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COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
DELEGAÇÃO
ESTADO ESTRANGEIRO
Sumário
Depois de declarar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer a infracção participada, não pode, o mesmo tribunal, decidir no sentido de “delegar” num Estado estrangeiro a continuação do procedimento criminal: só se delegam poderes ou competências que se detêm.
Texto Integral
Processo n.º 1861/09.3TAPVZ-A.P1
4ª Secção
Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Moreira Ramos.
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
O assistente B…, com os demais sinais dos autos, não se conformando com o despacho do M.mo Juiz do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, proferido a 15/4/2010, no âmbito do inquérito n.º 1861/09.3TAPVZ, que corre termos na Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público da Póvoa de Varzim, e que deferiu a pretensão do Ministério Público de delegação no Estado Italiano de continuação do procedimento criminal, veio dele interpor recurso extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. De toda a factualidade descrita na queixa-crime apresentada, resultam indícios fortes de ter sido cometido um crime de burla qualificada, e de tal crime ter sido cometido por portugueses, contra portugueses.
2. O que basta para que seja aplicável aos intervenientes a Lei Portuguesa, o que expressamente se requer.
3. O despacho recorrido, porque põe termo ao processo penal em Portugal, deve ser equiparado a sentença, nos termos do art. 97°, alínea a) do Código do Processo Penal.
4. E, porque não se encontra fundamentado, concluindo pela inexistência de quaisquer diligências que possam ser realizadas em Portugal para a descoberta da verdade material, não se estribando tal conclusão em razões de facto que aí sejam enunciadas.
5. Deve ser declarado nulo, ordenando-se ao tribunal a quo que o substitua por um outro em que seja negado provimento ao pedido formulado pelo Ministério Público de delegação do procedimento criminal no Estado Italiano.
6. Desde logo por se ter mostrado insuficiente o inquérito, pelas razões que supra foram deduzidas, verificando-se a arguida nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120° do Código do Processo Penal, cuja declaração se requer.
7. E porque é em Portugal - de novo como se demonstrou nos argumentos supra deduzidos - que o procedimento criminal deve prosseguir.
8. Por ser em Portugal que devem ser realizadas as diligências que podem conduzir à descoberta da verdade material.
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Houve resposta do Ministério Público sufragando a manutenção da decisão recorrida e a improcedência do recurso invocando, para o efeito e em síntese, que:
- Não há dúvidas que o crime se consumou em Itália e nada permite considerar que todo o crime tenha sido urdido em Portugal e por cidadãos portugueses;
- O único acto preparatório foi a visita do denunciado C… ao imóvel, sendo a factualidade manifestamente insuficiente para indiciar a prática de qualquer ilícito criminal por D… e dos representantes da sociedade da E…;
- É certa a suspeita da prática de um crime de burla qualificada, cometido contra cidadão português, em território italiano e por cidadãos que se supõe serem italianos, desconhecendo-se se existiu e em que consistiu alguma contribuição de cidadãos portugueses;
- A lei penal portuguesa não é aplicável ao caso em apreço.
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Admitido o recurso por despacho de fls. 56, subiram os autos a este Tribunal da Relação onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, invocando, além do mais, que o expediente legal encontrado para remeter os autos para a jurisdição italiana, onde o alegado crime se terá consumado, poderá ser entendido como não sendo o processualmente mais correcto, já que à luz do art. 5º, do CP, estaríamos, antes de mais, face a uma situação de que não releva da competência internacional dos tribunais portugueses, pelo que o MP deveria ter despachado nesse sentido. Todavia, não deixando de se verificar os requisitos para o deferimento em estado estrangeiro, da continuação do procedimento penal instaurado em Portugal, nesta base e ainda que porventura tenha sido usado um meio processual, que até face à queixa formalizada em Roma, não seria, de todo, necessário, a decisão «sub censura» acaba por não fazer agravo à lei.
Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido oferecida resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
1. A questão principal que se suscita nos presentes autos é a de saber se a boa administração da justiça fundamenta a delegação no Estado Italiano de continuação do procedimento criminal.
Antes, porém, haverá que tecer breve nota sobre a invocada nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.
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2. A tramitação processual relevante
a) Com base em participação criminal de B…, apresentada na PJ, Directoria do Norte, contra F…, G… e C…, foi instaurado o inquérito n.º 1861/09.3TAPVZ, por factos susceptíveis de integrar o crime de burla qualificada, previsto e punível pelos arts. 217º e 218º, do Cód. Penal (fls. 69 e segs.);
b) Pesquisados os eventuais antecedentes dos denunciados com resultado negativo, foi elaborada informação pelo Coordenador de Investigação Criminal da Polícia Judiciária a exprimir dúvidas sobre a competência dos tribunais portugueses para a apreciação da ocorrência denunciada em virtude do ilícito se ter consumado em Itália, não permitindo o mero relato dos factos obter grandes certezas quanto ao conhecimento do C… da natureza fraudulenta do negócio. Mais aduziu que já correria na justiça italiana um inquérito relacionado com tais factos, conforme cópia do auto de notícia junta à participação e concluiu que, face às conexões descritas com uma ordem jurídica estrangeira, se estaria perante processo a ser transmitido às autoridades judiciais italianas, sem prejuízo da realização de diligências que se entendessem necessárias pela Polícia Judiciária, designadamente a inquirição dos residentes em Portugal (fls. 91 a 93);
c) Os autos foram, então, remetidos aos Serviços do Ministério Público da Póvoa de Varzim, para apreciação e decisão, onde deram entrada a 20/10/2009 (fls. 68);
d) Por despacho datado de 21/1/2010, a magistrada do Ministério Público titular desses autos, entendeu que os tribunais portugueses não eram competentes para apreciar os factos denunciados e que o seguimento adequado a dar à denúncia criminal apresentada passaria pela transmissão do processo às autoridades judiciais italianas (fls. 94 a 96 e 98);
e) E, por requerimento entrado em juízo a 2/3/2010, formalizou o pedido de delegação em Estado Estrangeiro da continuação do procedimento criminal, nos seguintes termos: (transcrição)
“1.
O cidadão português B… apresentou a participação criminal que deu origem ao inquérito n.º 1861/09.3TAPVZ contra um cidadão de nacionalidade italiana que identificou apenas como F…, um outro cidadão também dessa nacionalidade que identificou como G…, e o cidadão português C…, imputando-lhes a prática de factos ocorridos em 01 de Maio de 2009, em Itália, susceptíveis de integrarem um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217° e 218°, n.º 2, alínea a), por referência à alínea b) do artigo 202°, todos do Código Penal português. -
2.
A ter efectivamente existido, o crime participado ocorreu e consumou-se em Itália, sendo que os únicos actos ocorridos em Portugal consistiram em contactos feitos pelo denunciado C…, que nenhuma outra intervenção teve em tal consumação. –
3.
Mesmo os encontros prévios à celebração efectiva do negócio foram realizados na cidade de Roma, no dia 15.04.2009, envolvendo o participante e o referido G…. -
4.
O participante B… apresentou também denúncia criminal perante as autoridades policiais italianas, mais concretamente no Commissariato di P.S. "…", no dia 02.05.2009, pelo que em Itália corre ou correu termos o respectivo processo criminal (v. fls.19).-
5.
A Lei n.º 144/99, de 31.08, que aprovou a Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal é aplicável à transmissão de processos penais, como prevê o seu artigo 1º, n.º 1, alínea b), sendo que os artigos 89° e ss. legislam o princípio e as condições em que pode ser delegada num Estado estrangeiro a continuação do procedimento criminal que se tenha iniciado num outro Estado membro. -
6.
Tais condições mostram-se preenchidas, pois que: -
a) Os factos participados integram também crime segundo a legislação penal italiana (v. art. 640° do Código Penal Italiano, vigente a partir de 10.10.2002); -
b) Sendo puníveis em tal legislação com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano; -
c) Os participados têm nacionalidade italiana e residência habitual nesse Estado; -
d) Não se vislumbra que outras diligências se poderão realizar em Portugal para a descoberta da verdade material, afigurando-se que todas as diligências necessárias para a boa administração da justiça terão de ser realizadas em Itália. –
7.
Face ao exposto, recorrendo aos mecanismos de cooperação judiciária internacional referidos, será de determinar a transmissão do presente inquérito às autoridades judiciais italianas competentes para a continuação do procedimento criminal. -
Termos em que se requer a V. Exa. Que, autuado por apenso, se digne dar cumprimento ao disposto no artigo 91º n.º 2, da lei n.º 144/99, de 31.08, seguindo-se os demais termos, e conceder-se procedência a este pedido com as consequências legalmente previstas no n.º 4 do referido art. 91º.” (fls. 2 a 4);
f) Ordenada a notificação dos denunciados com residência conhecida, o C… enviou esclarecimento ao processo referindo ser avaliador imobiliário e ter sido contactado telefonicamente de Itália para efectuar a avaliação de duas moradias pertencentes ao participante, tendo chegado a realizar uma delas e ficado a aguardar pagamento da mesma para realizar a segunda. Não tendo recebido qualquer notícia acerca do assunto já não realizou a segunda avaliação, desconhecendo os trâmites em que o negócio seria realizado e não sabendo que podia tratar-se de burla de qualquer espécie (fls. 6 a 8 e15).
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3. A decisão recorrida
O tribunal a quo proferiu, então, ao abrigo do disposto no art. 91º n.º 3, da citada Lei n.º 144/99, a seguinte decisão:
“Veio o Ministério Público, ao abrigo dos arts. 89º e segs. da Lei n.º 144/99, de 31/08, requerer a delegação no Estado italiano da continuação do presente procedimento criminal instaurado por B… contra G…, C… e outra pessoa apenas identificada como "F…".
Dada a possibilidade aos suspeitos de se pronunciarem sobre o requerido, nos termos do art. 91º, n.º 2, do referido diploma, constata-se que se frustrou a notificação de G…; por seu turno, C… nega qualquer intervenção na actividade delituosa em apreço, informando que apenas foi solicitado por uma pessoa alegadamente residente em Itália para proceder à avaliação de duas moradias em Portugal pertencentes ao denunciante B….
Cumpre decidir, nos termos do n.º 3 do referido art. 91º.
Compulsados os autos, constata-se que B… denunciou criminalmente os cidadãos italianos F… e G…, bem como o cidadão português C…, atribuindo-lhes a prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, 218º, n.º 2, al. a), e 202º, al. b), todos do Código Penal.
Com efeito, B… imputa aos arguidos - designadamente, a G… - a colocação em prática de um estratagema astuciosamente montado no âmbito de um projectado contrato de compra e venda de uma moradia, plano este melhor descrito a fls. 3 e segs., que levou a que entregasse a este último a quantia de € 200.000, da qual ficou desapossado.
A entrega dos referidos € 200.000 terá ocorrido no dia 1 de Maio de 2009, num restaurante situado em Roma, Itália.
Vejamos.
O art.90º n.º, da referida Lei n.º44/99, estabelece as condições necessárias à procedência do pedido de delegação em Estado estrangeiro da instauração ou continuação de procedimento penal.
Tais condições são as seguintes:
- Que o facto integre crime segundo a legislação portuguesa e a legislação do Estado estrangeiro;
- Que a reacção criminal privativa da liberdade seja de duração máxima não inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante máximo não seja inferior a 30 unidades de conta;
- Que o suspeito ou o arguido tenham a nacionalidade do Estado estrangeiro ou ali tenham a residência habitual; e
- Que a delegação se justifique pelo interesse da boa administração da justiça ou pela melhor reinserção social em caso de condenação.
Além disso, deverão ainda verificar-se os requisitos gerais negativos previstos nos art. 6° do referido diploma.
Analisados os autos, entendemos que tais condições se encontram preenchidas no caso que se nos apresenta.
Com efeito, os factos participados integram a prática de crime não só segundo a legislação portuguesa (cfr. arts. 217º 218º n.º, al. a), e 202º al. b), todos do Código Penal) mas também segundo a legislação italiana (cfr. art. 640ºdo Código Penal Italiano).
