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ARMA DE DEFESA
ARMA BRANCA
Sumário
Para efeitos do disposto nos artigos 86.º, n.º 1, alínea d) e 2.º, n.º 1, alínea ar), da Lei n.º 5/2006, na versão original, não se pode considerar arma branca proibida a navalha com lâmina de 9 cm de comprimento, fenda longitudinal para resguardo do gume e mecanismo de bloqueamento e desbloqueamento com comando e patilha de segurança que, quando accionada, permite a abertura automática da lâmina.
Texto Integral
(proc. n º 423/07.4PWPRT.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
Nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº 423/07.4PWPRT, a correr termos no 3º Juízo Criminal do Porto, 3ª Secção, foi proferida sentença, em 31.5.2010 (fls. 209 a 226 do 1º volume), constando do dispositivo o seguinte:
“Pelo exposto, julgo procedente e provada, a douta acusação pública e, consequentemente:
a) Condeno o arguido B…, como autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. art. 25°, al. a), do Dec.- Lei n° 15/93, de 22-1, com referência à tabela I-A, anexa ao mesmo diploma legal, e em consequência condeno-o na pena de 14 meses de prisão;
b) Condeno o arguido B…, como autor material de um crime de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 1, al. ar) e art. 3.º, n.º2, al. e), da lei 5/06, de 23/02, na pena de 3 meses de prisão;
c) em cúmulo jurídico das penas referidas nos itens a) e b) -nos termos do art. 77.º, do Cód. Penal-, condeno o arguido, B…, na pena única 15 meses de prisão
d) ao abrigo do disposto no art. 50.º, do Cód. Penal actualmente em vigor (na redacção da Lei 59/2007, de 04/09), suspendo a execução da pena única aplicada ao arguido por um período de 15 meses.
e) tendo em vista promover a reintegração do arguido na sociedade, nos termos dos arts. 52.º a 54.º, do Cód. Penal, sujeito a referida suspensão a regime de prova, de acordo com o plano de reinserção social a elaborar pela D.G.R.S. (ex IRS), impondo ainda, ao arguido, a seguinte regra de conduta:
1- colaborar com os técnicos da D.G.R.S. (ex IRS) e comparecer nos dias e horários determinados pelos mesmos.
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Nos termos do art. 109.º, n.º1, do Código Penal, declaro perdida a favor do Estado a droga apreendida nos autos, a qual será, após trânsito, oportunamente, incinerada (art.62º do DL. 15/93 de 22/01).
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Nos termos do art. 109.º, n.º1, do Código Penal, declaro também perdido a favor do Estado o dinheiro e a navalha apreendidos nos autos.
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Condeno o arguido nas custas do processo, com taxa de justiça que fixo em 2 UC’s, acrescidas do mínimo de procuradoria contada a favor dos S.S.M.J. e 1 % da taxa de justiça aplicada, nos termos do art. 13°, n° 3 do Dec.-Lei n° 423/91, de 30/10, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe venha a ser concedido.
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Após trânsito, comunique esta decisão ao Gabinete de Combate à Droga do Ministério da Justiça (art. 64. °, n.º 2 do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01, tendo-se em conta o art. 74. ° do mesmo diploma legal);
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Envie boletim ao registo criminal, após trânsito.
Notifique e deposite (arts. 372º, nº 5 e 373º, nº 2 do C.P.P.).”
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Não se conformando com essa sentença, o arguido B… interpôs recurso (fls. 229 a 238), formulando as seguintes conclusões:
I- A douta decisão recorrida deve ser alterada pois houve um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
II- A punição do crime de detenção de arma proibida, previsto no art. 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, tem de ter em atenção a definição de “arma branca” estabelecida no art. 2º, nº 1, alínea l), da mesma lei.
III- Como também a definição de “faca de abertura automática ou faca de ponta e mola” terá que ter em consideração essa mesma definição de “arma branca”.
IV- Da definição de “arma branca” resulta que a lâmina do objecto portátil tem de ter o comprimento igual ou superior a 10 cm.
V- A navalha encontrada em casa do Recorrente tinha uma lâmina de apenas 9 cm de comprimento.
VI- Com este comprimento de lâmina, a navalha do Recorrente não poderá ser qualificada de “arma branca”.
VII- Não sendo qualificada como arma branca, não poderá ser qualificada como “faca de abertura automática ou faca de ponta e mola” para efeitos da aplicação da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
VIII- O tribunal a quo não teve em consideração a definição de “arma branca” estabelecida no art. 2º, nº 1, alínea l) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, tendo, por isso, condenado o Recorrente no crime de detenção de arma proibida, prevista no art. 86º, nº 1, alínea e), com referência ao art. 2º, nº 1, alínea ar) e art. 3º, nº 2, alínea e) da já referida lei.
IX- Ao não ter atendido à definição de “arma branca”, o tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
X- Por força desse erro notório na apreciação da prova, o tribunal a quo acabou por condenar, injustamente, o Recorrente no crime de detenção de arma proibida.
Termina pedindo o provimento do recurso, alterando-se a sentença impugnada com a sua consequente absolvição do crime de detenção de arma proibida.
