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ARTICULADO SUPERVENIENTE
SUPERVENIÊNCIA SUBJECTIVA
Sumário
No juízo de culpa a efectuar para efeitos de admissibilidade do articulado superveniente relativamente à superveniência subjectiva, há que atender às circunstâncias concretas do caso, nomeadamente às condições culturais do requerente.
Texto Integral
Apelação n.º 306/08.0TBALJ-A.P1 (10.03.2011) – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1221
Des. Leonel Serôdio
Des. José Ferraz
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B… e mulher C…, na acção com processo sumário que movem a D… e mulher E… e outros, deduziram articulado superveniente, invocando o disposto no art. 506.º do CPC, dizendo que quando propuseram a acção alegaram que são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico, composto de vinha, sito no …, com a área de 9500m2, que confronta de nascente com ribeiro, inscrito na matriz predial rústica de … sob o art. 180.º. Em 17.03.2009 procederam à medição do aludido prédio, mediante levantamento topográfico e verificaram que o mesmo tem, efectivamente, 11400m2. Em 18.03.2009 requereram a rectificação da área junto da repartição de finanças, a qual teve lugar. Depois, procederam à justificação e registo do prédio a seu favor na CRP.
Invocam que o conhecimento dos factos alegados é superveniente em relação à propositura da acção e que só tomaram conhecimento da situação referida após medição do prédio, a qual ocorreu já depois da audiência preliminar, que teve lugar em 27.02.2009. Tendo sido designado o julgamento, vieram, nos 10 dias seguintes, oferecer o articulado.
Assim, alegam que são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico, composto de vinha, sito em …, com a área de 11410m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art. 810.º, e descrito na CRP de Alijó sob o n.º 1060-….
Sendo esta a realidade material, assim deve ser reflectida e atendida nos autos, nomeadamente quanto ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade formulado, devendo os factos articulados ser incluídos na base instrutória, por interessarem à decisão da causa, visto serem constitutivos.
Foi proferido despacho liminar a admitir o articulado superveniente, determinando-se a notificação dos RR. para responderem.
Os RR. deduziram oposição, impugnando os factos alegados pelos AA..
Foi proferido despacho que considerou ser de afastar a superveniência objectiva, dado que quer a área do prédio quer as confrontações são necessariamente anteriores à propositura da acção de reivindicação, pelo que apenas pode tratar-se de superveniência subjectiva, uma vez que os AA. alegam, decorrendo isso dos documentos que juntam, que apenas tiveram conhecimento desses elementos precisos após procederem ao levantamento topográfico em 17.03.2009. No entanto, atribuiu-se esse desconhecimento a negligência dos AA., que os impediu de alegaram os correspondentes factos em momento oportuno. Concede-se, ainda, apesar de se reputar indesculpável, ser compreensível o desconhecimento da área, mas já não se admite o desconhecimento da confrontação nascente do prédio. Por isso, considerou-se que o desconhecimento dos AA. relativo à realidade ora invocada era culposo e que a superveniência subjectiva válida pressupõe o desconhecimento não culposo, pelo que rejeitou o articulado superveniente.
Finalmente, aduziu que aquilo que os AA. pretendem é uma alteração do pedido, sem observância do disposto no art. 273.º/2 do CPC.
II.
Recorreram os AA., concluindo, em resumo:
1. A identificação feita na p.i. do prédio teve por base a certidão de teor matricial passada pelas finanças de Alijó.
2. Os apelantes só se aperceberam do erro dessa certidão quanto à área do prédio quando decidiram fazer o levantamento topográfico do mesmo.
3. Nessa altura também se aperceberam do erro quanto à confrontação nascente do prédio, cuja rectificação pediram.
4. Não há fundamento para considerar culposa a actuação dos apelantes.
5. Não há alteração da causa de pedir, sendo que a alteração do pedido, a existir, não é mais do que o desenvolvimento do pedido primitivo.
6. Pelo menos quanto à área, que é a questão fulcral do articulado superveniente, devia o mesmo ter sido admitido, pois a Sr.ª Juiz até compreendeu o desconhecimento.
7. A alteração da causa de pedir baseada em factos supervenientes não está sujeita às condições do art. 273.º.
Pedem a revogação do despacho e a sua substituição por outro que admita o articulado superveniente e os documentos juntos.
Não foi oferecida resposta.
III.
Há que definir se deve admitir-se o articulado superveniente.
IV.
Os factos são os que supra se deixam relatados.
V.
O Tribunal a quo não pôs em causa a superveniência subjectiva dos factos invocados pelos Apelantes no articulado, apenas o tendo rejeitado por entender que esse conhecimento diferido no tempo, por referência à propositura da acção, se ficou a dever a negligência dos requerentes, dado ser inadmissível que desconhecessem a realidade física do seu prédio, tanto mais, dizemos nós, que o reivindicam em juízo.
Não parece que a questão deva ser apreciada com tal rigor.
Com efeito, desconhecemos a condição social dos Apelantes, sendo que relevaria o seu grau de cultura para se lhes poder imputar a título de culpa o desconhecimento da área de um prédio cuja titularidade se arrogam. Por outro lado, a actuação correspondente ao exercício do direito de propriedade pode reportar-se ao conhecimento físico do prédio, sem consciência precisa da área, elemento que interessará particularmente às finanças, por ligado à tributação do solo.
