ESCUTA TELEFÓNICA
TRANSCRIÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
Sumário

I - A lei processual, no art. 188º, do C.P.P., consignou que os resultados das intercepções telefónicas, para serem valorados como meio de prova, deveriam ser transcritos em auto, restrito apenas às conversações consideradas relevantes pelo JIC.
II - Não constando da transcrição das escutas telefónicas que o juiz tenha procedido à escolha de todo o material probatório transcrito e resultante dessas escutas, e não tendo a Relação tomado qualquer posição sobre essa omissão, é nulo o acórdão daquele tribunal, por deficiência de fundamentação, impondo-se que a mesma Relação amplie a matéria de facto com vista a esclarecer esse ponto essencial de determinação da validade daquele meio de prova.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Os arguidos AMG; PMSPG; AMFP; AAA; LJRR; JMR; e LSR foram acusados da prática de factos susceptíveis de integrarem a comissão, por todos, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, nº. 1, e 24º, alíneas b) e c), do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, e de um crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 28º do mesmo diploma legal (os arguidos JMR e L pelo nº. 1 e os restantes pelo nº. 2 desse preceito), e pelos arguidos JMR, AMFP e A ainda, em concurso real com aqueles, de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto e punível pelo artigo 6º da Lei 22/97, de 27 de Junho e pelo último também de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 275º, nº. 1 do Código Penal.
No final, foi proferida a decisão a:
1 - Absolver todos os arguidos do crime de associação criminosa;
2 - Absolver o arguido LJRR do crime de tráfico de estupefacientes agravado;
3 - Absolver o arguido AAA do crime de detenção de arma proibida;
4 - Absolver o arguido AMFP do crime de tráfico de estupefacientes agravado que lhe vem imputado e condená-lo, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21º, nº. 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão e como autor material, em concurso real com aquele, de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto e punível pelo artigo 6º da Lei 22/97, de 27 de Junho, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €4 (quatro Euros);
5 - Condenar os arguidos JMR, AAA, LSR, AMG e PMSPG, como co-autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, nº. 1, e 24º, alíneas b) e c), do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal, nas penas de 9 (nove) anos de prisão, 8 (oito) anos de prisão, 7 (sete) anos de prisão, 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, respectivamente, e os dois primeiros ainda, como autores materiais, em concurso real com aquele, de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto e punível pelo artigo 6º da Lei 22/97, de 27 de Junho, nas penas de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 4 (quatro Euros), e 9 (nove) meses de prisão, também respectivamente;
6 - Operando o cumulo jurídico das penas impostas ao arguido AAA, ponderando os factos e a personalidade desse arguido no seu conjunto, vai o mesmo condenado na pena única de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
7 - Declarar perdidos a favor do Estado os veículos automóveis e motociclos, com excepção dos que se encontram em regime de locação financeira, telemóveis, objectos em ouro, quantias em dinheiro, saldos bancários, armas e munições, com excepção das armas de caça detidas pelo arguido JMR e das que forem legalizáveis, que serão restituídas se, no prazo de três meses, os respectivos donos obtiverem a licença de uso e porte e procederem ao seu manifesto e registo, e as substâncias estupefacientes, heroína e cocaína, apreendidos e ordenar a oportuna destruição destas últimas.

Inconformados, recorreram à Relação de Guimarães os arguidos AMG; PMSP; AMFP; AAA; JMR e LSR.
Em vão. Pois, por acórdão de 22/3/04, aquele tribunal superior negou provimento a todos os recursos.
Ainda inconformados, recorrem agora ao Supremo Tribunal de Justiça os arguidos JMR, LSR e AAA, culminando as respectivas motivações as seguintes afirmações conclusivas delimitativas do objecto de cada recurso:
A - O primeiro (JR)
1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, confirmativo da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância que condenou o ora recorrente como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, nº. 1, e 24º, alíneas b) e c) do Decreto-Lei nº. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 9 anos de prisão efectiva, e ainda como autor material de um crime de detenção ilegal de arma de defesa.
2. Nos presentes autos, foi suscitada a questão da nulidade das intercepções telefónicas, não tendo, contudo, tal questão merecido acolhimento junto do Tribunal da Relação de Guimarães.
3. A nulidade processual suscitada decorre da evidente ausência de controlo judicial na realização do meio de prova - intercepções telefónicas - pois não resulta documentado nos autos que tenha existido efectivo controlo judicial, tal como exigido pelas disposições processuais que minuciosamente regulam a obtenção de tal meio de prova.
4. O legislador, atento à potencial danosidade do recurso ao meio de prova em apreço, rodeou a sua realização de apertados, rigorosos e criteriosos requisitos, cujo cumprimento se exige, sob pena de nulidade. (art. 189º do Código do Processo Penal).
5. Emerge, assim, o controlo judicial na realização do meio de prova - intercepções telefónicas - como garante da sua legalidade.
6. O Magistrado Judicial pode limitar a audição dos suportes magnéticos que contêm as intercepções telefónicas efectuadas às sessões previamente consideradas relevantes para a prova pela Polícia Judiciária.
7. Nos presentes autos, contudo, não resulta documentado que o Magistrado Judicial, tenha, sequer, procedido à audição de qualquer das "(...) passagens das gravações ou elementos análogos considerados como relevantes para a prova".
8. Demitiu-se o Tribunal de controlar a legalidade da realização do meio de prova, o que clara e inelutavelmente importa a nulidade das intercepções telefónicas dos presentes autos.
9. Curioso é o facto do Tribunal recorrido fundamentar a posição da validade das escutas telefónicas na remissão para jurisprudência anterior à alteração legislativa supra referida.
10. As disposições processuais que regulam o recurso às intercepções telefónicas, e que se encontram plasmadas nos artigos 187º e seguintes do Código do Processo Penal, concretizam a excepção prevista no nº. 4 do art. 34º da C.R.P. ao direito constitucionalmente consagrado da inviolabilidade da correspondência e das comunicações privadas.
11. Prescreve o nº. 3 do artigo 126º do Código do Processo Penal que: "Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular".
12. Desta feita, a inobservância dos requisitos processuais impostos determina a enfermidade, por nulidade, do meio de prova, e mais determina inegável ofensa ao direito constitucionalmente salvaguardado pelo artigo 34º, configurando, por isso, a nulidade constante do nº. 8 do artigo 32º da C.R.P. que se encontra concretizada no art. 126º do Código do Processo Penal.
13. O controlo judicial na realização do meio de prova - intercepções telefónicas - emerge como garante da legalidade destas, sendo que, nos presentes autos, não resulta documentado que o Magistrado Judicial que autorizou a realização de intercepções telefónicas e as validou, tenha procedido à sua audição e criteriosa selecção, o que consequente e causalmente determina a viciação insanável do referido meio de prova, por violação do disposto no art. 188º, nºs. 1 e 3 do Código do Processo Penal e, por maioria de razão, do disposto no art. 34º da Constituição da República Portuguesa.
14. Tendo sido este o único meio de prova utilizado para fundamentar a condenação do recorrente haveria o mesmo de ter sido absolvido.

Sem prescindir,
15. O Tribunal a quo acreditando, ab initio, na culpa do ora recorrente, sindicou a sua decisão através de um juízo dedutivo, discricionário e inelutavelmente carecido de suporte factual, com base, unicamente, na interpretação de escutas telefónicas nulas.
16. Veja-se a transcrição efectuada pelo acórdão de que ora recorre, que conclui que, quando o arguido proferiu a palavra "frango" necessariamente queria dizer "um quilograma de cocaína".
17. O recorrente foi condenado sem que do decorrer da audiência de discussão e julgamento se tivesse feito prova segura de qualquer acto susceptível de preencher o tipo de crime de tráfico, ou qualquer outro.
18. Foi-lhe aplicada uma pena com base numa presunção de culpa, o que é inaceitável face à Constituição da República Portuguesa, cujo art. 32º, nº. 2, há muito baniu do Processo Penal.
19. Assim sendo, o Tribunal a quo violou, não só o art. 127º do C.P.Penal, como também o art. 21º e 24º do DL nº. 15/93 de 22/01, ao ter proferido decisão condenatória sem suporte probatório bastante que a sustentasse e, ainda, o art. 32º, nº. 2 da Lei Fundamental.
20. Sendo que, o desrespeito, pelo Tribunal, do principio in dubio pro reo constitui uma frontal violação do art. 32º, nº. 2 da Lei Fundamental.
21. Tendo sido recorrente condenado com base numa presunção de culpa subjectivamente considerada pelo Tribunal a quo, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, à revelia dos princípios processais penais.
22. Caso tão alto Tribunal de recurso não considere pertinentes as questões acima suscitadas, concluindo pela manutenção da decisão condenatória proferida, e ora recorrida, o que só por mero raciocínio académico se admite, sempre se deverá determinar a não aplicação das agravações, p. e p. pelas als. b) e c) do art. 24º do DL nº. 15/93 de 22 de Janeiro.
23. Atendendo a que as mesmas não são de aplicação automática e não foi produzida prova válida para as sustentar.
24. No que se refere à al. c): Não nos podemos esquecer que apesar de nos factos provados se considerar que só "esporadicamente" é que o arguido trabalhava, a verdade é que na sua casa foram apreendidos milhares de artigos de vestuário e calçado, destinados à venda nas feiras.
25. Na absoluta ausência de qualquer meio de prova susceptível de validar a factualidade dada como assente, e acima transcrita, é razoável, senão obrigatório, concluir que o Tribunal a quo excedeu os limites impostos pela Lei Penal e Processual Penal.
26. Sem grandes delongas, o mesmo se dirá que no que se refere à agravação da alínea b) do mesmo preceito legal, pois, nenhuma prova foi produzida perante o Tribunal para que tal agravação tivesse sido aplicada.
27. Não podem "as regras da experiência" e as "frases feitas" determinar que tal produto apreendido a um terceiro se destinava a ser vendido a grande número de consumidores pelo recorrente.
28. Em conclusão, e sendo esse douto Tribunal de Revista, não podendo, por isso, alterar matéria de facto, ainda que erradamente dada como provada, sempre poderá alterar a qualificação jurídica dos factos, afastando as agravantes que indevidamente foram aplicadas ao recorrente.
29. Pois o Tribunal recorrido violou os preceitos normativos das alíneas b) e c) do art. 24º do DL 15/93 ao aplicá-los ao recorrente.
30. Por fim, mesmo que assim não se entenda, sempre se deverá atenuar a pena aplicada ao recorrente porquanto a mesma se mostra excessiva e injusta.
31. Pelo exposto, tendo decidido manter a condenação do recorrente pela prática, de um crime de tráfico de estupefaciente, agravado, sem ter obedecido aos critérios traçados pelo artigo 71º, 72º e 73º do C. Penal, o tribunal a quo violou essas normas.
Termina pedindo, a declaração de nulidade das escutas telefónicas com as necessárias consequências, ou, caso assim não se entenda, considerar a conduta do recorrente subsumida na previsão do artigo 21º do DL 15/93, de 22/1, «absolvendo-o das agravantes p. e p. nas als. b) e c), do mesmo diploma», e, sem prescindir, ser especialmente atenuada a pena que lhe foi aplicada.

B - O segundo (LR)
1ª- O recorrente LSR considera incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto que as doutas Instâncias incluíram no elenco dos factos provados, designadamente no que a ele diz respeito, por isso devendo ser julgados não provados:
"No período compreendido entre os meses de Setembro de 2001 e Junho de 2002 os arguidos JMR, LSR, AMG, PMSPG e AAA, em execução de um plano previamente estabelecido entre todos, dedicaram-se ao tráfico de substâncias estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, comprando regularmente essas substâncias, em quantidades que rondavam um quilograma de cada vez, em Espanha, transportando-as até às áreas da residência do primeiro e vendendo-as aí, por grosso, a diversos indivíduos que, por sua vez, as revendiam aos consumidores finais.
2ª- Deste modo, fica prejudicada a prova da matéria de tal dependente. E em especial deve ser julgado não provado, no que ao ora recorrente L é pertinente:
"[O arguido JMR] era coadjuvado directamente pelo seu filho LSR, a quem cabia transmitir aos demais as instruções do pai e distribuir os produtos estupefacientes pelos vários clientes e recolher o dinheiro proveniente da sua venda".
"Aquele primeiro grupo de arguidos repartia posteriormente entre si por forma que não foi possível apurar os proventos obtidos".
"Para estabelecerem os contactos necessários ao desenvolvimento do tráfico, os arguidos utilizavam normalmente telemóveis, recorrendo a cartões recarregáveis para evitar ou minimizar os riscos decorrentes da sua eventual intercepção, destacando-se os aparelhos com os números 96 ..., 93 ..., 96 ..., 96 ..., 91 ..., 96 ..., 96 ... e 96 ... ."
No âmbito da actividade descrita e cumprindo, mais uma vez, instruções dadas pelos arguidos JMR e L, os arguidos AMG e PMSPG, na sequência de vários contactos telefónicos para acertarem o encontro, deslocaram-se no dia 19 de Junho de 2002 até à residência do arguido A a fim de adquirirem um quilograma de cocaína pelo preço de 6.250.000$00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil escudos) e um quilograma de heroína pelo preço de 5.5000.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos)."
"Todos os bens móveis supra descritos e as quantias depositadas nas contas bancárias identificadas nos apensos 3, 4 e 5 (B, C1 e C") foram obtidos pelos arguidos (alguns deles ao abrigo de contratos de locação financeira) com os proventos resultantes do tráfico de estupefacientes, dado os mesmos não apresentarem rendimentos lícitos que justifiquem a sua aquisição ou detenção."
"Agiram todos livre e deliberadamente, sendo que o JMR, o L, o AMG, a PMSPG e A actuaram em conjugação de esforços e em execução de um plano previamente gizado entre todos com o propósito de obterem lucros avultados, na ordem das centenas de contos por cada transacção. Mediante a compra e posterior venda de grandes quantidades de heroína e cocaína que sabiam destinar-se a uma elevado número de pessoas [...] com plena consciência de que incorriam em responsabilidade criminal. [...]"
3ª- A fundamentação da fixação da matéria de facto no apontado sentido fizeram-na as Instâncias residir de modo decisivo no resultado das transcrições das escutas telefónicas, prova que no entanto carece de ser totalmente desvalorizada pelas seguintes ou outras melhores razões:
4ª- No teor das comunicações telefónicas escutadas - o qual, antes do mais, é compatível com explicações não incriminatórias -, o Tribunal valorou apenas a interpretação que dele fizeram as testemunhas agentes da Polícia Judiciária.
5ª- Isto é inadmissível, desde logo porque ofende o art. 130º/2 do CProcPen, visto que esta verbalização de interpretações duma testemunha quanto aos factos sobre que depõe (conteúdo das escutas) é e deve ser separável do dito teor, sendo certo que, no caso, tais depoimentos não são feitos em função de qualquer ciência, técnica ou arte, antes se limitam a corresponder a uma atitude conclusiva de investigadores policiais que a eles não compete acerca de comportamentos de pessoas investigadas.
6ª- Acresce que a interpretação em causa está desacreditada pela constatação objectiva de que os investigadores não identificaram nem observaram qualquer transacção de droga durante meses, como dos autos se alcança. Foi a própria entidade investigadora que teve oportunidade de pôr à prova - repetidamente sem qualquer êxito! - a dita interpretação. O que tem especial valia no que concerne a posição do recorrente L.
7ª- E as Instâncias valoraram as escutas telefónicas de modo contraditório: por um lado, concluíram que não eram suficientes para se considerar provados os factos descritos na acusação quanto a cada uma das inúmeras transacções referidas; mas, por outro, poderia servir como prova para o "padrão do tráfico" imputado aos arguidos.
8ª- Ou seja, as Instâncias incorrem num erro notório na apreciação da prova, por ser manifesta a inaptidão dos mesmos factos para legitimar que se parta duma conclusão acerca de uma abstracção operacional ("padrão de tráfico") para concretas imputações de ilícitos para as quais, explicitamente, é reconhecida insuficiente (art. 410º/2/c) CProcPen).
9ª- Ao invés, da fundamentação extrai-se que o Tribunal considerara que as escutas telefónicas não constituem prova para uma única transacção de estupefacientes, servindo, não obstante isso, como prova decisiva de que os arguidos se dedicaram a várias transacções de droga, do padrão dessas transacções e até da função que cada um exercia na circulação da droga.
10ª- É abusivo pretender-se, a partir de um acto com o qual o arguido L manifestamente nada teve a ver (uma suposta entrega de droga pelo A ao AMG), extrapolar que o recorrente desempenhava a função de encomendar e negociar os preços dos estupefacientes com o A, dar instruções ao AMG e funcionar como elo de ligação do seu pai JMR com eles e demais arguidos. Ao fazê-lo, as Instâncias incorreram em erro de apreciação da prova integrador do vício referido no art. 410º/2/c) do CProcPen.
11ª- Contradições se revelam ainda porque as Instâncias, por um lado, aceitaram que não eram suficientes para incriminar o arguido LJRR na actividade de tráfico de estupefacientes, mas já as julgou bastantes para condenar o recorrente L, quando o único meio de prova relativamente a ambos é exactamente o mesmo, devendo valer para este arguido o argumento utilizado para aquele: nada existe nos autos que complemente a "suspeita" levantada pelas conversações telefónicas nem foi apreendida na sua posse qualquer substância estupefaciente; nem pode impor-se-lhe uma inversão do ónus probandi só porque não prestou declarações.
12ª- As Instâncias argumentam, para reforçar a sua convicção quanto aos arguidos AMG e PMSPG, com as suas anteriores condenações por crimes de tráfico de estupefacientes. Mas a falta desse argumento relativamente ao arguido ora recorrente, que nunca sofreu qualquer condenação por esse crime, já não serviu de nada, nem sequer para afastar a estranheza que eventualmente possa suscitar o teor das conversações telefónicas alegadamente da sua autoria.
13ª- Por outro lado, as Instâncias violaram inequivocamente o disposto no art. 374º/2 CProcPen ao omitirem a enumeração de factos de decisiva importância, limitando-se remeter a respectiva descrição para as transcrições referenciadas na acusação das escutas constantes do "apenso A" que dão como reproduzido. Tal constitui a nulidade prevista no art. 379º/1/a) CProcPen.
14ª- Ainda por outro lado, não houve qualquer controlo jurisdicional das escutas houve-o apenas quanto às respectivas transcrições. De facto, as decisões não o revelam nem existe qualquer auto ou escrito demonstrando terem sido as gravações ouvidas, seleccionadas e mandadas transcrever por um magistrado judicial; e bem assim não existe evidência da apresentação em juízo das fitas magnéticas, mas tão-somente das suas alegadas transcrições.
15ª- Tais procedimentos e omissões violam o preceituado na lei. E designadamente o disposto no art. 188º/3 e 1 CProcPen, acarretando nulidade absoluta por constituir método proibido de prova; do mesmo passo se desrespeita o art. 32º, nºs. 8 e 4 da Constituição; são ofendidas as regras da competência exclusiva dos tribunais (arts. 269º/1/e) e d), 187º, 190º e 188º/1 e 3 CProcPen), invasão que constitui nulidade insanável (art. 119º/e) CPP); foi infringido o art. 188º/1 também porque ocorreu excessivo lapso de tempo entre a escuta e a sua transcrição.
16ª- A nulidade resultante da violação de proibições de prova é insanável, devendo ser julgada inconstitucional qualquer interpretação dos arts. 187º e 188º/1 e 3 do CProcPen que conclua ser sanável tal nulidade, dependente de arguição, por violação dos citados preceitos da Constituição da República.
17ª- Referindo-se a decisão de facto a uma hipotética "actividade" delitual prolongada no tempo, no entanto os factos julgados provados resumem-se e fundamentam uma só e única acção, sendo manifesta a "insuficiência" a que se refere a al. a) do nº. 2 do art. 410º CPP e bem assim o "erro" a que se reporta a sua al. c) porquanto esta dupla constatação de factos imporia, no mínimo, o funcionamento do princípio in dubio pro reo.
18ª- De facto, segundo critérios de experiência e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, é impossível concluir dos termos da motivação da decisão de facto ou seja, dos termos da própria decisão, concretamente da análise das transcrições das escutas que o recorrente L se dedicasse à "actividade" referida, em geral, e, em especial, tivesse tido qualquer participação nos acontecimentos de 19-06-2002.
19ª- Sendo as escutas, nos termos do art. 127º do CPP, passíveis de livre apreciação, não há qualquer fundamento objectivo que suporte a convicção do Tribunal anunciada pelas Instâncias, a qual não pode confundir-se com arbítrio. Surgindo assim como insusceptível de controlo ou sindicância em via de recurso, fica em causa aquele preceito. E o art. 127º estará até ferido de inconstitucionalidade material se for interpretado no sentido de o julgador poder livremente dar como provados, além do mais, factos delituosos a que ninguém assistiu ou diz ter assistido ou que não tenham sido discutidos ou ventilados em audiência. Com base, por conseguinte, em interpretações de conversas telefónicas assentes em meras conjecturas sem qualquer outro suporte probatório.
20ª- Salvo melhor juízo, foi violado o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32º/2 da Constituição). Resulta dos termos das decisões das Instâncias e sua fundamentação, conjugados com os ditames do senso comum, uma manifesta insuficiência de meios aptos a formar uma convicção justa e serena, designadamente conducente à condenação do ora recorrente L. É um vício de lógica jurídica, ao nível da matéria de facto, que torna impossível uma decisão logicamente correcta, justa e conforme à lei; e especificamente determina a formação incorrecta dum juízo.
21ª- Esta insuficiência quantitativa existe fundamentalmente porque o Tribunal não esgotou os seus poderes de indagação, sendo certo que podia e devia ter ido mais além, o que teve como visível consequência a falta de prova de factos essenciais, por exemplo, a dos factos narrados na acusação e pronúncia imputados ao recorrente. Por sua vez, a falta de iniciativa das Instâncias julgadoras na busca da verdade deveu-se basicamente à excessiva dependência explicitada e assumida em relação, mais uma vez, ao que, por certo de boa-fé, os investigadores julgaram ter adquirido o que é de todo incompatível com a função judicial.
22ª- Em conclusão, têm de ser acatados pura e simplesmente os princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo, com a consequente absolvição do recorrente L.
23ª- Aliás, não tendo este prestado declarações, é de sublinhar que a própria decisão da 1ª Instância nem sequer tem a certeza de que o ora recorrente tenha sido o interlocutor de chamadas telefónicas interceptadas (chama-lhe "eventual interlocutor"), situação psicológica do julgador que impossibilita a imputação de ilícitos. Se o recorrente não explicou o sentido de comunicações telefónicas e a sua relação com o tráfico de estupefacientes deriva assim no que ao recorrente respeita de ilegítima intuição das Instâncias, fica subvertido, também por esta via, o princípio da presunção da inocência do arguido: não lhe cabia o encargo de esclarecer dúvidas do douto Tribunal quanto ao sentido das comunicações telefónicas em que alegadamente (i.e., "eventualmente") teria sido interveniente.
24ª- Tal aplica-se a outros pormenores do entendimento das Instâncias revelador de défice de averiguação na sua actuação. De facto, a quem acusa e julga compete explicar, convencer-se e convencer de determinadas conexões de palavras utilizadas que, por si, estão literalmente em total desacordo com o senso comum e a experiência, como aconteceu com a utilização da palavra "frango", a qual foi julgada incompatível com negócios de roupas, mas compatível com o tráfico de drogas.
25ª- Ainda acresce que nada na fundamentação da decisão de facto permite concluir que o recorrente tivesse tido qualquer contacto com os arguidos AMG, A, PMSPG e JMR, no dia da dita apreensão e no dia posterior, sendo que com os primeiros três nos 6 e 8 meses imediatamente anteriores não existe qualquer registo de conversações telefónicas.
26ª- Segundo o douto acórdão da 1ª Instância "a interpretação efectuada pela polícia judiciária das comunicações interceptadas, que foi confirmada pela apreensão efectuada com base nos elementos aí recolhidos, evidencia os papéis que cada um dos arguidos desempenhava na prossecução do tráfico e compromete inexoravelmente, os arguidos". Porém não há qualquer resquício de prova de que o recorrente L tenha tido qualquer intervenção na preparação ou execução da transacção que deu origem à apreensão de 19 de Julho.
27ª- Por outro lado, não é possível dar-se como assente que os arguidos "actuaram em conjugação de esforços em execução de um plano previamente gizado entre todos com o propósito de obterem lucros avultados, na ordem das centenas de contos por cada transacção, mediante a compra e posterior venda de grandes quantidades de heroína e cocaína que sabiam destinar-se a um elevado número de pessoas" não é possível, dizia-se, se assumidamente se deu como não provada nenhuma das outras transacções de droga, para além da de 19 de Junho, nem se apurou "forma como os arguidos repartiam entre si os proventos obtidos.
28ª- Também quanto aos rendimentos auferidos pelo arguido ora recorrente, como se explicou, se verifica um erro notório na apreciação da prova, integrador do vício enumerado no art. 410º/2/c) do CProcPen; e a patente pretensão duma inversão do ónus da prova a cargo do recorrente, obviamente inadmissível.
29ª- Sem conceder:
Na hipótese contrária, que equaciona por mera cautela, não estando provada cada uma das transacções, datas e as circunstâncias concretas em que ocorreram e montante dos proventos daí resultantes (da única transacção objectivada, na qual manifestamente o arguido não foi interveniente, não houve sequer lucro), sempre se dirá que a pena aplicada ao arguido é manifestamente exagerada, inadequada e desproporcional, atenta a ausência de condenações anteriores pelo tipo de crime em apreço, pelo que não deveria ser jamais punido com pena superior ao mínimo legal.
Pede a revogação «das decisões das Instâncias» e a completa absolvição do recorrente, com as legais consequências.

C - O terceiro (AA)
1. O Tribunal de 1ª instância permitiu que as testemunhas discorressem sobre a interpretação de factos, manifestando sobre eles meras convicções pessoais que valorizou como tal e foram decisivas para formar a convicção do colectivo.
2. Estamos perante uma violação da proibição de prova estabelecida pelo nº. 2 do artigo 130º e do princípio da legalidade da prova prescrito no artigo 125º, preceitos que foram, assim, ofendidos também pelo douto acórdão impugnado, ao não reconhecer nem reparar esse procedimento.
3. O tribunal colectivo valorou de modo contraditório as conversas telefónicas que formaram a parte mais substancial da prova que serviu de base aos factos considerados assentes, pois considerou que tais conversas não permitem dar por assente uma única transacção de droga efectuada pelos arguidos, mas, apesar disso, considerou que servem como prova decisiva de que eles se dedicaram a múltiplas transacções de droga, do padrão dessas transacções e mesmo da função que cada um dos arguidos desempenhou na circulação da droga.
4. Trata-se de um erro notório na apreciação da prova, que resulta do próprio teor da decisão e que integra o vício descrito na alínea c) do nº. 2 do artigo 410º, que podia ter sido reconhecido pelo tribunal da Relação.
5. Não o tendo feito, o douto acórdão impugnado ofendeu este último preceito.
6. O douto acórdão da primeira instância - que foi sancionado, nos seus precisos termos, pelo Tribunal da Relação - contém, por outro lado, contradições insanáveis da respectiva fundamentação, que constam do seu próprio texto e integram o vício da al. b) do nº. 2 do artigo 410º.
7. Por um lado, considerou provado que os arguidos "actuaram em conjugação de esforços e em execução de um plano previamente gizado entre todos, com o propósito de obterem lucros avultados, na ordem das centenas de contos por cada transacção, mediante a compra e posterior venda de grandes quantidades de heroína e cocaína que sabiam destinar-se a elevado número de pessoas".
8. No entanto, considerou ao mesmo tempo que não se provou nenhuma outra transacção de droga, senão a que está implicada na apreensão feita e que não foi sequer possível "apurar a forma como os arguidos repartiam entre si os proventos obtidos", o que implica uma óbvia contradição quanto aos lucros atribuídos aos arguidos e à quantidade de droga traficada e à sua distribuição por elevado número de pessoas.
9. Por outro lado, o tribunal colectivo considerou provado que, na única transacção objectivada, o ora recorrente recebeu 6.250 contos para comprar cocaína e que a vendeu exactamente pelos mesmos 6.250 contos.
10. Ao considerar, ao mesmo tempo, provado que recorrente auferia o lucro de centenas de contos por cada transacção (lembrando-se que aquela foi a única que o tribunal conseguiu substanciar) incorreu a decisão em manifesta contradição, que preenche os requisitos da alínea b) do nº. 2 do artigo 410º, como podia e devia ter sido reconhecido pelo douto acórdão impugnado, até porque constava e consta do texto da sentença.
11. O douto acórdão do tribunal colectivo não procedeu à enumeração dum conjunto elevado de factos constantes da acusação e que foram decisivos para condenar o recorrente, limitando-se a referi-los dum modo indirecto, através da fórmula "confrontar transcrições referenciadas na acusação das comunicações telefónicas interceptadas constantes do apenso A, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido".
12. A sentença de primeira instância não contém, por isso, as menções referidas no artigo 374º, nº. 2, pelo que está incursa na nulidade prevista na al. a) do nº. 1 do art. 379º.
13. Não considerou assim a Relação, como podia e devia, pelo que ofendeu os referidos preceitos.
14. O tribunal colectivo considerou provado que "todos os bens móveis supra descritos e as quantias depositadas nas contas bancárias identificadas nos apensos 3, 4 e 5 (B, C1 e C2) foram obtidos pelos arguidos (alguns deles ao abrigo contratos de locação financeira) com os proventos resultantes ao tráfico de estupefacientes, dado que os mesmos não apresentam rendimentos lícitos que justifiquem a sua aquisição ou detenção".
15. Esta parte da decisão ofende o princípio da presunção de inocência estatuído pelo nº. 2 do art. 32º da CRP, impondo ao recorrente o ónus de prova da proveniência lícita dos seus rendimentos e bens, o que é, de todo inadmissível em processo penal.
16. Ao sancionar este procedimento, o douto acórdão impugnado incorreu em igual violação do mencionado preceito constitucional.
17. O recorrente continua a sustentar que, caso venha a ser condenado, não o deverá ser senão pelo tipo de tráfico de estupefacientes simples, p. e p. pelo artigo 21º da Lei nº. 15/93, de 22/1, em pena não superior ao mínimo legal de quatro anos de prisão.
18. Ao decidir de forma diversa, o douto acórdão impugnado ofendeu o disposto no referido artigo 21º e no art. 71º do CP.
19. Ainda, porém, que se entenda o contrário, a recente publicação da Lei nº. 11/2004, de 27/3, que alterou a redacção do corpo do artigo 24º da Lei nº. 15/93, e baixou a moldura penal abstracta do crime nele previsto, sempre implicaria que a pena aplicada ao recorrente fosse fixada num valor não superior a cinco anos de prisão, uma vez que essa alteração se aplica ao caso vertente - art. 2º, nº. 4, do CP.
Termos em que, revogando o douto acórdão impugnado farão Vossas Excelências Justiça!

Respondeu o MP junto do tribunal a quo manifestando-se pelo improvimento de todos os recursos, embora não ponha de lado a possibilidade de este Supremo Tribunal poder aplicar ao caso um ligeira redução das penas resultante da entrada em vigor da Lei 11/2004, verificada já após a prolação do acórdão recorrido.
Subidos os autos, nada foi requerido pelo Ministério Público.

As questões a decidir são, em resumo, as seguintes:
1. Nulidade das escutas telefónicas com a consequente absolvição do arguido (JR e LR).
2. As instâncias «violaram inequivocamente» o disposto no art. 374º/2 C. Proc. Pen., ao omitirem a enumeração de factos de decisiva importância, limitando-se remeter a respectiva descrição para as transcrições referenciadas na acusação das escutas constantes do "apenso A" que dão como reproduzido. Tal constituiria a nulidade prevista no artigo 379º/1/a) do Código de Processo Penal.
3. Condenação dos recorrentes sem base factual bastante, com base em presunção de culpa em violação do princípio constitucional de presunção de inocência, e do princípio in dubio pro reo - alegação comum aos recorrente L e AT, este especialmente no tocante à proveniência dos bens que lhe foram apreendidos e declarados perdidos a favor do Estado.
4. Valoração de meras convicções pessoais dos agentes da PJ sobre a transcrição das escutas, em violação do disposto no artigo 130º, nº. 2, do CPP (LR e AT).
5. As instâncias incorreram em erro notório na apreciação da prova - art. 410º, nº. 2, c) do CPP (mesmo recorrente e AT).
6. Existe contradição insanável na fundamentação da 1ª instância, confirmada pela Relação (AT).
7. Existe contradição na valoração das provas feita pelas instâncias quanto ao recorrente em confronto com os demais arguidos (idem).
8. Referindo-se a decisão de facto a uma hipotética "actividade" delitual prolongada no tempo, no entanto os factos julgados provados resumem-se e fundamentam uma só e única acção, sendo manifesta a "insuficiência" a que se refere a al. a) do nº. 2 do art. 410º CPP e bem assim o "erro" a que se reporta a sua al. c) porquanto esta dupla constatação de factos imporia, no mínimo, o funcionamento do princípio in dubio pro reo (mesmo recorrente).
9. O artigo 127º estará até ferido de inconstitucionalidade material se for interpretado no sentido de o julgador poder livremente dar como provados, além do mais, factos delituosos a que ninguém assistiu ou diz ter assistido ou que não tenham sido discutidos ou ventilados em audiência. Com base, por conseguinte, em interpretações de conversas telefónicas assentes em meras conjecturas sem qualquer outro suporte probatório (ainda o recorrente L).
10. Não foi feita prova bastante dos factos imputados ao mesmo recorrente.
11. Não se verificam as circunstâncias agravantes das alíneas b) e c) do artigo 24º do DL 15/93, por que o mesmo recorrente foi condenado, antes, sê-lo, deverá a sua conduta ser subsumida na previsão do artigo 21º do mesmo DL e, assim ser «especialmente atenuada» a pena que lhe foi aplicada.
12. Em qualquer caso, tendo em conta nomeadamente a falta de antecedentes criminais, a pena aplicada ao recorrente é manifestamente exagerada e nunca poderia ultrapassar o mínimo legal.
13. A condenação do recorrente AT, a acontecer não poderá ir além da incriminação do artigo 21º do DL 15/93, e ainda assim, em pena não superior a 4 anos de prisão.
14. Em todo o caso, sempre deveria beneficiar da publicação da Lei 11/2004 que alterou o corpo do artigo 24º do DL 15/93, reduzindo a respectiva moldura penal.