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Respondeu o Ministério Público (fls. 244 a 255 do 1º volume), pugnando pelo não provimento do recurso.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 280 a 282 do 2º volume), concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
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O arguido respondeu ao parecer nos termos que constam de fls. 287 a 289, concluindo pelo provimento do recurso.
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Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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Na sentença sob recurso foram considerados provados os seguintes factos:
“1. Cerca das 11h45m do dia 4 de Setembro de 2007 e devidamente autorizados pelo arguido, os agentes da P.S.P. identificados a fls. 3, efectuaram uma diligência de busca ao quarto onde então o arguido habitava sito na Rua …, n.º .., .° dt., no Porto, ali tendo então apreendidas, 16 embalagens de plástico contendo um produto em pó que, submetido a exame laboratorial, revelou ser heroína, com o peso líquido global de 1,183 gramas.
2. Na mesma data e local, foram ainda apreendidos ao arguido, dois frascos contendo um líquido que, em sede de exame laboratorial, revelou ser metadona, com o volume de 8,00 ml.
3. Na mesma ocasião e lugar foi igualmente apreendida ao arguido a quantia de €38,00 (trinta e oito euros), proveniente de vendas de substâncias idênticas às que lhe foram apreendidas e descritas em 1), efectuadas pelo arguido anteriormente à realização da acção policial acima descrita.
4. Ainda na mesma ocasião e lugar, foi apreendida ao arguido a navalha examinada a fls. 98 (cfr. também fls. 11), a qual, tendo lâmina com 9 cm de comprimento, "possui um mecanismo para bloqueamento e desbloqueamento, com comando e patilha de segurança na ponta posterior do cabo, que, quando accionado, permite a abertura automática da lâmina".
5. O arguido conhecia a natureza e característica da heroína que lhe foi apreendida e que destinava a ser por ele vendida a qualquer consumidor de tais substâncias que o procurassem em busca da mesma, não obstante saber que a respectiva aquisição, detenção cedência e/ou venda lhe eram vedadas, sendo punidas por lei.
6. Tinha também o arguido perfeito conhecimento da natureza e características da navalha que lhe foi apreendida, bem sabendo que a mesma, desde que manuseada com mediana destreza e visando o corpo de alguém, era apta a colocar seriamente em perigo a saúde, integridade física ou mesmo saúde da pessoa que fosse assim visada, sabendo também o arguido que o mecanismo com que aquela navalha se encontrava dotada aumentava o efeito surpresa - e consequentemente também o respectivo perigo - do uso daquela navalha.
Mais se provou:
7. Na data dos factos a que se referem os autos, o arguido era consumidor de produtos estupefacientes (cocaína e heroína).
8. O arguido anda em tratamento de consumo de drogas, no CRI Porto Ocidental E.T. de Matosinhos, desde 29/03/01, integrando desde essa data programa de substituição pelo cloridato de metadona, cuja toma efectua diariamente; mantém ainda consultas de acompanhamento médico e socioterapeutico.
9. O arguido:
a) é solteiro e vive sozinho em casa arrendada, pagando de renda €180,00 mensais;
b) trabalhou na industria hoteleira, encontrando-se desempregado desde há cerca de um ano; recebe o rendimento de inserção social no valor de €187,00 mensais;
c) tem apoio social para pagamento da renda;
d) confessou quase integralmente os factos de que vinha acusado, com relevância para a descoberta dos mesmos;
e) Não tem antecedentes criminais.
Quanto aos factos dados como não provados consignou-se o seguinte:
Não se provou:
a) que o arguido destinasse à venda a terceiros, a metadona que lhe foi apreendida;
b) que o arguido apenas vendesse estupefacientes para obter droga para o seu consumo;
c) que o arguido tivesse tirado a navalha que lhe foi apreendida, numa máquina de um café, após ter introduzida, qualquer quantia em dinheiro;
d) não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos dados como provados, com interesse para a boa decisão da causa.
Da respectiva motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, fez-se constar o seguinte:
A convicção do Tribunal fundou-se, quanto aos factos provados e não provados, no conjunto da prova produzida, mais concretamente:
a) nas declarações do arguido, que confessou quase integralmente os factos de que vinha acusado e depôs de forma credível quanto à sua situação pessoal actual e na data dos factos a que se referem os autos.
Referiu ainda que na data dos factos era consumidor de cocaína e heroína e que tentava vender alguma, para o seu consumo (no entanto, não resultou credível que a droga que vendia fosse apenas para adquirir estupefaciente para o seu consumo).
Quanto à metadona, referiu que andava em tratamento no CAT e a mesma lhe foi aí receitada, facto que foi confirmado pela declaração de fls. 202.
Confirmou que o dinheiro apreendido era proveniente da venda de estupefacientes.
Confirmou ainda que a navalha que lhe foi apreendida lhe pertencia; no entanto, referiu de forma que não se afigurou minimamente credível - uma vez que se trata de uma navalha de ponta e mola e não de um brinquedo - que a tirou numa máquina, existente num café, perto do … e, por isso a podia ter; nunca andava com ela e guardou-a.
b) Tiveram-se em conta o depoimento das testemunhas de acusação, todos agentes da PSP e que depuseram de forma que se afigurou credível:
- C…, que referiu que só conheceu o arguido na data da busca dos autos, ao quarto do arguido.
