CITAÇÃO EDITAL
CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
FORMALIDADES
FALTA DE CITAÇÃO
DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES
REGIME APLICÁVEL
Sumário

I. Tendo a acção sido proposta em 30-1-96 - são aplicáveis à citação do Réu as normas do CPC 67.
II. A respeito da citação edital, estatuía o nº 3 do artº 228º-A do CPC 67 que a mesma teria lugar quando o citando se encontrasse ausente em parte incerta ou quando fossem incertas as pessoas sendo a citação edital por ausência do citando em parte incerta regulada pelo respectivo artº 239º.
III. Deve o autor - no cumprimento do seu dever de colaboração e de lealdade processual - revelar (afirmar/alegar) as informações que possuir acerca do paradeiro do réu logo na petição inicial, sendo que também poderá o tribunal "ex-officio" constatar a ausência do citando em parte incerta ao diligenciar pela citação na morada indicada na mesma peça processual. Em qualquer dos casos devem ser realizadas diligências com vista à localização do citando.
IV. Se o autor não satisfizer cabalmente o seu dever de colaboração processual e se indica o réu como ausente em parte incerta sabendo, ou tendo condições de saber, a sua real residência, ou se, gorada a citação na morada que indicou, não fornece os elementos que possui para que sejam feitas as diligências adequadas à respectiva localização, acabará por ser indevidamente ordenada a citação edital. O que, de harmonia com o artº 195º, al. c), equivale a falta de citação.
V. O que interessa fundamentalmente não é a verificação formal da ausência em parte incerta; é a verificação real dessa ausência.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Na acção especial de divórcio litigioso que contra si foi intentada por sua mulher A, doméstica, residente no lugar do Vale, freguesia de Ponte de Vagos, concelho de Vagos, veio o Réu B, taxista, habitualmente residente em ..., Rue d’Einbeck, 94320 Thiais, França, interpor recurso de revisão da sentença que decretou a dissolução do casamento, pedindo a "declaração da nulidade de tal sentença", "revogando-se em consequência e ordenando-se o prosseguimento da acção, nos termos do disposto no art. 776º, al. a), do CPC" (sic).
Alegou, em síntese, que, tendo corrido a acção de divórcio à sua revelia, por ausência absoluta de intervenção sua, há falta de citação ou, assim se não entendendo, é nula a citação edital efectuada.

2. Admitido o recurso e notificada a Autora, ora recorrida, veio esta apresentar resposta em que propugnou o respectivo improvimento.

3. Realizadas as diligências requeridas pelo recorrente (inquirição de testemunhas e depoimento pessoal da recorrida), foi proferida a decisão de fls. 214 e 215, datada de 18-2-03, através da qual o Mmo. Juiz do Tribunal de Família e Menores de Aveiro, julgando procedente o fundamento da revisão, declarou ocorrida a falta de citação no processo de divórcio, anulando, em consequência, os termos do mesmo processo posteriores à citação do réu, com a consequente revogação da sentença recorrida e ordenando a citação daquele na morada indicada nos autos para a legal tentativa de conciliação.

4. Inconformada com tal decisão, dela veio a Autora ora recorrida apelar, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 17-10-03, negado provimento ao recurso, assim confirmando a decisão de 1ª instância.

5. De novo irresignada, desta feita com tal aresto, dele veio a mesma Ré recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1ª- Não se encontra provado que a autora, ora recorrente, soubesse que o Réu residia na zona de Paris;
2ª- Não se encontra provado que a autora soubesse que o Réu continuava a ser taxista na zona de Paris; 3ª- Antes de ser ordenada a citação edital do Réu, foi solicitada informação à GNR de Vagos, que confirmou que o mesmo se encontrava ausente em parte incerta de França;
4ª- Pretender que a Autora solicitasse a notificação dos cunhados para indicarem a morada do réu, é exceder os limites comportamentais exigíveis ao homem médio, o que constituiria manifesto abuso de direito;
5ª- A douta decisão recorrida viola o disposto no referido art. 239º do CPC e, bem assim, o disposto no art. 334º do C. Civil, pelo que deve ser revogada, considerando-se que foi correctamente usada a citação edital.

