CONTRATO DE AGÊNCIA
CONTRATO DE CONCESSÃO
Sumário

1 - Em princípio, o regime do DL 178/86, de 3/7 (Lei do Contrato de Agência) é aplicável por analogia ao contrato de concessão comercial.
2 - Exceptua-se, contudo, norma do art.º 28º daquele diploma, respeitante ao tempo mínimo de pré-aviso para exercício do direito potestativo de denúncia, tendo em conta as particularidades que distinguem o contrato de concessão comercial.
3 - Entre elas destaca-se o volume dos investimentos que o concessionário tem de fazer por sua conta e risco na execução do contrato, em geral de muito maior peso e significado relativamente aos do agente.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A - Comércio de Máquinas Agrícolas, Ldª", propôs uma acção ordinária contra "B-Tractores (Portugal), Ldª", pedindo a condenação da ré, a título principal, no pagamento de 35.360.000$00 pela denúncia sem aviso prévio do contrato de concessão comercial identificado nos autos e de 44.450.000$00 como indemnização de clientela, tudo acrescido de juros de mora legais contados desde a cessação do contrato.
No essencial, e em resumo, alegou:
Desde 1986 é concessionária exclusiva para os concelhos de Braga, Guimarães, Póvoa de Lanhoso, Amares, Vila Verde, Terras do Bouro, Barcelos, Esposende e Vila Nova de Famalicão dos tractores agrícolas, acessórios e peças da marca italiana B;
A partir de meados de 1992 a ré quis que a autora apresentasse uma garantia bancária para cobertura dos créditos correntes resultantes das relações comerciais estabelecidas entre ambas;
A autora não aceitou e, por isso, a ré passou a exercer pressões e retaliações, deixando a autora de poder contar com os tractores de consignação;
Em 22.12.95 a ré dirigiu-lhe um ultimato: ou apresentava uma garantia bancária de 20.000 contos até 15/1/1996 ou as condições de fornecimento de tractores novos seriam alteradas de forma mais gravosa para a autora;
As condições de fornecimento impostas pela ré tornavam a concessão comercial totalmente inviável.
Através de carta da ré de 27.3.96 a autora ficou a saber que o contrato existente tinha terminado pelo facto de a ré se recusar a fornecer mais produtos de harmonia com as condições contratuais acordadas.
A Ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora no pagamento de 80.000.000$00 pelos danos que lhe ocasionou com a resolução do contrato operada através da carta de 28/3/96.
Seguindo o processo os trâmites legais, culminou com a sentença de fls 443 e seguintes, datada de 27.6.02, na qual se decidiu:
1º) Julgar a acção procedente, condenando-se a ré a pagar à autora a indemnização total de 80.080.000$00 - 35.630.000$00 pela denúncia do contrato sem aviso prévio e 44.450.000$00 de indemnização de clientela - mas declarando-se parcialmente compensado este crédito com o da ré sobre a autora no valor de 22.450.000$00, e condenando-se a ré, por isso, a pagar o saldo apurado, acrescido de juros de mora à taxa legal a partir da citação.
2º) Julgar a reconvenção improcedente.
Sob apelação da ré, a Relação confirmou integralmente a sentença.
Mantendo-se inconformada, a ré pede revista.
Finalizando a sua alegação, apresentou conclusões de que ressaltam as seguintes questões:
1ª) Nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia;
2ª) Indemnização por denúncia contratual sem pré-aviso:
Saber se há lugar a ela e, caso a resposta seja afirmativa, que montante é devido, tendo em conta, designadamente, o prazo de pré aviso que deve ser considerado;
3ª) Indemnização de clientela: saber se se justifica a sua atribuição - e em que montante, no caso afirmativo;
4ª) Juros de mora sobre o valor da indemnização de clientela, se esta for atribuída.
A recorrida contra alegou, defendendo a manutenção integral do julgado.
Os factos a considerar são os que a Relação definitivamente fixou; para eles se remete, nos termos dos art.ºs 726º e 713º, nº 6, do CPC.
