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CONTRATO DE MEDIAÇÃO
DOCUMENTO ESCRITO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
COMISSÃO
RESTITUIÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário
I - O contrato de mediação imobiliária é nulo, se não for celebrado por escrito, não podendo contudo essa nulidade ser invocada pela entidade mediadora. II - Tendo sido declarada a nulidade do contrato, há que proceder à reposição da situação anterior das partes, a efectuar nos termos do art. 289, nº1, do C.C., e não por recurso ao instituto do enriquecimento sem causa. III - Não podendo a ré restituir, em espécie, os serviços de mediação prestados pelo autor, o melhor critério para achar o correspondente valor é a ré pagar a comissão que foi acordada sobre o preço da venda, pois foi aquele valor que as próprias partes fixaram como justo e adequado, do ponto de vista contratual, para a remuneração dos serviços do mediador. IV - Para ter direito à comissão, é suficiente o mediador ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a realizar o negócio, pondo o comprador em contacto com o vendedor e que isso tenha influído na realização do contrato.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 17-7-01, A instaurou a presente acção ordinária contra a ré B, alegando, resumidamente:
No desenvolvimento da sua actividade de mediador imobiliário, contactou telefonicamente a ré, tendo ambos acordado as condições e termos de um contrato de mediação da venda ou arrendamento de um armazém da ré, sito na Rua Delfim Ferreira, nº.....-....., no Porto.
Foi estipulado que, no caso de venda de todo o imóvel pelo preço de 300.000.000$00, seria paga ao autor uma comissão de 4%.
A totalidade do referido prédio foi vendido pela ré, pelo preço de 300.000.000$00, através da escritura de 11-2-02, em resultado das diligências de mediação efectuadas pelo autor, mas aquela não lhe pagou a sua comissão de venda.
A ré deve ser condenada a pagar-lhe a quantia de 12.000.000$00, acrescida de juros legais, correspondente ao valor da comissão de mediação acordada, ou, no caso da ré arguir a nulidade do contrato, a restituir-lhe tal montante, com base nessa nulidade ou no instituto do enriquecimento sem causa..
A ré contestou, invocando a nulidade do contrato por vício de forma e dizendo que apenas foi acordada uma comissão de 3% e que a conclusão do negócio não resultou de actividade desenvolvida pelo autor.
Houve réplica, onde o autor manteve a posição já anteriormente assumida na petição e concluiu que, em qualquer circunstância, sempre a ré beneficiou da actividade dele, locupletando-se injustamente, ao não pagar a comissão a que contratualmente se obrigou.
Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença, que julgou acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 44.891,81 euros (9.000.000$00), acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.
Apelou a ré, mas sem êxito, pois a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 3-11-03, negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida.
Continuando inconformada, a ré pede revista, onde resumidamente conclui:
1 - O contrato de mediação, celebrado entre as partes, foi julgado nulo.
2 - A declaração da nulidade do contrato não resultou de declaração oficiosa, mas antes de invocação pela ré, como excepção peremptória, o que implicava a absolvição do pedido, nos termos do art. 493, nº3, do C.P.C.
3 - Por outro lado, a matéria de facto apurada não explicita quaisquer factos, nem dela resulta a descrição material do valor das prestações efectuadas pelo autor e de que a ré tenha beneficiado.
4 - Por isso, o Assento nº 4/95, de 28-3-95, é inaplicável ao caso dos autos.
5 - A restituição a que se refere o art. 289 do C.C. determina-se através do valor das prestações realizadas pelas partes e não pelo valor do resultado dessas prestações ou pelo valor da contraprestação acordada pela realização do contrato nulo.
6 - Era apenas com base no valor das prestações realizadas pelo autor que a ré poderia ter sido condenada, caso o processo contivesse o material necessário que possibilitasse a determinação desse valor.
7 º A decisão impugnada, ao estabelecer o valor da comissão de 3% sobre o valor do negócio nulo, como sendo o correspondente valor das prestações efectuadas pelo autor, condenando a ré no pagamento desse montante, ofendeu o disposto no art. 289 do C.C., por erro de interpretação e aplicação desse preceito.
8 - O Acórdão recorrido deve ser revogado e a ré absolvida.
O autor contra-alegou em defesa do julgado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Remete-se para os factos que foram considerados provados no Acórdão recorrido, que aqui se dão por reproduzidos ao abrigo dos arts 713, n.º 6 e 7 do C.P.C.
Está assente que as partes celebraram verbalmente um contrato de mediação imobiliária, nos termos do art. 3, n.º 1, do dec-lei 77/99, de 16 de Março, mediante o qual a ré incumbiu o autor de promover a venda de um seu imóvel, um armazém sito na Rua Delfim Ferreira, nº..../...., na cidade do Porto.
Foi acordado que, no caso de venda de todo o imóvel pelo preço de 300.000.000$00, seria paga ao autor uma comissão de 3%, equivalente a 9.000.000$00.
A mediação solicitada ao autor não teve carácter de exclusividade.
O autor encetou diversas diligências e conseguiu um comprador, a sociedade C, pertencente ao grupo Recer, a quem a totalidade do prédio foi vendido pela ré, pelo preço de 300.000.000$00, através da escritura de compra e venda de 11-2-2000.
Com efeito, a C foi constituída para efeito da Recer, através dela, adquirir imóveis, designadamente, o prédio em questão.
O prédio, apesar de adquirido pela C, destina-se a ser utilizado pelo grupo Recer, cujos administradores são também administradores e accionistas da C.
A concretização do negócio resultou de actividade desenvolvida pelo autor, que se traduziu no seguinte:
- no desenvolvimento da sua actividade de mediador imobiliário, o autor contactou telefonicamente a ré, tendo havido posterior troca de fax, para esclarecimento das condições do contrato de mediação;
- Em Setembro de 1999, o autor, no exercício da sua actividade, foi abordado por um assessor da administração do grupo Recer, que pretendia localizar um espaço no Porto, para instalação de um salão de exposições dos produtos Recer;
- O autor deslocou-se às instalações da ré, a fim de as ver, tendo recebido um dossier desta;
- Em 13-10-99, o autor levou o assessor da administração da Recer a visitar as ditas instalações da ré;
- Dado o interesse que esse funcionário afirmou que a Recer poderia ter por aquelas instalações da ré, combinou-se que posteriormente seria feita uma visita, na sua presença, por dois administradores da Recer às ditas instalações;
- Posteriormente a isso, houve uma reunião entre responsáveis da Recer e da ré, para a qual o autor não foi convocado e, na sequência dessa reunião, foram retirados os placards que publicitavam a venda do ajuizado prédio, concretizando-se o negócio de compra e venda.
- A ré beneficiou da deslocação do autor ao prédio, com o assessor da administração da Recer;
- O autor efectuou despesas com essa deslocação.
O contrato de mediação imobiliária é nulo, se não for celebrado por escrito, não podendo, contudo, essa nulidade ser invocada pela entidade mediadora.
Ora, o contrato em questão foi declarado nulo pelas instâncias, por falta de observância da forma escrita, nos termos do art. 20, nº8, do citado dec-lei 77/99, de 16 de Março, mediante arguição da respectiva nulidade por parte da ré.
Na sequência disso, as instâncias tiveram por aplicável à situação a doutrina do Assento nº 4/95, de 28-3-95 e, como a ré não pode restituir em espécie os serviços prestados pelo autor, foi considerado que se deverá atender à alternativa consagrada no art. 289 do Cód. Civil, devendo a restituição ser feita pelo valor correspondente aos serviços prestados, sendo este aferido pelo montante da comissão de 3% acordada.
A recorrente sustenta:
- a doutrina do Assento 4/95 é inaplicável, por a declaração da nulidade não resultar de conhecimento oficioso, mas antes de invocação deduzida pela ré, como excepção peremptória.
