PROPRIEDADE INDUSTRIAL
FIRMA
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Sumário

I – O elemento preponderante nas firmas TNT Express Worldwide (Portugal)-Transitários, Transportes e Serviços Complementares, SA e T.N.D.-Transportes Nacionais de Distribuição, Ldª é a respectiva sigla (TNT e T.N.D.);
II – Apesar da grande proximidade fonética e gráfica entre ambas as siglas nada impede a sua coexistência (e das respectivas firmas), pois que o risco de confusão está arredado com a falta de eficácia distintiva de qualquer delas sobre a identificação, natureza e actividade dos respectivos titulares.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", sediada em Lisboa, interpôs o presente recurso de revista do acórdão da Relação de Lisboa, de fls.149-155, que julgou improcedente a apelação, por ela interposta, da sentença de fls. 98-107, confirmativa do despacho de indeferimento proferido, pelo Director Geral dos Registos e Notariado, no recurso hierárquico interposto do despacho do Director do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que admitiu o registo da firma B, sediada nas Caldas da Rainha, com fundamento na inexistência, nas firmas recorrente e recorrida, de semelhanças ou igualdades que possam induzir o homem médio em confusão, de forma a prejudicar a possibilidade legal da existência de ambas.
A recorrente termina a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. O consumidor médio refere-se à recorrente, nas relações comerciais que mantém com esta, como A e não como «"A Express Worldwide (Portugal), Transitários, Transportes e Serviços Complementares, SA"».
2. De igual modo, o consumidor médio referir-se-á à sociedade B apenas desta forma e não como B.
3. Os elementos essenciais de ambas as firmas são A e B e não as suas firmas completas, existindo entre estas uma irrebatível semelhança visual e gráfica, à qual acresce uma praticamente imperceptível distinção fonética.
4. A admissibilidade da firma «B» constitui, assim, uma clara violação do princípio da novidade das firmas, uma vez que, conforme estabelece o artigo 33 do DL 129/98, de 13 de Maio (norma legal esta violada pelas decisões anteriormente proferidas), há susceptibilidade de confusão entre esta firma e a firma da recorrente.
5. Existe (aliás, douta) jurisprudência que versa sobre situações idênticas à que constitui o objecto do presente recurso e que decide pela existência de possibilidade de confusão entre firmas e entre marcas cuja semelhança gráfica e fonética é, mutatis mutandis, a mesma que existe entre A e B.
6. Entre a douta jurisprudência referida na conclusão do parágrafo anterior, a recorrente destaca a jurisprudência vertida no douto acórdão desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Maio de 2000, e no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Novembro de 1995.
7. Na decisão nº2310/2003, de 30 de Outubro de 2003, o Instituto de Harmonização do Mercado Interno decidiu pela recusa do registo da marca «EBG-Electronic Business Group», por entender que a mesma era susceptível de confundir ou induzir em erro o consumidor médio, em virtude de já existir a marca «EPG», situação esta que é em tudo idêntica à situação objecto do presente recurso.
8. Caso se negue provimento ao presente recurso e, consequentemente, se admita o uso da firma B, abrir-se-á a porta à admissibilidade de outras firmas também confundíveis com a firma da recorrente, tais como «TNB», «TNP», «TNQ» ou «TNV», e à admissibilidade de outras firmas confundíveis com um vasto número de outras firmas de sociedades já existentes no mercado, com claro prejuízo para o consumidor médio.

Termina pedindo a prolação de acórdão que ordene:
1. O RPNC a declarar a perda do direito ao uso da firma B por parte do titular da mesma, nos termos dos artigos 33º/1, 35º/4 e 60º/1 do Decreto-Lei; e
2. O consequente cancelamento do registo de constituição da sociedade titular da referida firma, com o número 3017 da Conservatória do Registo Comercial das Caldas da Rainha e dos demais registos que se encontrem lavrados em quaisquer serviços, nos termos do artigo 60º/2 do Decreto-Lei.