Apreciação da 1ª questão:
A recorrente considera que a Relação, ao não atender, no cálculo do rendimento líquido obtido pela recorrida, a "um conjunto de factores essenciais à determinação do mesmo, nomeadamente custos de venda, os descontos no preço e as retomas e a distinção entre clientes ocasionais e habituais do concessionário", incorreu na nulidade de omissão de pronúncia.
Não tem razão, salvo o devido respeito.
Na apelação (conclusão 5ª desse recurso) a ré bateu-se pela alteração de vários pontos da matéria de facto apurada na 1ª instância e tomados em consideração na sentença (factos 19, 51, 52, 62, 65 e 66); reapreciando as provas, porém, a 2ª instância confirmou o veredicto da instância inferior, mantendo a decisão de facto nos seus precisos termos; em suma, estabeleceu definitivamente os valores das remunerações anuais da recorrida no último ano em que o contrato vigorou (1995) e a sua média nos cinco últimos anos. Ao atacar a decisão de facto nos pontos referidos o objectivo da recorrente foi o de alterar o cálculo da remuneração da autora, para obter, em resultado disso, a redução da indemnização arbitrada. Deste modo, parece evidente que a questão cujo conhecimento alegadamente se omitiu ficou prejudicada pela decisão da Relação a respeito dos factos indicados - os únicos, de resto, que, integrando os factores condicionantes do cálculo da indemnização de clientela, foram em tempo oportuno alegados a respeito do assunto e, por isso, levados à base instrutória, na parte controvertida. Diz-se em tempo oportuno porque, vendo bem, a recorrente só em sede de recurso de apelação suscitou o problema da falta de inclusão dos aludidos factores no cômputo da remuneração da autora; e assim, mesmo concedendo que estamos face a uma questão com autonomia - isto é, perante um problema sobre o qual o tribunal devesse necessariamente tomar posição em ordem à justa e "completa" decisão do litígio, atento o conteúdo do pedido e da causa de pedir tem de reconhecer-se que se trata de um problema novo, duma questão nova, não decidida, porque não posta, pelas instâncias, e por isso mesmo subtraída à cognição do Supremo Tribunal.
Não houve, portanto, omissão de pronúncia.
Apreciação da 2ª questão:
É pacífico entre as partes que o contrato ajuizado é um contrato de concessão comercial celebrado por prazo indeterminado, qualificação que as instâncias acolheram sem discrepâncias. Por outro lado, também está assente que a ré denunciou o contrato, tornando-se necessário, por isso, verificar que prazo de pré-aviso deveria ter sido respeitado no exercício desse direito potestativo.
Ora, conforme se disse em recente acórdão deste Tribunal (1), é corrente o entendimento de que se aplica ao contrato de concessão comercial o complexo normativo que regula o contrato de agência ou representação comercial, sobretudo em matéria de cessação do contrato, ou seja, o regime do DL 178/86, de 3 de Julho, na primitiva redacção, já que as alterações introduzidas em alguns dos seus preceitos pelo DL 118/93, de 13 de Abril, apenas foram mandadas aplicar aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste diploma a partir de 1.1.94 (2). Mas esta doutrina, baseada, aliás, no ensino dos autores que entre nós se debruçaram sobre o tema (3) e na parte final do nº 4 do preâmbulo do DL 178/86, de 3 de Julho, carece de algumas precisões, nomeadamente quanto aos tempos mínimos de pré-aviso fixados no art.º 28º da chamada Lei da Agência. Tais prazos, segundo refere Pinto Monteiro (4), "…não serão de aplicar, por analogia, aos contratos de concessão e de franchising. Não tanto, ou não apenas, por se afigurarem demasiado curtos, mas também, e sobretudo, por estes contratos implicarem, via de regra, investimentos de muito maior vulto, suportados pelo concessionário e pelo franquiado, do que os investimentos que normalmente estarão a cargo do agente. Assim, ter-se-á que apurar, em cada caso, qual a antecedência razoável, em face das circunstâncias, para que a denúncia possa ser exercida licitamente. Ora, entre as circunstâncias a ter em atenção contam-se, muito especialmente, os investimentos que o distribuidor haja feito, maxime se incentivados ou consentidos (expressa ou tacitamente) pela contraparte, e o tempo necessário para a respectiva amortização".
Estamos de acordo com a doutrina exposta, cujo acerto nos parece indiscutível (5).
Na situação ajuizada, os factos concretos a ter em conta para ajuizar sobre o assunto são fundamentalmente os seguintes:
1) A autora é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de tractores agrícolas, componentes, peças e acessórios, prestando assistência aos mesmos em oficinas devidamente equipadas para o efeito, no concelho de Braga;
2) Desde, pelo menos, Julho de 1986, é concessionária exclusiva para os concelhos de Braga, Guimarães, Póvoa do Lanhoso, Amares, Vila Verde, Terras do Bouro, Barcelos, Esposende e Vila Nova de Famalicão dos tractores agrícolas, acessórios e peças da marca italiana B, altura em que ainda era importadora e distribuidora a sociedade "C - Sociedade Eborense de Máquinas Agrícolas, Lda.";
3) No ano de 1988, por razões estranhas à autora, a importadora - distribuidora dos produtos B para Portugal passou a ser a Ré, tendo-se mantido a autora, no entanto, como concessionária exclusiva B nos concelhos acima referidos, a partir daí em relações comerciais com a ré;
4) Mesmo antes de 1986, mais concretamente desde o ano de 1982, a distribuição e comercialização exclusiva dos produtos B naquela área estava confiada pela referida "C" à sociedade "Imporminho - Sociedade Importadora do Minho, Lda", da qual faziam e ainda fazem parte exactamente os mesmos sócios da autora;
5) A concessão comercial foi transferida para a autora por interesse mútuo das partes, passando a própria autora a utilizar, a partir do ano de 1986, as instalações oficinais e stands de vendas propriedade da referida "Imporminho";
6) Sem qualquer interrupção da actividade, a autora passou a representar, promover e vender, na área concessionada, os produtos B;
7) A cessação do contrato de concessão determinará para a autora o fecho do seu estabelecimento composto de secção de peças, oficina e stand de vendas, sito na freguesia de Palmeira;
8) Em 1993 a autora construiu uma secção de peças nova nas instalações de Palmeira, onde despendeu cerca de 5.000 contos, sendo que tais obras foram levadas a cabo para adaptar melhor o local ao funcionamento da concessão B;
9) A autora gastou em obras de remodelação na oficina e stand de vendas cerca de 4.500 contos; as obras consistiram na construção de uma secção de lavagem, de um gabinete para chefe de vendas e sala de vendas com um sanitário, bem como na construção de três telheiros para abrigo dos tractores em exposição;
10) Foram ainda gastos 3.500 contos, em obras de adaptação à actividade de assistência, exposição e venda de tractores na filial de Barcelos;
11) O estabelecimento de Palmeira terá de ser desocupado e entregue à sua proprietária e a filial de Barcelos já se encontra encerrada;
12) Não obstante as oficinas e o stand de vendas de Palmeira estarem praticamente sem actividade, a autora continua a ter que suportar em despesas fixas, designadamente com o telefone, fax, água, luz, renda, seguros e outras decorrentes da própria cessação da actividade comercial, a quantia mensal de 300.000$00;
13) A autora não tem qualquer outra actividade comercial para além da representação B;
14) A autora tem afectos à sua actividade comercial 13 trabalhadores, em relação aos quais continua a pagar as retribuições mensais, apesar de estarem praticamente inactivos, o que constitui um encargo mensal de 1.232.800$00;
15) Não existindo qualquer possibilidade para a autora de os manter ao seu serviço, será obrigada a despedi-los e a pagar-lhes as indemnizações relativas à sua antiguidade na empresa;
16) A remuneração anual obtida pela autora durante o ano de 1995, respeitante apenas à venda de tractores e peças B, sem contar com os serviços oficinais prestados nos tractores desta marca, ascendeu a 35.630.000$00.
Perante estes factos, afigura-se perfeitamente razoável o prazo de pré-aviso de doze meses fixado pelas instâncias: tendo em conta a duração do contrato (na prática, cerca de 15 anos), a natureza e o peso relativo dos investimentos realizados pela autora e as especificidades do negócio em causa - note-se que foi concessionada a venda e assistência pós venda de tractores agrícolas, não de automóveis ligeiros, numa época e numa zona do país em que a retracção e o declínio da actividade agrícola e dos investimentos a ela inerentes é um dado incontroverso após a adesão de Portugal à União Europeia -, um ano não é um prazo excessivo, bem pelo contrário, para a autora "deitar contas à vida", preparando a eventual reconversão da sua actividade económica, tanto mais que, segundo decorre dos factos apurados, foi surpreendida com a cessação do contrato desencadeada pela ré.
A recorrente, se bem se percebe, pretende demonstrar que a Relação aplicou erradamente o art.º 514º do CPC ao considerar o facto acima identificado sob o nº 7 como um facto notório. Mas a questão, salvo o devido respeito, é inócua: trata-se de facto que o tribunal deu como provado em consequência da resposta ao ponto 30 da base instrutória, pelo que nada obstava à sua inclusão no elenco da matéria factual a valorar na sentença. Além disso, o Supremo, julgando apenas de direito, não pode nem deve sindicar o julgamento das instâncias a respeito dos factos, salvo o caso excepcional previsto no art.º 722º, nº 2, do CPC, que aqui não se verifica (art.º 729º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma).
Sustenta ainda a ré que a Relação interpretou mal os art.ºs 28º e 29º da Lei da Agência ao decidir que a denúncia foi feita sem pré-aviso; na realidade, diz, tal pré-aviso existiu, se bem que com antecedência inferior à legalmente prevista.
Também neste ponto não está dentro da razão.
O acórdão recorrido resolveu o problema de forma cabal e em termos que respondem com clareza e precisão às objecções da recorrente. Passamos a citá-lo:
"Alega, depois, a apelante que o prazo decorrido entre o dia 22 de Dezembro de 1995 e o dia 15 de Janeiro de 1996 traduz um aviso prévio de 24 dias, uma vez que, durante esse prazo, o contrato continuou a ser executado segundo os termos inicialmente acordados.
Resulta da prova produzida que, em 22 de Dezembro de 1995, no caso de a autora não apresentar, até 15 de Janeiro de 1996, uma garantia bancária de 20.000 contos, seriam alteradas as condições do contrato. A ora apelada tentou negociar uma prorrogação do prazo estipulado, mas a ora apelante mostrou-se inflexível e informou que passariam a aplicar as novas condições, caso não fossem satisfeitas as suas exigências. Perante a recusa da autora, a ré ameaçou suspender os fornecimentos e alterar unilateralmente as condições de pagamento dos produtos concessionados (resposta ao ponto nº 17º). Contudo, os fornecimentos continuaram a ser feitos nas condições acordadas... (resposta ao ponto nº 18º). Sendo assim, a ameaça de suspensão de fornecimento, não passou disso mesmo, isto é, não se pode qualificar de pré-aviso para pôr termo ao contrato em 15 de Janeiro de 1996. Em suma, o decurso de tempo entre 22 de Dezembro de 1995 e o dia 15 de Janeiro de 1996 não traduz um pré-aviso de 24 dias. Aliás, é a própria Ré exposta que diz que não se alteraram as condições de pagamento (v. artºs 64º e 90º da contestação) e que nunca existiu denúncia (artº 97º do mesmo articulado)".
E logo adiante:
"Considerando os factos que dizem respeito ao modo como foi posto termo ao contrato, já referidos, verificamos que a cessação do contrato foi devida a uma alteração contratual exigida pela Ré e não aceite pela Autora. Pode dizer-se que passaria a existir um novo contrato em que a situação da Autora perdia certas vantagens. Ao não aceitar as novas condições contratuais impostas pela Ré, cessou o contrato de concessão. A Ré não disse que denunciava o contrato, mas comunicou à Autora a sua intenção de o alterar e alterou-o unilateralmente. A declaração de alteração do contrato "continha (ou conteria) uma declaração tácita de denúncia" acompanhada de uma proposta de um novo contrato. Trata-se de uma denúncia modificação. Não tendo a proposta da Ré sido aceite pela Autora, a cessação das relações contratuais deu-se por denúncia daquela, pois o contrato anterior, nos termos em que vigorava até então, deixou de subsistir. Os novos termos conduziriam a um novo contrato que não foi aceite pela Autora. (6) Não se pode fazer qualquer referência a um período de pré-aviso visto que, depois da ameaça de suspensão dos fornecimentos, estes continuaram a ser feitos nas condições inicialmente acordadas. Só a partir do momento em que as novas condições foram impostas pela Ré é que cessou o contrato de concessão comercial. Como a Autora diz na sua carta junta a fls. 93, ao fazer a encomenda de um tractor, estava ainda convencida de que continuariam a ser praticadas as condições acordadas e não iria a Ré unilateralmente impor outro tipo de condições. A carta de 26-03-95 "demonstra exactamente o contrário". Acreditando a Autora que a Ré não fosse alterar, de modo unilateral, as condições entre ambas acordadas, pois, apesar das ameaças nesse sentido, continuou a Ré a cumprir as condições do contrato, pode dizer-se que a denúncia se processou sem pré-aviso".
Resta-nos apenas acrescentar que, atento o disposto no art.º 29º, nº 2, do Regime da Agência, e visto o facto relatado sob o nº 15, o valor da indemnização fixado nas instâncias por falta de pré-aviso está correctamente determinado.
Análise da 3ª questão
Os elementos de facto a considerar neste âmbito são os seguintes:
1) O contrato de concessão que vigorava entre a autora e a ré, que não se encontra reduzida a escrito, tinha, pelo menos, o seguinte conteúdo:
Obrigação da autora em promover, vender e distribuir, por sua conta e risco, os produtos objecto da representação comercial na área concessionada, de modo autónomo e estável;
Obrigação da autora em manter uma estrutura organizativa com os padrões de qualidade e eficiência exigidos pela ré importadora, designadamente no que respeita a assistência técnica-oficinal pós-venda;
Obrigação da autora realizar actividades de promoção de vendas, através de participação em feiras e realização de publicidade, de forma a estimular a venda dos produtos concessionados; Obrigação da autora em manter um stock de peças adequado;
Obrigação dos colaboradores da autora frequentarem cursos de vendas e assistência técnica indicada pela ré;
Obrigação da ré em fornecer à autora, nas condições acordadas, os produtos objecto da concessão comercial.
2) Ao longo de todos estes anos foram vendidos pela autora na área concessionada cerca de 500 tractores de marca B, apesar das várias recessões que se verificaram no sector agrícola de Portugal, nomeadamente nos anos de 1991, 1992 e 1993, e que motivaram, em alguns anos, uma quebra acentuada na procura deste tipo de produtos;
3) As vendas da autora, nos últimos cinco anos, foram as seguintes: ano de 1990, 42 tractores; ano de 1991, 28 tractores; ano de 1992, 31 tractores; ano de 1993, 29 tractores; ano de 1994, 35 tractores e ano de 1995, 30 tractores;
4) A autora realizou acções promocionais dos produtos da ré, participando em feiras agrícolas, onde acorre sempre em todas as edições da Agro, no parque de exposições de Braga, à excepção da última feira em que a ré manteve um stand próprio, não impedindo isso que fosse a autora quem colaborasse na sua montagem e desmontagem e estivesse presente com apoio de vendas próprio durante a realização do certame;
5) E participando assiduamente nas diversas feiras semanais e anuais que se realizam nas zonas concessionadas, pondo sempre à disposição da clientela um camião e tractores B;
6) E realizando campanhas publicitárias nas rádios e jornais locais;
7) Durante os últimos cinco anos, e em virtude destas acções promocionais, a autora tem contribuído para colocar a B entre as quatro primeiras marcas em termos de vendas, no distrito de Braga;
8) Durante o ano de 1994, a autora vendeu na área concessionada 32 tractores, tendo-se verificado, durante este referido ano, 25 transferências de propriedade de tractores vendidos pela autora o que a colocam em 2º lugar nas vendas, logo atrás da FIAT.
9) Durante o primeiro trimestre de 1996, segundo os dados da ACAP, foram efectuados 14 transferências de propriedade de tractores B no distrito de Braga, respeitando 10 dessas transferências de propriedade aos concelhos concessionados, o que colocam a B no 1º lugar das vendas neste distrito;
10) A ré atribuiu à autora, por várias vezes, prémios e viagens pelo bom desempenho deste concessionário, de que são exemplo viagens ao Brasil (1992) e a Paris (1994);
11) A ré atribuiu-lhe, por diversas vezes, bónus por cumprimento de objectivos propostos, designadamente nos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993 e 1995, realçando as "boas actuações no domínio das vendas", bem como o "dinamismo comercial e empenhamento demonstrado";
12) No que diz respeito aos meios e grau de organização nos sectores de venda, de após-venda e administrativo, a ré tem atribuído à autora pontuações próximas da nota máxima;
13) A autora conseguiu fidelizar à marca um número importante de clientes;
14) Anteriormente a 1982 a B era praticamente desconhecida dos agricultores da zona concessionada;
15) Durante o ano de 1995, a autora auferiu as seguintes remunerações devidas pelas vendas de tractores e peças B: tendo comprado à ré, no ano de 1995, tractores no montante de esc. 98.948.000$00, auferiu de "remuneração" por estas compras a quantia de 29.684.000$00, correspondente a uma margem bruta de 20% nas vendas pagas a 90 dias, beneficiando ainda de mais 5% nas compras em que optou pelo pagamento a pronto;
16) Tendo comprado à ré, em 1995, peças sobressalentes no montante de 14.867.000$00, auferiu uma "remuneração" anual de esc. 5.946.800$00, correspondente a uma margem bruta média de 40% (as margens nas vendas de peças sobressalentes eram de 32,5% para as encomendas urgentes, 45,5% para as programadas, podendo ainda existir um bónus suplementar de 5% quando os pagamentos eram feitos até 15 dias da data da factura);
17) Qualquer novo concessionário que se instale na área concessionada, contará com uma implantação efectiva da marca B, mercê do trabalho desenvolvido pela autora junto de centenas de agricultores;
18) A autora auferiu as seguintes remunerações anuais pela venda de tractores: em 1991, 26.448 contos; em 1992, 24.764 contos; em 1993, 30.030 contos; em 1994, 38.157 contos; em 1995, 29.684 contos;
19) Quanto à venda de peças sobressalentes, a autora auferiu, nos últimos cinco anos, uma média anual de 5.300 contos de remuneração;
20) A autora vendia, conjuntamente com os tractores agrícolas B, as necessárias alfaias agrícolas, produtos esses que agora deixará de vender;
21) Nos últimos cinco anos, auferiu pela venda deste tipo específico de material agrícola, uma quantia anual de cerca de 3.680 contos, valor esse calculado com base na margem média de 30% auferido nestas vendas;
22) Na actividade de assistência oficinal e serviços após-venda aos tractores B, a autora auferiu, nos últimos cinco anos, uma média de 5.000 contos por ano, valor esse que, também, deixará de auferir no futuro;
23) A autora, presentemente, após a devolução recente à ré de alguns tractores que tinha em stock, deve-lhe a quantia de 22.450.600$00, correspondente a fornecimento de tractores;
24) Na sua oficina de reparação, a autora também presta assistência aos tractores de marca Lamborghini, o que faz, ainda, em relação a outras marcas, desde que possível.
À luz destes factos, é quanto a nós indiscutível que a recorrida tem direito à indemnização de clientela prevista no art.º 33º do Regime da Agência, pois estão preenchidos todos os requisitos de que depende a sua concessão, como a Relação bem demonstrou. E dizendo a lei que a indemnização deve ser fixada em "termos equitativos", sem que possa exceder "um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos" (art.º 34º do Regime da Agência, aplicável por analogia (7), entende-se que o valor achado nas instâncias é justo e equilibrado: valorizou de forma correcta o sensível aumento e fidelização da clientela da ré obtido à custa da actividade da autora no âmbito da relação contratual estabelecida, bem como o facto de não se ter provado que, extinto o contrato, a recorrida continuou a auferir rendimentos pela prestação de serviços oficinais ou venda de peças da marca concessionada.
Análise da 4ª questão
A recorrente sustenta que, contrariamente ao decidido, o valor da indemnização de clientela não vence juros de mora a partir da citação visto que antes da sentença era uma quantia ilíquida, sendo certo que não pode considerar-se ter havido culpa sua na falta de liquidez.
Uma vez mais, sem razão.
Com efeito, segundo dispõe o art.º 805º, nº 3, 1ª parte, do Código Civil, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (o sublinhado é nosso). Ora, a situação ajuizada encaixa-se justamente nesta previsão: tratando-se, como se trata, duma hipótese de responsabilidade contratual, recaía sobre o devedor o ónus da prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art.º 799º, nº 1). Porém, é manifesto que a ré nada provou, porque nada também alegou tendente a mostrar que actuou com a diligência devida para se apurar o montante em dívida; aliás, a posição que desde o início assumiu foi a de que nada devia à contraparte, designadamente a título de indemnização de clientela: na sua tese, a recorrida nem sequer dispunha de qualquer crédito resultante da extinção do contrato porque, conforme sem êxito defendeu, teria havido resolução do contrato motivada por comportamento culposo da própria autora, e não denúncia. Por consequência, a condenação ditada pelas instâncias em juros de mora a contar da citação mostra-se inteiramente legal, não merecendo qualquer reparo.
Nestes termos, nega-se a revista e condena-se a recorrente nas custas.

Lisboa, 13 de Maio de 2004
Nuno Cameira
Afonso de Melo
Sousa Leite (subscrevo o Acórdão, salvo no que respeita à fundamentação relativa aos juros moratórios em que apenas voto a decisão a tal referente).
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(1) Acórdão de 4.2.03, proferido no processo 02A744, acessível em www.stj.pt (relator: Silva Paixão).
(2) Pinto Monteiro, Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial, separata da RLJ 130º, pág. 54 a 56.
(3) Pinto Monteiro, Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial, separata da RLJ 130º, pág. 49 a 52, e Contratos de Distribuição Comercial, 2002, pág. 66 a 69; Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, pág. 216 e seguintes.
(4) Contratos de Distribuição Comercial, 2002, pág. 140.
(5) Seja-nos permitido referir o acórdão da Rel. de Coimbra de 11.3.97 (CJ XXII - II - 19), cujo relator foi o mesmo do presente, e no qual se toma posição clara acerca da natureza do direito potestativo de denúncia, bem como do prazo de pré-aviso enquanto seu requisito geral.
(6) António Pinto Monteiro, Denúncia de Um Contrato de Concessão Comercial, pág. 57 e segs.
(7) A jurisprudência, acompanhando a doutrina, tem decidido uniformemente neste sentido: cfr, por último, o acórdão deste Tribunal de 18.11.99, proferido no Pº 99B852, acessível em www.stj.pt.