Além disso, a pena privativa de liberdade prevista nos referidos preceitos tem duração máxima não inferior a um ano.
Acresce que os participados F… e G… têm - ao que tudo indica - nacionalidade italiana, bem como residência habitual nesse Estado. Mais: não se vislumbram quaisquer elementos que permitam concluir pela participação de C… no plano acima referido.
Finalmente, o crime em causa consumou-se em Itália, não se entrevendo que outras diligências poderão ser realizadas em Portugal para a descoberta da verdade material; por outras palavras, as diligências necessárias para a boa administração da justiça terão que ser realizadas em Itália.
No mais, não se verifica, "in casu", qualquer uma das situações previstas nas várias alíneas do referido art. 6° da Lei 144/99.
Assim, entendo encontrarem-se preenchidas as condições necessárias à procedência do pedido formulado pelo Ministério Público, deferindo-se, nessa medida, a delegação no Estado italiano da continuação do presente procedimento criminal.
Pelo exposto, julgo procedente a peticionada delegação no Estado italiano da continuação do presente procedimento criminal.
Notifique.
Após trânsito, remeta os autos ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos previstos no n.º do art. 91ºda referida Lei 144/99, de 31/08.” (fls. 18 a 18).
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4. Apreciando
QUESTÃO PRÉVIA
Invocando o disposto no art. 97º n.º 1 a), do Cód. Proc. Penal, sustenta o recorrente B… que a decisão recorrida deve ser equiparada a sentença e declarada nula por falta de fundamentação já que concluindo pela inexistência de diligências que possam ser realizadas em Portugal não estriba tal conclusão em razões de facto aí enunciadas.
Crê-se, todavia, que não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar porque a decisão em causa não conhece a final do objecto do processo – aliás da competência do Ministério Público titular do inquérito – pronunciando-se tão-só sobre questão incidental surgida no âmbito desses autos e atribuída por lei a competência exclusiva do juiz, consoante se apura do estatuído no art. 91º n.º 3, da Lei n.º 144/99, de 31/8.
Depois porque a conclusão formulada a propósito da boa administração da justiça vem na sequência da enunciação de outras circunstâncias que a coadjuvam e onde se destaca o facto de dois dos denunciados terem nacionalidade italiana - entendendo-se inexistir elementos que permitam associar o restante, de nacionalidade portuguesa, ao ilícito - e do crime se ter consumado em Itália.
Resumindo e concluindo:
Não estando em causa uma sentença é inaplicável o disposto no art. 379º, do Cód. Proc. Penal.
Por outro lado, a fundamentação que sustenta a conclusão do tribunal a quo, sendo questionável, não se mostra inquinada por vício subsumível à categoria das nulidades previstas nos arts. 119º e 120º, do Cód. Proc. Penal, podendo, quando muito, constituir irregularidade já sanada por não ter sido invocada nos termos e prazos legais (v. arts. 118º n.º 2 e 123º n.º 1, do mesmo diploma legal).
Improcede, pois, nessa parte, a pretensão do recorrente.
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4.1 Da boa administração da justiça e delegação da continuação do procedimento em Estado Estrangeiro
A cooperação judiciária internacional visa a boa administração da justiça, estabelecendo mecanismos, através da intervenção das autoridades ao mais alto nível do Estado, para que sejam desencadeados os procedimentos conducentes à comprovação de um crime, à descoberta dos seus agentes e demais elementos indispensáveis à aplicação da lei penal, implicando a adopção pelos Estados de regras comuns no domínio do auxílio mútuo em matéria penal.
E, a transmissão de processos penais entre Estados é uma das formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal regulada na Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (Lei n.º 144/99, de 31/8, alterada pelas Leis n.ºs 104/2001, de 25/8, 48/2003, de 22/8 e 48/2007, de 29/8), como se pode ver no seu art. 1º n.º 1 b).
É também a referida Lei n.º 144/99 que contempla os requisitos gerais da cooperação entre Estados e as condições especiais atinentes a cada uma das formas de cooperação.
Nessa conformidade, a instauração deste procedimento não tem nem pode ter como finalidade, directa ou indirecta, a fiscalização dos actos do Ministério Público levados a cabo no âmbito de inquérito - cuja direcção lhe está cometida por lei, como decorre do disposto no art. 263º n.º 2, do Cód. Proc. Penal – sob pena de violação do princípio do acusatório que estrutura o nosso sistema processual penal.
Consequentemente, as referências feitas pelo recorrente à inexistência/insuficiência do inquérito não têm cabimento nesta sede.
Com efeito, o Ministério Público entendeu – bem ou mal não compete agora apreciar –, unicamente com base nos elementos que resultavam da participação apresentada pelo assistente, que a lei portuguesa não era aplicável ao caso.
Todavia, pese embora a competência internacional se integre na categoria de incompetência absoluta [podendo ser suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa], não extraiu as inevitáveis consequências decorrentes de tal opção e passou a analisar os requisitos necessários à transmissão de processos penais, nos termos da Lei n.º 144/99, de 31/8, com vista a “determinar então o seguimento a dar à denúncia criminal apresentada”. E, chega mesmo a invocar o disposto no art. 154º-A, [que integrando o Capítulo III, relativo aos actos particulares de auxílio internacional, prevê a possibilidade de órgãos de polícia criminal receberem denúncias e queixas pela prática de crimes contra residentes em Portugal que tenham sido cometidos no território de outro Estado membro da União Europeia e que devem ser transmitidas pelo Ministério Público no mais curto prazo, à autoridade competente do Estado membro em cujo território foi praticado o crime, salvo se os tribunais portugueses forem competentes para o conhecimento da infracção], se bem se compreende, para justificar o facto da “transmissão do processo” se resumir à comunicação da participação.
Salvo o devido respeito, todo este procedimento é intrinsecamente contraditório e infundado.
Desde logo, porque julgando internacionalmente incompetentes os tribunais portugueses para apreciação da infracção participada, solicita depois ao juiz desse tribunal – em seu entender carecido de competência - que delegue num Estado Estrangeiro a continuação do procedimento criminal. Ora, só pode delegar quem, à partida, tem competência para o acto delegado.
Por outro lado, existindo procedimento mais célere e menos oneroso para a transmissão de denúncias, apresentadas em Portugal, por crimes cometidos contra portugueses em território de outro Estado membro da União Europeia, não se vislumbra qual seja o fundamento para lançar mão da forma de cooperação que envolve tramitação mais complexa e dispendiosa – v. art. 20º e segs. ex-vi art. 92º, da Lei n.º 144/99 – quando a necessidade da delegação supõe que só através desse meio se obtenha a tutela plena da “boa administração da justiça”,[1] ou seja, que se mostre indispensável a intervenção das autoridades ao mais alto nível do Estado no sentido de serem desencadeados mecanismos conducentes à investigação da existência de crime, determinação dos seus agentes e respectiva responsabilidade e demais elementos indispensáveis à aplicação da lei penal.
A tudo isto acresce ainda o facto da transmissão da denúncia se mostrar, in casu, perfeitamente desnecessária e irrelevante porquanto, o assistente, em tempo oportuno, apresentou igualmente denúncia criminal às autoridades italianas consoante resulta da documentação junta aos autos, circunstância expressamente reconhecida e invocada pelo Ministério Público no ponto 4 do requerimento que serve de fundamento à decisão recorrida.
Consequentemente, face aos elementos que evolam dos autos e atentas as razões que antecedem, resta concluir que a decisão recorrida é legalmente infundada e desnecessária não podendo subsistir.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, conceder provimento ao recurso, embora por razões diversas das invocadas, revogando a decisão recorrida e julgando improcedente a peticionada delegação no Estado Italiano da continuação do procedimento criminal relativo ao inquérito n.º 1861/09.3TAPVZ, dos Serviços do Ministério Público da Póvoa de Varzim.
Sem tributação.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 4 de Maio de 2011
Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio
António José Moreira Ramos
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[1] Cf. art. 90º n.º 1 d), da citada Lei.