6. O Autor não contra-alegou.

7. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

8. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes (por remissão para a decisão de 1ª instância) os seguintes pontos:
1º- O autor apenas teve conhecimento da sentença a decretar o seu divórcio com a ré a 20.9.1999;
2º- O autor desconhecia que a ré tinha intentado contra si um processo de divórcio;
3º- Na petição do divórcio, a ré identifica o autor assim: "B, emigrante em França, onde reside em parte incerta e com última residência em Portugal, no dito lugar do Vale, Ponte de Vagos.";
4º- A si própria, a Ré dá-se naquele processo como residente no mesmo lugar mas, na procuração, dá-se como "residente habitualmente em ..., Vaugirard, 75006 Paris, França";
5º- Na petição do divórcio, a Ré não localiza aquela que foi a casa da família, embora refira terem emigrado para França;
6º- A casa do referido lugar do Vale era utilizada apenas nas férias do Verão;
7º- Enquanto emigrados e juntos, as partes residiam habitualmente em Paris, ..., Vaugirard;
8º- Separados, pelo menos o Autor continuou a residir em Paris, onde foi e é taxista;
9º- Também em Paris vivia um irmão (e sua mulher) do autor, com quem conviveu este e a ré, cujo contacto esta tinha, que, em tempos, foi regular;
10º- Enviado um postal para a morada de Vagos, o mesmo veio devolvido com a indicação de "ausente no estrangeiro. Reside em França.";
11º- Depois, foi a GNR de Vagos a informar que o autor estava "ausente em parte incerta de França";
12º- Por fim, foi ordenada a citação edital do aqui autor.
Mais considerou a Relação como provados os seguintes factos:
13º- A Autora e o Réu casaram um com o outro em 5 de Novembro de 1977, tendo o casal estabelecido a sua residência permanente em ..., Vaugirard, Paris, França, a qual se manteve até à separação de facto, ocorrida em meados da década de 1980/1990;
14º- Após a separação, pelo menos até 1990, a Autora manteve contacto com o casal formado pelas testemunhas C e mulher D, irmão e cunhada do Réu, referidos em 9º, e cujos morada e número de telefone conhecia;
15º- A Ré sabia que o Autor permanecia na região de Paris, onde continuava a exercer a profissão de taxista, e que o indicado casal era conhecedor do seu paradeiro;
16º- A acção de divórcio foi intentada em 30-1-96 e a citação edital do R. foi efectuada em 1-6-96.