- a restituição a que alude o art. 289 do C.C determina-se através do critério do valor das prestações realizadas pelas partes e não pelo valor do resultado dessas prestações ou pelo valor da contraprestação acordada pela realização do contrato nulo.
Que dizer?
Dispõe o Assento 4/95, de 28-3-95 , actualmente com o valor de Acórdão uniformizador de jurisprudência, nos termos do art.17, nº2, do dec-lei 329-A/95, de 12 de Dezembro:
"Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no art. 289 do Código Civil".
Por sua vez, estabelece o citado art. 289, nº1:
"Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente ".
Pois bem.
No seus articulados, o autor fundou o pedido na validade do contrato de mediação, mas foi prevista a possibilidade de ser invocada a sua nulidade, por banda da ré.
Para a hipótese da validade, reclamou o pagamento da comissão estabelecida.
No caso de ser declarada a nulidade, por arguição da ré, o autor defendeu que, não sendo possível a restituição em espécie do valor dos serviços prestados, a restituição devia corresponder ao valor desses serviços, determinada pelo montante da comissão acordada.
Por último, sustentou que sempre lhe deverá ser concedida uma quantia nos termos do art. 473 do C.C., para compensação da sua actividade, de que a ré beneficiou e de que ele ficou empobrecido.
Assim sendo, como foi declarada a nulidade do contrato, a pedido da ré, tendo o autor prevenido, face a tal invocação, o pertinente pedido de restituição e a competente causa de pedir, há que observar o disposto no art. 289, nº1, do C.C.
É que a acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção - art. 474 do C.C.
Tal como observam Pires e lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed, pág. 459), "quando o enriquecimento assenta sobre um negócio jurídico e o negócio é nulo ou anulável, a própria declaração de nulidade ou anulação do acto devolve ao património de cada uma das partes os bens (ou o valor dos bens, quando a restituição em espécie não seja possível) com que a outra se poderia enriquecer à sua custa (art. 289, nº1)".
Acresce que são diferentes os efeitos das obrigações de restituir fundadas na invalidade do negócio e no enriquecimento sem causa, como resulta do confronto dos arts 289, por um lado, e 479, nº2 e 480, por outro.
Há, pois, que proceder à reposição da situação anterior das partes, a efectuar nos precisos termos do art. 289 do C.C., e não por recurso ao princípio do enriquecimento sem causa, já que este assume carácter subsidiário, a advir da falta de causa numa deslocação patrimonial, enquanto no caso em apreço isso não se verifica, antes ocorrendo uma nulidade do acto alicerçador do pedido de restituição.
Não podendo a ré restituir em espécie os serviços prestados pelo autor, há que encontrar o melhor critério para achar o correspondente valor desses serviços, que conduziram à aproximação das partes e à concretização do mencionado negócio de compra e venda.
Não merece reparo o critério adoptado pelas instâncias para a fixação desse valor, ou seja, de que a ré deve pagar ao autor a comissão de 3%, que foi acordada sobre o preço da venda, pois foi aquele valor que as próprias partes fixaram como justo e adequado, do ponto de vista contratual, para a remuneração dos serviços do autor.
É de salientar que tal remuneração não pressupunha um volume mínimo de actividade ou de serviços de mediação.
O direito à remuneração completa bastava-se com a concretização da venda do imóvel a um cliente angariado pelo autor, como de facto sucedeu.
Por outro lado, é entendimento da jurisprudência deste Supremo, que, para o mediador ter direito à comissão, é suficiente ter-se limitado a dar o nome de uma pessoa disposta a realizar o negócio, pondo o comprador em contacto com o vendedor e que isso tenha influído na realização do negócio (Ac. S.T.J. de 18-3-97, Col. Ac. S.T.J., V, 1º, pág. 158).
Termos em que negam a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 20 de Abril de 2004
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Ponce de Leão