Contra-alegou o Director-Geral dos Registo e do Notariado, oferecendo o mérito dos autos.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


Os factos provados são os seguintes:

A recorrente – "A" – foi constituída através de escritura celebrada no dia 6 de Março de 1996, no 26º Cartório Notarial de Lisboa, e definitivamente registada na 3ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o número de matrícula 06654/960408.

Em 6 de Dezembro de 2000, deu entrada nos serviços do Registo Nacional das Pessoas Colectivas o pedido de certificado de admissibilidade, para efeitos de constituição de uma sociedade por quotas, com sede nas Caldas da Rainha, com o objecto de «transporte e distribuição nacional e internacional de mercadorias», no qual se requeria a aprovação da denominação «B».

Por despacho de 18 de Dezembro de 2000, foi deferida a passagem do certificado de admissibilidade, o qual foi emitido em 21 de Dezembro de 2000.

No Diário da República, III Série, de 6 de Agosto de 2001, foi publicado o pacto social da sociedade recorrida «B», cuja constituição foi objecto de pedido de registo junto da Conservatória do Registo Comercial das Caldas da Rainha, com a apresentação nº1/10222.

A recorrente apresentou, no dia 4 de Maio de 2001, recurso hierárquico do despacho que admitiu a referida firma;

No âmbito daquele recurso, o Registo Nacional das Pessoas Colectivas proferiu despacho de sustentação relativamente à concessão da referida firma, o qual mereceu a concordância do Director Geral dos Registos e Notariado através do despacho do seguinte teor: «Concordo. 24.05.2001».

A sociedade recorrente tem como objecto a «prestação de serviços a terceiros no âmbito da planificação, controle, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias bem como a actividade de transporte de mercadorias em território nacional, e serviços complementares, designadamente os serviços geralmente designados por «courrier» ou transporte expresso de mercadorias e, ainda, a prestação de serviços de consultadoria em matéria de transportes, logística, armazenagem e entrega de mercadorias».

O objecto da sociedade recorrida consiste no transporte e distribuição nacional e internacional de mercadorias.

É consabido que a constituição dos sinais distintivos da actividade comercial deve obedecer aos princípios da verdade e da exclusividade/novidade, plasmados na legislação de direito comercial.

No que concerne especificamente à firma e à denominação social – objecto do presente recurso – vemos que o Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece:
--no nº3 do seu artigo 10º que os elementos constitutivos da firma da sociedade não podem sugerir actividade diferente da que constitui o objecto social;
--e no nº5 do mesmo artigo que, quando constituída por denominação particular – e também quando constituída exclusivamente por nomes ou firmas de todos ou alguns do sócios --, não pode ser idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro, devendo dar a conhecer quanto possível o objecto da sociedade.

Por seu turno, o Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC), aprovado pelo DL 129/98, de 13 de Maio, impõe no seu artigo 3º que a atribuição das firmas e denominações está sujeita à observância dos princípios da verdade e da novidade nos termos e condições previstos no título III e o respectivo registo confere o direito ao seu uso exclusivo.
E o artigo 32 (princípio da verdade), começa, logo no seu nº1, com a prescrição de que os elementos componentes das firmas e denominações devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividade do seu titular, enquanto que o nº1 do artigo 33 (principio da novidade) dispõe que as firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas, acrescentando o seu nº2 que os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas e o seu nº5 que nos juízos a que se refere o nº2 deve ser ainda considerada a existência de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desse sinais distintivos.

Relembremos agora alguns princípios ou regras que se vêm firmando quer na doutrina, quer, especialmente na jurisprudência, no âmbito destes juízos sobre a distinção (não só entre firmas e denominações, mas também entre marcas).
São eles:
--é matéria de facto saber se existe ou não semelhança e é matéria de direito apurar se, em face das semelhanças ou das dissemelhanças, resulta a susceptibilidade de erro ou confusão;
--o juízo comparativo deve ser objectivo, apurando-se se existe risco de confusão tomando em conta o consumidor ou utilizador final medianamente atento;
--para a formulação desse juízo relevam menos as dissemelhanças que ofereçam os diversos pormenores isoladamente do que a semelhança que resulta do conjunto dos elementos componentes, devendo ainda tomar-se em conta a interligação entre os produtos e serviços, por um lado, e, por outro, os sinais que os diferenciam.
(Cfr. por todos e para referenciar um dos mais recentemente publicados, o acórdão do STJ de 15/2/2000, CJSTJ, I-97 e os trabalhos do Professor Carlos Olavo nele citados).

