PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
HERDEIRO HÁBIL
DIREITO A PENSÃO
ALIMENTOS
DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS
ÓNUS DA PROVA
REQUISITOS
PRESSUPOSTOS
Sumário

I. Têm direito à pensão de sobrevivência, como herdeiros hábeis dos contribuintes, os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020° do C. Civil.
II. Os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens só se considerarão herdeiros hábeis para efeitos de pensão de sobrevivência se tiverem direito a receber do contribuinte à data da sua morte pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente.
III. Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020° do C. Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito"
IV. Para que a acção (para reconhecimento do direito à pensão) possa proceder, o autor terá de satisfazer, de modo cabal e conveniente, quer o ónus da alegação, afirmação ou dedução quer o ónus da prova dos factos integradores do seu direito, maxime a existência da união de facto com o pensionista à data da morte deste, pelo espaço de tempo exigido por lei (no mínimo dois anos), quer ainda a carência efectiva da prestação de alimentos e, ainda, a impossibilidade de os obter das pessoas mencionadas no art ° 2009 ° do Código Civil;

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" intentou, com data de 29-3-01, acção ordinária contra a Caixa Geral de Aposentações, pedindo se reconhecesse que a convivência "more uxório" entre a Autora A e o seu marido nunca se interrompeu desde a data do casamento até à data do seu óbito deste e que a A se encontraria nas condições previstas no artº 2020° do C.Civil, devendo, por isso, ser a ré condenada a pagar-lhe a pensão de sobrevivência por morte de seu marido, B, pensionista n° 216798.
Alegou, para tanto, e em síntese:
- ser viúva de B, falecido no dia 8 de Janeiro de 1998, de quem estava formalmente separada de pessoas e bens, por decisão do conservador de registo civil;
- à data da sua morte, o marido da A auferia uma pensão de reforma da Caixa Geral de Aposentações, no montante de anual ilíquido de 5.315.250$00, sendo o pensionista n° 0216798;
- apesar da separação formal, desde a data do seu casamento e até a morte do seu marido, a autora e este sempre partilharam cama, mesa e habitação, vivendo em economia comum;
- a separação judicial de pessoas e bens não correspondeu a uma efectiva alteração da vida quotidiana do casal, tendo somente correspondido à solução encontrada para que, na data da morte do cônjuge marido, os filhos que este tinha de anterior casamento não vissem a sua herança prejudicada pela concorrência da A. como herdeira forçada;
- apesar da separação formal de pessoas e bens, a autora e o seu marido sempre partilharam cama, mesa e habitação, vivendo em economia comum e sempre continuaram a pagar os impostos através duma declaração comum, na qual eram assinalados os rendimentos de ambos e na qual o cônjuge assinava por si e por sua mulher, continuando seu marido a contribuir para as despesas comuns do casal;- após a morte do seu marido, a autora limitou-se a receber a sua pensão, a qual em 2000 atingiu o montante mensal bruto de 231.250$00, tendo despesas acrescidas pela falta da pensão de seu marido, nomeadamente, amortização de uma dívida que contraiu, alimentação, telefone, vestuário, calçado, medicamentos, consultas, tratamentos e acompanhamento nocturno;
- a autora não tem ascendentes vivos, nem descendentes e os seus irmãos não têm condições económicas para suportar os alimentos da A;
- deste modo, estão reunidos os requisitos para beneficiar da pensão de sobrevivência devida pela Caixa Geral de Aposentações, nos termos do Art. 41° do DL 142/73 de 31/3, por estarem preenchidos os pressupostos do artº 2020° do C.C. e do art. 6° n° 1 e 3° al. f) da L 135/99 de 28/8, por ser herdeira hábil e ter direito a alimentos do beneficiário da R..
2. Contestou a ré, impugnando os factos alegados por deles não ter conhecimento, sustentando ainda que a acção só poderia ser julgada procedente caso se provasse a necessidade efectiva de alimentos e a impossibilidade de a A. os obter da herança ou das pessoas mencionadas nas alíneas a) a d) do Art. 2009° do C.C..
Mais referiu que entre a separação de pessoas e bens e o óbito do marido da A. não decorreram os 2 anos previstos no art. 2020° do Código Civil, como condição de procedência do pedido, sendo que a autora aufere uma pensão de valor muito considerável que satisfaz as suas despesas regulares.
Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
3. Na réplica, a A. ampliou a causa de pedir, sustentando ter direito à pensão de sobrevivência como se fosse o cônjuge sobrevivo, referindo-se ainda à impossibilidade da herança poder satisfazer a obrigação de alimentos devida à autora.
Quanto aos requisitos do art° 2020° do C.C., renovou o seu entendimento de que, apesar de formalmente a separação judicial de pessoas e bens haver determinado a suspensão do dever de coabitação, a verdade é que de facto nunca houve separação entre os cônjuges.
Concluiu, reformulando os pedidos no sentido que se reconhecesse que a convivência "more uxório" entre a autora e o seu marido nunca se interrompeu desde a data do seu casamento até à morte deste; que apenas devido ao clima de harmonia e confiança recíproca existente entre ambos se havia dispensado a necessidade de fixação ou homologação judicial da pensão de alimentos, embora existisse uma verdadeira e própria contribuição do marido para o sustento da autora; que, mesmo que assim se não entendesse, a autora se encontraria nas condições previstas no art° 2020° do C.C. para que fosse considerada herdeira hábil, nos termos do art° 41° n° 2 do DL 142/73.
E, mais: que a herança de seu marido seria insuficiente para a prestação dos alimentos de que a autora carece.
Por fim pediu se reconhecesse ser a autora herdeira hábil, nos termos do art° 41° n° 1 e, subsidiariamente, do n° 2 do mesmo diploma, devendo a Caixa Geral de Aposentações reconhecer a sua qualidade de titular das prestações de sobrevivência por morte de seu marido, B, pensionista n.° 216798.
4. Por sentença de 1-7-03, o Mmo Juiz da 17ª Vara Cível de Lisboa julgou a acção improcedente, absolvendo, em consequência, a Ré do pedido.
5. Inconformada, apelou a A. mas o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 11-3-04, negou provimento ao recurso.
6. Ainda irresignada, desta feita com tal aresto, dele veio a A. recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1ª)- A autora deve ser considerada herdeira hábil de seu marido, com direito a receber uma pensão de sobrevivência por morte deste, por aplicação imediata do art. 40.°, n.°1, alínea a) do DL 142/73, de 31 de Março, (Estatuto das Pensões de Sobrevivência), uma vez que está provado nos autos que a separação judicial de pessoas e bens não veio interromper, até à data da morte do cônjuge marido, a convivência conjugal que há mais de 25 anos entre ambos existia;
2ª)- A intenção do art. 41º, n.°1, do Estatuto é a de estender a protecção social estabelecida para os casos de normalidade da vida familiar a determinados casos em que há uma separação efectiva dos cônjuges, não é a de excluir aquelas situações em que se mantém a comunhão de vida conjugal, apesar da existência de uma separação judicial formal;
3ª)- Do facto de o art. 41.°, n.°1, do DL 142/73 exigir a prévia existência de uma pensão de alimentos em favor do cônjuge sobrevivo resulta que o mesmo pressupõe uma separação efectiva dos cônjuges;
4ª)- Logo, o art. 41.º, n.°1 do DL 142/73 apenas se aplica aos casos de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens em que os cônjuges se separam efectivamente, não sendo aplicável quando, apesar da separação judicial, estes mantêm uma vida familiar comum, contribuindo espontânea e reciprocamente para os encargos da mesma;
5ª)- A interpretação do Estatuto feita pelo acórdão recorrido, considerando que a autora só seria herdeira hábil se estivesse estabelecida em seu favor uma pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente, viola o art. 9.º do Cód. Civil, pois não tem em consideração o pensamento legislativo, designadamente a intenção do legislador de que a pensão de sobrevivência colmatasse a normal contribuição do cônjuge falecido para os encargos da vida comum que mantinha com a autora;
6ª)- A interpretação do Estatuto feita pelo acórdão recorrido, considerando que a autora só seria herdeira hábil se estivesse estabelecida em seu favor uma pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente viola o art. 9.° do Cód. Civil, pois não tem em consideração o pensamento legislativo, designadamente a intenção do legislador, no art. 41.°, n.° 1, de estender a protecção social estabelecida para os casos de normalidade da vida familiar aos casos de divórcio e separação judicial de pessoas e bens em que há uma separação efectiva, sem excluir a protecção social naquelas situações de separação judicial em que se mantém a comunhão de vida conjugal;
7ª)- A interpretação do Estatuto feita pelo acórdão recorrido, considerando que a autora só seria herdeira hábil se estivesse estabelecida em seu favor uma pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente viola o art. 9.° do Cód. Civil, pois não tem qualquer sentido ou coerência aceitar que o Estatuto preveja a protecção do cônjuge sobrevivo nos casos de separação efectiva desde que seja estipulada uma pensão de alimentos e exclua essa mesma protecção nos casos em que permanece a união conjugal e a economia comum;
8ª)- A interpretação dos arts. 40.° e 41.°, n.° 1 do Estatuto que condiciona o acesso a uma pensão de sobrevivência, por parte de um cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens mas que vive em economia comum, ao prévio recurso ao tribunal para estipulação de uma pensão de alimentos, é uma interferência injustificada no relacionamento entre marido e mulher, do qual não resultam benefícios para ninguém e viola o princípio da constitucional da subsidariedade do Estado relativamente à família;
9ª)- A interpretação dos arts. 40.° e 41.°, n.° 1 do Estatuto que condiciona o acesso a uma pensão de sobrevivência, por parte de um cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens mas que vive em economia comum, ao prévio recurso ao tribunal para estipulação de uma pensão de alimentos, viola o art. 72.° da Constituição porque atinge a segurança económica que o Estado deve promover relativamente às pessoas idosas, negando-a àquelas pessoas que viviam em economia comum com os seus cônjuges e que não viam necessidade, nem preenchiam os pressupostos processuais, por falta de litígio, para recorrer aos tribunais para estabelecimento de uma pensão de alimentos;
10ª)- A interpretação dos arts. 40.° e 41.°, n.° 1 do Estatuto que condiciona a concessão de um importante benefício social, como o é a pensão de sobrevivência, ao recurso ao tribunal para estipulação de uma inútil pensão de alimentos, prejudica o equilíbrio familiar e, nessa medida, viola o art. 67.° da CRP;
11ª)- A interpretação dos arts. 40.º e 41.º, n.° 1 do Estatuto que exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação judicial de pessoas e bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação mas não exige recurso a tribunal nos casos em que marido e mulher permanecem vivendo juntamente sem que seja decretada qualquer separação judicial de pessoas e bens, viola o princípio constitucional da igualdade e o art. 13.° da CRP;
12ª)- A interpretação dos arts. 40.° e 41.°, n.° 1 do Estatuto que exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação judicial de pessoas e. bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação, com contribuição espontânea do cônjuge falecido para os encargos normais da vida familiar e espontâneo cumprimento do dever de assistência viola os princípios do primado da não conflitualidade e da economia processual;
13ª)- A interpretação dos arts. 40.° e 41.°, n.° 1 do Estatuto que, para atribuição de uma pensão de sobrevivência, exige o recurso a tribunal para que seja decretada ou homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que exista uma separação judicial de pessoas e bens mas não exista separação de facto, permanecendo uma união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação, é incongruente, porque faz depender a concessão de um importante benefício social de uma condição impossível de cumprir, uma vez que a espontânea e recíproca contribuição dos cônjuges para os encargos normais da vida familiar e o espontâneo cumprimento do dever de assistência cobrem a necessidade de alimentos, fazendo desaparecer o pressuposto de que depende o recurso ao tribunal;
14ª)- A atribuição do direito a uma pensão de sobrevivência deve ser entendida como um corolário do direito à segurança social, previsto no art. 63.° da Constituição, pelo que o condicionamento da sua atribuição ao cônjuge supérstite ao prévio recurso a tribunal para que tivesse sido decretada ou homologada uma pensão de alimentos, nos casos em que existia uma separação judicial de pessoas e bens mas não existia separação de facto, permanecendo uma união de vida e comunhão de cama, mesa e habitação, com contribuição espontânea do cônjuge falecido para os encargos normais da vida familiar e espontâneo cumprimento do dever de assistência é uma exigência manifestamente inadequada, excessiva e desproporcionada relativamente a eventuais benefícios da mesma, violando o princípio constitucional da proporcionalidade;
15ª)- Em consequência, a interpretação do Estatuto que faz tal exigência e foi perfilhada pelo acórdão recorrido é, também ela, violadora do mesmo princípio da proporcionalidade;
16ª)- Na presente acção, está em causa a apreciação e interpretação de uma diploma de previdência ou segurança social, não implicando nem a sua interpretação nem a subsunção da situação de facto à previsão do art. 40.°, n.°1, alínea a) a impugnação do estado civil da autora e de seu marido, à data da morte deste, como separados judicialmente de pessoas e bens;
17ª) - A presente acção não é uma acção de estado, pelo que o art. 3.°, n.°2 do Cód. do Registo Civil não é objecção à pretensão da autora.
Supletivamente, caso se considere aplicável o art. 41.°, n.°1 do Estatuto,
18ª)- Ponderados os valores das pensões de reforma da autora e de seu marido e os factos de permanecerem coabitando após a separação formal em moldes idênticos àqueles em que tinham vivido nos últimos vinte e cinco anos e da morte do marido ter tido como consequência necessária a diminuição do nível de vida da autora, por razões de natureza económica, resulta manifesto que o marido era a principal fonte de rendimento do casal, contribuindo para o sustento da autora;
19ª)- Uma vez que a pensão de alimentos mais não é do que uma manifestação residual do dever de assistência, a contribuição espontânea e corrente do marido da autora, após ter sido decretada a separação judicial, para os encargos da vida familiar comum deve ser entendida como superlativa relativamente a uma qualquer pensão de alimentos, dispensando, assim, a estipulação ou homologação judicial da pensão de alimentos prevista no art. 41.0, n.°1 do Estatuto;
20ª)- Logo, se a lei reconhece o direito à pensão de sobrevivência àquele cônjuge separado de pessoas e bens a quem - quando da separação - foi estipulada uma pensão de alimentos, por maioria de razão o deve reconhecer quando tal pensão de alimentos apenas não foi determinada por desnecessidade de imposição formal, uma vez que a mesma era prestada espontânea, natural e regularmente;
21ª)- Nestas condições a intervenção judicial nuca seria admissível, uma vez que se destinaria a homologar uma situação de pleno entendimento entre o casal, com violação dos princípios da subsidariedade e da reserva da intimidade da vida privada e familiar;
22ª)- De qualquer dos modos, a verdade é que a Relação tinha elementos de facto bastantes para decidir que a autora estaria em condições de requerer uma pensão de alimentos, se tal se tivesse demonstrado necessário e a contribuição não partisse espontaneamente do seu marido.
Supletivamente, caso não se considerem aplicáveis nem o art. 40.°, n.°1, nem o art. 41.°, n.°1 do Estatuto, sempre seria de concluir que
23ª)- A autora e seu mando preencheram, de forma anormalmente rica, os pressupostos relativos à vida em comum, constantes do art. 2020.° do Cód. Civil, não podendo ser considerada impeditiva dos efeitos jurídicos da união de facto a existência de casamento anterior não dissolvido, quando esse casamento for o casamento dos próprios que agora passam a viver em união de facto;
24ª)- A exigência de uma vida em comum ao longo de dois anos é a única exigência constitucionalmente aceitável para que seja reconhecido o direito à atribuição da pensão de sobrevivência;
25ª)- A estipulação do direito a uma pensão de sobrevivência desde que estejam reunidas as condições do art. 2020.°, do Cód. Civil, não pode ser entendida como uma referência à necessidade do alimentando ou às possibilidades do alimentante, já que estas condições já decorrem do princípio geral estabelecido no art. 2004.° do Cód. Civil;
26ª)- O entendimento que faz depender o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, da verificação de todos os requisitos previstos no n.° 1, do artigo 2020°, com referência ao artigo 2009.°, alíneas a) a d), ambos do Código Civil, é colidente com a Constituição, na medida em que viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13°, em conjugação com o n.° 1 do artigo 36°, que a todos reconhece o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade;
27ª)- A exigência de que, além dos dois anos de vida comum, a autora demonstre a necessidade de alimentos e a impossibilidade de os obter da herança ou familiares é uma restrição desproporcionada, desadequada e não exigível ao direito à segurança social previsto n.°3, do art. 63.°, da C.R.P., pelo que viola o princípio da proporcionalidade;
28ª)- Os fundamentos e natureza dos direitos a alimentos e à pensão de sobrevivência são bem diversos; aqueles destinam-se a fazer face a uma situação de necessidade do alimentando, enquanto a pensão de sobrevivência resulta dos descontos efectuados pelo contribuinte na sua vida profissional e visa compensar o seu beneficiário da perda de rendimentos resultante da morte do contribuinte. Os alimentos são exigíveis a familiares ou à herança do morto, ao passo que o pagamento da pensão de sobrevivência é assegurada por uma entidade pública, como corolário do direito à segurança social. Além disso, a medida da pensão de sobrevivência é independente do nível de necessidade de alimentos daquele que a recebe;
29ª)- Logo, é incongruente, desadequado e sem razoabilidade fazer depender a atribuição da pensão de sobrevivência da indigência de quem a recebe e da inexistência de quem preste alimentos;
30ª)- Todavia, mesmo para quem entenda que só é herdeiro hábil o companheiro que necessitar de alimentos, se se considerar que a pensão é a mesma que receberia se fosse cônjuge sobrevivo, que tal pensão não varia em função do facto de a herança ter ou não meios para lhe prestar alimentos, nem em função da necessidade de alimentos ser absoluta ou parcial e se se considerar ainda que tal pensão apenas varia em função do estatuto do defunto pensionista e não em função da necessidade de alimentos do sobrevivente, sempre se impõe concluir que, a ser relevante, a necessidade de alimentos deve ser aferida por referência ao estilo de vida havido na pendência da união de facto;
31ª)- Logo, a decisão do Tribunal da Relação que decidiu que a pensão da autora é manifestamente suficiente para os encargos que a mesma possui, sem considerar o trem de vida económico-social, as necessidades recreativas, as obrigações sociais, da autora e seu marido na pendência da vida em comum, violou o disposto no art.º 41º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 142/73, quando conjugado com os art.s 2020º e 1675º, do Cód. Civil, além dos princípios constitucionais já acima referidos;
32ª)- Impondo-se a ponderação do trem de vida mantido na pendência da vida em comum, forçoso era considerar, face à prova de que a autora tinha deixado de viajar, frequentar restaurantes e espectáculos, como costumava fazer, por carência de rendimentos após a morte do marido, que o trem de vida da autora tinha diminuído e que, portanto, esta se encontrava necessitada de alimentos, conclusão esta que o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar, por não envolver modificação da matéria de facto;
33ª) A decisão recorrida, na medida em faz depender o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, da verificação de todos os requisitos previstos no n.° 1 do artigo 2020.º, com referência ao artigo 2009°, a) a d), ambos do Código Civil, designadamente da verificação de uma absoluta necessidade de alimentos para garantir as despesas com vestuário, alimentação e alojamento, é colidente com a Constituição, na medida em que viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 130, em conjugação com o n.° 1 do artigo 36°, reconhecendo a todos o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade;
34ª)- Todavia, mesmo admitindo a interpretação mais desfavorável à recorrente no que respeita à necessidade de alimentos, adoptada no acórdão em recurso importa que na ponderação da necessidade de alimentos o Tribunal tenha em conta a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais, os seus rendimentos e proveitos e todas as circunstâncias que respeitem a quem presta e a quem recebe (art. 2016.°, n.° 3 do Cód. Civil).
35ª)- Ora, face à prova de que além dos gastos quantificados, a autora ainda tem gastos com alimentação, vestuário e calçado e, sendo hipertensa e cardíaca, vivendo apavorada com o medo de um súbito agravamento da sua situação de saúde, sem ter ninguém para a socorrer, carece de assistência de terceira pessoa para acompanhamento quotidiano, tanto devido à sua saúde, como para o seu equilíbrio emocional e psico-afectivo, sempre seria de considerar, que os rendimentos da autora não são suficientes para fazer face às suas necessidades de subsistência;
36) Assim, a decisão recorrida não só violou o critério legal estabelecido no art. 2016.°, n.° 3, do Cód. Civil, como entrou em contradição com a matéria dada como provada, o que se traduz numa nulidade de sentença prevista no art. 668.°, n.° 1, alínea c) do CPC.
7. Contra-alegou a entidade recorrida" CAIXA-GERAL DE APOSENTAÇÕES", sustentando a correcção do julgado pelas instâncias, para o que formulou as seguintes conclusões:
1ª- A atribuição de uma pensão de sobrevivência à A. dependeria de aquela reunir as condições previstas no art.° 2020.° do Código Civil e de existir acção judicial a comprová-lo;
2ª- Para que a acção pudesse proceder, a A. tinha de ter alegado e provado factos que pudessem servir de suporte ao reconhecimento de direito a alimentos, ou seja, que provar quer a existência da união de facto com o pensionista à data da morte deste, pelo espaço de tempo exigido por lei (no mínimo dois anos), quer ainda a carência efectiva da prestação de alimentos e, ainda, a impossibilidade de os obter das pessoas mencionadas no art. ° 2009. ° do Código Civil;
3ª- Cabia à Autora o ónus da prova, dado que todos os requisitos previstos no artº 2020. ° do Código Civil constituem os fundamentos do direito que se arroga, pelo que deviam ter sido alegados para posteriormente poderem ser provados, nos termos do artº 342., nº 1, do Código Civil;
4ª- A A. não alegou matéria susceptível de integrar os pressupostos previstos na lei, designadamente, no art. ° 2020. ° do Código Civil e no disposto no DL 7/2001, de 11/5, e DL 142/73, de 31/3, na redacção que lhe foi dada pelo DL 191-B179, de 25/6, nem de forma genérica ou conclusiva;
5ª- É manifesta a contradição da pretensão da A. que, por um lado, acordou separar-se de pessoas e bens do seu marido por forma a não concorrer na herança deste e, por outro lado, agora pretende considerar-se herdeira hábil para efeitos de pensão de sobrevivência;
6ª- Dúvidas não existem que quanto à previsão do art. ° 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência falta o requisito legal de a A. ter direito a receber à data da morte do contribuinte pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente, pois, aquando da ocorrência do processo subscrita pelos cônjuges de separação de pessoas e bens, não existiu acordo de pensão de alimentos, tendo, quando muito, existido uma simples declaração da não necessidade recíproca de alimentos, tendo ficado provado que ambos os cônjuges eram pensionistas e ambos auferiam pensões de reforma de montante considerável;
7ª- Por faltar o requisito essencial previsto na parte final do art.º 41., n.º 2, do E.P.S., excluída fica a hipótese de a A. ter direito a receber pensão de sobrevivência, obstando a falta de fixação judicial de pensão de alimentos ao direito à pensão de sobrevivência, nos termos do citado preceito legal:
8ª- Por outro lado, a situação da A. também não se enquadra na previsão da alínea a) dos art°s 40.° e 41º, n.° 1, do E.P.S., pois, apesar de se tratar de cônjuge do contribuinte, não é uma verdadeira herdeira hábil nos termos do art.° 2133., n.° 3, do Código Civil e pelo facto de existir uma norma especial para o seu caso no ari.° 41., n° 2, citado;
9ª- Por outro lado, se não se apurou o rendimento dos bens de que a herança era composta, também não se provou que tal rendimento estivesse afecto ao sustento de outras pessoas que não fossem os herdeiros do pensionista B. Em suma, não foi esclarecida a possibilidade de a herança deixada em aberto pelo pensionista B satisfazer o direito a alimentos da A.;
10ª- O montante da pensão de aposentação auferida pela A. (que, no ano de 2001, ascendia a 238.110$00 mensais líquidos) é manifestamente suficiente para suportar todos os encargos daquela, não estando, assim, a Autora em condições de pedir alimentos à herança;
11ª- Não estando a A. em condições de pedir alimentos à herança, falta um requisito legal previsto no art.º 2020. do Código Civil, pois, o art.° 40.º, n. ° 1, alínea d), do E.P.S., faz depender o direito à prestação de alimentos.
8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre decidir.
9. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes, por remissão para a decisão de 1ª instância, os seguintes pontos:
1°- B, faleceu com 72 anos de idade, no estado de casado com A, ora autora, mas separado de pessoas e bens, por decisão do Conservador de 16 de Outubro de 1996, transitada em 25 de Outubro de 1996;
2° - À data da sua morte, o marido da autora auferia uma pensão de reforma da Caixa Geral de Aposentações, no montante de anual ilíquido de 5.315.250$00, sendo o pensionista n.° 0216798;
3°- A A. nasceu no dia 14-2-30 e era filha de C e de D - doc. de fls. 11, entretanto já falecidos, respectivamente, a 18/11/59 e em 11/10/73;
4°- Eram ainda filhos do casal constituído por C e D, e portanto irmãos da autora, E, nascido a 3/7/34, - doc. de fis 59; F, nascido a 28/7/35, - doc. de fis 60; G, nascida a 20/3/33, - doc. de fis 61; e H, nascida a 10/2/28, - doc. de fis 62;
5° - A autora não tem descendentes;
6°- Desde a data do seu casamento e até a morte do seu marido, a autora e este sempre partilharam cama, mesa e habitação, vivendo em economia comum;
7º- A separação judicial de pessoas e bens não correspondeu a uma efectiva alteração da vida quotidiana do casal, tendo somente correspondido à solução encontrada para que na data da morte do Cônjuge marido, os filhos que este tinha de anterior casamento não vissem a sua herança prejudicada pela concorrência da A. como herdeira forçada;
8°- Apesar da separação formal de pessoas e bens a autora e o seu marido continuaram a habitar na mesma casa;
9°- Relativamente aos anos fiscais de 1996 e 1997 a autora apresentou uma única declaração de rendimentos em conjunto com o seu marido, - doc.s de fls. 14 e 63 a 65 - (4° da BI);
10°- O falecido marido contribuía para as despesas comuns do casal;
11º- No ano de 1996 a A. e seu marido declararam um rendimento bruto, proveniente da pensão de reforma de ambos, cuja soma ascendia a 7.919.960$00, - doc. de fls. 14, e no ano de 1997, ascendia a 8.179.780$00 - (6° da BI);
12°- Viviam numa confortável casa em Anadia, pela qual pagavam uma renda mensal de 12.000$00;
13°- Recebiam os amigos com frequência em sua casa, viajavam e tinham condições económicas para participar em toda a vida social de Anadia;
14°- Após a morte do seu marido a autora viu-se confinada a receber uma pensão que em 2000 atingiu o montante mensal bruto de 231.250$00, mas no ano de 2001 a pensão da A. ascende a 238.110$00 líquidos;
15°- A A. viu-se obrigada a sair da casa onde vivia, na sequência da carta que lhe foi remetida pela senhoria, junta a fls. 9, tendo então mudado para Espinho, onde viviam alguns dos seus familiares;
16° - A autora acabou por recorrer à ajuda de um sobrinho, a quem pediu 12.500.000$00 para a financiar na aquisição duma casa, tendo sido essa a solução mais económica que encontrou;
17°- Apesar de se tratar dum empréstimo sem juros, a autora entrega todos os meses a quantia de 90.000$00 ao seu sobrinho, com o intuito de progressivamente amortizar a dívida;
18°- A A. tem gastos com alimentação de valor não apurado;
19°- Em água, gás e electricidade a autora tem o gasto mensal de 10.000$00;
20°- Em telefone a autora gasta cerca de 5.000$00 por mês - (15° da BI);
21°- A autora tem gastos com vestuário e calçado de valor não apurado;
22°- Devido à idade da autora, esta precisa de apoio doméstico sistemático, no que gasta 25.000$00 por mês;
23°- Em medicamentos, consultas médicas e tratamentos, a autora gasta uma média de 12.500$00 por mês;
24°- A A. deixou de viajar, frequentar restaurantes e espectáculos, que eram actividades que com frequência desenvolvia, mas que agora por falta de rendimento não faz;
25°- A autora é hipertensa e doente cardíaca, tendo já sido internada no Hospital, de urgência, por 3 vezes;
26°- A autora carece de assistência de terceira pessoa para acompanhamento quotidiano devido à sua saúde, mas também para o seu equilíbrio emocional e psico-afectivo;
27°- A autora vive apavorada com o medo de um súbito agravamento da sua situação de saúde, sem ter ninguém para a socorrer;
28°- A herança deixada por seu marido era composta, entre outros, por bens móveis, duas casas sitas no lugar de Gandarinha em Cucujães, e no lugar da Costa, também em Cucujães, com o valor patrimonial de 124.740$00 e 62.370$00, respectivamente; e dois prédios rústicos sitos em Cucujães, com o valor patrimonial de 140.840$00 e 12.208$00;
29°- A irmã da autora H ganha uma pensão de 150.000$00, mas o seu marido sofre de insuficiência cardíaca crónica de cerca de 80%, estando sujeito a frequentes internamentos hospitalares ;
30°- O irmão da autora, E, tem uma reforma de 200.000$00 mensais, é pai de 5 filhos, 2 dos quais ainda estão a seu cargo, para além de apoiar uma filha divorciada;
31°- O irmão F também aufere urna pensão, mas é pai de 7 filhos, os quais apoia economicamente, sendo que fornece habitação a uma das suas filhas que está em processo de divórcio, e 3 filhos ainda estão em formação;
32°- A irmã da autora G tem uma reforma como professora primária no valor de 300.000$00 mensais, mas apoia os seus sobrinhos, entre os quais está uma sobrinha tetraplégica.
10. Direito aplicável.
A A., ora recorrente, faz radicar a sua pretensão à pensão de sobrevivência no artº 41° n°s 1 e 2 do DL 142/73 de 31/3 que aprovou o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, posteriormente alterado pelo DL 191-B/79, de 25/6.
E, com efeito, nos termos do art° 40° n° 1 al. a) do DL 142/73, têm direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos contribuintes, os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020° do C. Civil.
Estatui, por seu turno, o nº 1 desse artigo 41° que "os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens só se considerarão herdeiros hábeis para efeitos de pensão de sobrevivência se tiverem direito a receber do contribuinte à data da sua morte pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente".
O n° 2 da mesma norma preceitua que " aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020° do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito".
Ora, para que a acção pudesse proceder, a A. teria de ter satisfeito, de modo cabal e conveniente, quer o ónus da alegação, afirmação ou dedução quer o ónus da prova dos factos integradores do direito invocado em juízo, ou seja, da alegação e prova dos factos que pudessem servir de suporte ao reconhecimento de direito a alimentos; "rectius" de provar, quer a existência da união de facto com o pensionista à data da morte deste, pelo espaço de tempo exigido por lei (no mínimo dois anos), quer ainda a carência efectiva da prestação de alimentos e, ainda, a impossibilidade de os obter das pessoas mencionadas no art ° 2009. ° do Código Civil;
E isto porque todos os requisitos contemplados no artº 2020º do Código Civil constituem os fundamentos (factos constitutivos) do direito que a mesma se arrogou (conf. artº 342, nº 1, do Código Civil).
Mas tal como já observaram as instâncias, a A. não alegou - nem sequer por forma genérica - matéria fáctica susceptível de integrar os pressupostos legais, designadamente os reclamados pelo art.° 2020° do Código Civil, e pelos DL,s 7/2001, de 11/5 142/73, de 31/3, este na redacção que lhe foi dada pelo DL 191-B179, de 25/6.
É líquido que à data da morte do marido da A., encontrando-se ambos separados judicialmente de pessoas e bens, esta não tinha direito a receber qualquer pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente, sendo, pois, inaplicável à hipótese o disposto no citado n° 1 do art° 41°.
Deste modo, seria de aplicar à situação vertente o disposto no artigo 41° n° 2 do sobredito diploma, impendendo assim sobre a A., ora recorrente, o encargo de provar os requisitos previstos no artigo 2020° n° 1 do Código Civil, ou seja: que no momento da morte de seu ex-marido com ele convivia há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, para que lhe assistisse o direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não pudesse obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009° do mesmo corpo normativo.
E, com efeito, o n° 1 desse artigo 2009° postula que "estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada, os seguintes parentes do necessitado:
a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;
b) Os descendentes;
c) Os ascendentes;
d) Os irmãos".
Ora, no caso sob análise o cônjuge falecido B, contraíra casamento com a A. em 22-9-76, tendo falecido em 8-1-98, ainda no estado de casado com a A., mas, todavia, separado de pessoas e bens, por decisão do Conservador do Registo Civil datada de 16-10-96 e transitada em julgado em 25 -10-96 - docs. fls. 8 e 11 a 13.
Temos pois que desde 25-10-96 até 8-1-98 não havia ainda decorrido o período de dois anos de que a lei (art° 2020° n° 1) faz depender a atribuição de alimentos ao necessitado.
Abra-se aqui um parêntesis para observar que tendo a ora recorrente vivido com o falecido B desde que entre si casaram, logo arredaria a subsunção da hipótese concreta na estatuição-previsão do artº 2020° n° 1 do Código Civil;isto porque não poderia deixar-se de considerar todo o tempo do casamento como integrando o requisito temporal previsto nesse inciso normativo.
E não restam dúvidas de que incumbia também à A., ora recorrente a prova (artº 342°, n° 1 do C. Civil) de que não lhe era possível obter os alimentos nos termos das alíneas a) a d) do art° 2009°, sendo que a responsabilidade da herança se perfilaria sempre como meramente residual ou subsidiária da responsabilidade parental. (Prova essa que - diga-se de passagem - foi feita ).
No que tange requisito da carência efectiva da prestação de alimentos - salienta a Relação que, de harmonia com a prova produzida em juízo atinente à situação económica da requerente, "dúvidas não existem de que a autora não conseguiu provar que carece efectiva e concretamente de que lhe sejam prestados alimentos" (sic).
Para além de que " a pensão de aposentação que a A. recebe da Caixa Geral de Aposentações 238.110$00 mensais líquidos em 2001 é manifestamente suficiente para a autora suportar os encargos que possui" (igualmente sic).
A decisão das instâncias não poderia, pois, ser outra face à estatuição das normas do direito actualmente constituído.
Havia já salientado, aliás muito enfaticamente, a decisão de 1ª instância o seguinte:
"a pensão de reforma que a A. recebe da Caixa Geral de Aposentações dará para suportar todos os seus encargos, pelo que, em rigor, a A. não necessita de pedir alimentos à herança do seu falecido marido.
Ora, se a A. não está em condições de pedir alimentos à herança, falta um requisito legal previsto no artº 2020º do C. C., do qual o artº 40º, nº 1, al. d) do DL 142/73 de 31/3 faz depender o direito à prestação de sobrevivência" (sic).
Nem se diga - contra o que sustenta a recorrente - que "A decisão recorrida, na medida em faz depender o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, da verificação de todos os requisitos previstos no n.° 1 do artigo 2020.º, com referência ao artigo 2009°, a) a d), ambos do Código Civil, designadamente da verificação de uma absoluta necessidade de alimentos para garantir as despesas com vestuário, alimentação e alojamento, é colidente com a Constituição, na medida em que viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 130, em conjugação com o n.° 1 do artigo 36°, reconhecendo a todos o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
Desde logo porque a fiscalização concreta se não reporta a decisões judiciais mas sim a normas concretamente aplicadas ou interpretadas.
E depois porque se não descortina nessa aplicação concreta qualquer discriminação negativa violadora dos princípio da igualdade perante a lei e da justiça dos cidadãos que se encontrem em idêntica situação e ainda do direito à constituição da família e à contracção de matrimónio em condições de plena igualdade.
Assim como se não descortina na interpretação que as instâncias fizeram dos artºs 40.° e 41.°, n.° 1 do mencionado Estatuto («que condicionam a concessão de um importante benefício social, como o é a pensão de sobrevivência, ao recurso ao tribunal para estipulação de uma inútil pensão de alimentos, na expressão da recorrente») prejudique o equilíbrio familiar e, nessa medida, seja violadora do art.º 67° da CRP. É que o direito social à protecção da família assegurada por esse preceito constitucional não é um direito de contornos absolutos ou irrestritos, pois que pressupõe necessariamente uma regulamentação balizada pelo binómio necessidade/possibilidade tacitamente remetida para as opções de política legislativa a consubstanciar, por isso, através da legislação infra-constitucional.

11. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Novembro de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares