CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CONTRATO INOMINADO
REGIME APLICÁVEL
UTILIZAÇÃO SEM TÍTULO
VALOR
LOCAÇÃO
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. O mero uso de um prédio constitui vantagem susceptível de avaliação pecuniária e a sua privação, em infracção do disposto no artigo 1305º do Código Civil consubstancia um dano patrimonial indemnizável por substituição pecuniária em quantitativo a determinar, verificados os restantes pressupostos, com base na equidade.
2. O contrato de cessão de exploração de estabelecimento industrial ou de locação de estabelecimento industrial é inominado, atípico, sujeito às declarações de vontade de quem nele outorga, subsidiariamente regido pelas normas do contrato típico de estrutura mais próxima e, na falta de umas e outras, pelas regras gerais dos contratos.
3. O tipo contratual cuja estrutura é mais próxima da do contrato de cessão de estabelecimento industrial é o de locação na espécie de arrendamento para o exercício da indústria, sendo subsidiariamente aplicável ao primeiro o disposto nos artigos 1036º e 1045º, ambos do Código Civil.
4. O dono do prédio e locador do estabelecimento comercial tem direito a ser indemnizado pelo locatário pelo atraso na sua entrega subsequente ao termo do contrato, nos termos do artigo 1045º do Código Civil.
5. O locatário estabelecimento tem, em regra, direito a ser indemnizado pelo dono respectivo pelas benfeitorias necessárias e úteis feitas no prédio, nos termos do artigo 1036º do Código Civil.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- A "Associação A" intentou, no dia 10 de Julho de 1997, contra B, acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a sua condenação a restituir-lhe a casa sita em Silves, Barragem do Arade, e respectivos móveis e utensílios, com fundamento na caducidade de um contrato de concessão para a exploração do "Restaurante ...", celebrado no dia 4 de Janeiro de 1982, entre o réu e a Câmara Municipal de Silves, a quem a autora o cedera por acordo entre ambas e a indemnizá-la em quantia a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos sofridos.
O réu invocou na contestação não poder a acção proceder por haver celebrado com a Câmara Municipal de Silves um contrato de arrendamento do imóvel, e, prevenindo o caso da sua procedência, pediu a condenação da autora a pagar-lhe 11.000.000$ por benfeitorias realizadas no prédio, passando o processo a seguir a forma ordinária.
A autora contestou a reconvenção, afirmando desconhecer a realização das obras e não as haver autorizado e, a terem sido feitas, o foram no período de cedência gratuita do prédio à Câmara Municipal de Silves, e requereu a intervenção acessória da última, que foi deferida.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 17 de Novembro de 2000 que, com fundamento na caducidade do contrato de concessão para exploração do "Restaurante ...", condenou o réu, por um lado, a restituir o imóvel e utensílios existentes à data da celebração do contrato.
E, por outro, quanto à reconvenção, julgando-a parcialmente procedente, condenou a autora a pagar ao réu 1.927.000$ relativos a benfeitorias necessárias de reparação eléctrica do edifício, incluindo a sala de dança e respectiva mão-de-obra, as obras de consolidação da falésia e de reparação de esgotos, e o que se liquidasse em execução de sentença quanto às benfeitorias úteis que não pudessem ser por ele levantadas.
Apelaram a autora e o réu, e a Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Março de 2002, qualificando o contrato como de arrendamento, julgou procedente o recurso interposto pelo réu, absolvendo-o do pedido contra ele formulado pela autora, e declarou prejudicado o conhecimento do recurso de apelação pela última interposto.
Interpôs a apelante "Associação A" recurso de revista, e o Supremo Tribunal de Justiça, qualificando o contrato como de concessão para exploração do "Restaurante ...", revogou o acórdão da Relação, declarando subsistir a sentença da 1ª instância, e determinou a baixa do processo àquele Tribunal a fim de conhecer do recurso de apelação interposto pela autora.
A Relação, por acórdão proferido no dia 2 de Outubro de 2003. julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela autora, confirmando a sentença proferida nessa parte na 1ª instância.

Interpôs a "Associação A" recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- é ilegal a posse do recorrido sobre o prédio desde 4 de Janeiro de 1986 sem qualquer pagamento, tendo-se limitado a depositar 35.000$ à ordem do processo no dia 2 de Julho de 1986;
- a posse ilícita do prédio pelo recorrido impediu a recorrente de dele dispor, do que lhe resultaram prejuízos, dos quais devia ser indemnizada segundo juízos de equidade, no mínimo em € 24,94 mensais, que o primeiro pagava;
- ao absolver o recorrido do pedido de pagamento de indemnização pela posse ilegal, o tribunal violou os artigos 4º, alínea a), e 566º, nº. 3, do Código Civil;
- as obras/benfeitorias realizadas pelo recorrente infringiram a cláusula 4ª das condições especiais do contrato de concessão de exploração, porque as fez sem autorização da recorrente nem da Câmara Municipal de Silves, que as considerou prejudiciais;
- essas benfeitorias não autorizadas não correspondem ao interesse da recorrente, pelo que se não pode dizer que, na falta de indemnização, existe um seu injusto locupletamento, por o prédio ser do Estado e a recorrente sua mera depositária, não podendo locupletar-se porque nada obtém à custa do empobrecimento do recorrido;
- as benfeitorias executadas pelo recorrido em situação de posse ilegal não podem ser objecto de indemnização por inexistência de título justificativo da ocupação;
- ao condenar a recorrente no pagamento de indemnização por benfeitorias necessárias e úteis, o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os artigos 570º e 1273º do Código Civil;
- deve o recorrido ser condenado no pagamento da indemnização pedida pela recorrente e esta absolvida do pedido de indemnização por benfeitorias.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão:
- como a recorrente não provou que a ocupação da casa pelo recorrido lhe causou prejuízos por não ter podido celebrar contratos com outrem, não podia ser condenado a indemnizá-la;
- enquanto o recorrido esteve na posse do estabelecimento, nele realizou obras de construção, de reparação, de instalação de água e electricidade e de ampliação e consolidação do prédio, a quais, dada a sua finalidade são necessárias;
- as obras necessárias exigidas para o funcionamento do restaurante, feitas com investimento próprio e exclusivo, são qualificáveis como benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas sem detrimento do prédio nem do restaurante, e foram impostas pela Direcção-Geral do Turismo ou autorizadas pela Câmara Municipal de Silves, na altura na posse do imóvel;
- caso tenha de entregar à recorrente a casa benfeitorizada, a recorrente beneficia de enriquecimento sem causa à custa do recorrido possuidor;
- o acórdão recorrido cumpriu o disposto no artigo 216º e 1273º do Código Civil.