É altura de decidir, face a estes princípios e regras, se a revista deve ser concedida no sentido de não ser admitido o registo da firma recorrida.

Segundo o acórdão sob recurso, «comparadas globalmente as aludidas firmas, as mesmas apresentam tais dissemelhanças, quer ao nível gráfico, quer fonético, que permitem fixá-las e distingui-las sem grande esforço, de memória e inteligência. Efectivamente, e em primeiro lugar, as siglas A e B, para além de serem objectivamente diferentes, não são o elemento preponderante de nenhuma das firmas em confronto; depois, a circunstância de a primeira ser logo seguida de vocábulos em língua inglesa – Express Worldwide, enquanto que, à segunda, só se seguem vocábulos portugueses, tornam as firmas, no seu conjunto, insusceptíveis de confusão.
O único vocábulo comum «Transportes», revelador da actividade a que se dedicam as sociedades, não é minimamente susceptível de induzir em confusão o dito homem médio e, muito menos, capaz de o induzir em erro.
Aliás, nada nos autos evidencia que a sociedade recorrida, com sede nas Caldas da Rainha, dispute a mesma clientela ou se movimente no mesmo mercado da recorrente, com sede em Lisboa.».

Portanto, no entender do acórdão recorrido, as firmas, no seu conjunto, são insusceptíveis de confusão, uma vez que, e além do mais, as siglas A e B são objectivamente diferentes, não constituindo o seu elemento preponderante.

Como se disse, a apreciação das semelhanças e dissemelhanças consubstancia matéria de facto, de sindicância arredia da competência do Supremo, a não ser que se verifique qualquer das situações excepcionais previstas no nº2 do artigo 722 do CPC, em que se inclui a notoriedade dos factos, dispensadora de prova e até de alegação, nos termos do nº1 do artigo 514 do mesmo Código.

Isto para dizer que, aceitando embora que as siglas que compõem as duas firmas em confronto são objectivamente diferentes – no sentido de que, efectivamente, não são iguais --, é notória a grande aproximação, quer gráfica, quer fonética, entre ambas.

Assim como também não deixa de ser do conhecimento geral que, conforme defende a recorrente, o consumidor médio tenderá a referenciar as sociedades pelas siglas das respectivas firmas, que não pelo todo destas.

As siglas das firmas em confronto constituem, nesta conformidade e ao contrário do que entendeu a Relação, o seu elemento preponderante.

Apesar disso, entendemos que não é caso de recusar a firma da recorrida, porquanto as siglas em apreço, só por si, por ausência de significado próprio, não têm capacidade para sugerir seja o que for sobre a identificação, natureza e actividades do seu titular, isto é, não têm a chamada eficácia distintiva.
Daí que haja necessidade de fazer apelo às restantes expressões que se seguem a cada uma das siglas, sendo certo que não há qualquer similitude entre cada um dos conjuntos, exceptuando a palavra «Transportes».
(cfr. o acórdão do STJ, de 14 de Julho de 1995, CJSTJ, ano III, tomo II, páginas 127-129)

Este vocábulo é, no entanto, de uso corrente, pelo que está afastada a exclusividade do seu uso, conforme determina o nº3 do artigo 32 do RNPC.

Acrescente-se ainda que o âmbito territorial das actividades das firmas titulares das siglas em confronto é um elemento a ter em conta no juízo distintivo, conforme determina o nº2 do artigo 33 do mesmo diploma.
Ora, apesar da afinidade das actividades de ambas (transportes), «nada nos autos evidencia que a sociedade recorrida, com sede nas Caldas da Rainha, dispute a mesma clientela ou se movimente no mesmo mercado da recorrente, com sede em Lisboa.», como se lê no acórdão sob recurso.

DECISÃO
Pelo exposto nega-se a revista, com custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Outubro de 2004
Ferreira Girão
Luís Fonseca
Lucas Coelho