INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO PROVOCADA
ARTICULADOS
APRESENTAÇÃO
PRAZO
REVELIA
Sumário

I - Na intervenção principal provocada, intervindo o chamado através de simples requerimento e para além do prazo da contestação, é considerado revel relativamente aos autos processuais anteriores ao momento da sua intervenção.
II - Se o chamado apresentar articulado próprio e no prazo da contestação, poderá questionar um despacho proferido antes da sua intervenção no processo.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


1 - "A" intentou acção com processo ordinário contra B e C, pedindo o reconhecimento pelos réus da qualidade de herdeira da sua falecida mãe e de cabeça de casal da respectiva herança, condenando-se os réus na restituição de fracção que identifica e móveis nela existentes e ainda no pagamento de uma indemnização.

A autora veio ampliar o pedido na réplica e requerer a intervenção principal provocada de D; E; Banco F, SA., o que foi admitido.
O processo prosseguiu termos com despacho saneador, dedução pela autora de nova ampliação do pedido e agravos de D, C e B.
O Tribunal da Relação negou provimento aos recursos.

Inconformada, recorre D para este Tribunal.

Formula as seguintes conclusões:
- Foi requerida pela agravada a intervenção principal provocada da agravante, tendo intervido no prazo facultado para a contestação;
- À agravante nem no acto de citação, nem posteriormente foi dado conhecimento do despacho que admitiu a ampliação do pedido;
- O acórdão recorrido considerou que o interveniente aceita a causa no estado em que se encontrar, invocando as disposições legais contidas nos artigos 327° n°2 e 322° n°2 do CPC;
- O artigo 327° n° 4 do CPC é expresso de que só o interveniente principal provocado que não intervém no prazo facultado para a contestação é que tem de aceitar a causa no estado em que se encontrar;
- O interveniente que intervém no processo dentro do prazo é parte principal da causa, tendo na plenitude todos os direitos;
- O artigo 322° n° 2 do CPP, referente à intervenção espontânea não tem aplicação no caso de intervenção provocada, em virtude de para esta reger os n°s. 3 e 4 do artigo 327° do CPC;
- O entendimento perfilhado no acórdão recorrido retira todo o alcance ao acto de citação, que é o acto em que se chama alguém ao processo para se defender;
-Sempre o processo sofreria de nulidade por no acto de citação nem posteriormente ter sido dado conhecimento à agravante de despacho que admitiu a ampliação do pedido - artigo 201° n° 1 do CPC, parte final;
- O artigo 327° n°s 2 e 3 do CPC na dimensão normativa de que remete para o artigo 322° n° 2 do CPC, tendo o interveniente que aceitar a causa no estado em que se encontrar é inconstitucional por violação do artigo 20° n° 4 da CRP, que consagra o direito a um processo equitativo, que é aquele em que existe igualdade de armas ab inítio;
- Por isso à agravante não pode ser cortado o direito ao recurso com fundamento de ter sido proferido despacho anteriormente à sua intervenção, em virtude de a sua intervenção se ter processado no prazo facultado para contestar;
- O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 327° n° 3 e 4 a contrario do mesmo preceito, fazendo errada aplicação do artigo 322° n° 2 e 228° n°s. 1 e 3 do CPC;

Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Importa antes de mais delimitar o âmbito do recurso. Está em causa unicamente o agravo interposto pela interveniente D e no que respeita ao despacho que admitiu a ampliação do pedido da autora em sede de réplica.
Sendo esse despacho que motivou o agravo é, contudo, mais restrita a problemática a apreciar por este Tribunal, já que no acórdão recorrido se decidiu não ser possível tomar conhecimento da matéria em causa.
A questão que se coloca consiste assim em saber se a interveniente pode ou não questionar, mediante recurso, um despacho proferido anteriormente à sua intervenção.
O artigo 320° do C. Processo Civil, que corresponde grosso modo ao anterior 351°, estipula que estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos do artigo 27º e 28° e aquele que, nos termos do artigo 30°, pudesse coligar-se com o autor, sem prejuízo do disposto no artigo 31º.
Para além desta intervenção espontânea, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (artigo 325° n°1 do CP Civil), sendo essa intervenção provocada ainda admissível noutras situações que aqui não importa considerar.
Procura-se com a intervenção principal permitir a participação de terceiros que sejam titulares de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor ou pelo réu e quer essa situação seja activa quer seja passiva. Conseguindo a participação de um interveniente evitar-se-á, em princípio, a propositura de mais uma acção sobre a mesma relação jurídica.
Sobre os termos em que se processa a intervenção provocada rege o artigo 327° do C. Processo Civil. O chamado é citado para os termos da causa, afim de no prazo de 30 ou 20 dias, conforme a forma de processo, apresentar articulado próprio ou declarar que faz seus os articulados do autor ou do réu, consoante se trate de intervenção do lado activo ou do lado passivo.
Se o chamado intervier no referido prazo da contestação pode optar por apresentar o seu articulado ou, pura e simplesmente, aderir aos articulados apresentados pela parte respectiva.
Intervindo o citado no processo após esgotado o prazo da contestação, então terá que aceitar os articulados apresentados pela parte a quem se associa e aceitar todos os termos e actos processuais já realizados (artigo 327°n°3 e 4 do CPC).
Em concreto, a autora requereu a intervenção principal provocada da ora agravante, o que foi admitido.
A chamada, aqui recorrente, apresentou o seu articulado, acrescentando aditamentos ao articulado do réu.
Tendo apresentado articulado próprio e no prazo da contestação, o recorrente pode questionar o despacho em causa apesar de proferido antes da sua intervenção no processo. Só teria que aceitar todos os termos e actos processuais já realizados se interviesse após o decurso do prazo concedido.
Intervindo através de simples requerimento e para além do prazo, então sim, seria considerada revel relativamente aos actos processuais anteriores ao momento da sua intervenção. Embora sem abordar explicitamente a questão, afigura-se ser este o entendimento do Cons. Salvador da Costa - "Os Incidentes da Instância", 3 ed., designadamente, pág. 119.

No domínio de anterior redacção, o Cons. Lopes Cardoso - "Manual dos Incidentes da Instância", pág. 209, escrevia que a obrigação de "aceitar a causa no estado em que encontrar só funciona, porém, para o interveniente que deduza o incidente mediante simples requerimento de adesão ao articulado de alguma das primeiras partes".
Diga-se, aliás, que a intervenção espontânea não pode ser em tudo equiparada à intervenção provocada. São situações diferentes: num caso é a parte que por iniciativa própria vai intervir num processo de que necessariamente tem conhecimento e onde lhe interessa intervir; no outro a parte é chamada a algo que desconhece e de que só tomará, em princípio, conhecimento através da citação. Neste caso existindo articulado próprio apresentado tempestivamente, seria processualmente violento obrigar o chamado a aceitar tudo o que (mesmo que eventualmente errado) tenha sido anteriormente feito.
Deve assim ser apreciado o recurso.

Os autos baixarão por isso ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes, ser analisada e julgada a questão submetida à apreciação do Tribunal.

Pelo exposto, concede-se a revista., diga-se concede-se provimento.
Custas pelas recorridas. 

Lisboa, 19 de Outubro de 2004
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante
Reis Figueira