II- É o seguinte o declarado provado no acórdão recorrido ou constante de documentos para que remete:
1. A autora é uma pessoa colectiva de direito público, designada por "Associação A", e nunca autorizou o réu a proceder a quaisquer obras.
2. Do inventário de bens imóveis entregues à autora pelo Estado Português para a obra de rega das Campinas de Silves, Lagoa e Portimão, constam edifícios destinados à exploração, dos quais a autora ficou fiel depositária, continuando na propriedade do Estado, entre eles um imóvel situado em Silves, junto à Barragem do Arade, habitualmente destinado à morada do engenheiro residente, designado por Casa ....
3. A Casa ... era inicialmente composta por uma cozinha, quarto de criada, lavabos anexos ao quarto da criada, sala de jantar e estar, dois quartos, quarto de banho, recinto coberto de entrada e um pequeno terraço anexo, ocupando o conjunto a área de 147,90 m2.
4. As suas paredes, construídas em alvenaria, eram rebocadas exteriormente e estucadas a gesso interiormente, as paredes interiores eram de tijolo, os pavimentos eram de madeira de pinho, excepto a cozinha e o quarto de banho, que eram de mosaico, os rodapés eram de madeira de pinho, excepto na sala de estar, em que as paredes eram forradas de madeira de castanho até á altura de 1,5 metros, na cozinha, no quarto de banho e no quarto de banho da criada, em que o rodapé era de mosaico e as paredes revestidas de azulejo até à altura de 1,5 metros.
5. Os tectos eram de madeira de pinho pintados a branco, excepto na sala de jantar e estar e recinto de entrada, que eram de vigamento e forro à vista, pintados de castanho, e o telhado era formado por uma estrutura de madeira, com guarda-pó na sala de jantar e recinto de entrada, coberto com telha tipo Campos.
6. Na Casa ... havia autoclismo de nove litros, banheira esmaltada de 1,70 x 0,75 x 0,44, bidet tipo inglês de 1ª, chuveiro cromado de 1/5", depósito de fibrocimento para 1000 litros com tampa de 1,45 x 0,95 x 0,82, depósito com capacidade de 125 litros para aquecimento directo, lavatório de coluna tipo inglês, lavatório Jamor, lavatório de parede de 2ª, lava-louça em pedra Pêro Pinheiro, retrete com autoclismo modelo 2 branca e ferragem para a cisterna, retrete Caima com assento de madeira, torneira misturadora "Carbon" cromada para água quente e fria com chuveiro de coluna e tanque com tampa branco para 16 litros.
7. No recinto coberto de entrada, em caixa aberta na parede, com porta de ferro, estavam instalados os fusíveis e o interruptor geral de alavanca ligados directamente a um poste Cavan por meio de uma baixada em fio BT.
8. A iluminação eléctrica da casa era formada por um recinto coberto de entrada havia um candeeiro de ferro forjado suspenso do forro do telheiro por correntes, também de ferro forjado, com lâmpada de 60 W e, na sala de jantar e de estar, havia um candeeiro de madeira de castanho, suspenso do tecto, com 6 lâmpadas tipo chama e uma lâmpada central de 100 W e, nos restantes compartimentos, um globo branco com lâmpada de 60 W, três amarrados ao tecto e dois suspensos por haste metálica.
9. A instalação de águas era constituída por tubos de ferro galvanizado de diferentes diâmetros, embebido nas paredes, que ligam os depósitos de água fria e água quente aos sanitários, banheira, chuveiros e lava-louça da cozinha.
10. A utilização do referido imóvel, entregue pelo Estado à autora, foi cedida, por acordo verbal, gratuita e precariamente, à Câmara Municipal de Silves, que teve, assim, a posse do mesmo durante alguns anos.
11. Na vigência daquela cedência, em escritura feita no dia 4 de Janeiro de 1982, perante o notário privativo da Câmara Municipal de Silves, C, seu Presidente, em representação daquela, por um lado, e o réu, por outro, declararam, a primeira conceder ao segundo, por 5.000$ mensais, a exploração do "Restaurante ...", por três anos, prorrogável por períodos de um ano mediante requerimento do concessionário, com sujeição a revisão do preço e, por outro, que o último não podia fazer obras alterantes da estrutura ou do traço arquitectónico do edifício e que toda e qualquer alteração, por mais insignificante, não poderia ser executada sem parecer dos serviços técnicos da Câmara e não ser consentida a aplicação de caixilharia de alumínio no edifício.
12. A Câmara Municipal de Silves deliberou, no dia 25 de Fevereiro de 1982, concordar com a seguinte informação do arquitecto municipal: "Após deslocação ao local para verificação das dimensões e características das obras a efectuar, conclui-se que o requerente, B, pretende fechar a marquise coberta e o pátio descoberto existentes nos alçados laterais do edifício; as características dos materiais e elementos decorativos bem como as cores a utilizar estão em consonância com a tipologia arquitectónica do exterior do edifício, integrando-se estética e visualmente na paisagem, permitindo aumentar a área útil do restaurante com benefício das potencialidades do local".
13. O réu efectuou obras de ampliação da área útil do edifício, de melhoramento na cozinha e casa de banho, obras de recuperação da esplanada e jardins, obras de consolidação da falésia e reparação de esgotos, reparação da instalação eléctrica e canalização de água, tendo sido proferido pela Câmara Municipal de Silves sobre as obras de ampliação da área útil do edifício a informação e deliberação que consta do documento de folhas 62.
14. Na Casa ..., não tinha a Câmara Municipal de Silves, nem a autora, a funcionar, qualquer estabelecimento por si explorado comercialmente, e o réu apetrechou-a com equipamento, máquinas e utensílios necessários e adequados instalação do "Restaurante ..." que passou a denominar-se "Restaurante ...", obteve das autoridades competentes, designadamente da Câmara Municipal de Silves, o licenciamento e o alvará sanitário do estabelecimento emitido com o nº. 11, criou a sua própria clientela, de nacionais e estrangeiros, conferindo ao local interesse turístico.
15. No dia Em 26 de Novembro de 1982, a Repartição de Empresas e Actividades Turísticas da Direcção-Geral do Turismo exigiu ao réu a realização, em 90 dias, das seguintes obras que ele realizou: melhorar, de um modo geral, as instalações sanitárias de clientes - revestimentos, equipamentos ...-, subir até ao tecto as paredes das cabinas sanitárias, iluminar os espelhos colocados sobre os lavatórios, melhorar as instalações destinadas a pessoal, principalmente as sanitárias, rever as zonas de cozinha por forma a torná-las funcionais, revestir os tampos das mesas, bancadas e prateleiras ali existentes com material impermeável, resistente e liso e de cor clara que permitisse uma fácil lavagem e inspecção do asseio, a não acumulação de detritos, instalar lava-loiças em aço inoxidável ... ou outro material apropriado, em substituição dos actuais alguidares de plástico.
16. No dia 12 de Março de 1985, a Câmara Municipal de Silves e a autora declararam, em protocolo, o seguinte: "a Câmara Municipal de Silves tem vindo, ao longo do tempo, a explorar a Casa do Engenheiro, onde está instalado o restaurante "...", sito à Barragem de Arade, em Silves, local de reconhecido interesse turístico para a zona; esta Câmara, com o fim de salvaguardar a manutenção do estabelecimento, propõe a devolução do direito de posse à "Associação A", por o referido edifício pertencer ao inventário dos seus bens entregues pelo Estado, aquando da aceitação da obra por esta "Associação A", o reconhecimento por esta dos compromissos assumidos pela Câmara Municipal de Silves para com o actual arrendatário do restaurante "...", B, nomeadamente o contrato de exploração celebrado entre aquele e a Câmara Municipal de Silves, em 4 de Janeiro de 1982, transferindo-se para os escritórios da "Associação A" o pagamento das rendas, a que se refere a cláusula 4ª das condições gerais do contrato acima referido; a devolução do estabelecimento terá os seus efeitos a partir da assinatura deste documento, e a Câmara Municipal de Silves vinca mais uma vez o interesse turístico que o estabelecimento representa para a zona, pelo que reputa de grande importância a manutenção deste para servir o turismo de interior; a "Associação A", manifesta a aceitação deste acordo, bem como se compromete a respeitar os compromissos assumidos pela Câmara nos precisos termos do contrato de exploração que esta celebrou; ambas as partes agora outorgantes manifestam ainda a intenção de, no futuro, colaborarem no sentido do bom aproveitamento do local, viabilizando qualquer empreendimento que beneficie o concelho e não ponha em causa os interesses que a ambas cabe proteger.
17. A Câmara Municipal de Silves remeteu ao réu e este recebeu, o ofício nº. 728, de 14 de Março de 1985, do seguinte teor: Informa-se que esta Câmara assinou com a "Associação A" um Protocolo de entrega da Casa da Barragem de que V.Exa. é arrendatário, pelo que deve proceder ao pagamento da renda respeitante ao mês de Abril no escritório da referida "Associação A". Informa-se ainda que a renda respeitante ao mês de Março se encontra a pagamento na tesouraria desta Câmara.
18. O réu, de Abril a Dezembro de 1985, entregou prestações na sede da autora e nos seus escritórios, como lhe foi indicado pela Câmara Municipal de Silves, e partir de Dezembro de 1985, ela propôs ao réu a celebração de novo contrato com novas cláusulas, e o réu recusou-as, mas manifestou o seu propósito e interesse nas sucessivas prorrogações do contrato.
19. Por carta de 31 de Março de 1986, a autora comunicou ao réu, concessionário do restaurante da Barragem, que havia sido deliberado conceder-lhe o prazo de 30 dias a partir dessa data a fim de regularizar o contrato de arrendamento, a estabelecer, e o aluguer das referidas instalações a ela pertencentes, e que interpretaria o seu silêncio como desinteresse do arrendatário cessante, ficando a partir dessa data sem efeito qualquer compromisso assumido anteriormente pela Câmara Municipal de Silves e que a autora se obrigou a respeitar.
20. A Câmara Municipal de Silves remeteu à empresa ..., ao cuidado do réu, no dia 19 de Junho de 1986, o ofício nº. 1928, do seguinte teor: "Em virtude de, até à presente data, a empresa supracitada não ter regularizado a sua situação legal com a "Associação A", conforme ficou acordado em reunião com a edilidade, e a continuação da sua exploração anárquica, a qual veio a colidir com os interesses municipais, bem como dos seus cidadãos e o bem público, tomo a liberdade de informar V.Exa. do seguinte: "considerando que, tendo sido destruído o parque natural da zona da ilha, sem qualquer autorização, tendo já falecido nestes últimos anos alguns cidadãos nacionais e estrangeiros, sem qualquer norma de segurança e responsabilidade, a situação do bar continua ilegal, a gestão e utilização abusiva de toda a zona envolvente da barragem - corte de árvores, barcos sem licença, pranchas aquáticas, etc. - vai esta edilidade diligenciar no sentido do encerramento da dita exploração junto das entidades competentes".
21. No dia 2 de Julho de 1986, o réu depositou, na Caixa Geral de Depósitos 35.000$ relativos às rendas dos meses de Janeiro a Julho de 1986 do restaurante sito na Barragem do Arade, não tendo entregue qualquer outra prestação.
22. O réu, no dia 27 de Julho de 1986, escreveu à autora uma carta, propondo-lhe a compra do edifício do Restaurante na Barragem de Arade e respectivos terrenos circundantes desde a estrada de acesso a nascente e a margem da Albufeira a Poente, considerando o estado das instalações aquando do concurso efectuado pela Câmara Municipal de Silves, por 3.000.000$, a aplicação do estipulado por lei no que concerne à transmissão de bens de senhorios na defesa dos interesses dos respectivos arrendatários, e que era sua intenção, na sua qualidade de pequeno empresário, cumprir a execução do plano de dinamização e valorização turística na Barragem do Arade, exposto às várias entidades oficiais com jurisdição no sector, respeitando as respectivas hierarquias processuais, e encontrar-se à disposição dela para eventuais reuniões que julgassem necessárias para se debater este assunto directamente.
23. A autora respondeu à carta do réu mencionada sob 10, no dia 26 de Agosto de 1986, com uma carta, do seguinte teor: "Como já era do seu conhecimento, o contrato celebrado com a Câmara Municipal de Silves terminou em Dezembro de 1985, pelo que se torna necessário acertarmos em novo contrato, tendo por base os seguintes pontos: do arrendamento apenas constarão o edifício onde se encontra instalado o restaurante e respectivo logradouro, excluindo a utilização das ilhas; o arrendamento será por dois anos, com início em 4 de Janeiro de 1986, prorrogável por períodos de um ano, mediante requerimento apresentado pelo arrendatário com a antecedência mínima de trinta dias do termo do contrato de arrendamento anterior, ficando essa prorrogação sujeita a revisão do preço e das respectivas condições, cuja renda mensal será de 20.000$; quanto à proposta de compra apresentada na vossa carta de 27 de Junho de 1986, ela está fora de causa, não podendo servir de base para negociações, em virtude de se tratar de património do Estado.
24. No dia 7 de Outubro de 1986, a autora remeteu a ..., ao cuidado do réu, uma carta, do seguinte teor: "Na reunião havida na sede desta Associação no dia 23 de Setembro último, pelas 11.00 horas, entre os 2 signatários, membros da Comissão Administrativa e B, na qualidade de representante da Administração de ..., ficou acordado aguardar-se contraproposta vossa às nossas condições de arrendamento, até final da semana anterior. Como até ao presente nada nos foi comunicado, infere-se o desinteresse da vossa parte na rápida resolução do novo contrato de arrendamento, dado que o anterior contrato assinado com a Câmara Municipal de Silves caducou em 4 de Janeiro de 1986. Em conformidade com o exposto, não se sente esta Comissão Administrativa obrigada a continuar conversações abandonadas por parte dessa empresa. Tendo continuado a verificar-se a navegação dos vossos barcos a motor na Albufeira de Arade, desrespeitando frontalmente o estabelecido no nosso ofício 145/83 e nos despachos da Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos de 20 de Junho de 1984 e de 2 de Abril de 1986, dos quais oportunamente lhe foi dado conhecimento e de que se anexam fotocópias, vê-se esta Comissão Administrativa impelida a anular aquela autorização, tal como foi na oportunidade referido. Deste modo, a partir desta comunicação, fica interdita a navegação de qualquer tipo de barco na Albufeira de Arade".
25. Não obstante o Restaurante "..." haver sido alvo de um despacho, datado de 23 de Fevereiro de 1987, do Governo Civil de Faro, de encerramento, a que foi dado cumprimento no dia 10 de Março de 1987, o réu recusou-se a fazer a entrega da casa à autora.
26. A autora, através da sua mandatária, enviou ao réu uma carta, datada de 9 de Junho de 1987, lembrando mais uma vez que o contrato celebrado com a Câmara Municipal de Silves caducara há muito e que não tinha sido celebrado qualquer outro contrato, e solicitou-lhe a sua comparência no mencionado restaurante no dia 19 de Junho de 1987, pelas 11.00 horas, a fim de fazer a entrega da respectiva chave.
27. Tendo em vista eventual prorrogação do prazo, que deveria tido início no dia 4 de Janeiro de 1986, a autora tentou chegar a acordo com o réu para esse efeito, o que não foi possível, e ele jamais tentou qualquer proposta com vista à celebração de contrato com a autora.
28. O réu jamais entregou à autora a chave da casa em causa, que continua a ocupar, bem como a enviar cartas à autora, manifestando o interesse na prorrogação de tal contrato, por exemplo, a carta de 29 de Novembro de 1989, a que a referida mandatária, em nome da autora, respondeu dizendo mais uma vez que aquele contrato há muito caducou e não voltou a ser renegociado.
29. Todas as obras foram levadas a efeito com investimentos exclusivos do réu, sem qualquer comparticipação da autora, da Câmara Municipal de Silves, do Estado ou de outra entidade pública.
30. O edifício onde se acha instalado o "Restaurante ..." era de construção antiga, e o réu procedeu às seguintes alterações e beneficiações: na divisão, que inicialmente era uma sala, beneficiou a sua decoração através de elementos de madeira, numa das paredes enquadrando o brasão concelhio existente e noutra colocou um painel em ferro alusivo à nova denominação do restaurante, constando de um veado no campo, em que faz sobressair a sua silhueta através de iluminação colocada por detrás; e neste salão colocou mobiliário novo constituído por maples revestidos com veludo vermelho; procedeu ao fecho da varanda norte, com o tecto em vigas e revestimento de madeira de forro, sendo o telhado de telha idêntica à já existente e, em toda a sua extensão, proporcionando uma vista panorâmica sobre a albufeira, colocou janelas com as estruturas de madeira.
31. Esta ampliação foi efectuada com o propósito de aí instalar a sala de jantar, permitindo a capacidade para trinta e cinco pessoas e, numa outra divisão, constituiu o réu uma sala de dança, cujo revestimento interior foi forrado a alcatifa com jogos de espelhos sobrepostos e tendo anexa uma cabina de som e de luz.
32 .O réu procedeu ainda a beneficiações na decoração e mobiliário do hall da entrada, aproveitando-o para a instalação de uma loja de artesanato e recordações, em que o balcão e prateleiras foram feitas com madeira, procedeu à construção de casas de banho para senhoras e para homens, bem como à reparação e beneficiação da cozinha, com os arranjos necessários e possíveis ao seu bom funcionamento, tendo a esplanada sido equipada com uma churrascaria.
33. O edifício foi beneficiado com condições de ventilação, passando a ter em todo o seu perímetro janelas que permitem uma renovação de ar, a par de ar condicionado na sala de refeições e na sala de dança.
34. Pelo menos, na reparação da instalação eléctrica de todo o edifício, incluindo a da sala de dança e respectiva mão de obra, despendeu o réu 900.000$ e, pelo menos, com obras de consolidação da falésia e reparação de esgotos, despendeu 1.027.000$.

III- As questões essenciais decidendas são as de saber se a recorrente tem direito a exigir do recorrido indemnização por ocupação do que foi a "Casa ..." e se o recorrido tem ou não direito a exigir da recorrente indemnização derivada de benfeitorização.
Tendo em linha de conta o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões da alegação da recorrente e do recorrido, a resposta às referidas questões pressupõe a análise da seguinte problemática:
- situação jurídica da antiga "Casa ...";
- posição jurídica da recorrente face contrato celebrado entre o recorrido e Município de Silves;
- estrutura e regime legal aplicável ao contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial;
- tem ou não a recorrente direito a ser indemnizada pelo recorrido em razão do atraso de restituição do estabelecimento em causa?
-conceito de benfeitorias e respectivo regime legal;
-análise dos factos provados relativos a benfeitorias;
- tem ou não o recorrido direito a exigir da recorrente indemnização por benfeitorias?
- síntese da solução para o caso decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1. À recorrente foi atribuída pelo Estado, através da Junta de Hidráulica Agrícola, por despacho datado de 18 de Abril de 1972, a exploração e conservação da Obra de Rega das Campinas de Silves, Lagoa e Portimão (Diário da República, III Série, nº. 115, de 16 de Maio de 1972).
No âmbito da mencionada concessão da exploração e conservação daquele empreendimento de interesse público, foi entregue à recorrente a então designada "Casa ...".
Conforme resulta de II 2 a 9, "Casa ..." era uma normal casa de habitação, destinada a pessoas que deviam trabalhar na aludida Obra de Rega, apetrechada com os necessários utensílios domésticos destinados a essa finalidade.
Integrada no mencionado empreendimento de rega, cuja concessão e exploração fora atribuída à recorrente, ficou esta vinculada a dispensar-lhe os necessários cuidados de conservação (artigo 34º do Regulamento da Obra de Rega das Campinas de Silves, Lagoa e Portimão, de 16 de Maio de 1972 (Diário da República, III Série, nº. 115).
Foi nessa qualidade de concessionária da exploração e conservação da Obra de Rega das Campinas de Silves, Lagoa e Portimão que a recorrente cedeu gratuitamente o gozo daquela casa ao Município de Silves.

2. Não obstante a factualidade que consta de II 14, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 3 de Abril de 2003, transitado em julgado, declarou que os factos mencionados sob II 11 integravam, não um contrato de arrendamento para o exercício da indústria, mas um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial.
Impõe-se, nesta sede, o respeito pelo referido caso julgado, em termos de resolução das questões jurídicas postas no recurso tendo em linha de conta a mencionada qualificação.
Apesar da recorrente ser a concessionária da exploração de conservação da obra de rega em causa, onde se integrava o mencionado edifício, não interveio no contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial nele instalado ou a instalar.
Mas, face ao factos elencados II 16, em contrato celebrado com o Município de Silves no dia 12 de Março de 1985, ou seja, pouco mais de três anos depois da celebração do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial do Restaurante ..., a recorrente declarou vincular-se, no confronto da Câmara Municipal de Silves, a reconhecer os compromissos por esta última assumidos para com o recorrido no âmbito daquele contrato.
Conforme resulta de II 17, a Câmara Municipal de Silves comunicou ao recorrido os termos do contrato celebrado com a recorrente, e aquele, como decorre de II 18, passou a entregar a prestação de renda na sede da recorrente, pelo que aceitou tacitamente a assunção da posição de locadora por parte da última (artigo 217º, nº. 1, do Código Civil).
Em consequência, no confronto da recorrente e do Município de Silves, estamos perante válida e eficaz cessão de posição contratual, com o efeito de a primeira assumir a posição de locadora do estabelecimento comercial e industrial em causa (artigo 424º, nº. 1, do Código Civil).

3. Expressava a lei aquando da celebração entre o Município de Silves e o recorrido do referido contrato de cessão de exploração de estabelecimento industrial ou de locação de estabelecimento industrial, não ser havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado (artigo 1085º, nº. 1 do Código Civil e 111º, nº. 1, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 321-B/90, de 15 de Outubro- RAU).
Trata-se, essencialmente, de um contrato de locação de estabelecimento, certo que o respectivo titular cede a outrem, temporária e onerosamente, a fruição da universalidade dos elementos materiais e dos direitos que o integram (artigo 1022º do Código Civil).
Pretendeu a lei que ficasse salvaguardada a validade do referido tipo contratual não obstante o seu duplo objecto mediato, envolvente do prédio, sede do estabelecimento, e dos bens móveis e direitos integrantes do substracto material do estabelecimento, à margem da regra de renovação automática que é própria dos contratos de arrendamento.
Conforme este Tribunal considerou no acórdão proferido neste processo, trata-se de um tipo contratual inominado, sujeito, nos termos do artigo 406º, nº. 1, do Código Civil, à liberdade contratual de quem nele outorga como locador e locatário, e, subsidiariamente, pelas normas do contrato típico de estrutura mais próxima e, na falta de umas e outras, pelas regras comuns dos contratos.
Como o contrato de cessão de estabelecimento comercial ou industrial se traduz em locação de estabelecimento comercial ou industrial, o tipo contratual cuja estrutura lhe é mais próxima é o de locação na espécie de arrendamento para o exercício do comércio ou indústria (artigos 1022º, 1023º e 1086º, nº. 1, do Código Civil, 1º e 110º do RAU).
Consequentemente, como no contrato de locação de estabelecimento em causa nada foi regulado quanto a indemnização correspondente ao prejuízo derivado do atraso da restituição do estabelecimento decorrente da respectiva cessação, nem quanto a benfeitorias, deve na espécie aplicar-se, a título subsidiário, o disposto nos artigos 1045º e 1046º do Código Civil.

4. Na sentença proferida na 1ª instância, considerou-se que o recorrido, ao recusar revisão do preço e respectivas condições impediu, a partir de 4 Janeiro de 1986, a prorrogação do prazo do contrato de cessão de exploração de estabelecimento, altura em que devia devolvê-lo à recorrente.
Todavia, com fundamento em os prejuízos invocados pela recorrente não haverem sido por esta provados, absolveu o recorrido do pedido de indemnização pela primeira formulado com base ocupação ilegal do estabelecimento pelo último.
A Relação, não obstante haver considerado ser a posse do recorrido sobre o prédio ilícita desde Janeiro de 1986, considerou que a recorrente não tinha direito de por ele ser indemnizada, por ela não ter provado os prejuízos que invocara e não serem notórios.
Conforme resulta de II 11, 16, 18 a 21 e 23 a 28, a renda convencionada entre o recorrido e o Município de Silves concernente à locação do estabelecimento em causa era de 5.000$ mensais, o respectivo contrato caducou no dia 4 de Janeiro de 1986, e o recorrido ocupa o locado desde essa data, recusando devolvê-lo à recorrente.
Acresce haver transitado em julgado a condenação do recorrido, sem qualquer condição, a restituir à recorrente o imóvel e os utensílios existentes à data da celebração do contrato na sentença proferida na 1ª instância.
Assim, estamos perante uma situação em que a recorrente, por omissão ilícita do recorrido, está privada do uso do prédio desde o dia 4 de Janeiro de 1986, data em que caducou o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial em causa.
A recorrente, por virtude do contrato de concessão da exploração e conservação da Obra de Rega das Campinas de Silves, Lagoa e Portimão, em que a referida casa de integra, que através da Junta de Hidráulica Agrícola celebrou com o Estado, plasmado no Regulamento acima mencionado, exerce em relação àquela casa as faculdades correspondentes ao exercício do direito de propriedade que lhe foram transmitidas pelo Estado concedente.
Nos limites da lei e com as restrições por ela impostas, têm os proprietários e quaisquer outros titulares de direitos reais menores de gozo o direito usar, fruir e dispor das coisas que lhe pertençam (artigo 1305º do Código Civil).
O mero uso de um prédio constitui vantagem susceptível de avaliação pecuniária, e a sua privação, naturalmente em violação do disposto no artigo 1305º do Código Civil, consubstancia um dano patrimonial indemnizável por substituição pecuniária, em quantitativo a determinar, verificados os restantes pressupostos, com base na equidade.
A pessoa que, intrometendo-se na utilização dos bens alheios, consegue uma vantagem patrimonial, obtém-na à custa do titular do respectivo direito, mesmo que este não estivesse disposto a realizar os actos de onde a vantagem procede.
Trata-se de uma vantagem que estava reservada ao titular do direito, segundo o conteúdo da destinação, afectação ou ordenação dos bens que constituem o respectivo objecto.
Dir-se-á que se alguém interferir em bens que lhe não pertençam, fruindo-os ou usando-os, deve indemnizar o proprietário do valor de uso que deles fez, ainda que o proprietário, se acaso não tivesse ocorrido a interferência, nenhum proveito específico tiraria (HENRIQUE MESQUITA, RLJ, Ano 125º, pág. 158; e Acs. do STJ, de 6.3.97, CJ, Ano V, Tomo 1, pág. 129, e de 6.6.2001, CJ, Ano IX, Tomo 2, pág. 124).
Em consequência, independentemente de a recorrente não haver logrado provar os factos relativos ao prejuízo que invocou na petição inicial, é notório que a sua esfera jurídico-patrimonial ficou negativamente afectada em virtude de o recorrido, pela sua omissão ilícita e culposa lato sensu, a ter privado durante anos do uso da referida casa.
Conforme acima se referiu, aplica-se, na espécie, a título subsidiário, o normativo, segundo o qual, se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que o contrato finde, é o locatário obrigado, a título de indemnização, a pagar ao locador, até ao momento da restituição, a renda ou aluguer que as partes hajam estipulado, e o dobro desse valor a contar da data da sua constituição de mora (artigo 1045º do Código Civil).
Resulta deste artigo que a obrigação de entrega do locado surge logo que finde o contrato, independentemente da respectiva causa, e que se trata de uma obrigação de indemnização de estrutura contratual, porque derivada do incumprimento do dever de restituição da coisa locada.
A indemnização é, assim, fixada segundo o critério especial de fixação do seu montante com base na renda, isto é à margem de aplicação das regras dos artigos 562º e seguintes do Código Civil, dispensando a alegação e prova de prejuízos.
No caso vertente, o contrato de cessão de exploração do estabelecimento industrial em causa caducou no dia 4 de Janeiro de 1986, mas a recorrente, conforme resulta de II 26, ultrapassado algum tempo de tentativa de prorrogação do prazo do contrato ou de celebração de um novo contrato, é que ela intimou o recorrido, para ele, no dia 19 de Junho de 1987, lhe entregar a casa, sem êxito embora.
Consequentemente, o recorrido entrou na situação de mora ou atraso de cumprimento da sua obrigação de entrega da casa no referido dia 19 de Junho de 1987 (artigo 805º, nº. 1, do Código Civil).
Acresce, conforme decorre de II 21, que o recorrido depositou a favor da recorrente as rendas correspondentes aos meses de Janeiro a Julho de 1986, pelo que a indemnização que a recorrente tem direito a exigir do recorrido, à luz do disposto no artigo 1045º do Código Civil, corresponde às rendas em singelo relativas aos últimos cinco meses do ano de 1986 e aos primeiros seis meses do ano de 1987, e às rendas em dobro correspondentes aos meses dos anos de 1988 a 2003, inclusive, e aos primeiros dois meses de 2004, com o acréscimo do valor das rendas que se vencerem desde então até ao momento da entrega da casa.
Assim, impõe-se nesta sede a condenação do recorrido a pagar à recorrente, relativamente ao período correspondente a Julho de 1986 a Fevereiro de 2004, a quantia de € 10.250,30.

5. Resulta da lei, em tanto quanto releva no caso vertente, por um lado, serem as benfeitorias as despesas feitas para conservar ou melhorar uma coisa, necessárias e úteis (artigo 216º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).
E, por outro, serem necessárias as benfeitorias cujo fim seja evitar a perda, a destruição da coisa, e úteis as desnecessárias para a sua conservação, mas que lhe aumentam o valor (artigo 216º, nº. 3, do Código Civil).
Assim, em sentido jurídico, são benfeitorias os melhoramentos feitos em coisas por pessoas a elas ligados por alguma relação jurídica, resultante, por exemplo, de locação ou posse.
Só são de considerar benfeitorias necessárias em determinada coisa as despesas imprescindíveis para a sua conservação à luz de critérios objectivos de normalidade e de razoabilidade e na envolvência de uma gestão prudente do homem, sendo adoptável como índice o facto da sua não realização prejudicar o fim específico da coisa.
Por via do critério de delimitação negativa legalmente previsto, são benfeitorias úteis de uma coisa as despesas não imprescindíveis para a sua conservação mas idóneas ao aumento do respectivo valor.
O referido conceito de benfeitorias necessárias e úteis interessa, além do mais que na espécie não releva, nas relações dos locatários sobre as coisas locadas e possuidores sobre as coisas possuídas (artigos 1046º e 1273º a 1275º do Código Civil).
A propósito da indemnização de despesas e levantamento de benfeitorias, relativamente ao contrato de locação em geral, expressa a lei que, fora dos casos previstos no artigo 1036º do Código Civil, atinente a reparações ou outras despesas urgentes no locado, que fora dos casos previstos no artigo 1036º, salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada (artigo 1046º, nº. 1, do Código Civil).
Conforme acima se referiu, face à atipicidade do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial em causa, como o contrato típico de estrutura que lhe é mais próxima é o contrato de locação, deve o disposto no nº. 1 do artigo 1046º do Código Civil aplicar-se-lhe a título subsidiário.
Nas instâncias considerou-se, em relação ao estabelecimento industrial em causa, que o recorrido assumia a qualidade de possuidor a que se reporta o artigo 1273º, nº. 1, do Código Civil.
Todavia, a posse a que o mencionado artigo se reporta é a verdadeira e própria, ou seja, o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, o mesmo é dizer a que ocorre em nome próprio (artigo 1251º do Código Civil).
O recorrido, porém, era mero locatário do estabelecimento comercial em causa, por isso não possuidor relativamente ao direito de propriedade respectivo, mas um mero detentor ou possuidor em nome alheio (artigo 1253º, alínea c), parte final, do Código Civil).
Decorrentemente, o eventual direito de indemnização por benfeitorias do recorrido deve ser equacionado à luz do artigo 1046º, nº. 1, do Código Civil, embora, porque ele remete para o regime relativo ao possuidor de má fé, importa considerar, na espécie, o disposto no artigo 1273º daquele diploma.
Ora, expressa o artigo 1273º do Código Civil, por um lado, que os possuidores, de boa fé ou de má fé, têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito e a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam sem o seu detrimento (nº. 1).
E, por outro, que, quando for impossível o levantamento das benfeitorias úteis para evitar o detrimento da coisa, têm os possuidores, de boa ou de má fé, o direito a indemnização pelo valor das benfeitorias segundo as regras do enriquecimento sem causa (nº. 2).

6. A recorrente apenas expressa no recurso a sua discordância na realização da obras sem autorização, o facto de não corresponderem ao seu interesse, não a beneficiarem por o prédio ser do Estado e não poderem ser objecto de indemnização por o recorrido não ter título justificativo da ocupação.
Confrontemos a referida argumentação da recorrente com a factualidade a atender nesta sede de recurso.
Mas, conforme resulta de II 11, no que concerne a obras no edifício, o Município de Silves e o recorrido apenas convencionaram que o último não podia fazer obras que alterassem a sua estrutura e traço arquitectónico, e que toda e qualquer alteração, por mais insignificante que fosse não poderia ser executada sem parecer dos serviços técnicos da Câmara e não ser consentida a aplicação de caixilharia de alumínio.
Assim, no que respeita a obras, a proibição só incidiu sobre obras que alterassem a estrutura do edifício, ou seja, o núcleo essencial da sua ossatura interna e externa, ou de inserção de caixilharia de alumínio. As demais alterações apenas dependiam de parecer dos serviços técnicos da Câmara Municipal de Silva, que também era o locador.
Conforme decorre de II 12, ao invés do que a recorrente afirma para excluir a sua obrigação de indemnizar o recorrido pelas benfeitorias por ele realizadas, as obras por ele realizadas foram aprovadas pela Câmara Municipal de Silves.
Ainda que assim não fosse, conforme abaixo melhor se justificará, o direito de indemnização por benfeitorias em geral feitas na coisa por quem tenha em relação a ela a mencionada ligação jurídica não depende de autorização de quem de direito para as realizar.
Não releva, ademais, a argumentação da recorrente para o mesmo fim de que se não pode locupletar com a vantagem patrimonial decorrente das benfeitorias em razão do edifício não ser dela mas do Estado, porque por via do contrato de concessão por ela celebrado com ele há mais de trinta anos, integrou na sua esfera jurídico-patrimonial, a exploração e conservação do empreendimento de rega em que o mesmo se integra, o que lhe facultou a celebração com o Município de Silves do contrato mencionado sob II 10.
Também não tem fundamento legal a afirmação da recorrente de que não deve indemnizar o recorrido pelas despesas feitas no prédio por estar em situação ilegal de ocupação, por virtude de as mesmas haverem ocorrido em data incerta, mas antes de 4 de Janeiro de 1986, data em que caducou o contrato de cessão de exploração industrial em causa.
Acresce que não tem apoio jurídico a argumentação da recorrente, a fim de excluir a sua obrigação de indemnizar o recorrido, no sentido de que não tem qualquer interesse nas obras realizadas pelo recorrido, porque, conforme resulta de II 16, ao encabeçar a posição de locadora no contrato de cessão de exploração em causa, aceitou os compromissos assumidos pelo Município de Silves, que havia impulsionado a implementação do estabelecimento no âmbito do desenvolvimento local do turismo, perante o recorrido, e colaborar com o primeiro no sentido do bom aproveitamento do local e da viabilização desse empreendimento.

7. O recorrido pediu a condenação a condenação da recorrente a pagar-lhe 11.000.000$ por benfeitorias realizadas no prédio.
Na sentença proferida na 1ª instância, confirmada pela Relação, julgada a reconvenção parcialmente procedente, a recorrente foi condenada, por um lado, a pagar ao recorrido 1.927.000$ relativos à despesa de reparação eléctrica do edifício, incluindo a sala de dança, a reparação de esgotos e consolidação da falésia, e por outro, no que se liquidasse em execução de sentença relativamente às benfeitorias úteis insusceptíveis de levantamento.
A recorrente não põe em causa nas conclusões de alegação do recurso a qualificação das obras efectivamente realizadas no prédio no quadro das várias espécies de benfeitorias legalmente previstas, nem os valores indemnizatórios considerados na sentença proferida na 1ª instância e no acórdão recorrido.
Mas como invoca não ter obrigação de indemnização relativa às obras em geral realizadas pelo recorrido, não é vedado a este Tribunal sindicar se algumas das obras por ele realizadas são ou não susceptíveis de integrar o conceito jurídico de benfeitorias.
A esse propósito, importa ter em conta que na sentença proferida na 1ª instância e no acórdão recorrido, se considera a consolidação da falésia como benfeitoria necessária.
Ora, sendo a falésia a costa talhada a pique ou arribada ou as rochas escarpadas batidas pelas águas, certo é que a obra da sua consolidação não pode constituir benfeitoria do prédio em causa (artigo 216º do Código Civil).
Decorrentemente, não deve a recorrente ser condenada a pagar ao recorrido a indemnização correspondente à mencionada consolidação da falésia, o que implica deixar de ficar liquidado o valor das obras de reparação dos esgotos que, em conjunto com o valor daquela consolidação, foi quantificado no montante de € 5.122,65, e dever relegar-se para execução de sentença a condenação da recorrente no pagamento ao recorrido da indemnização concernente à reparação dos esgotos.
No restante, quanto ao tema das benfeitorias, conforme resulta do acima exposto a título de motivação jurídica, a sentença proferida na 1ª instância, e o acórdão que a confirmou, salvo quanto à qualificação do recorrido como possuidor em nome próprio, cumpriram o que a lei dispõe, pelo que os respectivos segmentos condenatórios devem manter-se nos seus precisos termos.

8. Procede, por isso, o recurso de revista no que concerne ao direito da recorrente à indemnização devida pelo recorrido por virtude de a haver privado ilícita e culposamente da usufruição do prédio e do estabelecimento nele instalado, e improcede parcialmente no respeitante à questão da sua obrigação de indemnização no confronto do recorrido no atinente a benfeitorias.
Mantém-se o decidido na sentença proferida na 1ª instância e objecto de confirmação no acórdão recorrido, salvo quanto à improcedência do pedido indemnizatório formulado pela recorrente contra o recorrido e à condenação desta na indemnização àquele correspondente às obras de consolidação da falésia.
Deixa de ficar apurado o valor da obra de reparação dos esgotos, cuja quantificação é relegada para execução de sentença, nos termos do nº. 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, anterior redacção).
Parcialmente vencidos, são a recorrente e o recorrido responsáveis pelo pagamento das custas, na proporção do vencimento, relativamente aos recursos de apelação e de revista e à acção (artigo 446º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Como o recorrido formulou na acção um pedido líquido no valor de € 54.867,77, mas só obtém condenação líquida no montante de € 4.489,18, e relega-se para execução de sentença a quantificação de uma das vertentes indemizatórias, impõe-se que, quanto a esse diferencial sejam a recorrente e o recorrido condenados provisoriamente no pagamento de custas em partes iguais, sem prejuízo da correcção respectiva segundo o que resultar da liquidação em execução de sentença.

IV- Pelo exposto, revoga-se parcialmente o acórdão sob recurso, condena-se o recorrido a pagar à recorrente a quantia de dez mil, duzentos e cinquenta euros e trinta cêntimos, absolve-se a recorrente do pedido indemnizatório relativo às despesas de consolidação da falésia, condena-se a recorrente a pagar ao recorrido a quantia de quatro mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e dezoito cêntimos e o que se liquidar em execução de sentença no concernente às despesas com a reparação dos esgotos, mantendo a sentença proferida na 1ª instância em tudo o mais, e condenam-se ambos no pagamento das custas dos recursos e da acção, no que concerne ao valor de cinquenta mil, trezentos e setenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos, provisoriamente e na proporção de metade, sem prejuízo da correcção que resultar da liquidação em execução de sentença.

Lisboa, 18 de Março de 2004
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís