HERANÇA
QUINHÃO
VENDA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Sumário

O estranho à herança, adquirente de quinhão hereditário de um dos primitivos herdeiros, contra o qual não tenha sido exercido direito de preferência pelos demais herdeiros, fica titular de direito de preferência na posterior alienação de outro quinhão hereditário a outro estranho à herança por algum dos restantes herdeiros.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


No processo de inventário instaurado em 13/3/00 a requerimento de "A" para partilha dos bens da herança aberta por óbito de B, falecida em 1/7/86 e que deixara como únicos e universais herdeiros dois filhos, C e D, vieram a fls. 63 e 64 os interessados E e marido, F, declarar que tinham direito de preferência na alienação àquele requerente do inventário, A, do quinhão hereditário que pertencia ao dito D, filho da inventariada.
O mencionado A deduziu oposição a tal incidente, invocando, por um lado, que aqueles interessados não eram titulares de qualquer direito de preferência por não terem a qualidade de herdeiros, na medida em que apenas tinham adquirido por arrematação judicial em processo executivo o quinhão hereditário de C, filha da inventariada, e, por outro lado, que, a serem eles titulares desse direito, o mesmo já teria caducado.
Por despacho de fls. 88 foi julgado improcedente tal incidente, mas, na sequência do falecimento do interessado F, ocorrido antes do mesmo despacho, vieram os respectivos herdeiros, G e mulher, H, e I e mulher, J, requerer a fls. 120 a 125 que lhes fosse reconhecido o aludido direito de preferência, ao que o interessado A de novo se opôs.
Por despacho de fls. 145 foi declarado que, por a questão suscitada já se mostrar decidida, não havia que proferir nova decisão, do que foi interposto recurso que terminou pelo facto de ter sido reformado o despacho então recorrido mediante novo despacho que declarou nulos todos os actos processados a partir do óbito do mencionado interessado F. E, a fls. 271, foi exarado novo despacho em que se referia: "Na sequência do despacho de fls. 23 e 24 do apenso B), damos nesta ocasião por reproduzido neste espaço o despacho proferido a fls. 88 deste inventário, assim se decidindo indeferir a pretensão manifestada a fls. 63, 64 e 120 a 125 (reconhecimento de um direito de preferência)".
Recorreram os ditos interessados G e outros, tendo a Relação proferido acórdão que concedeu provimento parcial ao recurso e revogou o despacho ali recorrido, reconhecendo-os como titulares do invocado direito de preferência na cessão do quinhão hereditário feita pelo indicado filho da inventariada, D, ao interessado A, mas determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento da excepção de caducidade do exercício desse direito por este oportunamente invocada, excepto se for entendido conforme previsto no art.º 1333º, n.º 1, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil.
É deste acórdão que vem interposta a presente revista, pelo interessado A, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - Aos recorridos não pode atribuir-se a titularidade do direito de preferência previsto no art.º 2130º do Cód. Civil, desde logo porque não têm a qualidade de co-herdeiros que o referido preceito exige;
2ª - Os recorridos são apenas interessados no inventário, por o pai, F, e a mãe, E, aquele entretanto falecido, terem adquirido, em arrematação judicial, o direito e acção de um herdeiro da inventariada nos autos;
3ª - O escopo do art.º 2130º do Cód. Civil visa "evitar a entrada de estranhos na partilha", não sendo portanto o direito de preferência, contemplado no preceito, extensivo aos cessionários do quinhão hereditário;
4ª - Com a referida norma não se pretende acabar com as compropriedades, consolidando as propriedades divididas, não sendo aplicável aqui todo o regime jurídico da compropriedade, porque diferentes são os escopos de ambos os institutos;
5ª - Ora, tanto o recorrente como os recorridos são pessoas estranhas à sucessão hereditária, tal como ela estava primitivamente configurada entre os herdeiros da autora da herança, já que são meros adquirentes de quinhões hereditários da herança, não são herdeiros;
6ª - De outro modo, não se compreenderia que o direito de preferência não assistisse aos credores da herança, aos arrendatários de bens da herança, à própria herança e aos legatários, e assistisse aos que dos herdeiros tivessem adquirido o direito e acção à herança;
7ª - Finalmente, se de facto o legislador tivesse pretendido que o preceito em questão fosse extensivo aos adquirentes de quinhão hereditário, como pretendem os recorridos, certamente não teria optado pela utilização do conceito restritivo de co-herdeiro, que apenas pode significar os sucessores do autor da herança e não qualquer um interessado (cessionário) que deles tenha adquirido um quinhão;
8ª - Decidindo como decidiu, o Tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação dos art.ºs 2130º, n.ºs 1 e 2, 1409º, n.º 1, e 1410º, todos do Cód. Civil.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a confirmação do decidido em 1ª instância.
Não houve contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os como tais declarados no acórdão recorrido, para o qual desde já nesta parte se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 726º e 713º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil, uma vez que não há impugnação da matéria de facto nem fundamento para a sua alteração.
Por outro lado, a única questão suscitada nas conclusões das alegações do recorrente, e portanto a única a conhecer, que é a de saber se ao adquirente, inicialmente estranho à herança, de quinhão hereditário de um primitivo herdeiro, assiste direito de preferência na posterior venda de quinhão hereditário de outro primitivo herdeiro a outro estranho à herança, mostra-se correctamente decidida no sentido afirmativo no acórdão recorrido com base em pormenorizadas e adequadas análise dos factos assentes e interpretação dos dispositivos legais a eles aplicáveis, pelo que com ele se concorda, quer quanto ao nele decidido, quer quanto aos respectivos fundamentos, a que se adere e para que se remete ao abrigo dos mencionados art.ºs 726º e 713º, este no que respeita ao seu n.º 5. Acresce que a alienação de quinhão hereditário abrange, como é óbvio, integralmente, tal quinhão, com inclusão de todos os direitos de carácter patrimonial que o constituem, pelo que todos esses direitos se mantêm como objecto da transmissão, o que forçosamente abrange o invocado direito de preferência. Como é manifesto, o estranho que tenha adquirido o quinhão hereditário de um primitivo herdeiro encontra-se sujeito ao exercício do direito de preferência dos demais herdeiros primitivos, não transmitentes; mas, se for por estes admitido no lugar do transmitente por os demais não pretenderem exercer o seu direito de preferência, fica no lugar daquele, investido em relação à herança na sua situação jurídica, e portanto na titularidade de todos os direitos de carácter patrimonial que àquele competiam, integrantes do quinhão transmitido, com inclusão óbvia do direito de preferência respectivo. Na hipótese dos autos, mostra-se que o primitivo herdeiro transmitente (em 1999) ao ora recorrente não o exerceu em relação aos interessados E e marido (adquirentes em 1990), - este agora substituído, face ao seu óbito, pelos recorridos -, pelo que admitiu a inclusão daqueles terceiros, ou seja, a dita E e seu entretanto falecido marido, no lugar da mencionada co-herdeira primitiva, com todos os direitos de carácter patrimonial que a esta competiam, e portanto também com o direito de preferência de que esta era titular em relação a estranhos à herança de que a E e marido haviam passado a ser co-titulares.
Tanto basta para que não se possa reconhecer razão ao ora recorrente, improcedendo em consequência as conclusões das suas alegações.
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2 de Novembro de 2004
Silva Salazar
Ponce de Leão
Afonso Correia