No despacho preliminar suscitou o relator, ainda, a questão prévia da nulidade do acórdão recorrido.
Daí que os autos tenham vindo à conferência.

2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Vejamos, antes de mais, os factos provados:
No período compreendido entre os meses de Setembro de 2001 e Junho de 2002 os arguidos JMR, LSR, AMG, PMSPG e AAA, em execução de um plano previamente estabelecido entre todos, dedicaram-se ao tráfico de substâncias estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, comprando regularmente essas substâncias, em quantidades que rondavam um quilograma de cada vez, em Espanha, transportando-as até à área da residência do primeiro e vendendo-as aí, por grosso, a diversos indivíduos que, por sua vez, as revendiam aos consumidores finais.
Essa actividade era orientada pelo arguido JMR, a quem os outros apelidavam de chefe, o qual custeava a aquisição da droga e dava instruções aos restantes arguidos sobre o momento em que as transacções deviam ser efectuadas e sobre as quantidades de estupefacientes a comprar e vender e respectivos preços.
Esse arguido era coadjuvado directamente pelo seu filho LSR, a quem cabia transmitir aos demais as instruções do pai e distribuir os produtos estupefacientes pelos vários clientes e recolher o dinheiro proveniente da sua venda.
Por sua vez, os arguidos AMG e a sua mulher PMSPG efectuavam o transporte da droga desde o fornecedor até à zona onde era distribuída.
Finalmente, o arguido ARA, que era apelidado pelos demais de "Chinês", desempenhava as funções de intermediário na aquisição da droga, comprando heroína e/ou cocaína em Espanha com dinheiro que o arguido JMR previamente lhe enviava e entregando-a(s), já em território nacional, aos arguidos AMG e PMSPG que para esse efeito se deslocavam até ao ponto de encontro previamente estabelecido.
A droga adquirida e transportada por esses arguidos era posteriormente vendida a diversos indivíduos, entre os quais se incluía o arguido AFP, que a revendiam junto dos consumidores desse tipo de substâncias.
Aquele primeiro grupo de arguidos repartia posteriormente entre si por forma que não foi possível apurar os proventos obtidos.
Para estabelecerem os contactos necessários ao desenvolvimento do tráfico, os arguidos utilizavam normalmente telemóveis, recorrendo a cartões recarregáveis para evitar ou minimizar os riscos decorrentes da sua eventual intercepção, destacando-se os aparelhos com os números 96 ..., 93 ..., 96 ..., 96 ..., 91 ..., 96 ..., 96 ... e 96 ... .
Assim, no período acima referido, os arguidos combinaram entre si e com terceiros, por via telefónica, várias transacções de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, cujo valor unitário ascendia a milhares de contos, e acertaram pormenores referentes ao transporte, acondicionamento e distribuição de produtos dessa natureza (confrontar transcrições referenciadas na acusação das comunicações telefónicas interceptadas constantes do apenso A, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Não obstante os termos utilizados nessas conversas, que foram interceptadas e posteriormente transcritas mediante autorização e por ordem do juiz competente, remetam para transacções relacionadas com artigos de outra natureza (quase sempre artigos de vestuário, tais como calças, camisolas, t-shirts e meias, mas também madeira, automóveis e pneus), os arguidos referiam-se a produtos estupefacientes, tendo optado por usar uma linguagem codificada para despistar as autoridades policiais, tanto mais que alguns deles já haviam sofrido condenações e/ou sido alvo de investigações anteriores.
No âmbito da actividade descrita e cumprindo, mais uma vez, instruções dadas pelos arguidos JMR e L, os arguidos AMG e PMSPG, na sequência de vários contactos telefónicos para acertarem o encontro, deslocaram-se no dia 19 de Junho de 2002 até à residência do arguido A a fim de adquirirem um quilograma de cocaína pelo preço de 6.250.000$00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil escudos) e um quilograma de heroína pelo preço de 5.500.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos).
Utilizaram para o efeito o seu veículo ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo Civic, de matrícula HU, tendo efectuado o trajecto pela estrada nacional que liga Vila Verde a Monção.
Uma vez na residência do arguido A, onde chegaram cerca das 20 horas e 35 minutos, entregaram-lhe a quantia de 6.250.000$00 (seis milhões, duzentos e cinquenta mil escudos) em dinheiro para que ele se dirigisse a Espanha e aí adquirisse 1 (um) kg de cocaína, desistindo da aquisição da heroína, por entretanto terem surgido divergências quanto ao seu preço e qualidade.
Na posse de tal quantia, o arguido A saiu de casa cerca das 21 horas e, fazendo-se transportar no seu veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 307, com a matrícula RU, seguiu até Monção, transpôs a ponte internacional sobre o rio Minho e tomou a direcção de Salvaterra, em Espanha, onde adquiriu 1 (um) kg de cocaína pelo preço de 6.250.000$00 (seis milhões, duzentos e cinquenta mil escudos).
De seguida, empreendeu a viagem de regresso a Portugal, transpondo novamente a mencionada ponte e tomando a estrada nacional que liga Monção aos Arcos de Valdevez, onde, cerca das 21 horas e 45 minutos, veio a posicionar-se na retaguarda do veículo dos arguidos AMG e PMSPG que entretanto haviam permanecido no interior de um estabelecimento de café situado nas proximidades da sua residência e que abandonaram esse estabelecimento quando ele os alertou, através de um telefonema, da sua vinda.
Depois de percorrerem algumas centenas de metros os arguidos imobilizaram os respectivos veículos à margem da estrada nacional e o A entregou ao AMG e à PMSPG, conforme acordado, a droga que acabara de adquirir em Espanha.
Acto contínuo, estes arguidos retomaram a viagem em direcção a Vila Verde, tendo sido interceptados pelas 22 horas e 30 minutos desse dia 19 de Junho de 2002 quando passavam em Pico de Regalados, no concelho e comarca de Vila Verde.
Nessa altura, no interior do seu veículo automóvel, os arguidos AMG e PMSPG detinham, dentro de uma bolsa de napa de cor bordeaux, com a marca "Vida Paris", uma embalagem que continha uma substancia em pó de cor branca que, submetida a exame laboratorial, revelou tratar-se de cocaína com o peso liquido de 1.000,233 (mil, duzentos e trinta e três) gramas.
Igualmente acondicionada no interior dessa bolsa, encontrava-se, e foi apreendida, a quantia de 27.525,00€ (vinte e sete mil, quinhentos e vinte e cinco Euros), quantia essa destinada à aquisição, entretanto cancelada, de 1 (um) Kg de heroína.
No porta luvas do veículo foi ainda encontrada a quantia de 250 Euros e na revista efectuada ao arguido AMG, no interior do bolso traseiro das calças que o mesmo então envergava, a quantia de 110 Euros, bem como um telemóvel da marca Mitsubishi Electric, modelo Trium MT-345, de cor azul/dourado, com o número de série ou IMEI 332308354042869, com bateria acoplada, contendo um cartão (vulgo chip) da TMN com o nº. 0000 0855 4146 285, no valor de 35 (trinta e cinco) Euros.
A arguida PMSPG detinha também um telemóvel, este de marca Siemens, modelo C35, com o nº. 96 ..., de cor prateada, com o número de série ou IMEI 449191546058039, com bateria acoplada, contendo um cartão (vulgo chip) da TMN com o nº. 008 055 764 682, no valor de 50 (cinquenta) Euros.
No dia 20 de Junho, pelas 8 horas, no decurso de uma busca, devidamente autorizada, à residência do arguido AMFP, sita no lugar da Recta, freguesia de Lago, no concelho e comarca de Amares, foram encontradas, e apreendidas, três embalagens de plástico contendo uma substância em pó que, submetida a exame laboratorial, revelou tratar-se de heroína com o peso liquido de 12,560 (doze vírgula quinhentos e sessenta) gramas e duas outras embalagens de plástico contendo uma substancia em pó que, submetida a exame laboratorial, revelou tratar-se de cocaína com o peso líquido de 1,510 (um vírgula quinhentos e dez) gramas.
Ainda na posse desse arguido foi encontrada a quantia de €625,00 (seiscentos e vinte e cinco Euros) em dinheiro, bem como diversos objectos em ouro e pedras preciosas, discriminados no auto de fls. 459, 672, 673 e 674, cujo teor se deu por integralmente reproduzido, no valor global de € 6.902,53 (seis mil novecentos e dois Euros e cinquenta e três cêntimos) e um telemóvel de marca Nokia, modelo 8310, de cores azul transparente/cinza/branco e prateado, com o número de série ou IMEI 350700/10/474930/5, com bateria acoplada, contendo um cartão (vulgo chip) da TMN com o nº. 60000078689633, com o nº. 96 ..., no valor de € 95 (noventa e cinco Euros).
No dia 20 de Junho de 2002, pelas 19 horas e 30 minutos, no decurso de uma busca, devidamente autorizada, à residência do arguido AAA, situada no lugar de Souto, freguesia de Pinheiros, no concelho e comarca de Monção, foram encontrados e apreendidos:
- a quantia de 1.150 € (mil, cento e cinquenta Euros);
- um telemóvel de marca Siemens, modelo C35, de cor preta/prateado, com o número de série ou IMEI 449191719300085, com bateria acoplada, contendo um cartão (vulgo chip) da TMN com o nº. 009 040384942, com o número 96 ..., em razoável estado de funcionamento e conservação, no valor de 50€ (cinquenta Euros);
- um telemóvel de marca Motorola, modelo "Talkabout", type MC241H11, de cor cinzenta escuro/cinzenta claro, com o número de série ou IMEI 449173-41-7517301-1, com três baterias Nimh acopladas, contendo um cartão (vulgo chip) da Optimus com o nº. 0101 0512 3610, com o nº. 93 ..., em razoável estado de funcionamento e conservação, no valor de 40€ (quarenta Euros);
- um telemóvel de marca Motorola, modelo "V", type MC241H11, de cor preta, com o número de série ou IMEI 448835-42-819256-0, com bateria acoplada, contendo um cartão (vulgo chip) da Optimus com o nº. 1111 0089 6844, com o número 93 ..., acondicionado em bolsa em pele da própria marca, em razoável estado de funcionamento e conservação, no valor de 180€ (cento e oitenta Euros);
- um telemóvel de marca Nokia, modelo 6210, de cores cinza acastanhado/prateado/preto, com o número de série ou IMEI 350147/20/285014/0, com bateria acoplada, contendo um cartão (vulgo chip) da TMN com o nº. 779 445 8379, com o número 96 ..., em razoável estado de funcionamento e conservação, no valor de 85€ (oitenta e cinco Euros);
- um veículo automóvel de marca Ford, modelo BCV Cougar 2 DOOR Coupé, de cor cinza e matrícula QB, nº. de chassis WFOHT60T1Y5300231, com motor a gasolina de 1988 cm3, posto em circulação em 2000, com o valor comercial de 13.400€ (treze mil e quatrocentos Euros);
- um jeep todo o terreno cabriolet de marca Mitsubishi, modelo Pajero LO42GG, de cor preta e matrícula MZ, com o número de chassis JMBL042GGHJ50059, com motor a gasolina de 2555 cm3, do ano 1988, registado em nome do arguido desde Maio de 2002, com um valor comercial de 2.000€ (dois mil Euros);
- um veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Peugeot, modelo 307, de cor azul e matrícula RU, com o nº. de chassis VF33CNFUB82020309, com motor a gasolina de 1587 cm3, posto em circulação em 2001, com o valor comercial de 13.500€ (treze mil e quinhentos Euros);
- um motociclo de quatro rodas de marca Yamaha, modelo YFM 350 X, de cor branca e matrícula MX, com o chassis nº. 3GD-238414, com motor a gasolina de 348 cm3, posto em circulação no ano de 1999, com o valor comercial de 1.750€ (mil setecentos e cinquenta Euros);
- um motociclo de marca Yamaha, modelo XV-250-Virago, de cor vermelha/bege e matrícula LM, com chassis nº. 3LS-084716, com motor a gasolina de 249 cm3, do ano de 1998, com o valor comercial de 1.200€ (mil e duzentos Euros).
No dia 21 de Maio de 2003, pelas 7 horas, no decurso de uma busca, devidamente autorizada, à residência do arguido JMR, situada no lugar da Fonte Cova, freguesia de Rendufe, no concelho e comarca de Amares, foram encontrados e apreendidos na posse desse arguido:
- um telemóvel de marca Nokia, modelo 3310 de cor cinza, com o número de série ou IMEI 351351/80/473289/1, com bateria acoplada, contendo um cartão da TMN com o nº. 0000 10556 5664 797, aparelho esse com o nº. 96 ... e cujo valor ascendia a 70€ (setenta Euros);
- um telemóvel de marca Siemens, modelo A36, de cor azul, com o número de série ou IMEI 350019707701443, com bateria acoplada, contendo um cartão da TMN com o nº. 913 377 2389, aparelho esse com o número 96 ... e cujo valor ascendia a 60 € (sessenta Euros);
Todos os bens móveis supra descritos e as quantias depositadas nas contas bancárias identificadas nos apensos 3, 4 e 5 (B, C1 e C2) foram obtidos pelos arguidos (alguns deles ao abrigo de contratos de locação financeira) com os proventos resultantes do tráfico de produtos estupefacientes, dado que os mesmos não apresentam rendimentos lícitos que justifiquem a sua aquisição ou detenção.
Com efeito, o arguido L declarou ao fisco um rendimento bruto de 1.396,63 Euros no ano de 1999 e os demais arguidos não apresentam qualquer declaração de rendimentos (cfr. doc. de fls. 16 a 25 do apenso C-1).
Acresce que nenhum dos arguidos exercia, com carácter regular, qualquer actividade profissional, limitando-se o JMR, por vezes coadjuvado pelo seu filho L, a auxiliar esporadicamente a sua companheira na venda de artigos de vestuário em diversas feiras.
Por último, os arguidos A e AMFP auferiam apenas pensões de reforma cujo valor ascendia a cerca de 1.000 e 180 Euros, respectivamente.
Para além dos objectos acima referidos, o arguido AMFP detinha, por ocasião da busca efectuada à sua residência, uma carabina de marca "ERMA-Werke", calibre 22 Long Rifle (equivalente a 5,6 milímetros), com o número de série E144438, modelo E M1 22, com carregador com capacidade para 12 munições e mira telescópica "HUBERTUS" com ampliação 4x32 regulável horizontal e verticalmente, dotada de culatra de ferrolho accionável manualmente, com percussão lateral direita, cujo cano media aproximadamente 450 mm e apresentava a extremidade roscada exteriormente para acoplar um silenciador, em boas condições de funcionamento.
Por sua vez, o arguido AAA detinha:
- uma espingarda caçadeira (tipo shotgun, pump-actio) de marca Maverick, fabricada na MOSSBERG, modelo 88 - 12 GA, calibre 12 mm (para cartucho de caça) e com o número de série MV30732E, de origem norte-americana, cujo cano, de alma lisa, media aproximadamente 615 mm, dotada de câmara com 76 mm de comprimento, percussão central e indirecta, carregador tubular com capacidade para cinco cartuchos e segurança por fecho, em boas condições de funcionamento;
- uma espingarda (tipo winchester "lever-action") de marca "AMADEO ROSSI, S.A.", com o número de série M016407, calibre 44 Remington Magnum (equivalente a 11,7 mm no sistema métrico), de origem brasileira, percussão central e indirecta com cão exposto, cujo cano media aproximadamente 510 mm, com seis estrias de sentido dextrogiro no seu interior, dotada de carregador tubular com capacidade para oito munições, em boas condições de funcionamento;
- um revólver de marca "AMADEO ROSSI, S.A", com o número apagado, calibre 32 mm Harrington & Richardson Magnum (equivalente a 7,65 mm no sistema métrico), de origem brasileira, com punho em madeira, cano com o comprimento aproximado de 77 mm, com seis estrias de sentido dextrogiro no seu interior, percussão central e directa com percutor oscilante, tambor basculante com seis câmaras, extracção manual e directa, segurança por placa e travamento do cão, em boas condições de funcionamento;
- uma pistola semi-automática de marca "VINCENZO BERNARDELLI S.P.A", calibre 6.35 mm, modelo 68 GARDONE V.T., com o número de série 116572 e respectivo carregador, de funcionamento semi-automático de movimento simples, com percussão central directa, cano com o comprimento aproximado de 54 mm, segurança por fecho, carregador com capacidade para seis munições, em boas condições de funcionamento;
- quatro (4) cartuchos de caça calibre 12 mm, com chumbo nº. 6, com a inscrição "FOB Super 36", em boas condições de funcionamento;
- nove (9) munições calibre 44 Remington Magnum (equivalente a 11,7 mm no sistema métrico), com a inscrição "W-W SUPER 44 REM MAG" na zona de percussão, de marca Winchester (W-W Super), em boas condições de funcionamento;
- uma caixa contendo vinte e cinco (25) munições calibre 6,35 mm da marca "Browning", de marca Sellier Bellot, de origem Checa, encontrando-se todas em boas condições de funcionamento;
- uma caixa contendo vinte e seis (26) munições calibre 32 mm Harrington Richardson Magnum (equivalente a 7,65 mm no sistema métrico), com a inscrição "32 H & R MAG FC" na zona de percussão, encontrando-se todas em boas condições de funcionamento.
- uma munição de calibre 32 mm Smith & Wesson Long, com a inscrição "32 S & W LONG W-W" (ponta redonda), de origem norte americana, em boas condições de funcionamento;
- uma caixa contendo vinte e duas (22) munições de marca CCI, calibre 22 WMR SHOTSHELL (equivalente a 5,56 mm), sistema shotshell, em perfeito estado de conservação e utilização;
- uma caixa com as inscrições "Winchester 44 REM. MAG.", contendo cinco (5) munições calibre 44 Magnum (equivalente a 12 mm), em perfeito estado de conservação e utilização.
Finalmente, o arguido JMR detinha uma espingarda caçadeira, de marca Tarcisio Bettinsoli, de calibre 12 mm com o nº. de série 94797, de dois canos sobrepostos, em razoável estado de conservação, com o valor comercial de 300 Euros, uma espingarda de marca Benelli semi-automática, de calibre 12 mm com o nº. de série M 117983, modelo M3 Super 90, de um cano, com capacidade para oito disparos consecutivos, em perfeito estado de conservação, com o valor comercial de 500 Euros, uma pistola de marca Star, de calibre 6.35 mm, marca STAR, de fabrico espanhol, sem número de série visível por ter sido eliminado, com carregador com capacidade para sete munições do mesmo calibre, 260 munições de calibre 12 mm e nove munições de calibre 6,35 mm, todas em boas condições de funcionamento.
Os arguidos AMFP, A e JMR não dispunham de licença de uso e porte de armas de defesa e os dois primeiros ainda de licença de uso e porte de armas de caça, nem efectuaram o manifesto ou registo das armas dessa natureza que possuíam e lhes foram apreendidas, com excepção das armas de caça apreendidas ao último, que se encontram devidamente legalizadas (cfr. ofício de fls. 1241).
Agiram todos livre e deliberadamente, conhecendo as características das aludidas armas e que a sua detenção pressupunha a titularidade de licença de uso e porte e do competente manifesto e registo, com plena consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Todos os arguidos acima referidos conheciam as características estupefacientes e psicotrópicas da heroína e da cocaína e que a sua aquisição, detenção e cedência eram proibidas e punidas por lei e, apesar disso, não se coibiram de levar por diante a sua descrita conduta.
Agiram todos livre e deliberadamente, sendo que o JMR, o L, o AMG, a PMSPG e o A actuaram em conjugação de esforços e em execução de um plano previamente gizado entre todos com o propósito de obterem lucros avultados, na ordem das centenas de contos por cada transacção, mediante a compra e posterior venda de grandes quantidades de heroína e cocaína que sabiam destinar-se a um elevado número de pessoas e o AMFP actuou isoladamente, comprando regularmente àqueles heroína e cocaína que posteriormente revendia, por sua conta e arrecadando a mais valia assim realizada, junto dos consumidores finais, com plena consciência de que incorriam em responsabilidade criminal.
Nos autos de processo comum colectivo nº. 175/99, actual processo comum colectivo nº. 279/99.7TBVVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, por factos ocorridos durante o ano de 1997 e até Maio de 1998, constitutivos de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21º, nº. 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, o arguido AMG foi condenado, por acórdão proferido em 23 de Março de 2000, transitado em julgado em 14 de Abril de 2000, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, em cumprimento da qual esteve preso entre 16 de Maio de 1998 e 24 de Maio de 2001, data em que lhe foi concedida liberdade condicional.
Não obstante a advertência dessa condenação e do correspondente apelo para que conforme a sua conduta com respeito pelas proibições legais, o arguido AMG mantém-se indiferente aos deveres de integração social, o que revela uma personalidade avessa aos princípios, interesses e valores jurídico-criminalmente protegidos, designadamente mostrando total insensibilidade ao juízo de censura ínsito na decisão condenatória atrás referida, que se revelou insuficiente e ineficaz para o fazer afastar-se da prática de factos delituosos, maxime para se abster de continuar a traficar substâncias estupefacientes.
Posteriormente a essa condenação, o AMG respondeu ainda pela prática de um crime de condução ilegal, tendo sido condenado na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 3 Euros.
No processo comum colectivo supra citado e igualmente por factos ocorridos durante o ano de 1997 e até Maio de 1998, constitutivos de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21º, nº. 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, a arguida PMSPG foi condenada na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
Essa arguida respondera ainda em 1995 pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, tendo sido condenada na pena de 90 dias de multa, em alternativa com 60 dias de prisão, que foram declarados integralmente perdoados.
Tem três filhos menores.
Possui o 6º ano de escolaridade.
Os arguidos JMR, AMFP e A não têm antecedentes criminais.
O AMFP é casado e tem um filho menor a seu cargo.
Vivia em casa da mãe.
Possui o 6º ano de escolaridade.
Goza de consideração no meio social onde se encontra inserido.
Por sua vez, o A é casado e tem três filhos menores.
Possui casa própria, uma vivenda espaçosa, amplamente mobilada e equipada, e dotada de jardim e piscina.
A mulher explora um estabelecimento de pronto-a-vestir situado em Monção.
Possui o 4º ano de escolaridade.
Goza igualmente de consideração no meio social onde se encontra inserido.
O arguido L respondeu em Março de 2000 pela prática de um crime de condução ilegal e em Julho de 2001 pela prática de um crime de desobediência, tendo sido condenado em penas de multa, que pagou.
É casado segundo o ritual cigano.
Goza de consideração no meio social onde se encontra inserido.
O LJRR é casado segundo o ritual cigano e tem quatro filhos.
Goza de consideração no meio social onde se encontra inserido.
Respondeu em Outubro de 2000 pela prática de um crime de detenção de arma proibida, tendo sido condenado numa pena de multa, que pagou.

Factos não provados
«Não se provou a restante factualidade alegada na acusação, designadamente que o arguido AMFP participasse do tráfico desenvolvido pelos arguidos JMR, L, AMG, PMSPG e A, designadamente que quinhoasse nos proventos resultantes de tal actividade e bem assim que aqueles lhe entregassem heroína e/ou cocaína à razão de 100 a 500 gramas de cada vez e, pontualmente, até 1 quilograma.
Não se provou igualmente que o arguido LJRR se tivesse dedicado, por si ou conjuntamente com todos ou algum dos restantes arguidos, ao tráfico de estupefacientes.
Também não se provou que aquele grupo de arguidos obtivesse um lucro superior a, respectivamente, 2.000 contos e 750 contos por cada quilograma de cocaína e heroína transaccionados e bem assim que as casas de habitação dos arguidos A e L e o respectivo recheio tivessem sido adquiridas com os proventos resultantes do tráfico de estupefacientes.
Não se provou ainda que os arguidos JMR e L não exercessem qualquer actividade profissional e que se fizessem passar por comerciantes de roupas e calçado, utilizando para esse fim alguns artigos que mantinham nas respectivas residências há vários anos.
Do mesmo modo, não se provou que os arguidos AMG e PMSPG vendessem substâncias estupefacientes e que esses arguidos e o A tivessem percorrido cerca de 3 quilómetros desde o local onde se reuniram após o regresso deste de Espanha e o local onde se processou a entrega da droga que veio a ser apreendida na posse daqueles.
Por último, não se provou que os arguidos se dedicassem ao tráfico de estupefacientes desde o mês de Junho de 2001 (relativamente ao LJRR não se provou, sequer, que o mesmo tivesse desenvolvido semelhante actividade) e as concretas transacções de substâncias dessa natureza que lhes são imputadas no libelo acusatório para além da efectuada no dia 19 de Junho de 2002 e que culminou com a apreensão de um quilograma de cocaína.

Importa ainda, para complemento desta matéria de facto, reproduzir a respectiva fundamentação e o tratamento que a Relação ora recorrida deu às questões atinentes, mormente as perante ela suscitadas pelos ora recorrentes.
Sobre estas questões dissertou o tribunal da Relação ora recorrido:
«A fundamentação da matéria de facto [na 1ª instância] foi, pois, assim explicada:
(...)
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto fundou-se na ponderação critica da prova produzida, designadamente nas declarações prestadas pelos arguidos JMR, A, PMSPG e AMFP, nos depoimentos das testemunhas, no teor dos documentos juntos aos autos, maxime os referenciados no libelo acusatório, cuja enumeração se dá aqui por integralmente reproduzida, e ainda os certificados de registo criminal insertos a fls. 1753 a 1761, nos relatórios periciais constantes de fls. 689, 793, 1055, 1285 a 1291 e nos exames constantes de fls. 672 a 674, 1206, 1207, 1248, 1266, 1267, 1271 e 1272, e, por último, no teor das comunicações telefónicas interceptadas no âmbito das escutas realizadas no decurso do inquérito, devidamente transcritas, muitas das quais foram ouvidas em audiência de julgamento seja por iniciativa do Tribunal, seja a requerimento do Ministério Público e dos próprios arguidos.
Particularmente relevante na prova do tráfico desenvolvido pelos arguidos JMR, L, AMG, PMSPG e A e dos papeis que cada um deles desempenhava na prossecução de tal actividade foram as declarações prestadas por aquele primeiro arguido, JMR, que admitiu que o A era seu fornecedor e que o AMG costumava efectuar, a seu mando, o transporte das mercadorias transaccionadas entre Monção e Amares.
É certo que esse arguido sustentou que tais transacções diziam respeito a "marcas" contrafeitas, mas também o é que, confrontado com as comunicações interceptadas no dia 20 de Junho de 2002 na sequência da detenção do AMG e da PMSPG, ouvidas em audiência de julgamento e cujas transcrições constam de fls. 173 a 175, sessões 377 e 379, do apenso A, admitiu a autoria dessas chamadas telefónicas e não soube explicar, de forma minimamente credível, o motivo da sua aflição ante a demora daquele casal e o teor das expressões utilizadas, nomeadamente porque, no contexto duma suposta transacção de artigos de vestuário, usou o termo "frango" para designar esses mesmos artigos.
Acresce que, tendo o arguido A, seu interlocutor, como o próprio confirmou, nessas chamadas, respondido afirmativamente à sua pergunta sobre se entregara ao AMG e à PMSPG as roupas que o respondente supostamente lhe encomendara, não foi encontrada no interior da viatura interceptada qualquer embalagem contendo peças de vestuário, mas apenas uma bolsa contendo um quilograma de cocaína.
Igualmente elucidativas foram as declarações prestadas pelo A, na medida em que, confirmando, como já se mencionou, as conversas telefónicas mantidas com o arguido JMR no dia 20 de Junho de 2002, sustentou que não entregou ao AMG, ao contrário do que afiançou àquele, as roupas que supostamente lhe haviam sido encomendadas.
Todavia, não logrou explicar a razão de ser dessa pretensa mentira, tanto mais que o JMR não deixaria de descobrir que o AMG não levara a mercadoria e que a afirmação do respondente só faria aumentar o alegado receio daquele numa eventual operação policial que culminasse com a intercepção das "marcas contrafeitas" em trânsito.
Não menos incongruente revelou-se a justificação apresentada pelo A para os seus movimentos no "fatídico" dia 19 de Junho de 2002, nomeadamente a sua deslocação a Espanha e o subsequente encontro com o AMG, a propósito dos quais referiu que, tendo aquele recusado efectuar o transporte de que o JMR o incumbira, o respondente pediu-lhe para aguardar o seu regresso do país vizinho, onde planeara ir tomar um café, num local que então combinaram e para entretanto repensar a decisão tomada.
Acresce que, admitindo a autoria da chamada telefónica transcrita a fls. 188 do apenso A, sessão 5.483, que foi ouvida em audiência de julgamento, e bem assim que a mesma se destinou a avisar o AMG do seu regresso de Espanha, o respondente sustenta não ter esmorecido quando, chegado ao local combinado, constatou que aquele não o aguardava, antes se preparava para abandonar o local, seguindo-o e abordando-o alguns metros adiante.
Tamanha passividade e boa vontade perante o inadmissível comportamento do AMG, se a versão em mérito correspondesse à verdade, só seria de louvar. Porém, desgraçadamente, não foi desta vez que a realidade veio infirmar o velho aforismo popular segundo o qual "Quando a esmola é grande ....". Com efeito, as declarações deste arguido mostram-se absolutamente inverosímeis e foram claramente ditadas, após a opção inicial pelo silêncio, pela necessidade de prejudicar a sua associação à droga apreendida na posse do AMG, associação essa que o decurso do julgamento havia entretanto evidenciado, já que a "roupa" que o respondente afiançara ter entregue ao AMG durante a conversa telefónica que manteve com o arguido JMR, confirmada por este, não foi encontrada no interior da viatura interceptada.
A participação do A foi ainda reforçada pelas declarações da arguida PMSPG, que foi peremptória em afirmar que entre o momento em que o marido se encontrou com aquele arguido e o momento em que foram interceptados não pararam em lugar algum nem foram contactados por quem quer que fosse.
Já quanto ao envolvimento desta arguida no tráfico, para além das escutas telefónicas efectuadas, entre as quais se destacam as transcritas a fls. 63, sessão nº. 726, e 75, sessão nº. 1.191, do Apenso A, foi relevante o depoimento dos agentes da Policia Judiciária que participaram na intercepção da viatura onde a mesma seguia, nomeadamente o depoimento do inspector VM, que referiu que a droga se encontrava acondicionada, juntamente com a quantia de 27.525 Euros, numa bolsa colocada aos pés da arguida.
Neste contexto e tendo ainda presente que a arguida já sofreu uma condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e conhece seguramente os meandros dessa actividade, resulta evidente que a mesma não era alheia, como sustentou, ao tráfico desenvolvido pelo marido.
Para a prova dos factos ocorridos no dia 19 de Junho de 2002 concorreram igualmente os depoimentos do Inspector-Chefe da Policia Judiciária MNV e dos seus subordinados VM, JV e RR, que descreveram por forma pormenorizada o papel que cada um desempenhou na operação que culminou com a apreensão de um quilograma de cocaína, sendo de salientar que o inspector JV acompanhou de perto a viatura dos arguidos AMG e PMSPG, posteriormente secundado pelo inspector RR, que entretanto havia seguido o A desde a fronteira espanhola, e que ambos foram peremptórios em afirmar que após o encontro com o A aqueles arguidos não voltaram a parar até ao local onde foram interceptados.
Estas testemunhas e os inspectores AG, JC, FF e AM depuseram ainda sobre a sua participação nos demais actos de investigação levados a cabo no âmbito do inquérito que deu origem aos presentes autos, nomeadamente sobre as vigilâncias e buscas efectuadas e seus resultados e sobre as escutas telefónicas.
Este último meio de prova, complementado com as declarações prestadas por alguns dos arguidos e com o resultado da intercepção efectuada ao veículo onde seguiam o AMG e a PMSPG, revelou-se, por sua vez, decisivo para alicerçar a convicção do tribunal sobre o âmbito da operação em que esses arguidos participavam e seus demais protagonistas.
Com efeito, a interpretação efectuada pela Policia Judiciária das comunicações interceptadas, que foi confirmada pela apreensão efectuada com base nos elementos aí recolhidos, evidencia os papeis que cada um dos arguidos desempenhava na prossecução do tráfico e compromete, inexoravelmente, os arguidos L e AMFP.
Efectivamente, é manifesto que aquele primeiro arguido funcionava como elo de ligação entre o pai e os demais traficantes, sendo inúmeras as comunicações interceptadas que revelam esse seu papel, nomeadamente dando instruções ao AMG e encomendando estupefacientes ao A e negociando os respectivos preços.
Por seu turno, o AMFP surge como um dos compradores da droga que o grupo acima referido traficava, droga essa que posteriormente revendia, por sua conta, embolsando a mais valia realizada. Revelam-no as transcrições constantes de fls. 157, sessão nº. 3.562, 161, sessão nº. 1.555, 163, sessão nº. 9, 164, sessão nº. 46, e 165, sessão nº. 49, do apenso A. Não se deu como provado que este arguido participasse do tráfico desenvolvido pelos demais porque a quantidade de droga apreendida na sua posse é diminuta, as comunicações interceptadas se mostram inconclusivas a esse respeito e a própria acusação começa por exclui-lo, embora a final conclua de forma inversa, da repartição dos proventos obtidos (cfr. fls. 1343), elemento que constituiria um claro indicio de que não era um mero cliente daqueles, mas o distribuidor da droga por eles adquirida e transportada.
Não se deu igualmente como provada a factualidade imputada ao arguido LJRR porque este recusou prestar declarações e não foi apreendida na sua posse qualquer substância estupefaciente.
Ora, tendo presente que este arguido, à semelhança do AMFP, seria mero distribuidor da droga adquirida e transportada pelos demais, cremos que a apreensão efectuada não corrobora, por si só, a interpretação que as comunicações interceptadas sugerem, subsistindo, por isso, a dúvida sobre se tais comunicações traduzem negócios de droga.
Acresce que os telemóveis cuja utilização lhe é imputada não foram apreendidos e que o seu eventual interlocutor nas chamadas interceptadas e transcritas, o arguido L, também não prestou declarações.
Não se apurou com precisão o rendimento auferido por cada um dos arguidos com a actividade delituosa a que se dedicavam, nomeadamente o rendimento auferido pelo grupo formado pelo JMR, L, AMG, PMSPG e A, porque o mesmo variava, certamente, em função do preço de aquisição e venda dos estupefacientes, sendo certo que parece legitimo concluir, como se concluiu, que ascenderia a várias centenas de contos por cada transacção, já que é consabido, e foi referido por diversas testemunhas de acusação, que cada embalagem individual de heroína, correspondente, em média, a 1/8 de grama, é vendida ao consumidor final a 5 Euros e que o preço da cocaína é ainda superior.
A casa de habitação do arguido A encontra-se registada em nome deste desde 1989 (cfr. certidão constante de fls. 10 a 12 do apenso C-1), pelo que não pode, obviamente, concluir-se que tivesse sido adquirida com os proventos resultantes do tráfico que ora lhe é imputado.
Importa ainda sublinhar que a interpretação das escutas telefónicas, complementada com a apreensão efectuada, permite concluir que os arguidos se dedicavam ao tráfico de estupefacientes desde, pelo menos, o mês de Setembro de 2001, bem como o padrão desse tráfico, nomeadamente as quantidades de estupefacientes transaccionadas e os papeis e modo de actuação de cada um dos arguidos.
Tal não significa, porém, que possa extrapolar-se desse padrão para a prova de cada uma das transacções efectuadas, incluindo a data e as circunstâncias concretas em que ocorreram.
Com efeito, as escutas revelam vários contactos tendo por objecto a aquisição, transporte e posterior cedência de estupefacientes, mas não permitem afirmar que todas as aquisições projectadas se tenham concretizado. Basta, de resto, atentar que no próprio dia 19 de Junho de 2002 não chegou a consumar-se a aquisição de um quilograma de heroína que as escutas indiciavam.
A este propósito importa ainda frisar que, a nosso ver, a transcrição na acusação de algumas das comunicações telefónicas interceptadas e a sua concomitante interpretação foi efectuada apenas para exemplificar o padrão do tráfico, como inculca a utilização antes de cada uma dessas transcrições ou série de transcrições dos termos "nomeadamente " e "assim".
Cremos, pois, que não podendo afirmar-se a realidade de cada uma das concretas transacções que as escutas indiciam, para além daquela que deu origem à operação que culminou com a apreensão de um quilograma de cocaína, pode seguramente afirmar-se que os arguidos se referiam a transacções de substâncias estupefacientes e que durante o lapso de tempo considerado na exposição dos factos provados concretizaram várias transacções de substâncias dessa natureza, como inculca a menção, recorrente nas comunicações interceptadas, a transacções anteriores.
Deu-se como provado que os bens móveis, dinheiro e saldos bancários apreendidos provinham do tráfico de estupefacientes porque os arguidos, nomeadamente o JMR e o A, não exerciam qualquer actividade licita que lhes proporcionasse rendimentos para custearem a sua aquisição e detenção.
Relativamente às circunstâncias pessoais dos arguidos ponderaram-se as declarações prestadas por alguns deles e os depoimentos das testemunhas arroladas, nomeadamente os depoimentos das testemunhas ADC, AVA, AVT, FJSR, SSP, MLBJP, MJRT, PSVMD, FMMS, JCP, JJSA, APC, FVA, JPA e FFO, sendo de salientar que os quatro primeiros referiram que nunca se aperceberam que o arguido AMFP, que conheciam bem, fosse, como sustentou, toxicodependente.»

Solicitada pelos recorrentes à pesquisa da existência dos vícios da matéria de facto a que alude o artigo 410º, nº. 2, do Código de Processo Penal, começou por afirmar a Relação recorrida:
«Diga-se desde já, e sem prejuízo da análise dos invocados, que não se nota do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, a existência de qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº. 2 e bem assim da nulidade prevista no art. 379º, nº. 1, al. a).
O que se observa, isso sim, é perfeita coerência na matéria de facto e entre esta e a respectiva fundamentação, por tal forma que se afigura de difícil demonstração o contrário ou, sequer, algum erro de julgamento a partir da livre apreciação da prova.»
Mas, acrescentou:
«Pode, é certo, algum dos arguidos, a partir da prova produzida, retirar diferentes conclusões, mas tanto não bastará para abalar aquela que o Tribunal firmou e tão criteriosamente fundamentou.
Todavia, vejamos caso a caso».
(...)
«Recurso do arguido AA
Este arguido deu-se ao trabalho de transcrever todo o seu depoimento, mas, pelos vistos, ... não o leu!
É que, se o lesse, não podia deixar de retirar a mesmíssima conclusão que o Tribunal a quo tirou, ou seja a de que o seu depoimento não é minimamente credível.
Basta lê-lo, linha a linha, para se extraírem as suas incongruências e inseguranças, a revelarem, para qualquer leigo, o seu real comprometimento nos factos.
Mais lhe valera estar calado!
É tarefa praticamente impossível estar-se, aqui e agora, a evidenciar, ponto por ponto, aquilo que se afirma, pois a evidência apenas resulta da leitura integral de tal depoimento, havendo prejuízo com a desinserção de certas partes.
Ainda assim, e apesar de desnecessário depois da leitura, sempre se salientarão alguns aspectos mais evidentes.
Repare-se que o arguido não dá uma única reposta que não seja enviesada e incoerente e que a história que resolveu contar, cheia das reticências características de quem mente, não tem o mínimo sentido, tornando-se absolutamente incompreensível.
Lá se vai percebendo que, não podendo regatear a autoria de certos telefonemas, pretende justificá-los como tendo por objecto um negócio de roupas, mas a verdade é que, perante as dúvidas e a incredulidade do Tribunal, vai-se sentindo cada vez mais incapaz de sustentar a sua história e acaba por cair em respostas cada vez mais desvairadas.
Por várias vezes, sentindo-se inseguro e indefeso perante eventuais argumentos coerentes e intelectualmente elaborados, esquiva-se em afirmar "mais nada", como se quisesse que a conversa acabasse ali.
Porém, a instância tinha que continuar e era preciso obterem-se certos esclarecimentos, mas, naturalmente, o arguido não foi capaz de os dar.
Por exemplo, sobre as razões pelas quais o arguido AMG não levou as "roupas", foi dizendo que ele disse que não levava nesse dia, mas, logo de seguida, ocorre este revelador diálogo:
Juiz Presidente: Que quantidade era que ...?
Arguido A: Eu comprava muita. Comprava quantidades relevantes.
Juiz Presidente: Que quantidade é que ele ia trazer? Arguido A: Eu ali não tinha muita. Não tinha tudo para ele. Não tinha tudo, não é verdade!? Não tinha o que eu queria para ele. Não tinha tudo.
Juiz Presidente: E ele foi lá ...? Ele foi daqui ...!?
Arguido A: A minha intenção ... que ele vinha era para roupa, mais nada.
Juiz Presidente: Ele ia buscar roupa!?
Arguido A: Mais nada.
Juiz Presidente: Mas ... não trouxe a roupa!?
Arguido A: Ai, isso não me pergunte.
Juiz Presidente: O senhor tinha a roupa, diz o senhor. Parte dela ...
Arguido A: Não, não. Era para buscar roupa, não é!?
Juiz Presidente: Como!!!???
Arguido A: Ele vinha para buscar a roupa ...
Juiz Presidente: Sim!!!
Arguido A: ... mas disse-me que não a levava.
Juiz Presidente: Mas isso é incompreensível!? Então ele vai lá para buscar a roupa; o senhor tinha a roupa; queria-lha entregar e ele não a traz!!!???
Arguido A: Não, ... não a traz, ... porque lá não ... lá, ... lá ... não lhe cabeu ou ...
A seguir, instado sobre uma chamada telefónica traduzida por grunhidos, o arguido respondeu que se tratou de uma brincadeira, o que não abona a tese que antes vinha a defender de que estava muito aflito! Daí, aliás, que o Mmº. Juiz Presidente tenha desabafado: não brinque com a nossa inteligência!!!
A inteligência do arguido continuou a não suportar as óbvias perguntas que lhe eram feitas e continuou a, como sói dizer-se, a meter os pés pelas mãos, tudo conforme melhor resulta dos trechos a seguir sublinhados.
Como acima se advertiu, ... basta ler!!!
Repare-se, ainda, neste pormenor:
O Tribunal deu como provado - e bem, ao que tudo indica - o seguinte:
No âmbito da actividade descrita e cumprindo, mais uma vez, instruções dadas pelos arguidos JMR e L, os arguidos AMG e PMSPG, na sequência de vários contactos telefónicos para acertarem o encontro, deslocaram-se no dia 19 de Junho de 2002 até à residência do arguido A a fim de adquirirem um quilograma de cocaína pelo preço de 6.250.000$00 (seis milhões e duzentos e cinquenta mil escudos) e um quilograma de heroína pelo preço de 5.500.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos).
Naquele próprio dia, o arguido A tinha mantido uma conversa telefónica com o arguido AMG, na qual este lhe diz:
Olha, ele mandou-te, ... mandou perguntar se é a seis contos duzentos e cinquenta cada par de calças?
O arguido A respondeu: É, ... é por aí.
E pergunta o arguido AMG: E a outra?
- A outra já sabes, é mais ou menos, respondeu o arguido A.
Pois bem.
As coincidências (além de tantas outras) dão-se no facto de o preço de um quilo de cocaína ser de 6.250 contos e de haver outra, ... a heroína!
O absurdo resulta do facto de, se se tratasse de calças contrafeitas compradas a um intermediário por 6.250$00 o par, ... chegavam ao consumidor final, nas feiras, mais caras do que as mais caras das de marca!!!
A contradição ressalta do facto de o próprio arguido vir a dizer, afinal (cf. fls. 2.257, última linha), que as calças podia-lhas vender a dois contos e meio, o que provocou a surpresa do Mmº. Juiz Presidente e o atabalhoamento total do arguido (cf. fls. 2.258), que chegou a dizer que haveria um engano qualquer e que o preço de 6.250$00 seria a dúzia ou a meia dúzia!!!
Como desabafou o Mmº. Juiz Presidente, o arguido não passou da cepa torta!!!
E, sendo indiscutível a fixação da matéria de facto (já cima se expôs a pertinente e regular fundamentação dela), vejamos agora os demais argumentos invocados pelo arguido.
A resposta do Digno Procurador da República-Adjunto a este recurso é do seguinte teor:
A prova dos factos ocorridos em 19/06/2002 resulta com clareza, em especial dos seguintes meios de prova:
- Do depoimento da testemunha JV (transcrita a fls. 297 a 339 do 1º volume do Apenso do auto de transcrição da prova gravada em audiência), no qual se descreve pormenorizadamente o percurso seguido pelo veículo do arguido AMG a dirigir-se para a residência do A, a observação que fez dos movimentos do AMG enquanto esperava o regresso do A e o encontro entre ambos na berma da estrada e esclareceu que enquanto os arguidos AMG e PMSPG estiveram no café não se encontraram com mais ninguém.
- Do depoimento da testemunha RR (transcrita a fls. 357 a 392 do mesmo Apenso) que seguiu os movimentos do A em direcção a Espanha, após o encontro com o AMG, observou o regresso a Portugal, segui-o e viu os dois veículos parados no mesmo local referido pela testemunha JV; esclareceu, ainda que após o encontro com o A os arguidos AMG e PMSPG não voltaram a parar até ao local da apreensão.
- Dos depoimentos de MNV (transcrito a fls. 160 a 218), de VM (transcrito a fls. 283 a 297) e de AG (transcrito a fls. 219 a 277) que descreveram a operação que culminou com a apreensão de um quilograma de heroína.
- Das conversações transcritas a fls. 169, 170, 172, 173, 174, 175, 176 e 188 do apenso A, entre os arguidos A, AMG e JMR que denunciam e confirmam tudo o que aconteceu e tal como foi observado pelos elementos da Polícia Judiciária.
- Das apreensões de 1,000,233 gramas de cocaína e da quantia de 27.525 €.
- Das declarações da arguida PMSPG que confirmou que não pararam em mais nenhum lugar após o encontro com o arguido A.
De todos estes meios de meios de prova resulta com clareza que a droga que veio a ser apreendia ao arguido AMG lhe foi entregue pelo recorrente A, após a ter ido comprar a Espanha e se destinava ao arguido JMR.
A prova dos factos que são impugnados pelo recorrente A resulta, também das inúmera escutas telefónicas transcritas, nas próprias declarações do arguido JMR que admitiu que o A era seu fornecedor (de roupa contrafeita) e procurou justificar diversas conversações como estando relacionadas com negócios de roupa.
As explicações que o arguido JMR apresentou não são minimamente credíveis, nomeadamente em relação às conversações de fls. 173 e 175.
Para além das conversações acima referidas relacionadas com o transporte efectuado no dia 19 de Junho de 2002, encontram-se transcritas outras conversações do mesmo arguido, ou conversações em que este é referido que demonstram o papel que este arguido desempenhava, nomeadamente as que se encontram transcritas a fls. 27, 28, 91, 145 e 158.
É correcta a prova de que os bens móveis, dinheiro e saldos bancários apreendidos ao recorrente provinham do tráfico de estupefacientes, porque o recorrente não exercia qualquer actividade lícita que lhe proporcionasse rendimentos.
As declarações prestadas pelo arguido A em relação às suas fontes de rendimento não foram comprovadas. Naturalmente, foi excluída a casa de habitação, atendendo ao documento que consta da certidão de fls. 10 a 12 do apenso C-1.
Não existe qualquer erro notório na apreciação da prova, resultante do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
O erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, nº. 2, al. C) do Cód. Proc. Penal, tal como tem sido reafirmado constantemente pela Jurisprudência, não reside na desconformidade entre a decisão do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente e só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o Colectivo. Neste sentido tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no Acórdão de 17 de Março de 1999 (Proc. nº. 1.439/98 - 3ª secção), no Acórdão de 25 de Março de 1999 (proc. nº. 1.209/98 - 3ª secção) e no Acórdão de 6 de Outubro de 1999 (Proc. nº. 1.002/98).
Não foi violado o disposto no art. 374º, nº. 2 do Cód. Proc. Penal.
São enumerados especificadamente todos os factos provados e não provados.
Apenas na motivação da matéria de facto se faz uma remissão para "o teor dos documentos juntos aos autos, maxime os referenciados no libelo acusatório, cuja enumeração de dá aqui por integralmente reproduzida".
No entanto, esta remissão não impediu que se efectuasse uma correcta motivação da matéria de facto indicando os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão e as provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
Qualificação jurídica.
Face à matéria de facto provada é correcta a qualificação jurídica em relação ao recorrente, bem como em relação aos arguidos JMR, L. AMG e PMSPG, resultando provado que a droga se destinava a ser distribuída por elevado número de pessoas.
O facto de não se ter apurado qual o montante que foi entregue ao recorrente pela sua actuação na transacção efectuada no dia 19 de Junho de 2002, não impede a qualificação prevista na alínea c) do art. 24º do Dec. Lei nº. 15/93, atendendo aos restantes factos provados.
Mais uma vez, temos que salientar a pertinência desta resposta, que nos dispensaria outras considerações, mas, ainda assim, sempre se acrescentarão algumas notas pontuais.
Já se disse que as escutas telefónicas foram apenas um dos elementos de prova, tendo sido conjugadas com outros elementos decisivos, tais como a observação directa da conduta do arguido no dia 19 de Junho de 2002 e que foi, note-se bem, o culminar de uma longa, rigorosa e profícua investigação.
E é essa conjugação, reforçada pelas vantagens da imediação, que levou o Tribunal a formar a sua bem fundada convicção, não abalada, agora, com o argumento de que os arguidos AMG e PMSPG bem poderiam ter recebido a droga de terceiros. Essa prova só seria eventualmente abalada se ao ser interceptada, a arguida PMSPG dissesse: são roupas, senhor, e a cocaína, por milagre, se transformasse ... em calças de ganga!
E isto tudo, responde cabalmente à interrogação do arguido sobre a eventual convicção do Tribunal no caso de não ter havido apreensão, pois, como já se disse, a investigação foi morosa e eficiente, culminando com uma efectiva apreensão. Se tal apreensão não ocorresse, caberia ao Tribunal, no exercício da livre apreciação, convencer-se ou não do comércio que veio a ter como assente, em termos rigorosos, sem contudo aceitar as transacções concretas que constavam da acusação.
O papel dos depoimentos dos agentes da Polícia Judiciária, e o valor que o Tribunal lhe atribuiu, não podiam ser outros e não cai na previsão do art. 130º, nº. 2, já que não se tratou de meras convicções nem interpretações, mas sim de testemunhos sobre factos concretos e de conhecimento directo e que, repete-se, foram todos conjugados.
O Tribunal foi deveras rigoroso ao não aceitar as outras transacções concretas que as escutas indicam, como o foi ao ter como assente que, apesar disso, que elas existiram, não havendo aí qualquer contradição ou erro notório.
A convicção do Tribunal foi a que se impunha face a todos os factos, à lógica e às regras da experiência comum, abrangendo a sua análise todo o período temporal indicado, ainda que só tenha ocorrido uma apreensão. A resposta do Tribunal foi um menos, mas todo ele bem fundado na conjugação de todas as provas produzidas.
Também assim, é segura e legítima a conclusão do Tribunal de que os arguidos agiram com o propósito de obterem lucros avultados e que os produtos em causa se destinavam a um elevado número de pessoas, mesmo que, por obediência à verdade não houvesse certeza sobre o modo de repartição dos proventos criminosos. Não se vê onde está a contradição ou o erro. São, simplesmente, as regras da experiência a funcionar.
O facto de o arguido ter recebido 6.250 contos do AMG e de ter adquirido o estupefaciente por aquele mesmo preço não invalida que ele não se viessem a obter avultadas quantias com o comércio daquele produto e que o arguido recebesse o seu quinhão, tanto mais que ele funcionava como mero intermediário, podendo não arrecadar o seu lucro à cabeça.
Quanto à remissão que no acórdão se faz para as transcrições, ela não constitui qualquer nulidade e nem o recorrente demonstra qualquer agravo aos seus direitos.
A remissão é uma técnica jurídica usada pelo próprio legislador e, no caso, tem apenas em vista a economia processual, sem que se deneguem ou violem quaisquer direitos.
Relativamente aos bens de origem criminosa, a convicção do Tribunal não derivou senão da prova produzida e, mais uma vez, com apelo às regras da experiência. O dizer-se que o arguido não apresenta rendimentos lícitos que justifiquem a sua aquisição ou detenção não significa qualquer inversão do ónus da prova ou violação da presunção de inocência, mas tão somente a afirmação de um facto a partir de outros conhecidos.
Nenhum dos arguidos tem rendimentos que justifiquem a detenção daqueles bens e é certo que no período em causa se dedicaram ao tráfico de droga.
O arguido A aufere apenas uma pensão de reforma de cerca de € 1.000, que é incompatível com o arsenal de bens que lhe foi apreendido, mesmo com alguns lucros da loja de pronto-a-vestir que a mulher explora.
Quanto à vivenda espaçosa, amplamente mobilada e equipada e dotada de jardim e piscina (luxuosa, diz o próprio arguido), a única coisa que temos como assente é que encontra-se registada em nome deste desde 1989 (cfr. certidão constante de fls. 10 a 12 do apenso C-1), pelo que não pode, obviamente, concluir-se que tivesse sido adquirida com os proventos resultantes do tráfico que ora lhe é imputado.
Sobre as contas bancárias, diz o arguido que a suposição de que essas contas eram provisionadas com fundos provenientes do tráfico de droga é insustentável, não tem a mínima consistência nem apoio probatório e só é possível devido uma análise desatenta e descuidada dos respectivos extractos juntos a fls. 38 e segs. do Apenso 38 e vem invocar a existência de meios anteriores à data que baliza os factos aqui em causa, nomeadamente uma carteira de títulos superior a 8.000 contos em Janeiro de 2001, os depósitos da pensão de reforma e movimentos de cheques (alguns com estorno por falta de provisão) e desconto de letras.
Isto que o arguido alega não pode abalar a convicção que o Tribunal firmou, com base, repita-se, no provado tráfico de droga, sendo um absurdo querer impor ao Tribunal a aceitação da licitude daquelas verbas pelo simples facto de já ter outras anteriores. Sobre os cheques sem provisão e as letras, ... bom, diga-se ao arguido que bizarria é o tráfico de droga e não os muitos e imaginativos mecanismos que os seus autores inventam, como é o caso da nomeação de cocaína por t-shirt’s!
Aliás, veja-se este retalho da transcrição que, insiste-se, o próprio arguido efectuou:
Juiz Presidente: O senhor, diz-se aqui também que o senhor, nas suas contas bancárias, enfim, terá efectuado depósitos avultados, aqui, na ordem dos cento e vinte mil Euros, no período de cerca de ano e meio, entre Janeiro de 2001 e 20 de Junho de 2002. Cento e vinte mil Euros são vinte e quatro mil contos, salvo erro! Onde é que o senhor foi buscar esse dinheiro, senhor A?
Arguido A: Não sei se, bom ..., não sei se isso, ... agora não posso dizer se é verdade ou mentira. Mas quando eu ia a França trazia dinheiro. Tinha lá dinheiro, trazia.
Juiz Presidente: Quem estiver cansado pode ir-se embora. Não precisa de fazer aí, ... estar a bocejar ...
Entenda-se!
Por último, e relativamente à impugnação de direito, uma vez que ela parte do pressuposto errado de que não se provaram os factos ou que a conduta do arguido se limitou a uma transacção, nada há a dizer.
Nos termos expostos, também este recurso é totalmente improcedente.»

«Recurso do arguido JMR
(...)
O arguido invoca falta de controlo jurisdicional das escutas e, por isso, a sua nulidade absoluta, por constituir método proibido de prova, em violação do art. 32º, nº. 6 da C.R.P.
No caso concreto, não houve falta de controlo jurisdicional nem foi cometida qualquer nulidade insanável, nomeadamente a da violação das regras da competência, pois esta se refere à matéria prevista nos arts. 10º a 38º, ou seja ao exercício da acção penal entre Tribunais judiciais.
De lado algum do acórdão resulta que foram consideradas quaisquer "anotações" ou "comentários" feitos na transcrição das escutas, mas sim no exacto teor delas.
Como se diz no acórdão recorrido, a Policia Judiciária submeteu a totalidade das comunicações interceptadas à apreciação da autoridade judiciária competente e foi esta que as seleccionou, determinando a transcrição das que revestiam interesse probatório e ordenando a destruição das restantes e o eventual desrespeito pela norma que impõe a imediata submissão das escutas ao conhecimento do juiz que as tiver ordenado ou autorizado não contende com a validade desse meio de prova, podendo apenas envolver responsabilidade disciplinar, sendo certo que o termo "imediatamente" deve ser interpretado com alguma razoabilidade, sob pena de se comprometer, pelo enorme e injustificado dispêndio de meios técnicos e humanos que tal implicaria, o desempenho da Policia Judiciária.
Uma vez mais, por absoluta acuidade, transcreve-se o teor da resposta do Digno Procurador da República-Adjunto a este recurso.
Diz ele:
Foram cumpridos todos os requisitos das escutas telefónicas efectuadas neste processo, em cumprimento do disposto nos arts. 187º e 188º do Cód. Proc. Penal.
Ainda que se considere que terá existido incumprimento de algum dos formalismos previstos no art. 188º, nomeadamente das disposições contidas no nº. 1 do referido artigo, a nulidade prevista no art. 189º não é insanável, não se encontrando descrita no art. 119º do C.P.P. e o próprio art. 189º não prevê tal cominação.
Assim, não tendo sido invocada no prazo previsto no art. 120º, nº. 3, al. c), do Cód. Proc. Penal, é extemporânea a sua arguição na audiência de julgamento.
Os autos de transcrição foram levados a efeito por funcionário da Polícia Judiciária de acordo com o disposto no art. 101º do Cód. Proc. Penal e não decorreu um lapso de tempo excessivo entre a realização total da diligência de escuta telefónica e a sua transcrição.
A exigência de apresentação imediata do auto de intercepção e gravação junto com as fitas gravadas ou elementos análogos não é mais do que o afloramento da necessidade da celeridade processual aliada à necessidade de preservação da intimidade das pessoas.
Não podem ignorar-se as dificuldades da tarefa e os meios humanos e materiais disponíveis.
Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Agosto de 1996 (C J Ano XXI, Tomo IV, Pág. 157) no qual se decidiu :
"A expressão "imediatamente" utilizada no nº. 1 do art. 188º CPP/87 (interceptação e gravação de escutas telefónicas) deve ser entendida em termos hábeis, no sentido de "no tempo mais rápido possível", e, não constitui, em si mesma, requisito determinante de nulidade nos termos do art. 189º CPP/87 -; o seu desrespeito, poderá, eventualmente dar lugar, a pedido de aceleração e/ou a matéria disciplinar, mas nunca a uma nulidade.".
Em sentido semelhante vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2001 (CJ Ano XXVI, Tomo II, página 128:
"Uma vez que se torna técnica e humanamente inviável que a policia judiciária apresente imediatamente ao juiz de instrução criminal, após cada escuta telefónica, um auto de transcrição integral ou sumária das conversas interceptadas e gravadas, o juiz deve, no despacho que autoriza as escutas, fixar um prazo para as mesmas, findo o qual tal auto de transcrição lhe será exibido.".
Ao contrário do que o recorrente afirma, nada permite concluir que as operações de escutas não estiveram sempre sob o controlo e orientação judicial, desde a sua autorização judicial à elaboração dos respectivos autos de ocorrência e de transcrição e à validação das transcrições constantes dos anexo I.
Nada permite concluir que não foi o Juiz que seleccionou as partes relevantes, ordenando a sua transcrição.
Não vislumbramos a violação de qualquer dos requisitos de admissibilidade das escutas telefónicas (previstos no art. 187º do Cód. Proc. Penal) ou dos requisitos formais das mesmas escutas (previstos no art. 188º do Cód. Proc. Penal).
Salienta-se que, mesmo a admitir-se que não foram rigorosamente cumpridos todos os requisitos previstos no art. 188º, nºs. 1 e 3 do Cód. Proc. Penal, a nulidade prevista no art. 189º não é insanável, não se encontrando descrita no art. 119º e o próprio art. 189º não prevê tal cominação.
Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1998 - B.M.J. nº. 480, págs. 293 a 336, no qual se decidiu:
I - O meio de prova a que se refere o artigo 187º, do Código de Processo Penal pode ser valorado pelo Tribunal em audiência de julgamento de harmonia com o princípio consignado no artigo 127º do mesmo diploma.
II - A não observância do disposto no nº. 1 do artigo 188º, do Código de Processo Penal constitui nulidade sanável que, por conseguinte, depende de arguição.
III - Perante o disposto no artigo 386º, do Código Penal, é funcionário público para efeitos penais todo aquele que é chamado a desempenhar e desempenha actividades compreendidas na função pública (administrativa ou jurisdicional).
No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2000 - Proc. nº. 14/2000 - 3ª secção - Relator: Conselheiro Armando Leandro.
Tratando-se de uma nulidade dependente de arguição, sob a alçada do art. 120º, fica sanada se não for arguida a tempo (cfr., M. Maia Gonçalves, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, Livraria Almedina, 1992, pág. 218 e Código de Processo Penal Anotado, 1994, Livraria Almedina, pág. 324 e 317).
Tal nulidade teria que ser arguida no prazo de cinco dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito, nos termos do disposto no art. 120º, nº. 3, al. c), do Cód. Proc. Penal.
A realização de escutas com incumprimento de algum dos requisitos previstos no art. 188º do Cód. Proc. Penal não viola as disposições contidas nos arts. 32º, nº. 8, e 34º, nº. 4 da C.R.P. e a eventual nulidade não cabe no disposto no art. 126º do Cód. Proc. Penal.
Trata-se de meros formalismos das operações, impondo a lei especiais cuidados para que fiquem no processo a transcrição ou intercepção conjuntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos que lhes serviram de base e também para que seja assegurado o sigilo quanto aos elementos recolhidos que não venham a ser utilizados no processo, os quais devem ainda ser destruídos.
Estaríamos perante meios proibidos de prova e violação das citadas normas constitucionais se a intercepção e gravação não tivesse sido ordenada ou autorizada por um juiz, se fossem investigados crimes diferentes dos investigados nos nºs. 1 e 2 do art. 187º do Cód. Proc. Penal ou se tivesse sido efectuada intercepção e gravação de conversações entre o arguido e o defensor sem que o juiz tivesse fundadas razões para crer que elas constituíam objecto ou elemento do crime.
Pelo exposto, improcedem as respectivas conclusões - 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 7ª e 8ª.

Conforme adiante se verá, a questão dos elementos bancários teria a ver apenas com a matéria de facto provada ou não provada, nada tendo a ver com proibição de prova, pelo que improcede a 6ª conclusão.
Nas conclusões 9ª a 21ª pretende o arguido impugnar a matéria de facto que lhe diz respeito, dizendo, no essencial, que nenhuma prova foi produzida contra si e que não lhe foi apreendida qualquer droga.
Também neste particular se subscreve inteiramente a resposta do Digno Procurador da República-Adjunto, do seguinte teor:
O recorrente considera que ao decidir como o fez, o Tribunal Colectivo infringiu o estatuído nos arts. 410º, nº. 2, al. a) e b) do Cód. Penal, existindo insuficiência para a matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação, enfermando ainda o Acórdão do vício a que se refere a alínea c) daquele diploma - erro notório na apreciação da prova.

No entanto, em rigor, não impugna a decisão sobre a matéria de facto, nos termos previstos no art. 412º, nº. 3, als. a), b) e c), e nº. 4 do Cód. Proc. Penal, embora recorra à reprodução dos diversos depoimentos gravados.
Considera-se que se encontra correctamente decidida toda a matéria de facto e não existe qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº. 2, als. a), b) e c) do Cód. Proc. Penal.
O erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, nº. 2, al. c) do Cód. Proc. Penal não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente e só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que o Tribunal chegou. Consiste em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, sendo erro detectável por qualquer pessoa minimamente atenta, resultando tão evidente que não pode passar desapercebido ao comum dos observadores.
A contradição insanável da fundamentação verifica-se quando se dá como provado e não provado o mesmo facto, quando se afirma e nega a mesma coisa ao mesmo tempo, quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando se constata oposição entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
De facto, o arguido não impugna validamente a matéria de facto, antes se reduz a tentar mostrar que, na sua opinião, a prova produzida não o incrimina.
Remete-se o arguido para a motivação acima transcrita, de onde resulta à saciedade a sua participação essencial nos factos, a contrariar a ingenuidade da afirmação da não apreensão de droga, pelo simples facto de que ele tinha comissários para o seu negócio.
Relembre-se da motivação:
Particularmente relevante na prova do tráfico desenvolvido pelos arguidos JMR, L, AMG, PMSPG e A e dos papeis que cada um deles desempenhava na prossecução de tal actividade foram as declarações prestadas por aquele primeiro arguido, JMR, que admitiu que o A era seu fornecedor e que o AMG costumava efectuar, a seu mando, o transporte das mercadorias transaccionadas entre Monção e Amares.
É certo que esse arguido sustentou que tais transacções diziam respeito a "marcas" contrafeitas, mas também o é que, confrontado com as comunicações interceptadas no dia 20 de Junho de 2002 na sequência da detenção do AMG e da PMSPG, ouvidas em audiência de julgamento e cujas transcrições constam de fls. 173 a 175, sessões 377 e 379, do apenso A, admitiu a autoria dessas chamadas telefónicas e não soube explicar, de forma minimamente credível, o motivo da sua aflição ante a demora daquele casal e o teor das expressões utilizadas, nomeadamente porque, no contexto duma suposta transacção de artigos de vestuário, usou o termo "frango" para designar esses mesmos artigos.
Acresce que, tendo o arguido A, seu interlocutor, como o próprio confirmou, nessas chamadas, respondido afirmativamente à sua pergunta sobre se entregara ao AMG e à PMSPG as roupas que o respondente supostamente lhe encomendara, não foi encontrada no interior da viatura interceptada qualquer embalagem contendo peças de vestuário, mas apenas uma bolsa contendo um quilograma de cocaína.
Igualmente elucidativas foram as declarações prestadas pelo A, na medida em que, confirmando, como já se mencionou, as conversas telefónicas mantidas com o arguido JMR no dia 20 de Junho de 2002, sustentou que não entregou ao AMG, ao contrário do que afiançou àquele, as roupas que supostamente lhe haviam sido encomendadas.
Todavia, não logrou explicar a razão de ser dessa pretensa mentira, tanto mais que o JMR não deixaria de descobrir que o AMG não levara a mercadoria e que a afirmação do respondente só faria aumentar o alegado receio daquele numa eventual operação policial que culminasse com a intercepção das "marcas contrafeitas" em trânsito.
Face a isto, não se compreende a insistência do arguido no negócio de "roupas" e na proclamação da sua inocência.
Veja-se o seguinte extracto da prova:
Juiz Presidente: O senhor fala em marcas, fala em roupa e ele, depois, é apanhado com a droga?
Arguido: Olhe. Sr. Doutor, eu não sei dos negócios deles, Sr. Doutor. Eu não sei os negócios que eles têm por trás, ou se têm ou se não têm.
(...)
Juiz Presidente: O senhor acaba por falar com o A, ... trouxe o frango para baixo! O que quer dizer com isso?
Arguido: Senhor Doutor, com medo que fosse apanhado com as marcas e se calhar ..., às vezes até podia dizer uma palavra simples ou com aquela atrapalhação ... que me prendessem a carrinha e a mercadoria, podia dizer essa palavra. Não me lembro.
Juiz Presidente: Os senhores usavam uma linguagem que era para não ser percebida?
Arguido: Senhor Doutor, eu ainda há dias disse que nós ao telefonar para um fabricante não sabemos o que havemos de pedir, ... sapatos não podemos pedir, ... camisolas não podemos pedir ... Então o que é que vamos pedir, senhor Doutor?
Não vale a pena o arguido fazer-se desentendido. Os traficantes de droga têm os seus meios e esquemas. Os Tribunais têm os seus, institucionais, culminando com aquele que permite, de modo legítimo e seguro, fixar-se um facto como provado: a livre convicção, baseada, como já se disse, em raciocínios lógicos e nas regras da experiência comum.
Pelo exposto, improcedem, pois, aquelas conclusões.
A mesma motivação é bastante para se compreender toda a actuação do arguido e o seu papel de chefia, em especial, como ali se refere, através do seu filho L, que funcionava como elo de ligação entre o pai e os demais traficantes, sendo inúmeras as comunicações interceptadas que revelam esse seu papel, nomeadamente dando instruções ao AMG e encomendando estupefacientes ao A e negociando os respectivos preços.
Improcede, pois, a conclusão 23ª, na parte em que invoca a nulidade prevista no art. 379º, nº. 1, al. a).

Por fim, conclusão 22ª, o arguido vem dizer que não foram atendidas certas circunstâncias, a saber, o grau da sua culpa, a diminuta ilicitude, a não verificação de perigo concreto para a saúde pública, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que a seu favor depõem.
O arguido diz mas não fundamenta, e cai no absurdo de invocar diminuta ilicitude e ausência de perigo concreto para a saúde pública!!!
O Tribunal considerou, de modo suficiente, a intensidade da culpa de cada um deles, as suas condições pessoais e o seu comportamento anterior e posterior aos factos revelado pelos respectivos certificados de registo criminal e, finalmente, as fortíssimas exigências de prevenção geral, ditadas pelas nefastas implicações do tráfico de estupefacientes ao nível da saúde pública e da própria estabilidade do tecido social e económico.
Tanto basta para se ter como improcedente a conclusão em causa e se reafirmar, também quanto a este arguido, a bondade da pena aplicada.»

«Recurso do arguido LR
O arguido, para impugnar a matéria de facto, começa por dizer que foi violado o disposto no art. 374º, nº. 2 ao remeter-se para as transcrições referenciadas na acusação e nas comunicações interceptadas constantes do Apenso A.
Como já acima se disse quanto à remissão que no acórdão se faz para as transcrições, ela não constitui qualquer nulidade e nem o recorrente demonstra qualquer agravo aos seus direitos.
A remissão é uma técnica jurídica usada pelo próprio legislador e, no caso, tem apenas em vista a economia processual, sem que se deneguem ou violem quaisquer direitos.
No mais, o acórdão observa devidamente tal preceito, pelo que improcede a respectiva conclusão, a 5ª.
Para o arguido, não existiu qualquer prova que levasse à sua incriminação, mas a verdade é que não lhe assiste razão.
Diz-se na motivação:
"Particularmente relevante na prova do tráfico desenvolvido pelos arguidos JMR, L, AMG, PMSPG e A e dos papéis que cada um deles desempenhava na prossecução de tal actividade foram as declarações prestadas por aquele primeiro arguido, JMR, que admitiu que o A era seu fornecedor e que o AMG costumava efectuar, a seu mando, o transporte das mercadorias transaccionadas entre Monção e Amares."
(...)
Com efeito, a interpretação efectuada pela Policia Judiciária das comunicações interceptadas, que foi confirmada pela apreensão efectuada com base nos elementos aí recolhidos, evidencia os papeis que cada um dos arguidos desempenhava na prossecução do tráfico e compromete, inexoravelmente, os arguidos L e AMFP.
Efectivamente, é manifesto que aquele primeiro arguido [o L] funcionava como elo de ligação entre o pai e os demais traficantes, sendo inúmeras as comunicações interceptadas que revelam esse seu papel, nomeadamente dando instruções ao AMG e encomendando estupefacientes ao A e negociando os respectivos preços.
E, como salienta o Digno Procurador da República-Adjunto, a prova dos factos em relação ao arguido L resulta, essencialmente, das escutas telefónicas transcritas no Apenso A, pois, apesar de ele não ter tido intervenção directa nos factos que ocorreram no dia 19 de Junho de 2002, as inúmeras conversações deste arguido com os restantes arguidos confirmam toda a matéria de facto que foi dada como provada. Vejam-se as conversas transcritas a fls. 9, 18, 19, 20, 31, 32, 33, 34, 76, 91, 125, 126, 133 e 134 do Apenso A, para onde se remete e das quais, repete-se, é patente a sua essencial intervenção no desenvolvimento das acções do grupo.
E, face a tais elementos de prova, é irrelevante que não lhe tenham sido gravadas conversações entre Janeiro e Junho de 2002 e bem assim que ninguém o tenha visto com os demais arguidos, argumentos estes que o arguido (que também repisa a validade do negócio das "roupas") invoca para afastar a convicção do Tribunal.
Não existe qualquer erro notório na apreciação da prova em relação aos factos que são impugnados pelo recorrente ou contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Por outro lado, e tal como já se disse a propósito do recurso do arguido A, o depoimento dos agentes da Polícia Judiciária no tocante às conversações telefónicas não caem na previsão do art. 130º, nº. 2, já que não se tratou de meras convicções nem interpretações, mas sim de testemunhos sobre factos concretos e de conhecimento directo e que, repete-se, foram todos conjugados.
Ao contrário do que o arguido entende, e tal como já acima se disse, a apreensão levada a cabo teve antecedentes e só aconteceu devido ao moroso e eficiente trabalho da Polícia Judiciária e a participação dele nos factos anteriores também o implica na dita apreensão, mesmo que outras não tenham ocorrido.
Mais uma vez se acentua que o Tribunal foi deveras escrupuloso e avisado ao fixar a matéria de facto e ao fundamentar a sua convicção, sem deixar margem para quaisquer dúvidas.
Bastaria aos recorrentes, todos eles, lerem com atenção a prova produzida e os pormenores da motivação para não virem agora esgrimir argumentos que ali têm plena resposta.
Veja-se o seguinte trecho da motivação:
Importa ainda sublinhar que a interpretação das escutas telefónicas, complementada com a apreensão efectuada, permite concluir que os arguidos se dedicavam ao tráfico de estupefacientes desde, pelo menos, o mês de Setembro de 2001, bem como o padrão desse tráfico, nomeadamente as quantidades de estupefacientes transaccionadas e os papeis e modo de actuação de cada um dos arguidos.
Tal não significa, porém, que possa extrapolar-se desse padrão para a prova de cada uma das transacções efectuadas, incluindo a data e as circunstâncias concretas em que ocorreram.
Com efeito, as escutas revelam vários contactos tendo por objecto a aquisição, transporte e posterior cedência de estupefacientes, mas não permitem afirmar que todas as aquisições projectadas se tenham concretizado. Basta, de resto, atentar que no próprio dia 19 de Junho de 2002 não chegou a consumar-se a aquisição de um quilograma de heroína que as escutas indiciavam.
A este propósito importa ainda frisar que, a nosso ver, a transcrição na acusação de algumas das comunicações telefónicas interceptadas e a sua concomitante interpretação foi efectuada apenas para exemplificar o padrão do tráfico, como inculca a utilização antes de cada uma dessas transcrições ou série de transcrições dos termos "nomeadamente" e "assim".
Cremos, pois, que não podendo afirmar-se a realidade de cada uma das concretas transacções que as escutas indiciam, para além daquela que deu origem à operação que culminou com a apreensão de um quilograma de cocaína, pode seguramente afirmar-se que os arguidos se referiam a transacções de substâncias estupefacientes e que durante o lapso de tempo considerado na exposição dos factos provados concretizaram várias transacções de substâncias dessa natureza, como inculca a menção, recorrente nas comunicações interceptadas, a transacções anteriores.
Aqui tem, pois, o arguido as respostas às conclusões 1ª, 3ª a 26ª e 34ª, as quais, obviamente, são improcedentes.

Relativamente aos bens de origem criminosa, a convicção do Tribunal não derivou senão da prova produzida e, mais uma vez, com apelo às regras da experiência. O dizer-se que o arguido não apresenta rendimentos lícitos que justifiquem a sua aquisição ou detenção não significa qualquer inversão do ónus da prova ou violação da presunção de inocência, mas tão somente a afirmação de um facto a partir de outros conhecidos.
Nenhum dos arguidos tem rendimentos que justifiquem (podem ter outros) a detenção daqueles bens e é certo que no período em causa se dedicaram ao tráfico de droga.
O arguido bem pode exercer também a actividade de feirante, mas a mesma, conforme se indicia, aliás, pela declaração de rendimentos apreciada nos autos, é incompatível com a detenção dos bens que lhe foram apreendidos.
Diz o arguido que não se provou que possuísse elevados valores depositados nem que tivesse adquirido bens ao abrigo de contratos de locação financeira, mas isso não abala a convicção do Tribunal quanto aos bens apreendidos como produto da indiscutível actividade criminosa que desenvolveu no período tido como provado.
São, pois, inconsequentes as conclusões 27ª a 33ª, que também improcedem.

Por fim, o arguido, por mera cautela, diz que, não estando provada cada uma das transacções, datas e as circunstâncias concretas em que ocorreram e montante dos proventos daí resultantes (da única transacção objectivada, diz que, manifestamente, nela não foi interveniente e não houve qualquer lucro), a pena aplicada é manifestamente exagerada.
Uma vez que tal conclusão parte do pressuposto errado, esquecendo-se o arguido dos factos provados, nada mais há a dizer, senão que, também quanto a ele, o Tribunal foi bastante modesto na sanção aplicada.
Nos termos expostos, também este recurso é totalmente improcedente.»

Aqui chegados, é altura de conhecer das questões postas perante o Supremo Tribunal de Justiça, grande parte delas, para não dizer a sua totalidade, em segunda edição.
Antes, porém, importa indagar se a matéria de facto que as instâncias recolheram se mostra capaz de suportar uma escorreita decisão de direito.
Mormente no que respeita à legalidade do meio de prova aparentemente decisivo para a decisão tomada - as escutas telefónicas - posta em causa, pelo menos, e como se viu, por dois dos ora recorrentes.
A Relação, conforme resulta do exposto, não viu ilegalidade alguma nos procedimentos adoptados, e, abonando-se na tese do Ministério Público, transcrita, como se viu, em largos passos do acórdão recorrido, acaba por avalizar o entendimento de que, a ter havido alguma nulidade no procedimento de recolha da matéria das escutas, mormente a falta de audição e selecção pelo juiz das escutas relevantes, tal como imposto pelo artigo 188º, nº. 3, do Código de Processo Penal, ela seria meramente relativa, e, porque não arguida em tempo, estaria sanada.
Outro, inteiramente oposto, é o entendimento de, pelo menos, aqueles dois recorrentes.

Vejamos, em breve esquema, como se processaram as coisas, nomeadamente quanto aos arguidos recorrentes:
LSR ("Lalo")
- Em 10.09.01 JIC autoriza escuta por 90 dias ao 96/... - alvo "12329", cf. fls. 145
- Em 12.12.01, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 140 a 144.
- Em 13.12.01 JIC ordena a transcrição - fls. 146 v.º
- Segundo a TMN em 21.09.01 (fls. 20) este nº. também tem funcionado com o cartão 96/...
- Em 10.12.01 (fls. 156) TMN informa que o 96/... também opera com os cartões nºs. - 96/... - 96/... - 96/... - 96/...
- Em 27.09.01 JIC autoriza escuta por 90 dias ao 96/...: 2º fls. 47 a este nº. corresponde o código 12603 e a ligação iniciou-se em 01.10.01, com a referência TMN 4206/2001 (fls. 48)
- Em 04.01.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 170.
- Em 10.01.02 JIC ordena a transcrição - fls. 178 v.º
- Em 10.12.01 (fls. 152) TMN informa que o 96/5143694 também opera com os cartões nºs.: - 96/...; e - 96/...
- Segundo informação de fls. 49 o 96/... deixou de ser utilizado em 16.10.01 e passou a utilizar o nº. 96/...
- Em 25.10.01 JIC autoriza escuta por 90 dias ao 96/...: segundo fls. 77 a este nº. corresponde o código 12951 e a ligação iniciou-se em 29.10.01, com a referência TMN 4489/2001 (fls. 78)
- Em 28.01.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 196 a 198.
- Em 31.01.02 JIC refere que ouviu e ordena transcrição/destruição - fls. 200 v.º 182 v.º
- Em 22.01.02 JIC prorroga escuta por mais 90 dias a escuta do nº. 96/...
- Em 25.04.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 317 (sem interesse)
- Em 06.05.02 JIC ordena destruição - fls. 322
- Em 05.04.02 (fls. 316) TMN informa que o 96/... também opera com os cartões nºs. : - 96/... - 96/...
- Segundo informação de fls. 114 utiliza também o nº. 96/...
116 v.º - em 28.11.01 JIC autorizou escuta por 90 dias ao nº. 96/...: segundo consta de fls. 138 a este nº. corresponde o código 13397 e a ligação iniciou-se em 29.11.01, com a referência TMN 4846/2001 (fls. 139)
- Em 28.02.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 255 (sem qualquer registo).
- Em 07.02.02 (fls. 234) TMN informa que o 96/... também opera com os cartões nºs. : - 96/... - 96/... - 96/... - 96/... - 96/...
- Em 18.02.02 o JIC autoriza escuta por 90 dias ao 96/...: segundo fls. 267 a este nº. corresponde o código 14572 e a ligação iniciou-se em 20.02.02 (fls. 268 e 278)
- Em 20.05.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 356 (s/ interesse)
- Em 23.05.02 JIC ordena a destruição - fls. 361
- Em 05.04.02 (fls. 308) TMN informa que o 96/... também opera com o cartão nº. 96/...
- Em 04.03.02 JIC autoriza escuta por 90 dias ao 96/...: segundo fls. 298 a este nº. corresponde o código 14850 e a ligação iniciou-se em 06.03.02 (fls. 299)
- Em 06.06.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 399 (sem interesse)
- Em 07.06.02 JIC ordena a destruição - fls. 404

AAA ("Chinês")
- Em 08.10.01 o JIC autoriza escuta por 90 dias ao 93/...: segundo fls. 60 a este nº. corresponde o código 12712 e a ligação iniciou-se em 10.10.01 (fls. 61)
- Em 08.01.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 172
- Em 10.01.02 JIC ordena a transcrição - fls. 178 v.º
- Em 13.03.02 JIC autoriza escuta por 90 dias novamente ao nº. 93/...: segundo fls. 309 a este nº. corresponde o código 12712 e a ligação iniciou-se em 15.03.02 (fls. 310)
- Em 17.06.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 421 (sem interesse)
- Em 04.07.02 JIC ordena a destruição - fls. 589
- Em 23.05.02 JIC prorroga escuta por 90 dias novamente ao nº. 93/...
Terminada a 21.06.02 devido à detenção do A (fls. 577)
- Em 21.06.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 577 (sem interesse)
- Em 08.10.01 JIC autoriza escuta por 90 dias ao 96/...: segundo fls. 56 a este nº. corresponde o código 12714 e a ligação iniciou-se em 10.10.01, com a referência TMN 4271/2001 (fls. 57)
- Em 08.01.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 176
- Em 10.01.02 JIC ordena a transcrição - fls. 178 v.º
- Em 10.12.01 (fls. 153) TMN informa que o 96/... também opera com o cartão nº. 96/...
- Segundo informação de 12.10.01 (fls. 79) os 2 nºs. supra têm pouco fluxo e opera agora com os nºs.: - 93/... e - 65... (Espanhol)
82 v.º - Em 15.11.01 JIC autorizou (sem fixar prazo) escuta do nº. 93/...: segundo fls. 136 a este nº. corresponde o código 10261 e a ligação iniciou-se em 16.11.01 (fls. 137)
- Em 18.02.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 236/7 (c/ interesse)
- Em 18.02.02 JIC ordena a transcrição - fls. 246 v.º
- Em 08.02.02 JIC prorroga por 90 dias escuta ao 93/...
- Em 20.05.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 355 (s/ interesse)
- Em 23.05.02 JIC ordena a destruição - fls. 361
- Em 13.05.02 JIC prorroga por 90 dias escuta ao 93/...
- Em 23.05.02 JIC ordena a cessação - fls. 361 (embora no despacho se refira a fls. 223 é mero lapso e queria dizer fls. 338)
- Terminada a 27.06.02 por detenção do A e por ordem judicial de cancelamento (fls. 580-III)
- Em 27.06.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 580 (sem qualquer registo)
82 v.º - Em 15.11.01 JIC autorizou (sem fixar prazo) escuta do nº. 65...: segundo fls. 108 a este nº. corresponde o código 13174 e a ligação iniciou-se em 16.11.01, com a referência TMN 4678/2001 (fls. 109); segundo fls. 134 a este nº. corresponde o código 13172 e a ligação Optimus iniciou-se em 16.11.01 (fls. 135)
- Em 18.02.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 239/40/41 (Finda a 14.02.02 e sem qualquer registo)
- Em 10.01.02 JIC ordena a destruição - fls. 246 v.º
- Em 14.05.02 JIC autoriza escuta por 90 dias ao 96/...: segundo fls. 389 a este nº. corresponde o código 16093 e a ligação iniciou-se em 17.05.02 (fls. 390)
Terminada em 20.06.02 por detenção do A (fls. 482-III)
- Em 21.06.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 482/3 (com interesse)
- Em 04.07.02 JIC ordena a transcrição - fls. 589 (III)

JB
- Em 17.06.02 JIC autoriza escuta por 90 dias ao 91/...: segundo fls. 690 (III) a este nº. corresponde o código 16536 e a ligação iniciou-se em 18.06.02 (fls. 691)
- Terminada em 06.09.02 (fls. 694)
- Em 6.09.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 694 (sem interesse)
- Em 03.12.02 JIC ordena a destruição - fls. 804 (IV)

Incógnito(s)
- Em 04.02.02 JIC autorizou, por 90 dias, escuta do nº. 91/...: segundo fls. 275 a este nº. corresponde o código 14327 e a ligação iniciou-se em 07.02.02 (fls. 276)
- Em 05.05.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 332 (sem interesse)
- Em 13.05.02 JIC ordena a destruição - fls. 338
- Em 04.02.02 JIC autorizou, por 90 dias, escuta do nº. 91/...: segundo fls. 273 a este nº. corresponde o código 14326 e a ligação iniciou-se em 07.02.02 (fls. 274 e 280)
- Em 05.05.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 331 (sem interesse)
- Em 13.05.02 JIC ordena a destruição - fls. 338
- Em 06.05.02 JIC prorroga, por 90 dias, escuta do nº. 91/...: ligação iniciou-se em 08.05.02 (fls. 354)
Terminada a 12.06.02 (fls. 576-III)
- Em 20.06.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 576 (com interesse)
- Em 04.07.02 JIC ordena a transcrição - fls. 589 (III)
- Em 14.05.02 JIC autoriza escuta por 90 dias ao 96/... (conhecido do AMG cf. fls. 343) : segundo fls. 387 a este nº. corresponde o código 16092 e a ligação iniciou-se em 17.05.02 (fls. 388)
Terminada a 21.06.02 por detenção do AMFP (fls. 578-III)
- Em 21.06.02, "Auto de intercepção da PJ"- fls. 578 (com interesse)
- Em 04.07.02 JIC ordena a transcrição - fls. 589 (III)
- Em 02.12.02 a PJ informa que foram concluídas as transcrições que foram reunidas no Apenso A.
- Em 03.12.02 JIC valida todas com o seguinte despacho:
«Em conformidade com a promoção que antecede, valido a transcrição que se encontra no Apenso A e ordeno a junção da mesma aos presentes autos».

Pois bem.
Pelo que fica exposto, logo se vê que não é tanto pela falta de acompanhamento das escutas, de resto logo desmentida pelo historial acabado de reproduzir - portanto pela perspectiva do nº. 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal - que a invocada nulidade das escutas é configurada pelos recorrentes, antes o é pelo lado da inobservância dos requisitos do nº. 3 daquele artigo, nomeadamente a necessidade de «escolha» judicial, prévia à decisão de ordenar a respectiva transcrição, que ali se pressupõe que o juiz leve a cabo, dos elementos recolhidos, como relevantes ou não para efeitos de prova.
Mas, como pode constatar-se desta resenha, num único caso consta que o juiz tenha ouvido a reprodução das gravações efectuadas, antes de ordenar a respectiva transcrição. Nos demais, nada consta a tal respeito, ficando por saber-se se foi ou não juiz quem procedeu a tal escolha do material probatório tido por relevante ou se tal decisão coube - ilegalmente, então - ao órgão de polícia criminal, no caso, Polícia Judiciária, ou mesmo ao Ministério Público.
É certo que bem pode ter acontecido, em todos esses demais casos, que o JIC tenha decidido avalizar a escolha efectuada pela Polícia Judiciária, tal como lho permitirá o nº. 4 do artigo 188º do mesmo Código.
Mas não se sabe se assim foi ou não.
Poderá, eventualmente, assim ser entendido através de uma possível presunção de facto, uma ilação porventura a extrair dos factos provados, mas que, sendo, também ela, matéria de facto, está fora dos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal, tal como emerge do disposto no artigo 434º do diploma adjectivo citado, que lhe reserva intervenção nos domínios do direito.
É certo, ainda, que a Relação deu aval a um entendimento jurídico, segundo o qual, na essência, a eventual ocorrência de nulidade nos procedimentos formais seguidos na recolha das escutas, configuraria mera nulidade relativa, já sanada, por não arguida até ao momento previsto no artigo 120º, nº. 3, c), do mesmo diploma.
Porém, esse entendimento está longe de conciliar maioria e, muito menos, a unanimidade, das posições jurisprudenciais conhecidas sobre o tema.
Aliás, o melindre de que se reveste no nosso sistema jurídico-constitucional, o recurso ao uso das escutas telefónicas como meio de prova, pela possibilidade efectiva de lesão irreparável de direitos fundamentais com assento constitucional, como o é, por exemplo, a reserva da vida privada, enfim, pela gravosa danosidade social que lhe anda associada, parece não ser um bom índice para avalizar a bondade de tal tese minimalista do acórdão recorrido sobre os efeitos das apontadas irregularidades, pese, embora, a necessidade imperiosa de salvaguarda de um mínimo razoável de eficácia na investigação criminal.
Assim, se é certo que, por exemplo, os Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 9/7/03 - recurso nº. 3100/03-3 (1), publicado em texto integral em www.stj.pt - e de 9 de Outubro de 2002 - Proc. nº. 1386/02-3 (2) - consagram a tese ora apoiada pela Relação, não o será menos, que uma tal interpretação, para além, de não uniforme, assumirá foros de duvidosa constitucionalidade, tal como pode concluir-se, nomeadamente, pela leitura do seguinte trecho do Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 166/03, de 28 de Março de 2003.(3-4)
«O recorrente A também alegou (fls. 2130 e seguintes), tendo, entre o mais, sustentado o seguinte:
"[...]
O Tribunal Constitucional, pelos acórdãos nº. 407/97 e 299/01, já decidiu que seria inconstitucional uma interpretação daquele normativo [artigo 188º do Código de Processo Penal] que não impusesse que o auto de intercepção de gravação de conversações telefónicas fosse imediatamente lavrado após toda a escuta efectuada e levado ao conhecimento do Juiz.
[...]
Da exposição desta situação resulta que os autos com as fitas gravadas não foram apresentados imediatamente ao JIC, como determina o art. 188º, nº. 1 do C.P.P., que as transcrições de parte das conversas escutadas constantes dos autos não foram seleccionadas pelo JIC, mas sim pela PJ.
Conforme determina o art. 189º, do C.P.P., todos os requisitos e condições referidos nos arts. 187º e 188º, do C.P.P., são estabelecidos sob pena de nulidade. Resta saber se estamos perante nulidades sanáveis pela sua não arguição atempada, ou perante nulidades que podem ser conhecidas oficiosamente e a todo o tempo, por serem insanáveis.
Em primeiro lugar, devemos ponderar se estamos perante um caso de utilização de um meio proibido de prova, considerando nulo e insusceptível de utilização, nos termos do art. 126º, do C.P.P., o qual transpõe para a lei ordinária o princípio estabelecido no art. 32º, nº. 8, da C.R.P. - «são nulas todas as provas obtidas mediante ... abusiva intromissão ... nas telecomunicações».
Dispõe o nº. 3, do art. 126º, do C.P.P., que ressalvados os casos previstos na lei, são nulas as provas obtidas mediante intromissão nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
Ora, um dos casos previstos na lei é precisamente a situação prevista no art. 187º, do C.P.P. - escuta autorizada por um Juiz, em investigação de um determinado tipo de crime, justificando-se essa escuta por ser um meio necessário e adequado para a obtenção de prova naquele caso - o que ocorreu neste processo.
Se, na realização dessas escutas não foram cumpridos determinados formalismos exigidos pela lei processual na execução, já é uma questão que não diz respeito à admissibilidade da escuta, mas sim a vícios ocorridos na sua execução. Nestes casos a intercepção foi efectuada numa situação em que a Lei admite que ele seja realizada, pelo que não estamos perante a utilização de um meio proibido de prova, verificaram-se foi violações das regras estabelecidas para a realização das escutas, em que estas são admissíveis, o que constitui simples nulidade de acto processual, a enquadrar nos artigos 118º e seguintes do C.P.P.
[...]
Mesmo que se entenda que a falta de apresentação imediata das gravações ao JIC não cabe em nenhuma das situações previstas no art. 119º do C.P.P., pelo que deve ser considerada uma nulidade dependente de arguição atempada, nos termos do art. 120º do C.P.P., que deveria ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório, nos termos da alínea c), do nº. 3, do art. 120º, do C.P.P. e não o foi, mostrando-se sanada.
Já o mesmo se não passará quanto à selecção pela PJ, através da transcrição, das partes das gravações que continham elementos relevantes para os autos, estamos perante a prática de um acto jurisdicional por quem não está investido nesse poder, pelo que devemos considerar esse acto como juridicamente inexistente.
Daqui resulta que apenas as transcrições das gravações constantes das escutas devem ser consideradas inexistentes, não podendo, pois, ser valorado o seu conteúdo, através das intercepções.
Exigindo a lei que o JIC efectue uma selecção entre as gravações efectuadas dos elementos relevantes para a prova e que só esses elementos sejam valorados, procedendo-se à destruição do demais, de modo a não se verificar uma devassa desnecessária da vida privada dos escutados, não tendo sido efectuada essa selecção, não pode o Tribunal utilizar em julgamento, como meio de prova, as gravações sem terem sido previamente seleccionados pelo órgão competente sob pena de se verificar essa devassa injustificada da vida privada.
A lei processual no art. 188º, do C.P.P., consignou que os resultados das intercepções telefónicas para serem valorados, como meio de prova, deveriam ser transcritos em auto, restrito apenas às conversações consideradas relevantes pelo JIC.
Não o tendo sido (uma vez que a forma como o foram deve ser considerada juridicamente inexistente), não podem essas gravações ser valoradas sem que tenha sido efectuada essa selecção.
[...]."

Em todas as decisões dos tribunais, mesmo em processo penal (5), a recolha da matéria de facto com vista à decisão de direito não pode ser orientada no sentido de uma decisão pré-ordenada, antes, há-de ser rodeada do cuidado primário de acolher tudo quanto releve para a boa decisão da causa, enfim para uma decisão que possa ser encarada «segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida» - art. 511º, nº. 1, do diploma adjectivo subsidiário.
Ora, o que fica dito é já bastante para se poder concluir que os recursos aqui interpostos não podem ainda lograr decisão de mérito por banda do Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito, a fundamentação de facto do acórdão recorrido, ao remeter em larga medida, por mera remissão genérica, para os «documentos juntos aos autos», mormente as transcrições das escutas, acabou por omitir um dado essencial, a saber: tirando a única transcrição em que se diz que o juiz ouviu [previamente] a gravação, as demais ordens de transcrição dadas foram ou não precedidas da imprescindível escolha por aquele magistrado? E se não, foi, ao menos, tal selecção, objecto das transcrições, deferida [pelo juiz], ainda que por coadjuvação, solicitada ao órgão de polícia criminal, tal como o previsto no nº. 4 do artigo 188º citado?
Da resposta a estas perguntas vai uma distância grande que pode oscilar - consoante as teses jurisprudenciais antagónicas em presença - entre a validade e a nulidade ou, mesmo, inexistência, deste meio de prova em que se baseia a deliberação recorrida.
Mas que não tendo sido dada na fundamentação do acórdão recorrido, coloca este sob a alçada dos artigos 374º, nº. 2 e 379º, a), do Código de Processo Penal.
Impõe-se, pois, declarar a nulidade do acórdão recorrido, restrita ao ponto enunciado, devendo a Relação - e não outro tribunal (arts. 729º, nº. 3, e 730º, nº. 1, do diploma adjectivo subsidiário) - ampliar a matéria de facto naquele ponto concreto, repetindo previamente, se necessário, também, a correspondente extensão do próprio julgamento, após o que, proferido novo acórdão em conformidade, se seguirão os demais termos até final.
E porque a decisão a proferir afecta por igual todos os ora recorrentes, ficam prejudicadas, por ora, todas as demais questões que importava solucionar.

3. Termos em que, na procedência da questão prévia suscitada pelo relator, anulam o acórdão recorrido e a correspondente extensão do julgamento, para que outro seja realizado, nos termos expostos e restrito à questão-de-facto supra delimitada.
Sem tributação.

Lisboa, 17 de Junho de 2004
Pereira Madeira
Santos Carvalho
Costa Mortágua
______________________
(1) «A questão (...) (violação do art. 188º, nº. 1, do CPP, por incorrecta colheita das escutas telefónicas).
Aduz o recorrente que, feitas as escutas telefónicas, foi a entidade policial quem tomou primeiro conhecimento do conteúdo das respectivas transcrições, que estas foram feitas segundo o seu critério, e que só finalmente foram entregues ao Senhor Juiz de Instrução que se limitou a mandá-las juntar aos autos, o que tudo contende com as regras do art. 188º, nº. 1 do CPP, sendo por isso nulas segundo o disposto no art. 189º do mesmo Código.
Atentemos.
O problema equacionado já foi posto no recurso levado ao Tribunal da Relação, que o resolveu do seguinte modo (fls. 6391):
«Sufraga-se inteiramente o entendimento do Ilustre Magistrado do MºPº como atrás se disse.
Na verdade, o que a lei impõe é que haja um efectivo acompanhamento, por parte do Juiz, das escutas ordenadas e tal acompanhamento faz-se, precisamente, com a informação ao Juiz, por parte da Polícia Judiciária e do Ministério Público, dos resultados de tais escutas, bem como da necessidade, ou não, da sua manutenção, com os consequentes pedidos de prorrogação do prazo para as intercepções e gravações, em caso afirmativo».
Não temos dúvidas de que assim seja.
De resto, o nº. 2 do art. 188º citado, é claro ao prescrever que a regra do nº. 1 da norma não é impeditiva do conhecimento prévio do conteúdo das gravações por parte do órgão de polícia criminal, em ordem a poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
O que importa é que o Juiz acompanhe de perto e controle a colheita e o conteúdo do material gravado, como surte do teor do Ac. do Trib. Const. nº. 407/97, de 97.05.21, BMJ 467-199.
E não consta dos autos nenhuma referência que leve a concluir que alguma vez o Senhor Juiz de Instrução tivesse deixado de acompanhar e ter sob seu domínio as gravações feitas, nem tão pouco o recorrente concretiza onde e como houve violação de tal impositivo da lei.
De todo o modo sempre seria discutível se, a haver nulidade, se trataria ou não de nulidade insanável, na consideração de que só será insanável a que provém de recolha de escutas sem autorização judicial e já não as que padecem de algum dos outros vícios referidos no preceito (vd SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, Código de Processo Penal Anotado, I, 942).
E, a ser nulidade relativa como parece, estaria sanada por falta de arguição em tempo.»
Daí que a objecção não proceda.
(...)»
(2) «Comecemos pela análise da 2ª questão: a violação, pelo acórdão recorrido, dos arts. 188º e 189º do C.P.Penal.
[...]
[...] entende o A que, em relação às escutas telefónicas, não houve supervisão jurisdicional atempada, constatando-se que toda a iniciativa e verificação do interesse na matéria interceptada ficou a cargo dos elementos da Polícia Judiciária, o que se não coaduna com o vertido no art. 188º, nº. 3 do C.P.Penal.
E porque o auto de intercepção e gravação de conversações telefónicas não foi lavrado de imediato e levado ao conhecimento do Juiz, daí que as escutas sejam nulas e, a fortiori, nulo o valor das provas assim obtidas. Logo não podem ser valoradas pelo tribunal.
Que dizer?
As escutas telefónicas realizadas foram autorizadas pelo Juiz e, por conseguinte, não se configura qualquer nulidade insuprível.
Se, na realização das escutas, ocorreram incorrecções, as mesmas estão sanadas, desde o encerramento do inquérito, nos termos do art. 120º, nº. 3, al. c) do C.P.Penal.
É também essa a posição do Exmº. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.
Com efeito é preciso ter em conta que as escutas telefónicas, ordenadas e autorizadas judicialmente, foram reproduzidas e contraditadas na audiência de discussão e julgamento do arguido, sem que da parte deste merecessem qualquer reparo, em qualquer momento.
Por isso que a prova que elas consubstanciam tem toda a validade e pode servir de fundamento à condenação do arguido.
Não há que falar, então, de interpretação inconstitucional do art. 188º do C.P.Penal.
(...).»
(3) Integral em AcTc\166-03
(4) No mesmo sentido o Acórdão do TRP, de 8/3/2000, processo: 0040051.
(5) Aqui com a única especialidade de tal matéria haver de ter cabimento no objecto do processo traçado pela acusação e pela defesa.