REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário

I. Ainda que tenha ocorrido déficit no "exame crítico" das provas, tal não determina a invalidação do julgamento da matéria de facto - muito menos em sede de recurso de revista - pois que apenas haverá lugar a que a Relação, em seu derradeiro e soberano critério, e em sede de apelação, possa determinar a baixa dos autos para que o Colectivo explicite os fundamentos que, na sua óptica, houvessem sido decisivos para a extracção das respectivas respostas - artº 712º, nºs 4 e 5 do CPC.
II. Trata-se de puro domínio factual, matéria da competência exclusiva da Relação e cuja sindicância se encontra, como tal, arredada dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.
III. A presunção decorrente do artº 7° do CRP84, sem embargo de a expressão verbal "precisos termos em que o registo o define", não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados.
IV. E isto sobretudo face à frequente falta de rigor/fidedignidade dos dados descritivos registrais no que concerne à sua materialidade, correntemente devida à respectiva desactualização, não olvidando que a função do registo é essencialmente declarativa e não constitutiva, encontrando-se assim os mesmos - na prática - na disponibilidade dos particulares interessados (artºs 29°, nº 2, e 30° do CRP84).

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1."A" e B, propuseram, com data de 30-9-99, acção ordinária contra C e D, pedindo se declarasse o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no artº 1° da petição inicial, se condenassem os RR a reconhecerem esse direito, a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentassem contra o mesmo e a pagarem-lhes, solidariamente, a indemnização global de 4.350.000$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos com o corte das árvores, acrescida dos juros, à taxa de 10% ao ano, contados desde a data da citação até efectivo pagamento.
Fundamentaram a sua pretensão pela forma abreviada que segue:
- são donos do prédio rústico, situado na freguesia de Sande, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n° 00261, a confrontar do nascente com terrenos próprios, do norte com a extrema, do poente com terrenos do Casal do Panco e do sul com caminho,
- em meados de Julho de 1997, o Réu C vendeu ao Réu D a maior parte das árvores existentes nesse prédio;
- na sequência dessa venda, este R procedeu ao corte de pinheiros, eucaliptos e carvalhos ali existentes, no valor de 3.500.000$00, quando sabia que tal prédio e as árvores eram pertença dos AA;
- algumas dessas das árvores ainda se encontravam em fase de crescimento, pelo que o seu abate prematuro causou aos AA prejuízo que computam em 300.000$00, acrescendo, ainda que, no abate daquelas árvores, foi danificado o mato e renovo do prédio, estimando os AA em 250.000$00 o prejuízo originado com esse facto;
- toda esta situação lhes causou desgosto, aborrecimento e tristeza, danos para cujo ressarcimento solicitam indemnização no valor de 300.000$00.
2. O Réu C contestou, argumentando que as árvores que vendeu nasceram e foram cortadas em terreno sua pertença.
3. O Réu D contestou, por excepção, arguindo a sua ilegitimidade "ad causam", pois não comprou quaisquer árvores ao Réu C, e, por impugnação, negando, por desconhecimento, os factos vertidos na petição inicial.
4. Replicaram os AA pugnando pela versão dos factos apresentada na petição inicial, e provocando a intervenção de "E - Indústria de Madeiras, Lda" - alegando que, face à conduta do Réu D, têm fundamentadas dúvidas sobre o sujeito da relação controvertida.
5. Admitido esse incidente, a interveniente ofereceu o seu articulado, excepcionando a sua ilegitimidade, porquanto nada comprou ao Réu C, e impugnando os factos alegados pelos AA.
6. Responderam os AA sustentando a legitimidade da interveniente.
7. Na pendência da acção faleceu o A.,A, tendo sido habilitados os seus herdeiros, B, F, G, H, I e L.
8. Por sentença de 11-7-03, o Mmo Juiz das Varas de Competência Mista de Guimarães julgou a acção improcedente, absolvendo, em consequência, os RR e o interveniente dos pedidos.
9. Inconformados com tal decisão, dela vieram os AA apelar, mas o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 11-2-04, negou provimento ao recurso.
10. De novo irresignados, desta feita com tal aresto, dele vieram os Autores B e outros recorrer de revista para este Supremo tribunal, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões :
1ª- Os recorrentes formularam o pedido autónomo de declaração do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no artº 1.8 da petição inicial, fundamentando-o, para além do mais, na presunção derivada do registo, invocando para tanto o artº 7° do Código do Registo Predial;
2ª- Sendo uma tal presunção uma presunção legal "iuris tantum" é ilidível mediante prova em contrario pois, no dizer do Ac. da RC de 26/04/94, CJ, XIX, 2, 34, e autores ali citados, o registo tem como função dar publicidade aos direitos constituídos, inerentes às coisas, mas também o de dar segurança jurídica ao comércio imobiliário, pelo que o que o registo revela não pode ser impugnado, mesmo em juízo sem que simultaneamente se peça o seu cancelamento;
3ª- O que significa, ainda, que o registo exerce uma função de legitimação: feita a inscrição, estabelece-se a presunção de que o registo é exacto e íntegro, ficando o titular registral legitimado para exercer o respectivo direito, pelo que ao julgar improcedente aquele pedido o douto acórdão recorrido esqueceu o que acaba de se dizer sobre a função do registo, na medida em que não houve contraprova por parte dos recorridos;
4ª- Incumbia, por isso, a estes, e não aos recorrentes, ao contrário do decidido pelo douto acórdão recorrido, o ónus da prova de que o prédio em causa não tinha a configuração, confrontações e área que resultam da descrição predial, o que não sucedeu, pelo que carecem de fundamento as considerações tecidas e as dúvidas levantadas na fundamentação da decisão da matéria de facto a que o douto acórdão recorrido deu o seu aval, acerca daqueles elementos identificadores do prédio, pelo que, devendo tal pedido ser julgado procedente, como tal deveria ser também o desfecho da acção;
5ª- Tanto mais que, face à matéria de facto vertida nas alíneas d) e e), não se mostra que tenha sido feita a análise crítica das provas, a que alude o n°2, do art. 653 do CPC, já que à luz da prudência e da experiência comum, não se explica nem convence que um "bonus pater familias" consinta ou autorize que se faça em prédio seu um abate de árvores em fase de crescimento e que não se tenham observado os cuidados mais elementares no corte das árvores, em termos de daí resultar um prejuízo na ordem de três centenas de contos;
6ª- Matéria esta que embora excluída da competência deste mais alto Tribunal, como Tribunal de revista que é, pode, porém, ser censurada com a descrição e os limites preconizados pelo douto acórdão de 4/12/86, publicado no BMJ, n.°362, pág. 501;
7ª- Daí ter o douto acórdão recorrido violado, para além de outros, os artigos 7° do Código Registo Predial e os artigos 342º, 344º e 350º, do C. Civil e 653º, n°2, do CPC.
11. Contra-alegou o recorrido C sustentando a correcção do julgado, para o que começou por deduzir duas "questões prévias ", a saber:
- os recorrentes limitam-se a repetir as alegações da apelação sem equacionarem qualquer nova questão, o que deverá levar à deserção do recurso;
- no ponto 5 das conclusões da respectiva alegação, os recorrentes mais não fazem que articular matéria de facto para justificar um pedido indemnizatório, sendo que o conhecimento/ quantificação dos danos dados como provados escapa ao conhecimento do Supremo tribunal de Justiça, o qual apenas conhece de matéria de direito.
Depois, os recorrentes não fizeram prova da aquisição originária do direito de propriedade sobre o prédio cuja titularidade se arrogam com as características de identificação física que enunciaram, sendo certo que a identificação proposta não corresponde à constante da descrição predial, o que sempre impediria o recurso à presunção da titularidade do direito derivada do registo.
Por último, em 1ª instância não se conseguiu superar a dúvida sobre se as árvores cortadas pelo recorrido se localizavam no prédio identificado na al. A) da base instrutória.
12. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
13. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes os seguintes pontos:
1º- A aquisição, por sucessão por morte deferida em inventário de J, do direito real de propriedade sobre o prédio rústico composto por Sorte das Luminárias ou do Moinho, Sorte do Leão ou da Boavista, Devesa de São Martinho ou do Moinho de Vento e da Devesa Basta de São Martinho da Aldeia ou da Laje, com uma casa de moinho, sito na freguesa de Sande, Vila Nova, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n° 00261 e inscrito na matriz predial rústica sob os arts. 417, 40, 169, 199 e 365, encontra-se inscrita, desde 09.04.92, na Conservatória do Registo Predial de Guimarães a favor de A, casado com B, na comunhão geral;
2º- Em meados de Julho de 1997, o Réu C vendeu pinheiros e eucaliptos;
3º- As árvores referidas em b) valiam 3.500.000$00;
4º- Algumas das árvores referidas em b) encontravam-se em fase de crescimento;
5- O abate prematuro das árvores referidas em d) causou um prejuízo de 300.000$00.
Passemos agora ao direito aplicável.
14. Questões prévias.
No que concerne às duas questões prévias deduzidas pelo recorrido C - (terem-se os recorrentes limitado a repetir as alegações da apelação sem equacionarem qualquer nova questão, o que deveria levar à deserção do recurso e no ponto 5 das conclusões da respectiva alegação, os recorrentes mais não terem feito que articular matéria de facto para justificar um pedido indemnizatório, sendo que o conhecimento/ quantificação dos danos dados como provados escapa ao conhecimento do Supremo tribunal de Justiça, o qual apenas conhece de matéria de direito) - há que dizer que tais questões se prendem directamente com o mérito do recurso, ou seja com a respectiva procedência ou improcedência, que não apenas com eventuais circunstâncias obstativas do conhecimento do respectivo objecto.
É verdade que este Supremo Tribunal já algumas vezes se decidiu pela deserção do recurso em casos de mera reprodução "ipsis verbis" das alegações/conclusões da apelação em sede de recurso de revista. Não obstante, e mais recentemente, vem-se entendendo que só em situações-limite de ponderação casuística há que aplicar a sanção drástica da deserção, pois que - em tais circunstâncias e ao cabo e ao resto - ao menos formalmente, o recorrente sempre acabou por satisfazer o ónus processual de alegar/concluir (artº 690º do CPC).
No que respeita especificamente à suscitação das supra-referidas questões de facto em sede recursal, porque reportadas às concretas soluções de jurídicas adoptadas pelas instâncias, dúvidas não restam de que a mesma se reconduz e reporta directamente ao julgamento do mérito da revista.
Com o que improcedem liminarmente as suscitadas "questões prévias ".
15. Poderes do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto.
O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio,de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - artºs 26º da LOFTJ99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 729º nº 1 do CPC; daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só possa ser objecto do recurso de revista se se verificar uma das excepções previstas no nº 2 do artº 722º do CPC, as quais, na circunstância, não ocorrem.
Descabida se perfila, por isso, a pretensão dos ora recorrentes, levada à conclusão 5ª da respectiva alegação, de que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre a matéria de facto vertida nas alíneas d) e e) do elenco da matéria de facto, face à aventada circunstância de não se mostrar feita a análise crítica das provas a que se reporta o n° 2 do artº 653º do CPC.
Ainda que esse déficit de "exame crítico" tivesse ocorrido, tal não determinaria a invalidação do julgamento da matéria de facto - muito menos em sede de recurso de revista - pois que apenas haveria lugar a que a Relação, em seu derradeiro e soberano critério, e em sede de apelação, pudesse determinar a baixa dos autos para que o Colectivo explicitasse os fundamentos que, na sua óptica, houvessem sido decisivos para a extracção das respectivas respostas - artº 712º, nºs 4 e 5 do CPC - (conf. neste sentido, o Asc deste Supremo Tribunal 21-11-01, in Proc 3293/01 - 2ª Sec ).
E isto com vista a apreciar-se e a decidir-se - segundo pretenderiam os recorrentes - que "à luz da prudência e da experiência comum não se explica nem convence que um "bonus pater famílias" consinta ou autorize que se faça em prédio seu um abate de árvores em fase de crescimento e que não se tenham observado os cuidados mais elementares no corte das árvores, em termos de daí resultar um prejuízo na ordem de três centenas de contos" (sic).
Trata-se, como é bom de ver, de puro domínio factual, matéria da competência exclusiva da Relação e cuja sindicância se encontra, como tal, arredada dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

16. Presunção do artº 7º do CRP84.
Insistem, todavia, os AA ora recorrentes em estribar o seu direito na presunção («juris tantum») plasmada no artº 7° do CRP84, ou melhor na falta da respectiva ilusão por parte dos RR, ora recorridos.
Pretendem, assim, adregar a procedência da acção através da procedência do pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no art 1° da petição inicial (pedido que entendem autónomo dos demais), dado não haverem os RR feito prova do contrário relativamente à configuração, confrontações e área resultantes da respectiva descrição predial daquele prédio (a favor dos AA.)
Convém, entretanto, não perder de vista que os RR não impugnaram propriamente a invocada propriedade do prédio dos AA correspondente a uma tal inscrição matricial e descrição registral; o que os RR contestaram foi que esse prédio possuísse a área e as confrontações reclamadas pelos AA. em termos de o ponto do abate (lesivo) de árvores se haver situado dentro do perímetro topográfico invocado como sendo o da unidade fundiária em apreço.
Contudo, tal como salienta a Relação, ainda que se entendesse esse pedido como procedente, nem por isso - perante a matéria fáctica dada como provada nos autos - poderia ser outro o desfecho da acção subjacente.
E isto porque se não tornou possível, em sede de julgamento da matéria de facto pelas instâncias, superar a dúvida sobre se o prédio identificado na al. A) da base instrutória era ou não (realmente) aquele que fora objecto de inspecção ao local pelo tribunal e no qual alegadamente teriam sido cortadas as árvores que o Réu C (ora recorrido) vendeu.
Isto é: não se conseguiu formar uma convicção segura sobre se as árvores cortadas pelo R se localizavam (realmente) nesse considerado prédio.
O que logo evidencia a resposta ao art 7° da base instrutória, porquanto dela se não fez constar que os pinheiros e eucaliptos vendidos pelo Réu existiam nesse mesmo prédio aquando do (invocado) putativo acto lesivo do direito dos AA. ora recorrentes.
Não se perfilava, assim, como decisiva a questão do sentido e alcance da presunção do art 7° do CRP84, pois que o que se encontrava em causa era a abrangência ou não (por essa presunção) das áreas, limites e confrontações, "vis a vis" a identificação do prédio constante da descrição registral.
E daí que a controvérsia factual e jurídica se haja centrado não propriamente na indagação acerca da titularidade do prédio rústico em apreço - os AA eram indiscutivelmente os seus verdadeiros proprietários - mas em saber se as árvores que foram cortadas constituíam parte integrante de tal propriedade fundiária (artº 204º, nº 1, al c) e nº 3, do C. Civil), ou se haviam antes nascido e existido, sendo ulteriormente cortadas, no lugar de Cachadas da mesma freguesia de Sande, Vila Nova, em terrenos pertença do R. ora recorrido (cfr. artº 11° da contestação).
De resto, poder-se-ia, em abstracto, colocar um problema de colisão de presunções de propriedade advenientes do registo predial, já que também os RR invocaram a seu favor a presunção do art 7° do CRP, relativamente aos terrenos em que (na sua óptica) teriam nascido e sido depois cortadas, as ditas árvores. Com efeito, os RR invocaram a seu favor as descrições registrais 00264, 00265 e 002767 da freguesia de Sande, Vila Nova, em relação aos quais beneficiam, também eles, de inscrição definitiva (cfr. arts 14° e 15° da contestação).
Seja como for - insiste-se - a estatuição do citado artº 7° do CRP torna-se praticamente indiferente à sorte dos deduzidos (pelos AA) pedidos de indemnização, pois sempre o desfecho da lide teria que desembocar na respectiva improcedência, uma vez não se haver provado - repete-se - que o local inspeccionado pelo tribunal (também ele objecto de prova pericial inconclusiva), ter sido efectivamente aquele onde se operaram cortes de árvores compatíveis com a data referida nos autos - Julho de 1997, isto é que tal ponto geográfico se situasse nas sortes e devesas que integram a descrição predial n° 00261 que os AA invocam a seu favor.
E a prova desse facto crucial impendia sobre os AA, ora recorrentes, na sua qualidade de interessados alegadamente lesados pela conduta presumivelmente ilícita dos RR - (facto constitutivo do direito alegado) artº 342º, nº 1 do C. Civil.
É verdade que os AA deduziram autonomamente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio que identificaram, mas, tal como bem observa a Relação, tal pedido surge na economia da acção "não propriamente como pedido autónomo, mas, como integrando ainda a causa de pedir relativamente aos pedidos de indemnização". Ou seja: surge como meramente instrumental relativamente a tais pedidos.
De qualquer modo, diga-se a talho de foice, constitui jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal a de que a presunção decorrente do artº 7° do CRP84, sem embargo de a expressão verbal "precisos termos em que o registo o define", não abrange a área e confrontações dos imóveis (cfr v.g, entre muitos outros, os Acs do STJ de 29-10-92, in BMJ nº 420°, pág 590 e de 11-5-93, in CJSTJ, Tomo II, pág 95 citados pelo ora recorrido.
E isto sobretudo face à frequente falta de rigor/fidedignidade dos dados descritivos registrais no que concerne à sua materialidade,correntemente devida à respectiva desactualização, não olvidando que a função do registo é essencialmente declarativa e não constitutiva.
Com efeito, e face ao disposto nos arts 2° e 3° do CRP84, apenas factos jurídicos e acções e decisões, que não propriamente direitos, podem/devem ser objecto de registo predial, sendo ainda que tais factos registando "a se" terão que constarem de documentos legalmente comprovativos (conf. artº 43° do CRP). O que não sucede com as áreas e confrontações dos imóveis descritos, cuja exactidão não passa pelo controlo (de legalidade) do conservador - artº 68° do CRP - o qual se limita a assegurar (e exigir), nos concelhos em que vigora o cadastro geométrico obrigatório, que a descrição do prédio venha a corresponder à inscrição matricial - artº 28° do CRP - no mais aceitando/confiando nas declarações dos respectivos interessados - arts 43° a 46° e 90° do CRP.
As áreas e confrontações dos prédios encontram-se assim - e na prática - na disponibilidade dos interessados, enquanto susceptíveis de modificação pelas simples declarações complementares dos mesmos (artºs 29°, nº 2, e 30° do CRP 84), tal como a Relação bem observa.
Não fazendo o registo predial prova plena relativamente às áreas e confrontações dos prédios a que respeita, e não fazendo sequer prova bastante desses elementos circunstanciais - os quais foram, aliás, impugnados pela parte contrária - sempre impenderia sobre os AA o ónus da prova de tais elementos, tal como logo se deixou implícito pela inclusão na base instrutória da matéria dos artºs 1° a 6°, decalcados da (controvertida) matéria alegada pelos AA.
Prova essa que não foi feita, sendo porém que, mesmo "em caso de dúvida sobre a realidade do facto e sobre a repartição do ónus da prova", a controvérsia sempre teria que ser resolvida "contra a parte a quem o facto aproveita", ou seja contra os AA, ora recorrentes (conf. artº 516º do CPC).
Tendo tais pontos de facto merecido respostas negativas, é obvio que - a merecer autonomia apreciativa e decisória o pedido de reconhecimento do direito de propriedade formulado pelos AA - teria o mesmo que ser julgado improcedente.
17. Pressupostos da obrigação de indemnizar.
O que tudo vale por dizer que se não mostram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar por banda dos RR, designadamente os pressupostos da ilicitude do presuntivo "facto" e do dano pelo mesmo alegadamente produzido na esfera jurídica dos AA, (artº 483º, nº 1, do C. Civil), pelo que sempre teria que ficar arredada a reclamada responsabilidade civil dos RR.
18. Assim havendo decidido neste pendor, não merece o acórdão recorrido qualquer censura.

19. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 23 de Setembro de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Ferreira Girão