um agregado numeroso e pobre, de origem piscatória;
2.1.92. Cresceu num ambiente de afectividade;
2.1.93. Concluiu a 4 ª Classe com 11 anos, altura em que foi trabalhar como aprendiz de merceneiro numa fábrica de um tio materno;
2.1.94. Quando o pai emigrou para o Brasil, em 1959, para exercer a sua actividade de pescador, acompanhou-o com entusiasmo, tendo ficado instalado no Rio de Janeiro, onde trabalhou na mercenaria;
2.1.95. Entretanto, conheceu a sua futura mulher, L, com quem casaria e teve 3 filhos;
2.1.96. Em parceria com o sogro, também merceneiro, investiram num oficina de carpintaria e mercenaria;
2.1.97. A actividade da referida oficina decorria bem, tendo o arguido ficado a gerir o negócio quando o sogro morreu;
2.1.98. O agregado do referido arguido desfrutava de uma boa situação económica;
2.1.99. Em 1994 decide regressar a Portugal com os filhos, devido à insegurança e violência urbana que se vivia no Brasil;
2.1.100 Em Portugal encontra dificuldades em estabelecer-se no ramo de actividade que tinha no Brasil, deparando-se o agregado com enormes dificuldades económicas;
2.1.101. Devido a tal situação, surgiram-lhe problemas de saúde, tendo tido uma trombose que o incapacitou para o exercício da sua profissão;
2.1.102. Vive com a mulher numa situação de carência económica, exercendo esta a profissão de copeira;
2.1.103. Na comunidade onde vive é considerado uma pessoa educada, cordial e discreta;
2.1.104. O desenvolvimento sócio-cultural do arguido M decorreu dentro das normas da etnia a que pertence;
2.1.105. Nunca frequentou o sistema de ensino;
2.1.106. Desde muito jovem que acompanhou os pais na venda ambulante;
2.1.107. Aos 15 anos contraiu matrimónio segundo as leis da sua etnia;
2.1.108. Dessa união nasceram seis filhos;
2.1.109. Em 1997 o filho mais velho morreu de overdose;
2.1.110. No E.Prisional manteve-se e mantém-se inactivo, por opção;
2.1.111. Chegou, porém, a frequentar a escola, sem, contudo, obter qualquer grau de escolaridade;
2.1.112. É visitado regularmente pela família;
2.1.113. Teve diversas punições por questões disciplinares;
2.1.114. Quando em liberdade, pretende retomar a actividade de venda ambulante;
2.1.115. A família vive do Rendimento de Inserção Social e da venda ambulante;
2.1.116. A arguida T é oriunda de uma família de estrato social e económico modesto;
2.1.117. Apenas frequentou o 1º Ano de Escolaridade;
2.1.118. Aos 14 anos começou a trabalhar como operária fabril, tendo deixado de trabalhar desde os 18 anos, aquando da sua primeira gravidez;
2.1.119. No E.Prisional tem mantido um comportamento adequado às regras vigentes;
2.1.120. O desenvolvimento do arguido U decorreu no seio de um agregado numeroso (13 irmãos) e de acentuadas dificuldades sócio-económicas e culturais, mas com bons níveis de cooperação e entendimento;
2.1.121. O seu percurso escolar foi marcado por acentuadas dificuldades, tendo abandonado o ensino sem concluir qualquer grau de ensino;
2.1.122. Inseriu-se profissionalmente como trolha, área onde permaneceu ligado;
2.1.123. Teve os seus primeiros contactos com o consumo de drogas na adolescência
2.1.124. O desenvolvimento psico-social do arguido C decorreu numa agregado numeroso (11 irmãos) e de parcas condições sócio-económicas e culturais;
2.1.125. O relacionamento familiar era equilibrado;
2.1.126. Frequentou a escola, embora com elevado absentismo, que abandonou após ter concluído a 4ª Classe;
2.1.127. Entrou na vida activa muito jovem, encontrando o seu primeiro trabalho na construção civil, área onde se manteve;
2.1.128. Com aproximadamente 19 anos reformou-se por invalidez, na sequência de problemas de for epiléptico;
2.1.129. Desde então passou a trabalhar em regime de "biscates", sempre na construção civil;
2.1.130. Casou com 17 anos de idade, sendo a relação marital equilibrada;
2.1.131. Dessa união nasceram dois filhos;
2.1.132. No E.Prisional tem mantido um comportamento consentâneo com o ordenamento vigente, não desenvolvendo, por opção, qualquer actividade;
2.1.133. Beneficia do apoio da família
2.1.134. Não existem quanto a ele sentimentos de rejeição no seu meio social;
2.1.135. O arguido D descende de um agregado numeroso, tendo 8 irmãos, e de condição sócio-económica modesta;
2.1.136. O seu processo de desenvolvimento foi marcado pela instabilidade familiar decorrente de hábitos alcoólicos do progenitor;
2.1.137. Frequentou a escola até cerca dos 11 anos, concluindo a 4ª Classe;
2.1.138. Iniciou logo a sua trajectória profissional, auxiliando a mãe na agricultura, até ao ingresso na "Agros", como ajudante de motorista, onde se manteve durante alguns anos;
2.1.139. Aos 19 anos estabeleceu a união de facto com a arguida T, da qual existem 4 filhos, actualmente ao cuidado da avó materna;
2.1.140. Aquando da sua reclusão trabalhava na construção civil;
2.1.141. No E.Prisional mantém um comportamento formalmente adequado à regras vigentes;
2.1.142. Beneficia do apoio da família.
2.1.143. Por sentença de 18.12.97, foi o arguido M condenado na pena de 1 ano e 8 meses de prisão pela prática, em 18.12.97, de um crime de detenção de arma proibida; por acórdão de 18.05.98, foi condenado na pena de 6 anos de prisão pela prática, 27.03.97, de um crime de tráfico de estupefacientes;
2.1.144. Em cúmulo proferido no 2º Juízo Criminal do Círculo do Barreiro, no Processo Comum Colectivo 342/97, que englobou aquelas penas, foi o arguido M condenado na pena única de seis anos e quatro meses de prisão, que está a cumprir;
2.1.145. Tal pena não constituiu, como devia, suficiente prevenção para o afastar da prática de crimes;
2.1.146. Por acórdão de 28.01.98 foi o arguido U condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 3 anos, pela prática, em 19.09.97, de um crime de furto qualificado;
2.1.147. Por acórdão de 14.06.94, foi o arguido D condenado na pena de 10 anos de prisão pela prática, em 23.09.93, de um crime de tráfico de estupefacientes;
2.1.148. Nada consta do C.R.C. dos arguidos F, B, J, N, T e C.»

2.2. Como muito bem disse o Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal a quo, as primeiras 52 conclusões versam pura e simples matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça fixados nos arts. 26º da LOFTJ (Lei 3/99 de 13 de Janeiro) e 434º do CPP.
Com efeito, ao longo dessas longas páginas, o Recorrente não faz mais do que afirmar a sua discordância sobre o modo como a matéria de facto que levou à sua condenação foi julgada, por se lhe afigurarem erradas as ilações que dos factos materiais foram retiradas, partindo, para o efeito, de uma versão que, como ele afirma, o Tribunal considerou inverosímil, cuja fragilidade, de resto, ele próprio reconhece por «não [ser] tão inocente para acreditar que uma tal "história" é vulgar de acontecer».
Certo que, em última instância, ciente naturalmente de que esta alegação só podia ser rejeitada liminarmente, o Recorrente reconduziu aquela sua divergência à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e invocou a ocorrência do vício da alínea a) do nº 2 do artº 410º do CPP que, relembrou, é de conhecimento oficioso.
Mas o expediente também não tem melhor sorte.
Por um lado, porque divergir da decisão das instâncias sobre a matéria de facto nada tem a ver com a sua insuficiência para a decisão. E a verdade é que o Recorrente não aponta a falta de um único facto indispensável à qualificação jurídica operada ou, até, à apreciação e julgamento das concretas questões de direito que suscitou: atenuação especial da pena e medida e espécie desta. Por outro porque, como repetidamente tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça, este só conhece de tais vícios, por sua iniciativa e para definir correctamente o direito do caso, para impedir que a solução de direito assente em premissas deficientes ou até erradas, como é próprio de um tribunal de revista (no mesmo sentido, cfr. artº 729º, nº 3 do CPC) - cfr. os Acs. de 20.03.03, Pº 397/03 e de 03.04.03, Pº 1108/03, ambos publicados na CJSTJ, Tomo 1/2003, págs. 232 e 236, respectivamente).
Não se conhece pois, desta parte da alegação.
2.3. Quanto à pena aplicada.
Como vimos, o Recorrente reclama a atenuação especial da pena, a sua redução para 3 anos de prisão e a suspensão da sua execução.
Antes, porém, de enfrentar as questões colocadas nesta sede, importa reafirmar a correcção da subsunção dos factos provados ao direito que, aliás, o Recorrente não contesta no caso de improceder, como improcedeu, a impugnação da matéria de facto. O crime que cometeu é, assim, o p. e p. pelo artº 21, nº 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, a que corresponde a moldura abstracta de 4 a 12 anos de prisão.
Posto isto, vejamos:
2.3.1. Da atenuação especial
Nos termos do nº 1 do artº 72º do CPenal, «O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena».
Para o caso em apreço, não prevê a lei, de forma expressa, a atenuação especial da pena.
E, verificar se ocorrem circunstâncias que diminuem de forma acentuada a ilicitude ou a culpa, pressupõe naturalmente que antes se apure qual o grau de uma e de outra, tal como revelados pela conduta do Recorrente.
Analisando e ponderando o conjunto dos factos apurados - os dos nºs 2.1.1. a 2.1.11. e 2.1.73 a 2.1.90 e 2.1.148. do acórdão recorrido - a conclusão a tirar é, sem dúvida, a de que a ilicitude assume grau considerável, traduzido no tipo - cocaína - e quantidade de droga ajudada a traficar - uma encomenda com 508,520 gr. e uma outra encomenda anterior, que não foi possível quantificar, mas que não deveria andar longe da primeira, atendendo à grande semelhança de peso que todas as outras com a mesma origem tinham - e na reiteração, em muito curto espaço de tempo, da actividade criminosa. Por sua vez, o juízo de censura de que o Recorrente é merecedor tem de ser muito severo, não apenas pelo modo como se disponibilizou para receber as duas encomendas num curto espaço de três dias, como também pela circunstância de as mesmas encomendas lhe serem dirigidas para local onde normalmente não reside, como, ainda, pela circunstância de se tratar de pessoa que, pela sua inserção familiar e social e pelo relativo desafogo económico, poucas ou nenhumas suspeitas de envolvimento no tráfico de estupefacientes era susceptível de criar - o que revela grande reflexão sobre o modus operandi, com vista a despistar a acção de vigilância e repressiva das forças policiais. Como bem referiu, mais uma vez, o Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal a quo, no seu parecer de fls. 1750 e segs., invocando a resposta da Senhora Procuradora da República, «...o recorrente por estar bem inserido socialmente, como se provou que está, outras e maiores obrigações lhe caberiam»
A atenuação especial da pena já foi invocada no recurso para a Relação, sem êxito.
E, de facto, não vemos razão para alterar esse julgamento.
Do conjunto dos factos provados que não integram a conduta típica (nºs 2.1.73 a 2.1.90. e 2.1.148. do acórdão recorrido) emerge, no essencial, que o Recorrente é oriundo de família de bom nível económico e social; que frequenta o 4º ano do Curso Superior de Educação Física, tendo adquirido experiência profissional, trabalhando em período de férias e em fins de semana em discotecas e bares; que trabalha actualmente numa empresa de higiene e segurança no trabalho, onde aufere um salário de 300 Euros por mês; que é bem considerado no seu meio; que tem um relacionamento familiar sólido; que iniciou funções como monitor de educação física, com o salário de 130 contos; que tem perspectivas de iniciar um curso de animador cultural e de se dedicar ao comércio de aves; que é considerado por todos os que o conhecem como um jovem de irrepreensível comportamento, sendo pessoa bem conceituada e estimada no meio em que vive, com uma vida familiar, social e profissional estabilizada; que é delinquente primário.
Tais circunstâncias, porém, apenas revelam que se trata de pessoa socialmente inserida e que até então ainda não tinha tido contacto com o crime - o que nada tem de espantoso ou excepcional se, como o Recorrente, o arguido tem 24 anos de idade - e nada mais do que isso, designadamente a mínima potencialidade para, como exige a lei, atenuar especialmente a ilicitude do facto e, muito menos, o grau de culpa, com os contornos, uma e outra, que atrás ficaram desenhados. Aliás, o Recorrente nem intentou demonstrar onde e em que medida aquelas circunstâncias justificavam a sua pretensão. Acresce que tanto as razões de prevenção geral como as de dissuasão da prática de novos crimes, de modo algum se compaginam com uma pena abaixo da reclamada pelo grau da culpa. Se, no fim, a pena não tiver contribuído para a ressocialização do Recorrente, é pormenor que não pode ser antecipado e que em nada influi na solução do caso. Pode é trazer-lhe dissabores (cr. Artº 71º, nº 1-f) do CPenal). Aliás, a pena criminal visa em primeira linha e fundamentalmente a protecção dos bens jurídicos (artº 40, nº 1 do CPenal).
A pena não pode, pois, ser especialmente atenuada.
2.3.2. Da medida concreta da pena
Não tendo cabimento a atenuação especial da pena, não pode esta descer abaixo dos 4 anos de prisão - o limite mínimo da moldura do preceito incriminador.
Mas, como já antes vimos, sendo consideráveis as exigências de prevenção e elevados os graus da ilicitude e da culpa, a medida concreta terá de se distanciar, de maneira visível, daquele mínimo. E como não pode legalmente ultrapassar-se a pena que vem fixada pelas instâncias (artº 409º do CPP), só há que a confirmar.
O Recorrente critica, como vimos, o Acórdão recorrido, a propósito dos juízos sobre a ilicitude e a culpa e dos critérios seguidos para a sua graduação (natureza e quantidade da droga, por um lado, «o juízo de culpa que aplicou ao aqui Recorrente repetiu-se pelas mesmas exactas palavras para todos os demais arguidos condenados», por outro), por não ter diferenciado, como devia, a pena que lhe foi aplicada das que sofreram os co-arguidos B, C e D, considerando que, nessa medida, o Acórdão enferma da nulidade de falta de fundamentação, com a consequente violação do nº 2 do artº 374º do CPP.
Volta a não lhe assistir razão.
Em primeiro lugar, porque a medida concreta da pena que tem de lhe ser aplicada é função dos critérios legais, designadamente dos vertidos nos arts. 40º, 70º e 71º do CPenal, e não do cotejo com as aplicadas a outros arguidos (sem prejuízo, é evidente, do respeito pelos princípios da igualdade e da proporcionalidade) que até nem estão em recurso nem podem ser modificadas na sequência da hipotética procedência do que o Recorrente interpôs (cfr. artº 402º, nº 2-a) do CPP). Depois, e substantivamente, porque não têm correspondência nos factos provados as afirmações de que são diferentes ou são semelhantes as condutas e a situação de uns e de outros.
Assim, não é correcta a afirmação de que a droga apreendida ao co-arguido E pesava quase o dobro da que lhe foi apreendida a si, se com isso se pretende significar que, comparativamente com o E, esteve envolvido no tráfico de metade do produto - que de facto é o que interessa para graduar a ilicitude do facto. E que não é correcta tal afirmação decorre linearmente da circunstância por si omitida de, além da droga que lhe foi apreendida, ter, dias antes, recebido uma outra encomenda de cocaína que logrou lançar no mercado (facto do nº 2.1.10.), ao contrário da apreendida ao co-arguido. Por outro lado, porque a determinação da medida concreta da pena depende da consideração de outros factores que não apenas do grau de ilicitude. Ora, não só as circunstâncias que rodearam a conduta de um e de outro não são sobreponíveis, como as condições sócio-económicas de um e de outro - circunstância que em relação a si tanto quis valorizar - são bem diferentes, bem mais humildes as do co-arguido. Finalmente, porque, ao contrário do que afirma, o facto do nº 2.1.148, diz-nos que também do certificado do registo criminal do B nada consta.
O mesmo é de dizer das condições pessoais dos co-arguidos C e D. E se este já sofreu anteriormente uma pesada punição por idêntico crime, não é menos verdade que a sua intervenção neste caso, tal como se vê do facto do nº 2.1.51., foi menos relevante e decisiva para o êxito da operação do que a do Recorrente. As penas de todos eles estão pois suficiente e claramente justificadas e fundamentadas. O Recorrente, discorda. Mas isso não o habilita a arguir a nulidade da decisão por falta de fundamentação.
2.3.3. Da suspensão da execução da pena de prisão.
Depois do que antes ficou dito, apenas cabe referir, a este propósito, que esta pretensão do Recorrente não é legalmente admissível - artº 50º, nº 1 do CPenal.
3. Em conformidade com o exposto, acordam nesta secção em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar o Acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC’s.

Lisboa, 10 de Março de 2004
Sousa Fonte
Rua Dias
Pires Salpico
Antunes Grancho