Passemos agora ao direito aplicável.
9. Vem controvertida a questão de saber se a citação edital efectuada na acção de divórcio a que se reportam os presentes autos foi ou não válida.
A resposta só poderá ser negativa, tal como bem entendeu a Relação, para cuja profusa argumentação genericamente se remete. Vejamos pois.
Atenta a data da propositura da acção de divórcio - 30-1-96 - são aqui aplicáveis as normas do CPC67.
A respeito da citação edital, estatuía o nº. 3 do art. 228º-A que a mesma teria lugar quando o citando se encontrasse ausente em parte incerta ou quando fossem incertas as pessoas a citar.
Especificamente quanto à citação edital por ausência do citando em parte incerta postulava o art. 239º:
1. Se o funcionário não encontrar o citando na sua última residência conhecida e for aí informado de que ele está ausente em parte incerta, lavrará certidão da ocorrência, que fará assinar pela pessoa de quem tenha recebido a informação.
2. Quando o autor não tenha indicado o réu como residente em parte incerta, é-lhe dado conhecimento imediato da certidão, para que requeira o que tiver por conveniente.
3. Para efeito de o juiz ordenar a citação edital, a secretaria assegurar-se-á previamente de que não é conhecida a residência do citando, podendo colher informações designadamente das autoridades policiais ou administrativas.
4. É aplicável ao autor da informação referida no nº. 1 do disposto no nº. 4 do artigo anterior.
Deve assim o autor - no cumprimento do seu dever de colaboração e de lealdade processual - revelar (afirmar/alegar) as informações que possuir acerca do paradeiro do réu logo na petição inicial, sendo que também poderá o tribunal "ex-officio" constatar a ausência do citando em parte incerta ao diligenciar pela citação na morada indicada na mesma peça processual.
Em qualquer dos casos devem ser realizadas diligências com vista à localização do citando.
Mais propriamente no que tange à citação dos ausentes em parte incerta do estrangeiro, dispunha o art. 245º:
1. Se a carta vier devolvida sem indicação alguma ou com a indicação de que se não sabe do paradeiro do destinatário, este é desconhecido ou se recusa a recebê-la, ou se o aviso não vier assinado, a secretaria dá logo conhecimento do facto ao autor, independentemente de despacho.
2. Sendo o réu português, pode o autor requerer a citação por intermédio do consulado português mais próximo; sendo estrangeiro ou não havendo consulado português a distância não superior a cinquenta quilómetros ou mostrando-se que a citação por intermédio do consulado é inviável, pode requerer a citação por carta rogatória.
3. Em lugar da citação pelo consulado ou por carta rogatória, pode o autor requerer a citação edital, devendo então declarar, salva a hipótese de o citando se haver recusado a receber a carta, se ele já teve residência em território português e, em caso afirmativo, indicar o lugar da última, incorrendo na sanção prescrita na parte final do nº. 3 do artigo 237º se fizer falsas declarações. Quando o autor indique a última residência do citando em território português, a citação edital é precedida das diligências a que se refere o nº. 3 do artigo 239º.
4. O disposto neste artigo é igualmente aplicável ao caso de o aviso de recepção não ser devolvido dentro de um período igual ao dobro da dilação fixada.
As formalidades da citação edital por incerteza do lugar encontravam-se contempladas no art. 248º, onde se estabelecia que tal citação seria feita pela afixação de editais e pela publicação de anúncios através da imprensa, tudo com referência à área geográfica que maior relação tivesse com o citando, ou seja a área onde se situava a sua última residência conhecida no país.
No caso de ausência em parte incerta do estrangeiro, a morada a ter em conta, para efeito de afixação dos editais e de publicação dos anúncios, é naturalmente a última conhecida no país, mesmo que se saiba que, fora deste, o citando teve, entretanto, outra ou outras moradas. Pressuposto indispensável do recurso à citação edital por ausência em parte incerta é que efectivamente não seja conhecido, mesmo com recurso a todas as diligências possíveis para a respectiva descoberta, o paradeiro do citando.
Se o autor não satisfizer cabalmente o seu dever de colaboração processual - e o caso dos autos é em tal sentido paradigmático - e se indica o réu como ausente em parte incerta sabendo, ou tendo condições de saber, a sua residência, ou se, gorada a citação na morada que indicou, não fornece os elementos que possui para que sejam feitas as diligências adequadas à respectiva localização, acabará por ser indevidamente ordenada a citação edital. O que, de harmonia com o art. 195º, al. c), equivale a falta de citação.
Na esteira de Alberto dos Reis, in "Comentário ao Código de Processo Civil", 2º vol, págs 424/425, "o que interessa fundamentalmente não é a verificação formal da ausência em parte incerta; é a verificação real dessa ausência".
No caso vertente, apesar de desconhecer a concreta morada do ora recorrido, a Autora, ora recorrente, sabia que, após a separação do casal, aquele permanecia na região de Paris, onde continuava a exercer a profissão de taxista, e que o seu paradeiro era conhecido do irmão e cunhada, a quem poderia ter recorrido com vista a identificar devidamente o R. na petição inicial, incluindo a indicação do seu domicílio actual (art. 467º, nº. 1, al. a) do CPC).
E, tal como a Relação considerou em sede factual, sempre poderia ter fornecido ao tribunal elementos que lhe permitissem diligenciar com eficácia, designadamente junto do competente consulado português, no sentido da localização do paradeiro do citando.
É verdade que nem sempre os potenciais citandos e seus parentes e amigos facilitam o acesso dos potenciais demandantes aos elementos necessários à propositura da acção, pelo que não poderá seguramente afirmar-se que, na eventualidade de a Autora haver instado os seus cunhados para que lhe fornecessem o domicílio do Réu, tal contacto surtisse o desejado êxito. Mesmo que tal diligência fosse empreendida por intermédio do tribunal.
Contudo, se essas diligências houvessem sido feitas, já não haveria fundamento para sustentar que não havia sido feito tudo quanto era possível para citar pessoalmente o R. e para se concluir que se empregara indevidamente a citação edital, equivalente esta à falta de citação (art. 195º, nº. 1, al. c) do CPC).

10. Concordando, deste modo, com a decisão das instâncias, entende-se que foi indevidamente utilizada a citação edital e que, por isso, há falta de citação, fundamentadora da revisão da sentença.

11. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Março de 2003
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares