RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
CRIME CONTINUADO
UNIDADE DE INFRACÇÕES
BURLA
Sumário

1 - O artº. 437º, nº. 1 do CPP exige, como pressuposto do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que no domínio da mesma legislação o Supremo Tribunal de Justiça profira dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, admitindo-se também o mesmo tipo de recurso relativamente a acórdão proferido por tribunal da relação que esteja em oposição com outro da mesma ou de diferente relação, ou proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, não sendo admissível recurso ordinário.
2 - A esses requisitos (decisões opostas proferidas sobre a mesma questão de direito e identidade de lei reguladora), a jurisprudência do STJ tem uniformemente advogado que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem de assentar em julgados explícitos ou expressos sobre situações de facto idênticas.
3 - Não ocorre oposição de julgados entre uma decisão que, partindo da realidade factual, qualificou a situação (o caso das chamadas viagens-fantasma) como crime de burla continuado e outra decisão que, partindo de realidade factual aparentemente idêntica, mas em que se concluiu ter a actuação do arguido, ao contrário daquela, obedecido a uma única resolução criminosa, considerou que se verificava um único crime.
4 - De resto, como é que se iria fixar jurisprudência no sentido requerido pelo recorrente - «constitui um crime de burla continuado a prática reiterada do arguido consistente no recebimento de várias quantias, por várias vezes, ao longo de vários anos, relativas a viagens e despesas de alojamento e estadias, que não foram efectuadas»?
5 - Uma tal jurisprudência violaria de forma gritante os princípios gerais do direito penal e, em particular, os princípios que se extraem do nosso ordenamento jurídico-penal, pois que o crime continuado depende, como vimos, de determinados pressupostos que se têm que dar como provados face à concreta configuração do caso.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO
1. O arguido A.R. interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão da Relação de Lisboa de 2//7/02, Proc. nº. 10.981/01, da 5ª Secção, com o fundamento da sua oposição com outro da mesma Relação, de 15/1/02, proferido no processo 9299/00, também da 5ª Secção.
Isto, porque enquanto nesta última decisão - acórdão fundamento - se considerou que integrava um crime continuado de burla simples, a punir pelo valor parcelar mais elevado, o reiterado recebimento pelo arguido, ao longo de vários anos e por diversas vezes, de quantias relativas a viagens, despesas de alojamento e estadias que não foram efectivamente realizadas, na decisão recorrida, ao contrário, considerou-se que se estava perante um único crime de burla agravada, a punir pelo valor alcançado no resultado final da conduta.
Assim, enquanto naquele, por via da qualificação dos factos como crime continuado, o procedimento criminal foi declarado extinto por prescrição, nos termos do artº. 117º, nº. 1, c) do CP, no acórdão recorrido, tendo os factos sido qualificados como crime de burla agravada, não foi declarada a extinção do procedimento criminal.
Estas decisões, que respeitam em ambos os casos a deputados e se reportam ao caso das chamadas viagens-fantasma, foram proferidas no âmbito da mesma legislação e, na perspectiva do recorrente, dizem respeito a situações de facto idênticas, praticadas nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, revestindo a mesma maneira e forma de actuação, e assentam em soluções opostas da mesma questão de direito.
De onde que se deveria fixar jurisprudência no seguinte sentido:
«Constitui crime de burla continuado a prática reiterada do arguido consistente no recebimento de várias quantias, por várias vezes, ao longo de vários anos, relativas a viagens e despesas de alojamento e estadias que não foram efectuadas.»
2. Qualquer das decisões, que o recorrente juntou aos autos para instruir o recurso, transitou em julgado, o que se encontra devidamente certificado, não sendo admissível recurso ordinário.
3. Recebido o processo neste Supremo Tribunal de Justiça, foi o mesmo com vista ao Ministério Público, nos termos do artº. 440º, nº. 1 do CPP, que, no termo do seu parecer, concluiu que não sendo, afinal, idênticos os pressupostos factuais em que assentaram um e outro dos arestos em confronto, não poderá dizer-se que se contradizem as soluções a que chegaram um e outro, que, em igual perspectiva, não abordaram ao resto e ao cabo exactamente a mesma questão de direito, pelo que o recurso deveria ser rejeitado, nos termos do nº. 1 do artº. 441º do CPP.
Este parecer foi notificado ao recorrente, que veio reiterar o seu ponto de vista, salientando, para além do mais, que houve várias situações idênticas à dos autos e todas elas tiveram o tratamento jurídico que foi acolhido no Acórdão-fundamento. E que até por resta razão merece tratamento igual, tanto mais que já devolveu aos cofres da Assembleia da República os montantes em dívida, como comprova com documento que juntou. No despacho preliminar, o relator considerou admissível o recurso e fixou o efeito não suspensivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
4. A única questão a abordar, em conformidade com o artº. 441º, nº. 1 do CPP, é saber se ocorre ou não a pretendida oposição de julgados.
4. 1. Vejamos, para o ponto fulcral que nos interessa agora, o que se decidiu no Acórdão recorrido:
4. 1. 1. Da motivação da decisão na 1ª instância, reproduzida no aresto:
«O arguido vem pronunciado pela prática dum crime de burla, p. p., à data dos factos, nos artºs. 313º e 314º, alínea c) do Código Penal (...) e, actualmente, nos artºs. 277º, nº. 1, e 218º, nº. 2, al. a), com referência ao artº. 202º alínea b) (versões de 1982 e de 1995, respectivamente).
«São elementos constitutivos do tipo legal de burla:
«A obtenção para o agente ou terceiro de um enriquecimento ilegítimo (definido este segundo o conceito de um enriquecimento sem causa, do artº. 473º do Cód. Civil).
«Que o agente, para obtenção dum enriquecimento ilegítimo, astuciosamente induza em erro ou engano outrem; e
«Que, através desses meios, determine o ofendido à prática de actos causadores de prejuízos materiais.
«Por sua vez, são requisitos constitutivos do enriquecimento sem causa:
«O enriquecimento de alguém;
«O consequente empobrecimento de outrem;
«O nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo; e
«A falta de causa justificativa do enriquecimento ...
(...)
«Vem demonstrado que o arguido e a agência de viagens criaram nos serviços competentes da Assembleia a convicção de que as viagens a que se reportam as factura sem causa tinham sido por ele efectuadas no exercício das suas funções de deputado ou por causa delas.
«Tal convicção determinou que aqueles serviços procedessem ao pagamento de tais facturas, no montante global de 3.333.3608$00, do qual o Estado se encontra desfalcado.
«Sabia o arguido que o pagamento das facturas era indevido. Com os actos descritos visou ele a obtenção dum beneficio económico, que sabia ser-lhe indevido, e que conseguiu à custa do prejuízo do Estado, do que tinha perfeito conhecimento.
«Agiu sempre de forma consciente e livre, sabendo que os seus actos lhe eram proibidos por lei.
«Ora, este factualismo e o mais que acima se referiu integra, sem dúvida, o crime de burla.
(...)
«Burla qualificada, em razão do valor, inquestionavelmente.
«A defesa, na sua contestação, propugna pelo crime continuado.
«Apreciemos, pois.
«Todos sabem que tal figura assenta na diminuição da culpa do agente determinada por uma actuação no quadro de uma mesma solicitação exterior e existindo uma realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico.
«Na continuação criminosa, o agente pratica a acção por uma circunstância exterior facilitadora da conduta, solicitando-o a actuar. Essa circunstância, sendo de certa maneira propícia ao sucesso da conduta anti-jurídica e perdurando no tempo arrasta reiteradamente o agente para a prática do mesmo acto, exercendo sobre ele uma solicitação mais e mais forte, quebrando-lhe, portanto, a resistência e a capacidade de se determinar pelo lícito.
(...)
«O que se acaba de dizer tem guarida legal no artº. 30º, nº. 2.
«Ora, salvo melhor opinião, não se vislumbra no caso em apreço um dos elementos caracterizadores do crime continuado, qual seja a falada circunstância exterior facilitadora da conduta.
«De resto, para que se pudesse dar por verificada a continuação criminosa necessário seria, desde logo, que as plúrimas actuações não obedecessem ao mesmo dolo inicial ou à mesma resolução. E não é isso que se extrai do factualismo apurado. Ao invés, vem demonstrado que o arguido formulou o desígnio de utilizar parte do montante global das requisições que preenchesse para pagamento de despesas pessoais, ou seja, tudo inculca uma actuação plúrima, é certo, mas sob o mesmo dolo ou resolução inicial.
4. 1. 2. Da apreciação:
«Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
«Ora, pelo contrario, há unidade de resolução, potenciadora ou afirmante da unidade de infracção, quando, de acordo com o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos se puder concluir que os vários actos são resultado de um só processo de deliberação e não despoletados por nova motivação, a cuja conclusão se chegou na matéria de facto no caso sub judice.
«Logo, estamos perante um único crime cometido pelo arguido de burla agravada p. e p. com pena de prisão de 1 a 10 anos no artº. 313º e 314º, alínea c), do Código Penal de 1982, pelo valor de 3.333.60 alcançado no resultado final da sua conduta.
«Presentemente, na revisão do Código Penal pelo DL 48/95, de 15 de Março, corresponde-lhe o crime de burla agravada p. e p. no artº. 218º, nº. 2, alínea a), com pena de prisão de 2 a 8 anos.»
4. 1. 3. Vejamos agora o Acórdão-fundamento:
«Dispõe o artº. 30º, nº. 2 do Código Penal vigorante, correspondente ao mesmo preceito do Código Penal de 1982 que "Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente."
«E o artº. 79º, correspondente ao artº. 78º, nº. 5 do Código Penal de 1982, prossegue que «O crime continuado é punível com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a continuação».
«Conforme Ac STJ de 14/5/2000, Col. de Jur., 2000, 2, 202, são requisitos da existência de uma continuação criminosa: «realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
- homogeneidade da forma de execução;
- unidade de dolo;
- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);
- persistência de uma "situação exterior" que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente,
«Sucedendo que "Uma grande separação temporal entre os diversos crimes e a falta de diminuição da culpa apreciada no "dolo global", são factores que podem afastar a continuação criminosa", o que no presente caso não se verifica.
«Estamos, assim, perante um crime de burla continuado punível com a pena correspondente à conduta mais grave, pois que a situação exterior, no caso dos autos, indiciadora da diminuição da culpa do arguido, traduziu-se na disponibilidade e aceitação da ... no cumprimento do acordo que estabeleceu com aquele quanto à abertura duma conta corrente de viagens, a ser a alimentada pelos serviços financeiros da Assembleia da Republica.»

5. O artº. 437º, nº. 1 do CPP exige, como pressuposto do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que no domínio da mesma legislação o Supremo Tribunal de Justiça profira dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, admitindo-se também o mesmo tipo de recurso relativamente a acórdão proferido por tribunal da relação que esteja em oposição com outro da mesma ou de diferente relação, ou proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, não sendo admissível recurso ordinário.
A esses requisitos (decisões opostas proferidas sobre a mesma questão de direito e identidade de lei reguladora), a jurisprudência do STJ tem uniformemente advogado que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem de assentar em julgados explícitos ou expressos sobre situações de facto idênticas.
Assim é que no Acórdão de 18/9/91 (BMJ nº. 409, p. 664 e ss.) se decidiu que:
«Para que exista a oposição a que se refere o artº. 437º do CPP, torna-se necessário que os acórdãos em confronto assentem relativamente à mesma questão fundamental de direito em soluções opostas e no domínio da mesma legislação, sendo necessário que os mesmos preceitos sejam interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos; e que uma das decisões tenha estabelecido por forma expressa doutrina contrária à fixada na outra, não sendo suficiente que em uma possa ver-se aceitação tácita da doutrina contrária à enunciada na outra; a oposição tem de ser expressa, e não apenas tácita»
No mesmo sentido vieram a decidir, entre tantos outros, visto tratar-se de jurisprudência uniforme, como se disse, os Acórdãos de 7/2/02, Proc. nº. 112/02-5; de 11/2/02, Proc. nº. 3075/02-3; de 6/12/02, Proc. nº. 2355/02-5, todos sumariados nos Sumários de Acórdãos das Secções Criminais - Edição anual do STJ, pgs. 71, 379 e 384; e mais recentemente, o Acórdão de 15/10/03, Proc. nº. 1085/03-3, Sumários - Outubro de 2003, nº. 74, p. 125.
5. 1. Ocorre, então, perguntar: verifica-se no caso sub judice, oposição de julgados, por forma explícita ou expressa, sobre a mesma questão de direito, a ela subjazendo uma identidade de situações de facto?
Respondemos já que não.
Vejamos:
O que está em causa é saber se integra um crime continuado ou um único crime de burla o reiterado recebimento pelo arguido, ao longo de vários anos e por diversas vezes, de quantias relativas a viagens, despesas de alojamento e estadias que não foram efectivamente realizadas.
A solução do crime continuado foi adoptada pelo Acórdão-fundamento, e a da unicidade criminosa, pelo Acórdão recorrido.
Antes de mais, deve começar-se por dizer que as duas soluções - crime continuado ou um único crime - têm a ver, teoricamente, com diferentes enquadramentos jurídico-penais de situações de facto diversas. Na verdade, o crime continuado pressupõe, para além do mais, a existência de várias resoluções criminosas, unificadas, no entanto, por uma homogeneidade de comportamento, por via de um condicionalismo externo que favorece a repetição criminosa, e que tem incidência na culpa do agente: «O crime continuado define-se como a plúrima violação do mesmo tipo legal ou de tipos diferentes que protejam o mesmo bem jurídico, levada a cabo através de um procedimento revestido de uma certa uniformidade e que aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, arrastando consigo uma diminuição considerável da culpa do agente; A diminuição da culpa pressupõe que haja qualquer coisa que, partindo de fora, não criada nem comandada pelo agente, lhe tenha propiciado o cometimento do ilícito» (Ac. do STJ de 12/6/02, Proc. nº. 1790/02 - 3).
A unicidade de crime, pelo contrário, pressupõe uma única resolução criminosa, ou seja, a unidade de dolo a comandar toda uma série de actos, que não são mais do que parcelas de uma mesma actividade, ou, se quisermos, de um mesmo facto delituoso.
Ora, tudo isto significa: em primeiro lugar, que a solução varia de caso para caso, de acordo com a factualidade que tiver sido apurada, pois a questão de saber se aos diversos actos ou factos que preenchem um tipo legal de crime corresponde uma ou várias resoluções criminosas e, no caso de serem várias, se são levadas a cabo num quadro de homogeneidade de conduta, determinada por um factor externo que propicia a reiteração, é uma questão de facto; em segundo lugar, que a questão de saber se, face a essa pluralidade, se está perante um único crime englobando todas as condutas parcelares enquanto fracções de um todo, ou perante uma pluralidade de crimes distintos em concurso real, ou ainda perante um crime continuado, a punir pela conduta mais grave (isto, evidentemente, com exclusão dos crimes que protegem um bem jurídico de carácter eminentemente pessoal), consubstancia-se numa operação de qualificação jurídica que depende da resposta que se der à concreta factualidade que está em causa.
Por consequência, não pode haver uniformidade de soluções para casos que aparentemente podem ser semelhantes, mas que podem merecer respostas diferentes relativamente àquelas questões concretas.
5. 2. No caso sub júdice, atentemos mais uma vez nesta passagem do Acórdão recorrido:
(...) «no crime continuado verifica-se tantas vezes a violação da norma, quantas as resoluções em cuja motivação ela funciona como contramotivo, mas cuja eficácia vai sucumbindo no quadro de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente.
«Ora, pelo contrário, há unidade de resolução, potenciadora ou afirmante da unidade de infracção, quando, de acordo com o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos se puder concluir que os vários actos são resultado de um só processo de deliberação e não despoletados por nova motivação, a cuja conclusão se chegou na matéria de facto no caso sub júdice» (sublinhado nosso).
Já no Acórdão-fundamento, partiu-se destes princípios: realização plúrima do mesmo tipo de crime; homogeneidade na forma de execução; unidade de dolo; lesão do mesmo bem jurídico; persistência de uma situação exterior a facilitar a execução e a fazer diminuir consideravelmente a culpa do agente; não haver uma grande separação temporal entre os diversos crimes. Isto, para se chegar a esta conclusão:
«Estamos, assim, perante um crime de burla continuado punível com a pena correspondente à conduta mais grave, pois que a situação exterior, no caso dos autos, indiciadora da diminuição da culpa do arguido, (sublinhado nosso) traduziu-se na disponibilidade e aceitação da ... no cumprimento do acordo que estabeleceu com aquele quanto à abertura duma conta corrente de viagens, a ser alimentada pelos serviços financeiros da Assembleia da República.»
Como se vê, são situações claramente distintas do ponto de vista factual, que mereceram, consequentemente, respostas distintas a nível da qualificação jurídica.
Assim, não estamos em face de soluções opostas da mesma questão de direito, no sentido anteriormente explicitado. Não são opostas do ponto de vista factual, não obstante as aparências, e também não o são, coerentemente, do ponto de vista jurídico.
Mereciam essas situações um tratamento idêntico quanto aos pressupostos da continuação criminosa, como pretende o recorrente? O certo é que a realidade factual de ambas as situações, tal como foi apreciada e valorada, é diferente. Logo, as respostas jurídicas foram diversas.
5. 3. Em conclusão: não ocorre a pretendida oposição de julgados.
De resto, como é que se iria fixar jurisprudência no sentido requerido pelo recorrente - «constitui um crime de burla continuado a prática reiterada do arguido consistente no recebimento de várias quantias, por várias vezes, ao longo de vários anos, relativas a viagens e despesas de alojamento e estadias, que não foram efectuadas»? Uma tal jurisprudência violaria de forma gritante os princípios gerais do direito penal e, em particular, os princípios que se extraem do nosso ordenamento jurídico-penal, pois que o crime continuado depende, como vimos, de determinados pressupostos que se têm que dar como provados face à concreta configuração do caso.

III. DECISÃO.
6. Nestes termos, acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em não dar como verificada a oposição de julgados, rejeitando o recurso interposto por A.R., nos termos do artº. 441º do Código de Processo Penal.
7. Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de Abril de 2004
Rodrigues da Costa
Quinta Gomes
Pereira Madeira