DESPEDIMENTO ILÍCITO
RETRIBUIÇÕES VENCIDAS
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I – Tendo o empregador convidado o trabalhador a retomar o trabalho, em resposta a uma carta do mandatário deste em que reclamava o pagamento de indemnização por despedimento ilícito, a falta de resposta do trabalhador não pode ser interpretada, sem mais, como uma recusa a prestar trabalho.
I – Desconhecendo-se a razão do silêncio do trabalhador, tal comportamento omissivo não equivale a abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, se ele mantiver o pedido de retribuições vencidas e vincendas formulado na petição inicial, nomeadamente, se se provar que ele obteve, mais tarde, novo emprego.

Texto Integral

Reg. N.º 758
Proc. N.º 475/09.2TTLMG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B… deduziu em 2009-11-10[1] contra C…, S.A. a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se declare a nulidade do despedimento efectuado, por ilícito e que se condene a R. a pagar ao A.:
a) Uma indemnização de antiguidade, calculada nos termos do Art.º 391.º do CT2009, que liquidou em € 14.962,50, acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento;
b) As retribuições vencidas, no montante de € 916,25, acrescidas de juros legais desde a data da citação até integral pagamento, bem como as vincendas, relativas a retribuições, subsídios de férias e de Natal, até à data do trânsito em julgado da sentença, a liquidar oportunamente, sendo tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, desde a data em que se forem vencendo.
Alega o A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em Abril de 1999 para exercer a sua actividade profissional na …, foi despedido verbalmente pela R., por intermédio do Sr. Eng.º D…, em 2009-09-25, sem justa causa, o que lhe confere direito às retribuições vencidas desde a data do despedimento até â data da sentença, bem como a indemnização de antiguidade, pela qual optou na petição inicial. Mais alega que à data do despedimento auferia a retribuição diária de € 33,25, ( subdividida em € 23,75 como “Vencim Agrícola” e € 9,50 como “Bónus Assid/Prod”), acrescida de um subsídio de alimentação de € 3,00 por cada dia de trabalho efectivamente prestado, sendo certo que não lhe foi paga qualquer das restantes quantias pedidas.
Contestou a R., alegando que não despediu o A., apenas o suspendeu e que foi ele que se ausentou do local de trabalho e deixou de comparecer, tendo mais tarde pedido que lhe passassem a declaração para receber o subsídio de desemprego, assim terminando o contrato de trabalho. Mais alega que tendo o A., por carta de 2009-10-20, reclamado da R. uma compensação pela cessação do contrato, esta respondeu que não havia despedido aquele, pelo que ele poderia continuar a trabalhar para a R. no futuro, mas o A. nada disse.
O A. respondeu a tal articulado.
Procedeu-se a julgamento, tendo-se assentado a matéria de facto pela forma constante do despacho de fls. 65 a 74, que não suscitou qualquer reclamação.
Proferida sentença, foi declarada ilícita a cessação do contrato e a R. condenada a pagar ao A.:
a) A quantia de € 6.664,7, a título de indemnização de antiguidade, em substituição da reintegração, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 2009-11-19 até efectivo e integral pagamento;
b) A retribuição que o A. deixou de auferir desde 2009-10-11 até 2009-11-10, à razão de €32,00 diários, acrescido de prémio de produtividade no montante de € 47,50 semanais, subsídio de alimentação e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 2009-11-19 até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com o assim decidido, veio o A. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1. O Autor, ora requerente, peticionou que:
---+ fosse declarado nulo o despedimento do Autor;
---+ fosse a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização de antiguidade, calculada nos termos do art. 391.° do C.T.;
---+ fosse, ainda, a Ré condenada a pagar ao Autor todas as prestações pecuniárias respeitantes a remunerações, subsídios de férias e de Natal, desde o despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 390.° do C.T.
2. Está dado como provado que:
-+ "2. No dia 25 de Setembro de 2009, pelas 6h45, dirigindo-se o Autor ao seu local de trabalho na … para mais uma jornada de trabalho juntamente com outros trabalhadores, designadamente E…, F…, G…, H…, de entre os cerca de 11 trabalhadores aí presentes, a Ré comunicou ao Autor, por intermédio do Sr. Eng.º D…, seu superior hierárquico dizendo-lhe "O Sr. B… não se vai juntar ao grupo de trabalho".
-+ "3. O trabalhador não tem vindo a receber, desde a data do seu despedimento em 25 de Setembro de 2009, o seu salário."
-+ "16. O Eng.º D… dirigiu-se ao grupo dos trabalhadores, onde se encontrava também o Autor, dizendo que (...) o causador da desordem “... não se ia juntar ao grupo"."
-+ "18. Nada mais tendo sido perguntado, o Eng.º D… disse então para iniciarem o trabalho com respeito uns pelos outros e que o trabalho devia ser feito com empenho de modo a serem atingidos bons resultados, acrescentando de novo que quem tinha causado a desordem não iria com o grupo trabalhar."
-+ "19. Logo após o Eng.º D… ter terminado de falar aos trabalhadores, o Autor, de imediato se ausentou do local (...)"
3. Atentos os factos provados, o Mmo. Juiz a quo declarou, e bem, a cessação do contrato de trabalho promovida pela Ré ilícita, porquanto, pode ler-se na parte da Sentença "1. Ilicitude da Cessação do Contrato de Trabalho que "No caso dos presentes autos face ao exposto conclui-se que a cessação do contrato de trabalho promovido pela Ré em Setembro de 2009 é ilícita porquanto não foi precedida do respectivo procedimento para despedimento com justa causa.
4. Dispõe o artigo 391°, nº 1, do Código do Trabalho, a fixação do seu montante entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do despedimento - artigo 381°, ou seja,
5. Trata-se de averiguar, nesta fixação, a conduta da Ré e não a do Autor, devendo, por isso, ser fixado o montante máximo de dias permitido - 45 dias - uma vez considerada a gravidade da conduta da Ré de despedimento sumário do Autor sem sequer o ouvir sobre os factos e sem qualquer precedência de procedimento disciplinar.
6. Dispõe, ainda, o artigo 390°, nº 1, do Código do Trabalho, que "o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”.
5[2]. O simples facto da entidade empregadora ter voltado atrás com a sua conduta ilegal, só depois de receber missiva do mandatário do trabalhador que invocava despedimento ilegal, dizendo ao trabalhador que não tinha sido despedido e poderia voltar a trabalhar e este não ter aceite, nunca pode implicar a perda do direito às retribuições a que faz referência o artigo 390.º n.º 1 C.T.
6[3]. Assim, tendo sido declarado ilícito o despedimento do Autor, ele terá, obrigatoriamente, o direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde 11 de Outubro de 2009 até ao trânsito em julgado da decisão.
7. A sentença recorrida, na parte de que aqui se recorre, é nula por violar a al. c) do n.º 1 do artigo 668.º do C.P.C.
8. Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, pelo menos os artigos 334.º do Código Civil, e os artigos 381.º, 390.°, n.º 1, e 391.°, n.º 1, do Código do Trabalho.

Inconformada também com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de apelação e contra-alegar relativamente à apelação do A., tendo formulado a final as seguintes conclusões:

A) A decisão recorrida fez errada aplicação da lei aos factos provados nos autos, violando nomeadamente as disposições previstas nos artºs 403 do Código do Trabalho - regime aprovado pela Lei 7/2009, e fazendo errada aplicação do disposto nos artºs 351, 353, 381 e 439 do mesmo Código do Trabalho.
B) Por outro lado, o recurso interposto da mesma sentença pelo Autor não merece provimento, como decorrência da procedência do recurso apresentado pela Ré, ora Recorrente, e mesmo a entender-se que existiu comunicação da cessação do contrato de trabalho pela Ré, então as consequências de tal ilicitude (que não se aceita), foram fixadas por excesso e não por defeito como o Autor defende, pelo que a ser a decisão alterada deverá ser corrigida nos termos propugnados no recurso da Ré.
C) Dos factos provados não pode concluir-se, ao contrário do que se refere na sentença que foi a Ré que despediu verbalmente o Autor em 25 de Setembro de 2009, na sequência de desordem por ele provocada no dia anterior.
D) No contexto de um litígio laboral com o trabalhador-autor, após este praticar ilícitos disciplinares, e numa época de muito trabalho na Ré, interessava e foi preocupação do chefe do Autor, como se provou, evitar que novas desordens acontecessem (pontos nº 15 a 18).
E) Por isso, antes de se iniciar o trabalho diário, em que os trabalhadores se reúnem de um local pré-determinado da propriedade, de onde são transportados em veículos, para o local da propriedade onde é feita a vindima (que pode distar quilómetros), o responsável de vitivinicultura da Ré empregadora – D…, falou e explicou ao conjunto dos trabalhadores (entre os quais o Autor), a importância da época das vindimas e concluiu referindo que o causador da desordem (o Autor) "... não se ia juntar ao grupo ...".
F) O autor abandonou de imediato o local sem falar com o caseiro ou outro chefe, pelo que nada lhe pôde ser dito directamente ou explicado.
G) Sobre esta questão do "abandono" pelo autor do local de trabalho refere-se na fundamentação da decisão da matéria de facto, na sua penúltima folha o seguinte: "Resulta do depoimento de parte do autor que depois da intervenção do Engº D… foi embora sem falar com qualquer responsável da Ré, mas também é um facto que nenhum responsável da Ré se preocupou em falar com o Autor e esclarecê-lo sobre o sentido das palavras proferidas".
H) Não é aceitável este entendimento do Tribunal, no sentido de que caberia à Ré ir procurar o trabalhador para o esclarecer; na verdade, salvo melhor opinião, não resulta de nenhum ponto da matéria de facto provada que nenhum responsável da Ré tenha tentado falar com o Autor, sendo que o Autor não alegou esse facto.
I) Se foi o trabalhador que saiu do local do trabalho, não aguardando que com ele falassem, não cabia aos responsáveis da Ré, ir atrás do Autor, perguntar se ele tinha percebido que apenas lhe haviam transmitido que ficava suspenso.
J) O trabalhador, não tendo recebido qualquer ordem directa (nem sequer indirecta) para sair do local de trabalho, não podia nem devia desse local ausentar-se sem autorização de uma chefia.
E se tinha dúvidas o que devia fazer era, logo nesse dia, ou num dos dias imediatos, solicitar esclarecimento quanto à sua situação.
K) Da expressão - "... não se ia juntar ao grupo …", não pode concluir-se, que fosse intenção do chefe fazer cessar o contrato de trabalho do autor; na verdade, e como se provou, tanto não era essa a intenção, que se provou que esse chefe porque entretanto foi sabedor que havia sido enviada ao autor declaração de desemprego, não chegou por isso a efectuar a participação para efeitos disciplinares dos factos (ponto nº 22).
L) De igual modo também a Ré nunca aceitou ou reconheceu, nem os factos o permitem concluir, que o contrato houvesse cessado no dia 25 de Setembro de 2009, por iniciativa da Ré (ponto nº 23).
M) Quando pela primeira vez o Autor informa que havia sido despedido, e a Ré tomou conhecimento, que o Autor tinha entendido as palavras do seu superior hierárquico como uma declaração de cessação do contrato, logo a Ré esclareceu que - vide ponto 25 dos factos provados da sentença e doc. 3 junto com a contestação a fls. .. "... caso o trabalhador tenha entendido mal o que ocorreu, o mesmo poderá continuar a trabalhar no futuro para esta empresa, desde que cumpra as suas obrigações.".
N) Assim, atentos os factos provados não pode concluir-se que a Ré haja despedido o Autor no dia 25 de Setembro de 2009, através de declaração do Engº D… seu superior hierárquico.
E não se provou que a Ré tivesse impedido o Autor de trabalhar após essa reunião que terminada Autor de imediato se ausentou do local de trabalho.
O) Donde, a ausência do Autor a partir de tal data, de comparência ao serviço deve ser entendida como uma declaração de denúncia unilateral do contrato de trabalho, que teve como contrapartida, da parte da Ré (em circunstâncias que se não apuraram) do envio ao Autor de declaração para efeitos de desemprego, com data da cessação do contrato em 30 de Setembro de 2010.
P) O Autor, ao recusar comparecer para trabalhar depois de esclarecido (na tese da sentença mesmo que tardiamente, mas sendo certo que nada havia feito antes para ser esclarecido), age com manifesta má-fé, intentando a presente acção, reclamando ter sido despedido ilicitamente, bem sabendo que tal nunca ocorreu.
Q) Erradamente, a sentença conclui que do modo como os factos ocorreram não permitia ao Autor saber que estaria suspenso, mas antes que estaria despedido, o que faz invertendo as coisas e referindo que se a ré pretendia suspender o trabalhador deveria ter usado palavras que induzissem tal intenção, o que não fez.
R) O raciocínio está invertido, e deverá ser antes outro - quando ouviu a declaração do Engº D… que disse que ele não "... ía trabalhar com o grupo ... ", para não provocar desordem, não podia o Autor entender que fora despedido, pois não lhe foi dito que estaria despedido, nem tão pouco lhe foi dito para se ir embora que não trabalhava;
S) Acresce que, o que faria um trabalhador normal - um normal declaratário, era aguardar que algo lhe fosse comunicado por aquele superior hierárquico e não ausentar-se de imediato do local como se provou, furtando-se ao esclarecimento que poderia aquele responsável pensar transmitir-lhe, o que o Autor impediu.
T) O que deve ser relevante é que o representante do empregador não declarou ao autor que ele não trabalhava mais na firma, ou não podia trabalhar mais, ou sequer que saísse do local de trabalho, mas antes e só que não "... não ia trabalhar com o grupo".
U) Atento o exposto há-de concluir-se que não se provou que a Ré tivesse comunicado de forma inequívoca ao Autor que o contrato de trabalho cessava com efeitos imediatos ou que "estava despedido".
V) Não tendo havido despedimento não podia a Ré ser condenada a reintegrar o Autor nem a pagar-lhe as remunerações vencidas desde o despedimento até à sentença.
X) Assim, o contrato de trabalho cessou por abandono do trabalho, nos termos do disposto no artº 403 do Código do Trabalho.
Y) Deve, assim, a sentença ser revogada e ser proferido acórdão absolvendo a Ré de todos os pedidos formulados, com todas as consequências legais.
Z) Sem conceder, para o caso de se ter o despedimento como ilícito, a indemnização a fixar em substituição da reintegração (que o autor recusou, há data dos factos), dentro do critério fixado na lei - entre 15 dias e 45 dias de remuneração por cada mês de antiguidade (meio mês ou mês e meio), deveria ter sido fixada no mínimo, ou seja em 15 dias, € 3.520,00.
AA) Assim, a compensação a fixar ao Autor é de € 3520,00, e não a fixada na sentença, pelo que deve ser proferida decisão por este Tribunal a revogar a sentença neste ponto e a decidir como exposto. Ainda sem conceder
AB) Mesmo a ter-se como acertada a sentença quando aplica como critério de fixação da indemnização 20 dias de remuneração por ano de antiguidade ou fracção, então terá que ser corrigido o lapso de cálculo efectuado no apuramento do valor da compensação; na verdade, o cálculo correcto era € 4.693,30.
AC) Assim, a compensação a fixar ao Autor, mantendo o critério da sentença (20 dias de remuneração base por ano de antiguidade) é de € 4.693,30, e não a por erro de cálculo fixada na sentença, pelo que deve ser proferida decisão por este Tribunal a alterar a sentença neste ponto e a decidir como exposto.
AD) No mais, no respeitante aos créditos laborais vencidos após (o despedimento), a decisão não merece qualquer reparo devendo ser inteiramente confirmada.

O A. apresentou contra-alegação relativamente à apelação da R., pedindo a confirmação da sentença na parte por ela impugnada.

O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação da R. não merece provimento, merecendo a apelação do A. parcial provimento.
Nenhuma das partes tomou posição quanto ao teor de tal parecer.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[4], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

1. O Autor foi admitido em 1999 como trabalhador rural para exercer a sua actividade profissional por conta e sob a autoridade e direcção da Ré, na … sita em …, freguesia de …, tendo vindo depois a desempenhar a função de tractorista.
2. No dia 25 de Setembro de 2009, pelas 6h45, dirigindo-se o Autor ao seu local de trabalho na … para mais uma jornada de trabalho juntamente com outros trabalhadores, designadamente E…, F…, G…, H…, de entre os cerca de 11 trabalhadores aí presentes, a Ré comunicou ao Autor, por intermédio do Sr. Eng.º D…, seu superior hierárquico dizendo-lhe "O Sr. B… não se vai juntar ao grupo de trabalho".
3. O trabalhador não tem vindo a receber, desde a data do seu despedimento em 25 de Setembro de 2009, o seu salário.
4. À data do despedimento o Autor auferia uma remuneração diária de € 32,00, ilíquidos, acrescida de prémio de produtividade de € 47,50, por semana e de subsídio de alimentação no valor de € 3,00, por cada dia de trabalho prestado.
5. Desde 25 de Setembro 2009 que não é paga ao Autor qualquer remuneração.
6. O Autor tem vindo a desempenhar a função de tractorista e a Ré mantém-no na categoria de trabalhador rural.
7. Em contrapartida do trabalho prestado a Ré pagava ao Autor a remuneração diária ilíquida de € 32,00, acrescida de prémio de produtividade no valor de € 47,50, por semana em que trabalhasse os cinco dias úteis, subsídio de alimentação e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.
8. Durante a segunda metade do mês de Setembro de 2009, como é habitual na …, estavam a realizar-se as vindimas, encontrando-se a trabalhar para a Ré diversos trabalhadores, entre os quais o Autor.
9. No dia 24 de Setembro de 2009, pelas 16 horas, no final do dia de trabalho, o Autor em tom provocatório e desrespeitador dirigindo-se ao caseiro da … - H…, seu superior hierárquico, disse que este todos os dias lhe roubava tempo, alegando que trabalhava mais dos que as 8 horas de trabalho diárias.
10. Logo o caseiro lhe respondeu que não era verdade e que ele Autor não tinha razão naquela reclamação, e que até trabalhava menos que os outros.
11. Atento o tom desrespeitador que o Autor imprimia à discussão, houve outros colegas de trabalho, nomeadamente um tio do Autor que lhe disseram para estar calado pois que não tinha razão.
12. O Autor, muito exaltado subiu então para cima da caixa da carrinha de transporte de pessoal e começou a provocar os colegas, apelidando de "…" e outros dizeres insultuosos os colegas I… e J…, e provocando-os, dando-lhes palmadas nas costas.
13. Entretanto chegados à …, depois de descer da carrinha o Autor ainda tentou agredir o caseiro Sr. H… o que apenas não concretizou, porque foi agarrado pelo seu tio, que o puxou para trás.
14. Em consequência desta última atitude do Autor o caseiro disse que iria participar o ocorrido ao seu superior hierárquico, pois que o Autor tinha ultrapassado todas as marcas e que deveria ser despedido.
15. O caseiro participou o ocorrido aos seus superiores hierárquicos - Eng.º K… e Eng.º D… este último - responsável pela viticultura da empresa Ré, e face à perturbação que o incidente tinha causado, no dia 25 de Setembro, pelas 6h45, o Eng.º D… compareceu na …, antes de se iniciar o período de trabalho diário pelas 07horas.
16. O Eng.º D… dirigiu-se ao grupo dos trabalhadores, onde se encontrava também o Autor, dizendo: que a vindima era uma época de extrema importância para a empresa; que é um trabalho de muita responsabilidade pois condiciona a qualidade do vinho e os resultados da empresa; que no dia anterior houvera desordem, instabilidade e tentativa de agressão ao caseiro Sr. H…, o que tinha sido testemunhado por todos e que por isso o causador da desordem “... não se ia juntar ao grupo".
17. Mais foi perguntado se alguém tinha alguma coisa a dizer, tendo um trabalhador usado da palavra e referido que o Sr. H…o também utilizou palavras para o "rapaz" (autor) que não eram correctas, tendo o Sr. H… dado a sua resposta perante todos.
18. Nada mais tendo sido perguntado, o Eng.º D… disse então para iniciarem o trabalho com respeito uns pelos outros e que o trabalho devia ser feito com empenho de modo a serem atingidos bons resultados, acrescentando de novo que quem tinha causado a desordem não iria com o grupo trabalhar.
19. Logo após o Eng.º D… ter terminado de falar aos trabalhadores, o Autor, de imediato se ausentou do local, sem que tivesse falado com qualquer responsável, nomeadamente com o caseiro ou com o D….
20. Desde essa data o Autor não mais compareceu ao serviço.
21. Os serviços de recursos humanos da Ré, nos primeiros dias de Outubro de 2009 enviaram ao Autor a declaração para efeitos de desemprego.
22. Na sequência da entrega da declaração de desemprego o Eng.º D… nem chegou a efectuar a participação para efeitos disciplinares dos factos acima relatados, razão pela qual não se chegou a iniciar procedimento disciplinar pelos factos ocorridos em 24 de Setembro de 2009.
23. Certo é que na declaração para o desemprego a Ré colocou como data da cessação do contrato o dia 30 de Setembro de 2009.
24. Por carta datada de 20 de Outubro de 2009 o Autor, através do seu mandatário na presente acção, invocando despedimento ilegal reclamou da Ré o pagamento de uma compensação pela cessação do contrato de trabalho.
25. A Ré deu resposta dizendo que "(…) caso o trabalhador tenha entendido mal o que ocorreu, o mesmo poderá continuar a trabalhar no futuro, para esta empresa, desde que cumpra as suas obrigações".
26. Nem o Autor, nem o seu mandatário deram resposta à carta da Ré.
27. Como é costume e usual na região onde o Autor trabalha para a Ré, foi acordado o pagamento de uma remuneração diária ilíquida de € 32,00, acrescida de prémio de produtividade no valor de € 47,50 por semana em que trabalhasse os cinco dias úteis, subsídio de alimentação e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
28. O Autor foi pago por todos os dias de trabalho que efectivamente prestou à Ré, até ao dia 22 de Setembro de 2009 e foi pago também de € 30.00 pelo trabalho prestado nos dias 23 e 24 e todas as remunerações referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, que eram pagas com a remuneração correspondente a cada mês.
29. Desde Março de 2010 o Autor trabalha por conta de terceiros.

Está também provado o seguinte facto:
30. A resposta referida em 25. foi dada através de carta datada de 2009-11-10 – cfr. doc. de fls. 32.
Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[5], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (4), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho[6], salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são quatro as questões a decidir nesta apelação, a saber:
I – Nulidade da sentença.
II – Despedimento.
III – Indemnização e
IV – Retribuições vencidas e vincendas e abuso de direito.

Cada uma das partes recorreu, correspondendo as questões indicadas ao objecto das duas apelações, as quais serão conhecidas pela ordem indicada, por ser essa a precedência lógica das matérias a apreciar e decidir.

Vejamos a 1.ª questão.
Trata-se de saber se a sentença é nula.
Na verdade, o A., ora apelante, invocou a nulidade da sentença na alegação e na conclusão 7 do seu recurso, tendo alegado que a sentença é nula porque não condenou a R. a pagar ao A. as retribuições vencidas desde 2009-10-11 até ao trânsito em julgado da decisão. Trata-se, a seu ver, de contradição entre os fundamentos e o decidido, o que traduz violação do disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil.
Vejamos.
As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode este ser impugnado através de recurso de agravo. Porém, as nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas no requerimento de interposição do recurso [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo, para que este tenha a possibilidade de sobre elas se pronunciar, indeferindo-as ou suprindo-as] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade[7].
No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no Proc. n.º 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte:
Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior[8].
In casu, o A., ora apelante, não invocou a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso, como decorre do acima exposto, pelo que dela não devemos tomar conhecimento.
Improcede, destarte, a conclusão 7 da apelação, pelo que não se toma conhecimento da invocada nulidade da sentença.

A 2.ª questão.
Trata-se de saber se o A. não foi objecto de despedimento por parte da R., como esta pretende nas conclusões C) a U) da sua apelação.
Segundo alega a R., ora apelante, ela não despediu o A., antes, o contrato de trabalho cessou por iniciativa do A., que se ausentou do local de trabalho; por seu turno, o Tribunal a quo considerou verificado o despedimento.
Vejamos.
É sabido que nas acções de impugnação do despedimento, em decorrência das regras gerais acerca da distribuição do ónus da prova, constantes do Art.º 342.º do Cód. Civil, ao trabalhador despedido cabe alegar e provar o despedimento, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado – cfr. n.º 1 do artigo referido.
Por outro lado, inexistindo processo disciplinar e invocando a entidade empregadora o abandono do trabalho por parte do trabalhador, atento o disposto no Art.º 403.º do Cód. do Trabalho[9], a ela cabe o ónus de demonstrar a base da presunção legal constituída pela ausência do trabalhador ao serviço pelo período mínimo de 10 dias úteis seguidos, que tal ausência revela a intenção de não retomar a prestação laboral e que remeteu ao trabalhador carta registada com aviso de recepção declarando a extinção do contrato, com tais fundamentos[10].
In casu, discute-se se o contrato de trabalho não terá cessado por despedimento, como pretende a R., ora apelante.
Sucede, no entanto, que a lei não nos fornece uma definição de despedimento.
A doutrina, porém, tem-se pronunciado sobre a matéria de forma uniforme:
O despedimento “É estruturalmente um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício (deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção ex nunc ... do contrato de trabalho[11].
“... o despedimento configura-se como uma declaração de vontade, recipienda (ou receptícia), vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro”[12].
“O despedimento consubstancia-se numa declaração receptícia de vontade dirigida ao trabalhador na qual a entidade patronal põe fim ao contrato de trabalho”[13].
Por outro lado, a jurisprudência tem entendido que a vontade de despedir, por banda do empregador, há-de ser inequívoca, mesmo que se trate de despedimento de facto e que pertence ao trabalhador o ónus da prova do despedimento, nomeadamente, das circunstâncias que o revelam[14].
Ora, sendo assim, há-de o empregador emitir uma declaração dirigida ao trabalhador que, por sua vez, a há-de receber, devendo tal declaração exprimir uma vontade tendente à cessação do contrato, de forma clara e inequívoca e por iniciativa do primeiro, sem ou contra a vontade do segundo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica deste de modo inelutável; tal significa que o trabalhador não entre no processo volitivo, sendo a sua vontade exterior ao mesmo.
Vejamos agora a hipótese dos autos.
São pertinentes os factos dados como provados sob os n.ºs 8 a 21 e acima descritos, não se vendo necessidade de aqui os repetir.
Deles resulta que no seguimento da desordem entre o A. e colegas seus e do desentendimento entre o A. e o caseiro, que tiveram lugar no dia 2009-09-24, este referiu que ia participar a ocorrência ao seu superior hierárquico e que o A. deveria ser despedido. No dia seguinte, sendo dia de vindima, estando todos os trabalhadores reunidos antes de começar o trabalho e tendo o referido superior hierárquico, Eng.º D…, comparecido e dito que o A. “não se ia juntar ao grupo”, “criou no espírito do Autor e afigura-se-nos que criaria no esírito de qualquer outra pessoa colocada na sua posição de que fora despedido e não que estava suspenso das suas funções…”, como bem se refere na sentença.
Não tendo sido usada a palavra despedimento ou outra equivalente, saber se ele ocorreu passa pela análise dos factos provados e respectivo contexto concreto.
Na verdade, depois de no dia 24 se ter criado um mau ambiente entre o A. e o restante grupo, com o caseiro na direcção e tendo este dito que ia participar os acontecimentos ao superior hierárquico referido e que ele deveria ser despedido, a reunião do dia seguinte, antes do começo da jornada de trabalho e a intervenção do superior hierárquico, Eng.º D…, apenas serviriam para confirmar o que havia sido anunciado na véspera pelo caseiro.
Por outro lado, “…se o que a ré pretendia era suspender o trabalhador deveria ter usado palavras que induzissem tal intenção, o que não fez”, como bem, também, se refere na sentença. Na verdade, se a R. tivesse intenção de suspender o A. da actividade, dado o mal estar causado, não se entende por que não lhe remeteu uma carta nesse sentido num dos dias seguintes, assinalando a sua intenção de perseguir disciplinarmente o A. De igual modo, se a intenção da R. não fosse despedir o A., quando o superior hierárquico, Eng.º D…, disse que ele não integraria a equipa em 2009-09-25, então ter-lhe-ia dado ordens no sentido de ele ir desempenhar outras tarefas. Cremos que a intenção da R. foi clara na ruptura do vínculo pois, de outro modo, mesmo que a atitude do dia 2009-09-25 tivesse correspondido a alguma precipitação momentânea, ainda estava a tempo de a corrigir num dos dias seguintes, por exemplo, remetendo ao A. uma carta, decretando a suspensão do contrato de trabalho e a instauração de procedimento disciplinar.
Daí que o convite para o A. retomar as funções, depois de ter reclamado uma indemnização pelo despedimento, pode denotar apenas que a R. pretendeu evitar as consequências de um despedimento ilícito.
De resto, como se pode ver do facto n.º 23, supra e da declaração de situação de desemprego, junta a fls. 28 e 29, pela R., esta declarou, aí, o seguinte:
“Data da cessação do contrato de trabalho 30/09/2009”.
Por outro lado, sendo o subsídio de desemprego uma prestação previdencial atribuível apenas em situações de desemprego involuntário, não faria muito sentido que a R. emitisse tal declaração se a ruptura do vínculo contratual fosse da iniciativa do trabalhador.
Cremos, destarte, que atento o contexto factual do caso, a R. produziu uma declaração inequívoca no sentido da ruptura imediata e definitiva do vínculo que a unia ao A., o que traduz um despedimento.
Improcedem, assim, as conclusões C) a U) da apelação da R.

A 3.ª questão.
Trata-se de saber se a indemnização de antiguidade, fixada pelo Tribunal a quo em 20 dias de retribuição base, deverá ser aumentada para 45 dias, como pretende o A. nas conclusões 1 a 5 da sua apelação ou deve ser reduzida para 15 dias, como pretende a R. nas conclusões Z) a AC) da sua apelação.
Vejamos.
A indemnização de antiguidade, devida em consequência de despedimento ilícito, estabelece-se em função do número de anos de antiguidade ou fracção.
Ficando para oportuna liquidação a determinação do concreto número de anuidades a ter em conta, em função da antiguidade contada até ao trânsito em julgado da decisão, importa neste momento decidir apenas acerca da graduação do número de dias de retribuição base [não há diuturnidades, neste caso] a atender por cada ano de antiguidade ou fracção, uma vez que a moldura legal se encontra fixada entre 15 e 45 dias, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 381º do CT2009.
Quanto ao critério da retribuição, entendem uns que ele não constitui verdadeiramente nenhuma indicação, sendo irrelevante qua tale, enquanto outros opinam no sentido de que ela deve ser tomada na razão inversa da sua grandeza, isto é, quanto menor for a retribuição auferida pelo trabalhador, maior deve ser o número de dias a atender no cálculo da indemnização e quanto maior for a retribuição auferida, menor deverá ser o número de dias a graduar entre os 15 e 45, de modo que um trabalhador que aufira uma retribuição próxima do nível do salário mínimo deverá ser contemplado com uma indemnização calculada com base num número de dias perto do máximo. Cremos que esta segunda interpretação, a de dar relevo ao montante da retribuição auferida, deverá ser a seguida, pois algum sentido há-de ter o critério, sendo certo que na interpretação das normas sempre teremos de atender à presunção constante do Art.º 9.º do Cód. Civil.
Quanto ao critério da ilicitude teremos de convir que a situação não melhora significativamente. Na verdade, dizer-se que a indemnização se fixa de acordo com o grau da ilicitude do despedimento e remeter-nos para as 3 hipóteses em que ele se pode compaginar – ausência de procedimento disciplinar, invocação de motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos e improcedência da justa causa – representando algo mais que o critério da retribuição, não é completamente esclarecedor. De qualquer modo, embora haja quem refira que tais hipóteses são mais causas da ilicitude do que elementos para determinar o respectivo grau, tem-se entendido que será mais grave um despedimento fundado em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos do que outro por falta ou vício do procedimento disciplinar, que a um despedimento declarado ilícito por inexistência ou improcedência da justa causa deverá corresponder uma indemnização graduada a meio da moldura legal ou que deve ser graduada pelo máximo do número de dias a indemnização correspondente a um despedimento em que o empregador, consciente disso mesmo, invocou motivos falsos para sustentar a sua decisão rescisória[15].
Aliás, entendem – de lege ferenda – outros autores que, apesar dos referidos critérios da retribuição e do grau de ilicitude, a outros se poderia atender, como sejam a idade, as habilitações e a experiência e o currículo profissionais[16].
Seja como for, certo é que na determinação do montante da indemnização de antiguidade há que atender ao critério da retribuição auferida pelo trabalhador e ao grau de ilicitude do despedimento, como se referiu.
Analisando os factos provados, considerando a retribuição auferida pelo A. e que ele foi despedido sem precedência de procedimento disciplinar, afigura-se-nos que a graduação se deve afastar dos limites máximo e mínimo da moldura aplicável, entre 15 e 45 dias, devendo a indemnização ser fixada atendendo a 30 dias de retribuição base.
Assim, tendo o A. sido admitido em Abril de 1999 e considerando, por facilidade de cálculo, Março de 2011, liquida-se a indemnização de antiguidade em € 11.520,00, sem prejuízo de se vir a atender oportunamente a todo o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado da decisão.
Improcedem, assim, as conclusões Z) a AC) da apelação da R. e procedem parcialmente as conclusões 1 a 5 da apelação do A.

A 4.ª questão.
Trata-se de saber se o A. tem direito às retribuições vencidas e vincendas desde o trigésimo dia anterior à data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão.
O Tribunal a quo entendeu que, tendo a R. oferecido trabalho ao A. por carta datada de 2009-11-10, desde esta data não lhe são devidas retribuições intercalares, pois ele não aceitou a proposta da R., o que envolve abuso de direito.
Vejamos.
Dispõe o Cód. Civil:

ARTIGO 334º
(Abuso do direito)
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Como se tem entendido, a figura do abuso do direito visa impedir actuações não razoáveis, imponderadas e, na responsabilidade contratual, exige que as partes, na execução do contrato, se conduzam pelo princípio da boa fé, cumprindo e estimulando o cumprimento por banda da parte contrária. O abuso do direito visa também funcionar como válvula de escape do sistema, de forma que naquelas situações em que a aplicação de uma norma conduza a resultados não razoáveis relativamente aos valores vigentes na ordem jurídica, se possa impedir o seu funcionamento: na verdade, nestes casos, se o legislador tivesse previsto o resultado a que a norma conduziu, ter-se-ia abstido de a editar, dados os clamorosos resultados em que a sua aplicação desaguou.
De igual modo, são abarcados também pela figura do abuso do direito aqueles casos em que um sujeito adopta determinada conduta baseada no direito, mas simultaneamente adopta outra conduta, contraditória com a primeira, reveladora de que a invocação e aplicação da lei visou valores não condizentes com os estabelecidos pela ordem jurídica, vulgarmente designado como venire contra factum proprium[17].
Também se tem entendido que “…o abuso de direito é uma forma de antijuricidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito"[18].
Acresce que constituindo o abuso do direito o exercício desproporcionado de um direito subjectivo, que arranca da previsão de uma norma jurídica, mas cujo exercício provoca um resultado não desejado pela ordem jurídica no seu todo, em termos clamorosos e desequilibrados, o abuso desemboca numa situação não prevista pelo legislador, em termos tais que, se a tivesse previsto, não teria editado a norma, como se referiu. Daí que a concepção adoptada entre nós para o abuso seja a objectiva, pelo que se torna desnecessária a invocação e prova da consciência e intenção de exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, embora seja de atender aos elementos subjectivos do comportamento do exercente aquando da formulação do juízo de valor global acerca da existência do abuso.
Por último, cumpre referir que, sendo o abuso de direito uma válvula de escape do sistema para que da aplicação do direito não resultem injustiças clamorosas, desfasadas da realidade material subjacente, a matéria pode ser conhecida ex officio[19].
Foi o que aconteceu na nossa hipótese, pois o abuso de direito não foi invocado pelas partes, mas foi conhecido oficiosamente pelo Tribunal a quo. Este entendeu que, tendo a R. oferecido trabalho ao A. por carta datada de 2009-11-10, desde esta data não lhe são devidas retribuições intercalares, pois ele não aceitou a proposta da R., conclusão que extrai face ao seu silêncio.
Dos factos provados resulta que o despedimento foi feito verbalmente, num quadro de desentendimento entre o A. e o caseiro e colegas de trabalho, que foi anunciado no dia 24 de Setembro de 2009 e concretizado no dia seguinte, não tendo havido mais contactos entre as partes até que o A. pediu a declaração para efeitos de concessão do subsídio de desemprego e até que o seu mandatário reclamou uma indemnização por despedimento ilícito. Foi no seguimento deste último acto que a R. declarou disponibilizar-se para receber o trabalho do A.
Ora, considerado este contexto, todos estaremos de acordo que o ambiente não seria o mais adequado para se retomar uma relação laboral que terminou num quadro de desentendimento. Repare-se que o convite formulado não resultou de qualquer ordem judicial no sentido da reintegração, derivada de providência cautelar ou de acção definitiva.
Acresce que, por outro lado, se desconhece se o A. recusou retomar o serviço para a R., porque não quis, ou se obteve outro emprego ou se se enontrava noutra situação de não poder, ou de não lhe convir, aceitar a proposta da R.
Ainda, vem provado que “Desde Março de 2010 o Autor trabalha por conta de terceiros”, mas isso não significa que não pudesse ter conseguido trabalho mais cedo, só que nada se provou sobre tal matéria.
Do exposto resulta que, a nosso ver, do silêncio do A., ocorrido posteriormente à recepção da carta da R., não se pode inferir que o A. recusou a proposta apresentada.
Ora, o A. não pediu as retribuições de tramitação depois da recepção da carta referida, mas quando elaborou a petição inicial, desconhecendo o comportamento futuro da R.. Por outro lado, tendo pedido a declaração para efeito de receber o subsídio de desemprego e podendo obter novo trabalho, o que receber a esses títulos pode ser deduzido nas retribuições vencidas, de sorte que em casos de ponta pode acontecer que, tudo o que tenha sido recebido, tenha de ser deduzido, o que decorre da lei.
Por isso, mesmo que o silêncio do A. à proposta da R pudesse ser tido como rejeição do trabalho, e não pode como se referiu, a verdade é que o A. não estaria a pretender locupletar-se à custa da demandada, bastando que esta provasse, ou venha a provar em eventual incidente de liquidação, que o A. auferiu rendimentos do trabalho ou que recebeu prestações de desemprego, depois de decretado o despedimento e por causa dele.
Tal significa que o silêncio do A. não pode ser visto como um venire contra factum proprium, pois para além de se desconhecer se há factum proprium, mesmo que existisse ele não pode ser apodado de antijurídico; na verdade, para além de corresponder ao exercício legítimo de um direito, ele pode ser neutralizado, parcial ou totalmente, pois a ordem jurídica criou o mecanismo das deduções das quantias entretanto percebidas, quer a título de retribuição, quer a título de prestações previdenciais de desemprego.
Tudo isto para significar que, a nosso ver, e com o devido respeito por diferentes opiniões, o A. não agiu em abuso de direito quando não respondeu â carta da R., pelo que mantém o direito às retribuições vencidas e vincendas desde o trigésimo dia anterior à data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, a não ser que se prove, ou que se venha a provar, que há quantias a deduzir.
Assim e considerando o trigésimo dia anterior à data da propositura da acção, 2009-10-11 e, por facilidade de cálculo, a data de 2011-04-10, liquida-se as retribuições vencidas em € 22.633,50, sem prejuízo das que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão e sem prejuízo das deduções legais, caso se venha a provar que o A. recebeu no período respectivo e por causa do despedimento, prestações de desemprego da Segurança Social e retribuições por trabalho prestado.
Procedem, destarte, as conclusões 6, primeira com este número a 6, segunda com este número, da apelação do A., pelo que a sentença deverá ser revogada, nesta parte.

Decisão.
Termos em que se acorda em:
I – Negar provimento à apelação da R. e
II – Conceder parcial provimento à apelação do A., assim revogando a sentença na parte respectiva, que se substitui pelo presente acórdão em que se condena a R. a pagar ao A.:
a) Uma indemnização por despedimento ilícito, atendendo a 30 dias de retribuição base, que se liquida provisoriamente na quantia de € 11.520,00, sem prejuízo de se vir a considerar oportunamente o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado da decisão e
b) As retribuições vencidas e vincendas desde 2009-10-11, que se liquidam provisoriamente na quantia de € 22.633,50, sem prejuízo das que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão e sem prejuízo das deduções legais, caso se venha a provar que o A. recebeu no período respectivo e por causa do despedimento, prestações de desemprego da Segurança Social e retribuições por trabalho prestado.
III – Confirmar a sentença, quanto ao mais.
Custas:
1 – Na apelação da R., por esta e
2 – Na apelação do A., por ambas as partes, na respectiva proporção.

Porto, 2011-05-02
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
_______________
[1] Cfr. fls. 13.
[2] Trata-se de repetição do mesmo número 5., tal como consta do original, que aqui se mantém por facilidade de exposição.
[3] Trata-se de repetição do mesmo número 6., tal como consta do original, que aqui se mantém por facilidade de exposição.
[4] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[5] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[6] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro.
[7] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329.
[8] In www.tribunalconstitucional.pt.
[9] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[10] Cfr., Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, 2003, págs. 657.
[11] Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, in A extinção do contrato de Trabalho, RDES, Ano XXXI, (IV da 2.ª Série), n.ºs ¾, pág. 428 e in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª edição, 1996, pág. 478.
[12] Cfr. Pedro Furtado Martins, in Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva, Suplemento de “Direito e Justiça” – Revista da FDUCP, 1992, pág. 37; cfr. também do mesmo Autor, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, pág. 65.
[13[Cfr. Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, pág. 59.
Pode-se ver também José Gil de Jesus Roque, in Da justa causa do Despedimento face à actual Lei Portuguesa, 1980, págs. 17 e segs. e Messias de Carvalho e Vítor Nunes de Almeida, in Direito do Trabalho e Nulidade do Despedimento, pág. 103.
[14] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 1995-10-25 e de 1999-04-14, in respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 450, pág. 349 a 354 e Colectânea de Jurisprudência, Ano VII-1999, Tomo II, págs. 254 e 255.
[15] Cfr. Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2.ª edição, pág. 984, António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12.ª edição, pág. 562 a 565, Albino Mendes Baptista, in Estudos sobre o Código do Trabalho, 2004, págs. 135 a 138, João Leal Amado, in Algumas Notas sobre o Regime do Despedimento Contra Legem no Código do Trabalho, VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho, 2004, págs. 292 e 293, Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2006, págs. 853 a 859 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2005-03-16, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXX-2005, Tomo II, págs. 146 a 148.
[16] Cfr. Pedro Furtado Martins, in Consequências do Despedimento Ilícito: Indemnização/Reintegração, Código do Trabalho, Alguns Aspectos Cruciais, Principia, 2003, págs. 49 ss., nomeadamente, pág. 59 e Albino Mendes Baptista, in Estudos sobre o Código do Trabalho, 2004, págs. 138 e 139.
[17] Cfr. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, in DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, Almedina, 2.ª reimpressão, 2001, que citando Weber a págs. 742, refere: A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente.
[18] Cfr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais, Almedina, 2006, pág. 76.
[19] Cfr. João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2.ª edição, volume I, 1973, págs. 422 a 424, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, in Código Civil anotado, 3.ª edição, volume I, 1982, págs. 296 a 298 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1978-03-02 e de 1980-03-26, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 275, págs. 214 a 219 e n.º 295, págs. 426 a 433.
______________
S U M Á R I O
I – A verificação do despedimento implica que se demonstre que o empregador emitiu uma declaração dirigida ao trabalhador que, por sua vez, a recebeu, devendo tal declaração exprimir uma vontade tendente à cessação do contrato, de forma clara e inequívoca e por iniciativa do primeiro, sem ou contra a vontade do segundo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica deste, de modo inelutável, pois o trabalhador não entre no processo volitivo, sendo a sua vontade exterior ao mesmo.
II – Tendo o empregador convidado o trabalhador a retomar o trabalho, em resposta a uma carta do mandatário deste em que reclamava o pagamento de indemnização por despedimento ilícito, a falta de resposta do trabalhador não pode ser interpretada, sem mais, como uma recusa a prestar trabalho.
III – Desconhecendo-se a razão do silêncio do trabalhador, tal comportamento omissivo não equivale a abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, se ele mantiver o pedido de retribuições vencidas e vincendas formulado na petição inicial, nomeadamente, se se provar que ele obteve, mais tarde, novo emprego.

Manuel Joaquim Ferreira da Costa