Confirmou que apreenderam dinheiro e estupefaciente, mais concretamente heroína e metadona, esta última porque o arguido não apresentou qualquer comprovativo que justificasse a sua posse.
Confirmou ainda que apreenderam ao arguido uma navalha de ponta e mola, que é considerada proibida e podia ser usada no tráfico; dado o tipo de arma nunca poderia estar numa máquina de café.
Referiu ainda que na data dos factos chegaram ao bairro e viram uma aglomerado de pessoas e uma pessoa a vender estupefacientes e a fugir quando os viu; permaneceram no local e passado um tempo o arguido voltou e permitiu a busca à sua residência e manteve uma conduta sempre muito colaborante.
- D…, que confirmou as apreensões dos autos mas referiu que não chegou a entrar na casa do arguido.
c) Teve-se em conta a prova documental de fls. 5, 8-11, 24, 26-27, 30, 66, 98 e 202 e o C.R.C. do arguido de fls. 176.
No que concerne aos factos dados como não provados, resultaram os mesmos de não se ter feito prova nesse sentido, dada a prova produzida e supra analisada.
Relativamente ao enquadramento jurídico-penal escreveu-se:
(…)
2- Crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 1, al. ar) e art. 3.º, n.º2, al. e), da Lei 5/06, de 23/02.
Analisemos então se dos factos apurados resulta que a conduta do arguido preenche, do ponto de vista objectivo e subjectivo, os requisitos necessários para que se conclua integrar a mesma, o referido tipo legal do crime.
A Lei 5/2006, de 23/02, estabelece no seu art. 86.º, n.º1, al. d), sob a epígrafe de detenção de arma proibida, que “quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo… arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, …, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usadas como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, …, bastão eléctrico, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias”.
O art. 2.º, n.º1, al. ar), da citada lei, define como “faca de abertura automática ou faca de ponta e mola” a arma branca composta por um cabo ou empunhadura que encerra uma lâmina, cuja disponibilidade pode ser obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão ou outro sistema equivalente”.
Por seu turno, refere o art. 3.º, da mesma lei no seu nº1, que “as armas e munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade e a sua utilização”.
O n.º 2, al. e), do citado art. 3.º, estabelece que “são armas, munições e acessórios da classe A, …, as facas de abertura automática, estiletes, facas de borboleta, facas de arremesso, estrelas de lançar e boxers”.
E, o art. 4, da mesma norma, refere que são proibidos a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e o porte de armas, acessórios e munições da classe A”:
A referida lei foi alterada pela Lei 42/2006, de 25/08, que manteve intacto o citado art. 86.º.
Caberá ainda referir que a expressão “arma branca” abrange “todo um conjunto de instrumentos cortantes e perfurantes, normalmente de aço, a maioria deles usados habitualmente em usos ordinários da vida mas podendo ser também utilizados para ferir ou matar” (Maia Gonçalves, Cód. Penal Português, anot., 1995, p. 862).
E, “armas com disfarce” são aquelas que apresentam um artifício que as dissimula de modo a não se mostrarem como tal, enquanto “instrumentos sem aplicação definida” são aqueles que são aplicados e servem apenas para ofender corporal e voluntariamente, como será o caso do boxer ou soqueira, da matraca, das facas de ponta e mola e outros do género (Leal-Henriques e Simas-Santos, Cód. Penal Anot., 2.º vol., 1996, p. 832).
No caso dos autos, dúvidas não há que o arguido tinha na sua posse (mais concretamente, na sua residência), na data a que se referem os autos, uma navalha a qual tinha lâmina com 9 cm de comprimento e que possui "um mecanismo para bloqueamento e desbloqueamento, com comando e patilha de segurança na ponta posterior do cabo, que, quando accionado, permite a abertura automática da lâmina", a chamada navalha de ponta e mola”.
Por outro lado, também resultou provado que o arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e características da navalha que lhe foi apreendida, bem sabendo que a mesma, desde que manuseada com mediana destreza e visando o corpo de alguém, era apta a colocar seriamente em perigo a saúde, integridade física ou mesmo saúde da pessoa que fosse assim visada, sabendo também o arguido que o mecanismo com que aquela navalha se encontrava dotada aumentava o efeito surpresa - e consequentemente também o respectivo perigo - do uso daquela navalha.
Assim sendo, face à prova produzida, verifica-se que a conduta do arguido preenche os elementos objectivos e subjectivos do crime previsto no referido art. 86.º al. d), da Lei 5/2006, n.º1, com referência ao art. 2.º, n.º 1, al. ar) e art. 3.º, n.º2, al. e), da Lei 5/06, de 23/02, de que vinha acusado.
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Conforme acima se referiu, a referida lei foi alterada pela Lei 42/2006, de 25/08, que manteve intacto o citado art. 86.º.
Por outro lado, em 15 de Setembro de 2007, entrou em vigor o novo Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei 59/2007, de 04/09.
No entanto, o referido diploma legal também em nada alterou a redacção do citado art. 86.º.
Quanto à fundamentação da medida da pena consignou-se:
“1.1 - Cumpre referir que a moldura abstracta para ambos os crimes se manteve inalterada, com a entrada em vigor do actual Código Penal, ou seja:
- Crime de tráfico de menor gravidade: pena de prisão de um a cinco anos.
- Crime de detenção de arma proibida: pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias”.
1.2- Sucede, no entanto, que em 15 de Setembro de 2007, entrou em vigor o novo Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei 59/2007, de 04/09.
Dispõe o art. 2.º, n.º1, do Cód. Penal que “as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem”.
E, resulta do n.º 4, da mesma norma legal que “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado”.
Caberá, assim, apurar o regime que em concreto se mostre mais favorável ao arguido, atento o disposto no art. 2.º, n.º4, do Cód. Penal e, assim, optar, em bloco, pelo regime em vigor à data da prática dos factos ou o regime actualmente em vigor.
1.3 – Natureza da pena a aplicar:
Uma vez que o crime de tráfico de menor gravidade apenas é punível com pena de prisão, a escolha da natureza da pena apenas se coloca quanto ao crime de arma proibida.
Há que ter em conta a moldura penal abstracta prevista para o referido crime e o disposto nos arts. 70.º e 40.º, n.º 1, do Cód. Penal, estabelecendo o primeiro que deve o Tribunal dar preferência às penas não privativas da liberdade, desde que as mesmas realizem de uma forma adequada as finalidades da punição e o segundo que as finalidades da punição consistem na protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade.
Ora, no caso dos autos, temos que conforme o próprio arguido confessou, o mesmo traficava estupefacientes e, numa busca domiciliária, que o mesmo autorizou, foi-lhe também apreendida uma faca de ponta e mola.
Trata-se de um instrumento perigoso e apto a colocar seriamente em perigo a saúde, integridade física ou mesmo a vida de quem seja com o mesmo atingido, acrescendo que o mecanismo com que aquela navalha se encontrava dotada e que aumenta o efeito surpresa, potencia o referido perigo.
Assim sendo, no caso concreto, pese embora o arguido não tenha antecedentes criminais, entende-se que se afigura insuficiente para assegurar as finalidades da punição, aplicar ao arguido uma pena não detentiva da liberdade, tornando-se, pois, necessário para reposição das normas violadas ou protecção dos bens jurídico-penais violados, que o arguido cumpra uma pena de prisão.
1.4 - Nos termos do n.º 1 do art. 71º do C. P. “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção”.
A culpa e a prevenção são assim, os critérios gerais reguladores da medida da pena. A culpa entendida como um juízo de censura dirigido ao agente, em virtude de uma atitude desvaliosa manifestada no facto, constitui o limite máximo que a pena em caso algum poderá ultrapassar.
O limite mínimo será fixado em função de considerações de prevenção geral positiva ou de integração, que se traduzem na necessidade de protecção dos bens jurídico-penais e de reafirmação das normas violadas.
Por outro lado, devem ter-se aqui em conta considerações de prevenção especial e de socialização, que visam evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. São estas considerações de prevenção especial de ressocialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
1.5 Cabe então agora proceder à valoração dos concretos factores de medida da pena, identificando-se quais os que relevam para a culpa e para a prevenção, e tendo em conta as molduras penais abstractas acima referidas:
- Crime de tráfico de menor gravidade: pena de prisão de um a cinco anos.
- Crime de detenção de arma proibida: pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias”.
1.6 - Cabe então agora proceder à valoração dos concretos factores de medida da pena, identificando-se quais os que relevam para a culpa e para a prevenção, e tendo em conta as molduras penais abstractas acima referidas.
A) Crime de tráfico de menor gravidade: pena de prisão de um a cinco anos.
Assim, e no que concerne à culpa, há que referir que o arguido actuou com plena consciência das características e natureza do produto estupefaciente que detinha e sabia que a sua detenção e venda não estava autorizada e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Além disso, a título de prevenção geral há que atender a que o crime de tráfico de estupefacientes provoca grande inquietação social, não só pela sua frequência, como pelo perigo de destruição de valores e de degradação humana e criminalidade indirecta que lhe anda associada, o que eleva a necessidade da pena para o restabelecimento da confiança na vinculação da norma.
No entanto, no caso dos autos, há que atender à pequena quantidade de estupefaciente e pouca quantia monetária apreendidas, o que torna a sua conduta menos censurável.
Em sede de prevenção e a favor do arguido, depõem as suas condições de vida, apuradas nos autos, nomeadamente o facto de se encontrar a fazer tratamento de desintoxicação, o que manifesta a iniciativa de adoptar uma conduta em conformidade com o direito; além disso, confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado quanto a este crime e colaborou com as autoridades, permitindo uma busca à sua residência, sem a existência de prévios mandados judiciais.
Acresce que o arguido não tem antecedentes criminais.
Por outro lado, conforme acima se referiu, o arguido era na data dos autos consumidor de produtos estupefacientes e não há notícias que o arguido tenha voltado a praticar ilícitos criminais.
Pelo exposto, e tudo conjugado, revela-se ajustada a pena de 14 meses de prisão.
B) Importa então considerar no estabelecimento da medida concreta da pena, e relativamente à culpa que o arguido conhecia as características da navalha que tinha na sua posse na data em lhe foi apreendida, mais concretamente na sua residência, bem como, que não lhe era permitido deter a referida arma, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Há que atender ainda às razões de prevenção:
Em sede de prevenção especial e a favor do arguido depõe o facto de não ter antecedentes criminais, ter confessado parcialmente os autos de que vinha acusado e as demais circunstâncias apuradas quanto à sua situação pessoal.
Por outro lado, nada se apurou no sentido de que o arguido tenha chegado a usar a navalha dos autos, uma vez que a mesma foi apreendida na sua própria residência.
Em sede de prevenção geral, cumpre ter em atenção que os crimes relacionados com a de detenção ilegal de armas, provocam sempre uma certa agitação social, sobretudo por potenciarem a violação de outros valores jurídicos fundamentais, como a vida e a integridade física.
Além disso, há que atender à proliferação de armas em situação irregular e a perigosidade inerente à falta de controlo das mesmas.
Assim sendo e no caso dos autos, entende-se ser adequada e suficiente, aplicar ao arguido a pena de 3 meses de prisão.
1.7 – Em cúmulo jurídico e nos termos do art. 77.º, do Cód. Penal, em cúmulo jurídico, condeno o arguido na pena única de 15 meses de prisão.
1.8 - No entanto, dispõe o art. 50.º do Cód. Penal (redacção em vigor à data da prática dos factos), que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prisão”.
E, de acordo com o n.º 5, e desta norma legal, o período de suspensão varia entre 1 e 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão.
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De acordo com o art. 50.º do Cód. Penal (redacção actualmente em vigor) “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prisão”.
E, de acordo com o n.º 5, desta norma legal na redacção actual, “o período de suspensão tem duração igual à pena, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Assim, verifica-se que a actual lei subiu de três para cinco anos o limite máximo da pena de prisão susceptível de suspensão e alterou a medida do período de suspensão, que estava situado entre “1 e 5 anos” e passou a ter a “duração igual à pena, mas nunca inferior a um ano”.
Ora, no caso dos autos, conforme acima se referiu, o arguido vem acusado de venda de estupefacientes e detenção de arma proibida e confessou quase integralmente os factos de que vinha acusado, com grande relevância para a descoberta dos mesmos e manifestou uma atitude colaborante com os agentes de autoridade, permitindo uma busca à sua residência, na data em que lhe foram apreendidos os objectos e droga dos autos.
Acresce que o arguido não tem antecedentes criminais.
No que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, caberá ainda referir que a quantidade de droga e dinheiro apreendidos é reduzida.
Além disso, na data dos factos o arguido era consumidor e actualmente encontra-se em fase de desintoxicação.
Por outro lado, não há qualquer notícia que o arguido tenha voltado a vender estupefacientes.
No que concerne ao crime de detenção de arma proibida, há que referir que pese embora a perigosidade das navalhas de ponta e mola, como a dos autos, o arguido detinha a mesma na sua residência e não na rua e nada se apurou no sentido de que o arguido tenha feito uso da mesma.
Assim sendo, e nos termos do art. 50.º, do Cód Penal, entende o Tribunal que bastará aqui a simples ameaça da prisão, pelo que se suspende a execução da pena de prisão, favorecendo-se, deste modo, a recuperação do arguido fora da prisão.
Assim sendo, e em conformidade, tendo em conta o Código Penal em vigor à data da prática dos factos dos autos, suspendo a execução da pena de prisão pelo período de 2 anos.
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Sucede, no entanto, que de acordo com o n.º 5, do art. 50.º do Cód. Penal, na redacção actualmente em vigor, “o período de suspensão tem duração igual à pena, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Ora, assim sendo, tendo em conta o disposto no art. 2.º n.º 4, do Cód. Penal, que estabelece que “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente”, porque mais favorável, opto em bloco, pelo Código Penal actualmente em vigor.
Assim sendo, condeno o arguido na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 15 meses.”
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O recurso interposto pelo arguido, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), suscita a apreciação da seguinte questão:
- Apurar se ocorre o vício do erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP), por o tribunal ter dado como provado que a navalha apreendida, dotada de mecanismo que permitia a abertura automática da lâmina, aumentava o efeito surpresa, sendo proibida e, consequentemente, se existe errada interpretação na subsunção dos factos ao direito, por a detenção da referida arma branca à data dos factos (ocorridos em 4.9.2007) não integrar o crime p. e p. no art. 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23.2, na versão então vigente, pelo qual foi condenado.
Passemos então a apreciar a questão colocada no recurso aqui em apreço.
Invoca o recorrente que se verifica o vício previsto no art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP por o tribunal a quo ter dado como provado, quanto à navalha que lhe foi apreendida, que a mesma era proibida, quando o não era.
Por isso conclui que, nesse aspecto, houve erro notório na apreciação da prova produzida em julgamento.
Pois bem.
Dispõe o art. 410º, nº 2, do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP) traduz desde logo “uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[1]
Ora, compulsado o texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, detecta-se facilmente erro notório na apreciação da prova quanto à questão suscitada pelo recorrente (pela legislação em vigor à data dos factos não se poderia considerar aquela navalha como arma proibida, como adiante melhor se explicará), particularmente quanto interpretação e apreciação das provas (fls. 11 e fls. 98) que convenceram o julgador.
É certo que o recorrente não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º, nº 3 e nº 4 do CPP, no entanto, este Tribunal dispõe dos elementos necessários para, nos termos dos arts. 428º e 431º, alínea a), do CPP, corrigir o vício apontado nas vertentes indicadas.
Vejamos então.
Consta da decisão proferida sobre a matéria de facto apurada (além do mais) que, em 4.9.2007, «foi apreendida ao arguido a navalha examinada a fls. 98 (cfr. também fls. 11), a qual, tendo lâmina com 9 cm de comprimento, "possui um mecanismo para bloqueamento e desbloqueamento, com comando e patilha de segurança na ponta posterior do cabo, que, quando accionado, permite a abertura automática da lâmina" (ponto 4 dos factos provados) e que “Tinha também o arguido perfeito conhecimento da natureza e características da navalha que lhe foi apreendida, bem sabendo que a mesma, desde que manuseada com mediana destreza e visando o corpo de alguém, era apta a colocar seriamente em perigo a saúde, integridade física ou mesmo saúde da pessoa que fosse assim visada, sabendo também o arguido que o mecanismo com que aquela navalha se encontrava dotada aumentava o efeito surpresa - e consequentemente também o respectivo perigo - do uso daquela navalha.” (ponto 6 dos factos provados).
No entanto, da legislação que regulamenta o novo regime das Armas e suas Munições, aprovada pela Lei nº 5/2006, de 23/2 (na redacção original vigente à data dos factos), não se pode concluir que a navalha em questão seja de detenção e porte proibidos.
Com efeito, segundo a definição constante do art. 2, n.º 1, alínea l), da citada Lei nº 5/2006, na versão então vigente, «Arma branca» é “todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante ou perfurante de comprimento igual ou superior a 10 cm ou com parte corto-contundente, bem como destinado a lançar lâminas, flechas ou virotões, independentemente das suas dimensões”.
Por sua vez, no art. 2º, nº 1, alínea ar), da mesma Lei, a «Faca de abertura automática ou faca de ponta e mola» é definida como sendo “a arma branca composta por um cabo ou empunhadura que encerra uma lâmina, cuja disponibilidade pode ser obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão ou outro sistema equivalente”.
Ou seja, à luz de tais dispositivos, na versão então em vigor, nem todo o objecto ou instrumento portátil que seja dotado de uma lâmina (como é o caso da navalha em questão nos autos), mesmo possuindo sistema de abertura automática de lâmina, com as características assinaladas no exame de fls. 98 (que em parte foram omitidas na decisão proferida sobre a matéria de facto, como adiante se verá), pode ser classificado como “arma branca proibida” susceptível de integrar o crime previsto no art. 86º, nº 1, alínea d)[2], da citada Lei nº 5/2006.
Mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 5/2006, não obstante a divisão jurisprudencial que se gerou nessa matéria (sobre a proibição ou não de armas brancas sem disfarce), nem todas as armas brancas eram consideradas proibidas.
Entendia-se (na tese que fez vencimento e veio a ser adoptada no Ac. do fixação nº 4/2004[3]), já no domínio do Código Penal na versão aprovada pelo DL nº 400/82, de 23/9, que no que respeita à detenção, uso e porte de armas brancas, eram proibidas (nos termos do art. 260º desse código) aquelas que caíam no âmbito do art.3º, nº1, alínea f), do DL nº 207-A/75, de 17/4[4], ou seja, as que tinham disfarce[5].
Por isso, nessa tese também se defendia que o art.3º, nº1, alínea f), do cit. DL 207-A/75 não abrangia as armas brancas sem disfarce.
De resto, havia igualmente jurisprudência que, fazendo apelo ao art. 9º do Regulamento aprovado pelo DL 37.313 de 21/2/49 (agora expressa e totalmente revogado pelo art. 118º, alínea a), da Lei nº 5/2006) para encontrar um critério objectivo para o efeito, concluía que as armas brancas que se deviam considerar englobadas no art. 3º, nº 1, alínea f), do cit. DL 207-A/75 (também agora revogado expressa e totalmente pelo art. 118º, alínea c) da Lei nº 5/2006) eram as que tivessem uma lâmina com 15 ou mais centímetros de comprimento, medidas do rebordo do cabo.
Devido à referida divisão nessa matéria, foi então publicado o Ac. do STJ nº 4/2004 que fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Para efeito do disposto no artigo 275.º, nº 3, do Código Penal, uma navalha com 8,5 cm ou 9,5 cm de lâmina só poderá considerar-se como arma branca proibida, nos termos do artigo 3.º, n.º1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, se possuir disfarce e o portador não justificar a sua posse.»
Ora, o legislador, conhecedor da referida jurisprudência, resolveu introduzir um critério objectivo na definição de “arma branca”, para efeitos da Lei nº 5/2006, na versão original, assim exigindo que esse tipo de arma fosse dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante ou perfurante de comprimento igual ou superior a 10 cm.
Obviamente que sempre que se referiu, em qualquer disposição da Lei nº 5/2006, a “arma branca” teve presente a definição que fez constar do art. 2º, nº 1, alínea l), do mesmo diploma legal (portanto antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 17/2009, de 6 de Maio que, além do mais, alterou o conceito de “arma branca”[6]).
Aliás, só assim se pode compreender a técnica legislativa utilizada no diploma em questão, quando inicialmente apresentou uma série de definições de conceitos utilizados no regime estabelecido relativo a Armas e Munições.
Dessa forma tornou coerente a nova regulamentação sobre essa matéria, uniformizando conceitos e definições que forneceu nas primeiras normas, assim criando uma adequada harmonia no novo regime adoptado para Armas e Munições.
Por isso, as referências a “arma branca” constantes dos arts. 86º, nº 1, alínea d) e 2º, nº 1, alínea ar), da citada Lei nº 5/2006, tiveram em atenção a definição que consta do art. 2º, nº 1, alínea l), da mesma lei.
A classificação como arma da classe A constante do art. 3º, nº 2, alínea e), do mesmo diploma legal (relativa, entre outras, a facas de abertura automática), não altera os dados da questão.
Nessa medida, considerando desde logo a dimensão da lâmina (9 centímetros de comprimento, portanto inferior a 10 centímetros) da navalha que o arguido detinha é manifesto que não podia a mesma ser classificada como “arma branca proibida”, susceptível de integrar o crime que, nessa matéria, lhe era imputado.
De resto, nem o exame directo feito à navalha em questão (fls. 98) permite a sua classificação como sendo de “ponta e mola”, nem tão pouco consente a referência que é feita no ponto 6 dos factos provados, a que a mesma se encontrava dotada de mecanismo que aumentava o efeito surpresa.
Aliás, até conjugando o teor desse exame de fls. 98, com a fotografia da mesma navalha que consta de fls. 11 (provas que o julgador mencionou quer no ponto 4 dos factos provados, quer na motivação de facto), podia facilmente o julgador aperceber-se que não se tratava de arma branca proibida (mas, se ainda assim tivesse dúvidas - tanto mais que na guia de depósito de objectos de fls. 26 até se referia tratar-se de canivete - deveria ter examinado a própria navalha em audiência para verificar se a mesma tinha ou não mecanismo que fizesse disparar instantaneamente a lâmina).
Para melhor se perceber como houve erro notório na apreciação da prova constante de fls. 98, transcrevemos aqui o teor desse mesmo exame:
“(…) trata-se de uma navalha, sem marca, de uma lâmina com um gume, com 9 centímetros de comprimento, com cabo ergonómico fabricado em metal, com plaquetas em madeira de cor castanha, com 12 centímetros de comprimento, com fenda longitudinal para resguardar o gume, de fabrico Americano.
Esta navalha, possui um mecanismo para bloqueamento e desbloqueamento, com comando e pastilha de segurança, na ponta posterior do cabo, que quando accionada permite a abertura automática da lâmina, encontra-se em bom estado de conservação.”
Como é fácil de perceber, tendo aquela navalha uma fenda longitudinal para resguardo do gume, não podia ser classificada como “faca de abertura automática ou faca de ponta e mola”.
O mecanismo de que essa navalha dispunha, que permitia a abertura automática da lâmina, apenas se relacionava com o bloqueamento e desbloqueamento, com comando e pastilha de segurança, para que inadvertidamente a lâmina não saísse da fenda longitudinal onde estava guardada.
Vendo a fotografia dessa navalha, melhor se percebe que esse mecanismo era de segurança.
Aliás, estando a lâmina guardada na fenda longitudinal existente no cabo, logicamente que não era compatível com um sistema de mola que fizesse “disparar” a lâmina, sob pena até de ferir a própria pessoa que manuseasse aquela navalha (caso em que então teria efeito contrário ao pretendido com o mecanismo tipo “ponta e mola”).
Impõe-se, por isso modificar o ponto 4 dos factos dados como provados (que já de si era insuficiente para concluir que aquela navalha era de “ponta e mola”), de modo a que nele conste o que acima se transcreveu do auto de exame de fls. 98, que foi erradamente interpretado e apreciado pelo tribunal.
Acrescente-se que, mesmo o ponto 4 dos factos dados como provados, não caracteriza suficientemente, em termos objectivos, o mecanismo para “bloqueamento e desbloqueamento, com comando e pastilha de segurança”, tanto mais que simultaneamente omite que o cabo da navalha tinha “uma fenda longitudinal para resguardar o gume” (o que tudo contraria o sistema de ponta e mola, o qual é activado accionando uma mola sob tensão que faz “disparar” instantaneamente do interior do cabo e na mesma direcção deste a lâmina, que fica assim de imediato - de surpresa, permitindo a sua utilização insidiosa com uma só mão que agarra a navalha e pode encobrir o cabo - disponível): isso significa igualmente que os factos dados como provados nem eram suficientes para integrar sequer a definição constante do art. 2º, nº 1, alínea ar), da citada Lei nº 5/2006.
E, não sendo aquela navalha de detenção e porte proibidos, há flagrante erro notório na apreciação da prova acima indicada quando o tribunal deu como provado os factos relativos ao dolo, constantes do seu ponto 6.
Assim, por erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP), modifica-se a decisão proferida sobre a matéria de facto quanto ao teor do ponto 4 provado (que passa a ter o seguinte teor: “4. Ainda, na mesma ocasião e lugar, foi apreendida ao arguido a navalha examinada a fls. 98 (cuja fotografia consta de fls. 11), a qual tem uma lâmina com um gume, com 9 centímetros de comprimento, com cabo ergonómico fabricado em metal, com plaquetas em madeira de cor castanha, com 12 centímetros de comprimento, com fenda longitudinal para resguardar o gume, sendo de fabrico Americano. Esta navalha, possui um mecanismo para bloqueamento e desbloqueamento, com comando e pastilha de segurança, na ponta posterior do cabo, que quando accionada permite a abertura automática da lâmina, encontrando-se em bom estado de conservação.”) e elimina-se o teor do ponto 6 provado (matéria susceptível de integrar o dolo no que se refere à posse, detenção e uso da mencionada navalha), a qual passa a constar dos factos não provados.
Efectuadas as modificações apontadas e, uma vez que não ocorrem quaisquer outros vícios aludidos no art. 410º, nº 2, do CPP, nem qualquer nulidade de conhecimento oficioso, considera-se, com as alterações introduzidas, definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Como resulta do que já se deixou dito sobre a detenção e posse da referida navalha, dado que essa conduta do arguido, à data dos factos em questão, não era penalmente censurável, é revogada a decisão recorrida quanto à condenação relativa ao crime de detenção de arma proibida (o que implica que o arguido seja absolvido desse crime por, nessa parte, ser improcedente a acção penal), razão pela qual deixa de subsistir a pena aplicada de 3 meses de prisão, bem como fundamento para a determinação da pena única aplicada (15 meses de prisão).
Assim, altera-se a decisão recorrida nos moldes acima assinalados, procedendo o recurso tendo em atenção a redacção da citada Lei nº 5/2006, na versão vigente à data dos factos ocorridos em 4.9.2007.
A versão posterior, resultante das alterações introduzidas pela Lei nº 17/2009, de 6.5, não é aqui aplicável face ao disposto no art. 2º, nº 1 e nº 2, do Código Penal.
No mais, mantém-se a decisão da 1ª instância, sendo o arguido condenado como autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25°, al. a), do Dec.- Lei n° 15/93, de 22.1, com referência à tabela I-A, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, cuja execução se suspende, ao abrigo do disposto no art. 50.º, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, de 4/9, pelo período de 14 meses, ficando ainda sujeito (para promover a sua reintegração na sociedade), nos termos dos arts. 52.º a 54.º, do Cód. Penal, a regime de prova, de acordo com o plano de reinserção social a elaborar pela D.G.R.S. (ex IRS), impondo-se, ainda, a regra de conduta de colaborar com os técnicos da D.G.R.S. (ex IRS) e comparecer nos dias e horários determinados pelos mesmos.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação, em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, alterando a sentença proferida pela 1ª instância:
a)- quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos acima apontados;
b)- revogando a condenação pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p. no artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/2, com referência aos artigos 2º, nº 1, alínea ar) e 3º, nº 2, alínea e), do mesmo diploma legal na versão original (sendo consequentemente o arguido absolvido desse crime por, nessa parte, ser improcedente a acção penal), ficando igualmente sem efeito o cúmulo jurídico de penas efectuado;
c)- condenando o arguido como autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. art. 25°, al. a), do DL n° 15/93, de 22.1, com referência à tabela I-A, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, cuja execução se suspende, ao abrigo do disposto no art. 50.º, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, de 4/9, pelo período de 14 (catorze) meses, ficando ainda sujeito (para promover a sua reintegração na sociedade), nos termos dos arts. 52.º a 54.º, do Código Penal, a regime de prova, de acordo com o plano de reinserção social a elaborar pela D.G.R.S. (ex IRS), impondo-se, ainda, ao mesmo arguido, a regra de conduta de colaborar com os técnicos da D.G.R.S. (ex IRS) e comparecer nos dias e horários determinados pelos mesmos;
d)- no mais manter o decidido pela 1ª instância.
*
Sem custas.
*
(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 13/4/2011
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Luís Augusto Teixeira
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[1] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 13/7/2005, proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais).
[2] Dispõe o art. 86º (detenção de arma proibida) da referida Lei nº 5/2006, na versão vigente à data dos factos aqui em questão:
1- Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) - Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do nº 7 do artigo 3º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do nº 7 do artigo 3º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
(…)”
[3] Ac. de fixação de jurisprudência do STJ nº 4/2004 publicado no DR Iª Série-A de 13/5/2004.
[4] O art.3º, nº1, alínea f), do cit. DL 207-A/75, de 17/4, tornava proibidas as seguintes modalidades de armas:
- armas brancas com disfarce;
- armas de fogo com disfarce;
- outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse.
[5] Conferir Ac. do STJ de 7/6/1993, CJ 1993 de Ac. do STJ, III, 192.
[6] Nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea m), da Lei nº 5/2006, na versão da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, “arma branca” é “todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm e, independentemente das suas dimensões, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, os estiletes com lâmina ou haste e todos os objectos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões”.