Assim, não deve ter-se como criticável o crédito dado a uma certidão matricial da qual pode constar, erradamente, a área de determinado imóvel, tanto mais que é sabido que os louvados que procedem à actualização das matrizes rústicas para efeitos fiscais estabelecem as áreas de forma aproximada “a olho”.
Os factos supervenientes à propositura da acção, englobando quer os objectivamente supervenientes, quer os que o são apenas subjectivamente (art. 506.º/2 do CPC), hão-de ser trazidos ao processo mediante alegação das partes (art.s 264.º/1 e 664.º do mesmo diploma legal), em articulado normal ou eventual ou, quando ocorram ou sejam conhecidos depois da fase dos articulados, em articulado superveniente que, com sujeição aos prazos do art. 506.º/3, pode ser apresentado até ao encerramento dos debates sobre a matéria de facto (art. 506.º/1)[1].
Aceitando-se que os factos em questão são subjectivamente supervenientes, entendemos que, face ao que se disse, não deve imputar-se o respectivo desconhecimento até ao levantamento topográfico a culpa dos requerentes.
No acórdão da Relação de Lisboa de 08.10.2009[2], aceitando-se que a válida superveniência subjectiva dois factos descritos no articulado pressupõe o desconhecimento não culposo dos mesmos, não deixou de considerar que têm de levar-se em conta as circunstâncias do caso concreto, analisadas de acordo com o padrão de comportamento exigível das partes à luz dos deveres de cooperação e boa fé processuais.
Atento o que se deixa dito, propendemos para afastar a culpa dos requerentes nesse desconhecimento.
Mas terá havido alteração da causa de pedir?
Como se disse no acórdão desta Relação de 25.02.1997[3], o articulado superveniente não é admissível quando os factos nele alegados implicarem alteração da causa de pedir invocada na acção. O que acontece, nomeadamente, se em acção de divórcio com fundamento em violação dos deveres conjugais, o articulado superveniente respeita apenas à separação de facto.
Não é situação equiparável àquela de que tratamos. Com efeito, a causa de pedir na acção de reivindicação é o direito de propriedade sobre determinado imóvel e a detenção do mesmo por outrem. Ora, desde que se invoque a mesma realidade predial, embora com rectificação da área e das confrontações, não há alteração da causa de pedir.
Não vá sem dizer-se que o acórdão da Relação de Lisboa de 21.01.2010[4] entendeu que o art. 506.º/1, afastando nesse ponto o regime do art. 273.º, deve interpretar-se no sentido de, uma vez verificados os demais pressupostos ali contidos, nada obstar à dedução de articulado superveniente integrando matéria constitutiva de nova causa de pedir. Sob pena de, perfilhando-se entendimento diverso, resultar, ao menos em parte, esvaziado o próprio objectivo legal (art. 663.º/1) de fazer corresponder a decisão à situação existente no momento do julgamento.
E quanto ao pedido?
Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (art. 268.º do CPC).
As modificações objectivas, quanto ao pedido e à causa de pedir, sem acordo das partes, estão sujeitas por lei a determinados requisitos.
Assim, o pedido pode ser alterado ou ampliado na réplica, e pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzi-lo, bem como ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 273.º/2).
Desta forma, a alteração está excluída, mas é possível a ampliação, se observados os mencionados pressupostos, isto é, desde que se traduza no desenvolvimento ou seja consequência do pedido primitivo.
Nestas hipóteses, a ampliação está virtualmente contida no pedido inicial[5].
Pensamos que deve considerar-se, no fundo, que o pedido de rectificação da identificação do imóvel reivindicado, com repercussão na decisão a proferir está virtualmente contida no pedido inicial.
O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (art. 1311.º/1 do CC). Almejando esse objectivo, os AA. identificaram um determinado imóvel. E sem alterar essa identidade, vieram em articulado superveniente pedir que se atenda à correcção da área e das confrontações. Estamos, pois, perante uma alteração do pedido que não será mais do que desenvolvimento do pedido primitivo e, logo, admissível.
Por isso, a apelação deve proceder. Com efeito, não faria sentido forçar os Apelantes a propor nova acção em que pudesse ser eventualmente invocada a excepção de caso julgado.
Sumário:
Na superveniência subjectiva, para efeitos de admissibilidade do articulado superveniente, há que atender às condições concretas do caso, nomeadamente características culturais dos requerentes, tendo em vista definir se o conhecimento tardio dos factos deve ou não ser censurável.
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se o despacho recorrido, admitindo-se o articulado superveniente, devendo os respectivos factos ser levados à base instrutória.
Custas pelos Apelados.
Porto, 7 de Abril de 2011
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Leonel Gentil Marado Serôdio
José Manuel Carvalho Ferraz
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[1] Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2.º, p. 655; Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, III, p. 188
[2] Proc. 196/2000.L1-2, www.dgsi.pt
[3] Proc. 9620932, no mesmo sítio
[4] Proc. 1838/06.OTJLSB.L1-8, no mesmo sítio
[5] Alberto dos Reis, Comentário do CPC, 3.º, 1946, p. 93