DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
DEVER DE LEALDADE
BRISA
Sumário

I - A justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- Um comportamento culposo do trabalhador;
- A impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
- A existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
II - O dever de lealdade do trabalhador para com a entidade patronal tem um traço subjectivo traduzido na estreita permanência e confiança da relação entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesmo, susceptível de abalar e destruir essa confiança, e um traço objectivo traduzido na necessidade de adequação do comportamento do trabalhador à realidade do interesse do empregador.
III - Desempenhando o autor, ao serviço da ré, concessionária de auto-estradas, as funções de operador de posto de portagem e verificando-se que entre 01 e 10 de Agosto de 2000 foram pagas por 25 vezes as taxas de portagens na cabina do A. com um cartão multibanco utilizado abusivamente - pagamentos esses efectuados sempre no mesmo sentido de trânsito, com uma frequência anormalmente elevada (num dia foram efectuados 7 pagamentos) e com intervalos de tempo muito curtos (cerca de 4 minutos) -, não pode concluir-se que o A. tinha conhecimento e deu a sua anuência à utilização abusiva do cartão multibanco para pagamento das portagens, se no exercício das suas funções não podia proceder à identificação de nenhum utente das auto-estradas, quando lhe era apresentado um cartão multibanco como meio de pagamento de taxas de portagens, não podia averiguar se o apresentante era ou não o seu titular e se o utente que não fosse titular do cartão multibanco o utilizava com a autorização e conhecimento daquele, apenas podendo recusar o pagamento de taxas de portagem com cartão multibanco quando surgisse no sistema informático a indicação "cartão a capturar", sendo certo que era ainda permitido que um utente pagasse a portagem com cartão multibanco, parasse um pouco à frente e voltasse à portagem para que a taxa de portagem devida por outro ou outros condutores que circulavam atrás dele fosse paga com o mesmo cartão.
IV - Não se verificando o conhecimento e anuência do autor à utilização abusiva do cartão multibanco e não resultando dos factos provados qualquer comportamento culposo do mesmo autor, forçoso é concluir pela ilicitude do despedimento.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
"A", intentou, no Tribunal do Trabalho de Almada, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra B, pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento, promovido por esta e, em consequência, condenada a reintegrá-lo, ou em alternativa a pagar-lhe a indemnização de antiguidade (2.197.300$00), caso venha a optar por ela, bem como retribuições vencidas (791.066$00) e férias e subsídios de férias vencidos (342.436$00) e ainda uma indemnização a título de danos morais (2.000.000$00).
Alegou, para tanto, em síntese, que foi admitido ao serviço da R. em 16 de Junho de 1987 para exercer as funções de operador de posto de portagem, e que esta por decisão de 00.12.28 o despediu com a alegação de justa causa; porém, tal despedimento é ilícito, por não verificação da justa causa invocada.
E, com o referido comportamento, a R. lesou a sua honra e dignidade, provocando-lhe danos morais que devem ser ressarcidos.
Além disso, acrescenta, a R. não lhe pagou retribuições, férias e subsídio de férias, que discrimina.
Realizada a infrutífera audiência de partes, contestou a R., sustentando a existência de justa causa de despedimento do A. e ainda que este não demonstrou a existência de danos não patrimoniais.
Conclui, por isso, pela improcedência da acção.
Os autos prosseguiram os seus termos, com a realização da audiência de discussão e julgamento - no decurso da qual o A. veio a optar, em substituição da reintegração, pela indemnização de antiguidade -, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 23 990, 45, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 7%, desde as datas dos vencimentos de cada um dos diferentes créditos até efectivo pagamento, com excepção dos relativos à importância de € 2 493,99 arbitrada a título de danos não patrimoniais, devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.
Inconformada com a decisão, a R. dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 03.01.15 concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 2 493,99 por danos não patrimoniais, dela absolvendo a R., e mantendo, no mais, a sentença recorrida.
De novo inconformada, a R. recorreu de revista, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
A) Resulta da matéria de facto considerada assente que, entre 1 e 10 de Agosto de 2000, ocorreram 25 utilizações de um cartão Multibanco para pagamento de portagens, propriedade dum utente da estrada concessionada, entendidas como abusivas na medida em que os intervalos de tempo entre as diversas utilizações eram muito mais curtos do que os indiciados pelo código da portagem de origem de percurso dos condutores, a quem foram atribuídos e a frequência da utilização de um mesmo cartão era anormalmente elevada, registando-se, para mais, sempre no mesmo sentido de trânsito, porque na mesma via de portagem.
B) Estas vinte cinco utilizações ocorreram na cabina de portagem de Coina Plena Via, onde e quando o Recorrido desempenhava as suas funções de operador de portagem.
C) As utilizações do cartão que ocorreram fora daquela cabina, entre a primeira e última das vinte cinco utilizações atrás referidas, não permitem extrair qualquer conclusão de responsabilidade do ora Recorrido.
D) Assim, como se afirmou inicialmente, a questão resume-se a saber:
- se, num critério de normalidade, aquelas vinte cinco utilizações são ou não susceptíveis de colocar em crise a relação de confiança que é essencial à relação juslaboral e
- se, conforme se concluiu em sede de procedimento disciplinar, é possível concluir pela existência dum comportamento culposo do trabalhador (a questão do conhecimento e anuência).
E) Assentando o vínculo laboral numa base de confiança mútua, e considerando as funções que lhe estavam confiadas, o comportamento do operador de portagem correspondente a efectuar na cabina de portagem onde presta serviço, vinte cinco pagamentos com um cartão Multibanco cujo titular apresentou uma reclamação ao banco alegando tê-lo perdido, sendo que os referidos pagamentos se verificam com intervalos de tempo entre as diversas utilizações muito mais curtos do que os indiciados pelo código da portagem de origem de percurso dos condutores, com uma frequência da utilização de um mesmo cartão anormalmente elevada, e registando-se sempre no mesmo sentido de trânsito (porque na mesma via de portagem), não só trai a confiança nele depositada pela entidade empregadora (reflexos do comportamento no desenvolvimento da relação de trabalho), como, sobretudo, põe em causa a própria confiança que os clientes depositam na B, inerente ao bom desempenho das actividades da empresa e, consequentemente, a imagem da empresa (reflexos na confiança e imagem da empresa).
F) Os operadores de portagem representam, para a B, a sua mais directa e imediata relação com o público, configurando, de alguma forma, a própria imagem da empresa.
G) Tal como o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu, em Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 1995, o dever geral de lealdade "tem um lado subjectivo que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de abalar ou destruir essa confiança, criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador
(...) Por outro lado, a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliada a um moderado grau de culpa, pode (...) levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança".
H) Resultou provada toda a responsabilidade que o operador de portagem tem sobre a cabina de portagem.
I) Em termos de probabilidade e juízo comum, não pode deixar de se imputar ao trabalhador em causa conhecimento e anuência na situação verificada de uso abusivo de um cartão multibanco de um utente da estrada concessionada.
J) É, designadamente, inverosímil, que o mesmo cartão fosse utilizado por duas vezes, por diferentes utilizadores ou pelo mesmo utilizador em duas passagens, num espaço de quatro minutos, ou que as vinte cinco utilizações decorram sendo portageiro o trabalhador A, sem que este tenha comparticipado, no mínimo, em tais utilizações.
L) O conhecimento e anuência são a conclusão normal, num critério básico de probabilidade, ficando irremediavelmente comprometida a relação juslaboral, por quebra absoluta da base de confiança.
M) Não subsistem dúvidas quanto ao nexo de causalidade entre o comportamento do trabalhador e a impossibilidade de manutenção da relação laboraI.
N) É certo que ao processo disciplinar não deixa de se aplicar, como a todos os processos de natureza sancionatória, o princípio constitucional do art. 32° n° 2 da Constituição da República Portuguesa, reconhecido para o processo criminal, da presunção de inocência do arguido até ser declarado culpado.
O) Inclusivamente, tal princípio corolário lógico dos direitos fundamentais à integralidade moral, e ao bom nome e reputação - art.s 25° e 26° da Constituição da República Portuguesa.
P) Mas, tal como no processo penal, a afirmação de tal princípio não significa que a presunção de inocência impeça a ponderação da prova produzida, impondo, face a qualquer óbice, a conclusão pela inocência, nem é uma norma de interpretação, favorável, por definição, ao réu;
Q) O que o princípio da presunção de inocência impõe é a consideração da dúvida razoável, relativamente a factos incertos; não impõe, nem sequer permite a sua extrapolação a outros factos;
R) No processo disciplinar laboral está essencialmente em causa a verificação de factos susceptíveis de, num critério de normalidade, colocarem em crise a relação de confiança essencial à relação laboral.
S) Diversamente do que sucede no processo criminal, não está em causa uma conduta - tipicamente desvalorada como ilícito penal -, mas a repercussão desse comportamento na relação laboral.
T) Não cabe à entidade patronal, ora Recorrente, explicar as dez utilizações do cartão que ocorreram fora da portagem onde e quando o Recorrido prestava serviço, nem lhe cabe a obrigação de arranjar prova plena e absoluta da comparticipação do Recorrido nas vinte cinco utilizações em causa.
U) Por errada interpretação da lei, a decisão recorrida viola, assim, o disposto no art. 9° do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Contra-alegou o recorrido, pugnando pela improcedência do recurso.
Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto "parecer" no sentido de não ser concedida a revista, ao qual respondeu a recorrente, procurando contrariar o mesmo.
II. Enquadramento fáctico
As instâncias deram como provada a seguinte factualidade, que se aceita, por não ocorrer fundamento legal para a sua alteração:
1. O A. foi contratado pela Ré em 16 de Junho de 1987, a fim de exercer as funções de operador de posto de portagem, sob a autoridade e direcção daquela e mediante retribuição.
2. O contrato de trabalho existente entre o A. e a Ré foi rescindido por esta em 28.12.2000 com alegação de justa causa.
3. O A. prestava a sua actividade profissional no posto de portagens de Coina PV, em regime de turnos.
4. Na data da cessação do contrato de trabalho auferia as seguintes prestações pecuniárias mensais:
a) - Vencimento base - 578,11 euros
b) - Subsídio de turno - 124,70 euros
c) - Diuturnidades - 80,06 euros
d) - Subsídio de alimentação - 142,66 euros
e) - Abono para falhas - 1,21 euros / dia
5. O vencimento base, o subsídio de turno e as diuturnidades referidos em 4°. eram também pagos ao A. a título de subsídios de férias e de Natal.
6. Por carta datada de 18 de Outubro de 2000, a Ré comunicou ao A. a instauração de um processo disciplinar, com vista a eventual rescisão do contrato de trabalho com justa causa, e enviou-lhe a respectiva nota de culpa, que constitui fls. 14 e 15 dos autos.
7. O A. respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 16 e 17.
8. Por carta datada de 27 de Dezembro de 2000 e recebida pelo A. no dia seguinte, a Ré comunicou-lhe o seu despedimento com alegação de justa causa, remetendo-lhe cópia da decisão proferida no processo disciplinar, que se encontra junta a fls. 19 a 26.
9. No mês de Dezembro de 2000 a Ré pagou ao A. a retribuição líquida global de 123.459$00.
10. A Ré não pagou ao A. as férias proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato (2000), nem o respectivo subsídio.
11. O A. não gozou no ano de 2000, nem recebeu, quatro dias úteis de férias vencidas em 01.01.2000.
12. No dia 24 de Agosto de 2000, a agência do Barreiro do Banco C contactou telefonicamente a Ré, na pessoa do encarregado de portagens D, solicitando informação sobre débitos resultantes do pagamento de portagens efectuado com o cartão multibanco n°. 477598-0020156-57-4, por o respectivo titular afirmar que não o tinha utilizado para aquele fim e que o tinha perdido.
13. Por telecópia de 25 de Agosto de 2000, o Banco C confirmou o teor da comunicação telefónica do dia anterior.
14. Efectuada uma consulta aos" ficheiros de origens ", a Ré constatou que o cartão multibanco referido em 12. tinha sido utilizado para pagamento de taxas de portagem nos seguintes dias, horas e locais:
Dia Hora Portagem
22.07.2000 10h 05m Coina PV
23.07.2000 09h 29m Setúbal
29.07.2000 13h 39m Setúbal
30.07.2000 12h 41m Setúbal
01.08.2000 12h 52m Coina PV
01.08.2000 12h 56m Coina PV
01.08.2000 13h 26m Coina PV
01.08.2000 14h 10m Coina PV
04.08.2000 09h 09m Coina PV
04.08.2000 10h 06m Coina PV
04.08.2000 10h 29m Coina No1
04.08.2000 10h 57m Coina PV
04.08.2000 12h 23m Coina PV
04.08.2000 13h 34m Coina PV
04.08.2000 14h 01m Coina PV
04.08.2000 15h 43m Coina PV
05.08.2000 09h 24m Coina PV
05.08.2000 11h 21m Coina PV
05.08.2000 13h 31m Coina PV
05.08.2000 15h 30m Coina PV
06.08.2000 10h 18m Coina PV
06.08.2000 11h 07m Coina PV
06.08.2000 13h 06m Coina PV
06.08.2000 14h 49m Coina PV
06.08.2000 16h 19m Coina No1
06.08.2000 18h 48m Pombal
07.08.2000 09h 35m Coina PV
07.08.2000 10h 41m Coina PV
07.08.2000 11h 45m Coina PV
07.08.2000 13h 28m Coina PV
07.08.2000 15h 37m Coina PV
09.08.2000 23h 23m Coina No1
09.08.2000 23h 27m Coina No1
10.08.2000 00h 09m Coina PV
10.08.2000 03h 56m Coina PV
15. Dos 35 pagamentos de taxas de portagens com o cartão multibanco n°. 477598-0020156-57-4, 25 foram efectuados nas cabinas de portagem em que o A. se encontrava a prestar serviço no momento das transacções.
16. No dia 22.07.2000 o A. esteve de folga, tendo ocorrido nesse dia uma utilização do cartão multibanco às 10 h 05 m na portagem de Coina PV.
17. No dia 23.07.2000 o A. prestou serviço no turno das 16 h 00 às 24 h 00, tendo havido nesse dia uma utilização do cartão multibanco às 09 h 29 m na portagem de Setúbal.
18. Nos dias 29 e 30 de Julho de 2000, o A. prestou serviço no turno das 08 h 00 às 16 h 00, tendo ocorrido em cada um desses dias uma utilização do cartão multibanco na portagem de Setúbal às 13 h 39 m e 12 h 41 m, respectivamente.
19. No dia 01.08.2000 o A. prestou serviço no turno das 08 h 00 às 16 h 00, tendo havido nesse dia uma utilização do cartão multibanco às 14 h10 m na portagem de Coina PV numa cabina de portagem em que o A. não se encontrava a prestar serviço no momento da transacção, mas sim o portageiro n°. 55.
20. No dia 04.08.2000 o A. prestou serviço no turno das 08 h 00 às 16 h 00, tendo ocorrido nesse dia uma utilização do cartão multibanco às 10 h 29 m na portagem de Coina No 1, tendo no referido dia o A. tido um período de stand-by entre as 10 h 12 m e as 10 h 47 m.
21. No dia 06.08.2000 o A. prestou serviço no turno das 08 h 00 às 16 h 00, tendo havido nesse dia uma utilização do cartão multibanco às 16 h 19 m na portagem de Coina No 1 e outra às 18 h 48 m na portagem de Pombal.
22. No dia 10.08.2000 o A. prestou serviço no turno das 00 h 00 às 08 h 00, tendo havido no dia anterior ( 09.08.2000 ) duas utilizações do cartão multibanco na portagem de Coina No 1, respectivamente, às 23 h 23 m e às 23 h 27 m.
23. Nos dias 24, 25 e 26 de Julho de 2000 o A. prestou serviço no turno das 16 h 00 às 24 h 00, não tendo ocorrido qualquer utilização do cartão multibanco naqueles dias.
24. No dia 31 de Julho de 2000 o A. prestou serviço no turno das 08 h 00 às 16 h 00, não se tendo verificado nesse dia qualquer utilização do cartão multibanco.
25. Nos dias 27 e 28 de Julho e 02, 03, 08 e 09 de Agosto de 2000 o A. esteve de folga, apenas tendo havido utilização do cartão multibanco no dia 09, às horas referidas em 22.
26. Todos os funcionários da Ré usufruem de um cartão que lhes confere o direito de utilizar gratuita e ilimitadamente as auto-estradas.
27. Caso os funcionários da Ré não sejam portadores do cartão acima referido, basta-lhes pedir uma factura, não sendo, mesmo em tais circunstâncias, obrigados a pagar as taxas de portagem.
28. No dia 06.08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento da taxa de portagem na portagem de Coina No 1 às 17 h 32 m, circulando então no sentido Lisboa/Barreiro.
29. A distância entre as portagens de Coina No 1 e de Pombal é de cerca de 200 kms.
30. No dia 07.08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário às 00 h 01 m para proceder ao pagamento da taxa de portagem na portagem de Alverca, tendo entrado na auto-estrada na barreira de Pombal.
31. No dia 22.07.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento da taxa de portagem na portagem de Setúbal às 07 h 55 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira de Coina PV.
32. No dia 23.07.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem nas portagens de Coina PV às 00 h 36 m, com entrada na auto-estrada na barreira de Grândola Norte, e Coina No 1 às 15 h 43 m e 15 h 46 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras do Nó Almada/Fogueteiro e do Barreiro.
33. No dia 25.07.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento da taxa de portagem na portagem de Coina No 1 às 15 h 39 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira do Barreiro.
34. No dia 27.07.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento das seguintes taxas de portagem:
- na portagem de Setúbal às 08 h 49 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira de Coina PV;
- na portagem de Palmela às 10 h 06 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira de Setúbal;
- na portagem de Setúbal às 10 h 12 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira de Palmela;
- na portagem de Coina PV às 10 h 29 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira de Palmela/Setúbal;
- na portagem de Setúbal às 16 h 09 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira de Coina PV;
- na portagem de Coina PV às 17 h 31 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira de Palmela/Setúbal;
- na portagem de Coina No 1 às 20 h 07 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira do Nó Almada/Fogueteiro;
- na portagem de Coina No 1 às 23 h 28 m, tendo entrado na auto-estrada na barreira do Barreiro.
35. No dia 28.07.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem nas portagens de Setúbal às 11 h 35 m e de Coina PV às 12 h 24 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras de Coina PV e de Palmela/Setúbal.
36. No dia 29.07.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem na portagem de Coina No 1 às 07 h 42 m e às 07 h 45 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras do Nó Almada/Fogueteiro e do Barreiro.
37. No dia 31.07.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem na portagem de Coina No 1 às 07 h 24 m e às 07 h 27 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras do Nó Almada/Fogueteiro e do Barreiro.
38. No dia 01 .08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem na portagem de Coina No 1 às 07 h 51 m e às 07 h 54 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras do Nó Almada/Fogueteiro e do Barreiro.
39. No dia 03.08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxa de portagem na portagem de Setúbal às 20 h 17 m, com entrada na auto-estrada na barreira de Coina PV.
40. No dia 04.08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem na portagem de Coina No 1 às 07 h 40 m e às 07 h 44 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras do Nó Almada/Fogueteiro e do Barreiro.
41. No dia 05.08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxa de portagem na portagem de Coina No 1 às 07 h 32 m, com entrada na auto-estrada na barreira do Nó Almada/Fogueteiro.
42. No dia 06.08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem na portagem de Coina No 1 às 07 h 42 m e às 07 h 45 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras do Nó Almada/Fogueteiro e do Barreiro, para além da já referida em 28.
43.No dia 07.08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem na portagem de Coina No 1 às 00 h 25 m, 07 h 48 m e às 07 h 51 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras do Barreiro, do Nó Almada/Fogueteiro e do Barreiro, para além da já referida em 30.
44. No dia 10.08.2000 o A. utilizou o seu cartão de funcionário para proceder ao pagamento de taxas de portagem na portagem de Coina No 1 às 23 h 23 m e às 23 h 26 m, com entradas na auto-estrada, respectivamente, nas barreiras do Nó Almada/Fogueteiro e do Barreiro.
45. No exercício das suas funções os operadores de posto de portagem não podem proceder à identificação de nenhum utente das auto-estradas.
46. Quando lhes é apresentado um cartão multibanco como meio de pagamento de taxas de portagem não podem averiguar, e por isso desconhecem, se o apresentante é ou não o seu titular.
47. Desconhecem também se o utente que não seja titular do cartão multibanco o utiliza com a autorização e conhecimento daquele.
48. Os operadores de posto de portagem apenas podem recusar o pagamento de taxas de portagem com cartão multibanco quando surge no sistema informático a indicação "cartão a capturar".
49. De acordo com as instruções da Ré, os operadores de posto de portagem não podem "reter" cartões multibanco a pedido dos respectivos portadores para pagamento de taxas de portagem devidas por condutores que circulem atrás daqueles.
50. Sucede, no entanto, que, por vezes, um utente paga a taxa de portagem com cartão multibanco, pára um pouco à frente e volta à portagem para que a taxa de portagem devida por outro ou outros condutores que circulam atrás dele seja paga com o mesmo cartão, procedimento que não é proibido pela Ré.
51. No momento do pagamento das taxas de portagem o computador regista, para além de outros elementos, a data, a hora da chegada do veículo à cabine da portagem, o tipo de pagamento ("T" - em numerário, "M" -com cartão multibanco e "O " - com cartão de funcionário), o número do cartão, se este tiver sido utilizado, a hora da transacção e o valor desta.
52. Quando o pagamento da taxa de portagem é efectuado com cartão multibanco a transacção é sinalizada num écran visível para o condutor, onde aparecem, para além do valor a pagar, as indicações "operação em curso" "O. K.".
53. O A. ficou muito magoado e deprimido não só em consequência da acusação que lhe foi imputada de que a utilização do cartão multibanco ocorreu com o seu conhecimento e anuência, mas também do seu despedimento.
54. O acesso à cabina de portagem é controlado pelo operador de posto de portagem.
55. Aquele dirige-se para a via que lhe foi atribuída, verifica se a mesma está em condições de poder iniciar as operações de cobrança e, em caso afirmativo, comunica ao operador de posto de portagem principal que está pronto para iniciar o turno.
56. O operador de posto de portagem principal digita um comando para abertura da via.
57. O operador de posto de portagem passa então o seu cartão magnético personalizado no leitor da consola.
58. Antes de, por qualquer motivo, sair temporariamente da cabina, deve passar novamente o seu cartão pessoal pelo leitor magnético e digitalizar o código de stand-by.
59. A via só passa à situação de fechada após o operador de posto de portagem passar o seu cartão pelo leitor e digitalizar o código de saída.
60. As dimensões da cabina de portagem não permitem a terceiros, cuja entrada o operador de posto de portagem controla, o desenvolvimento de actividades que lhe passem despercebidas.
61. O operador do posto de portagem é o responsável pelos recebimentos.
III. Enquadramento jurídico
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente - como resulta do disposto nos art.s 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC, ex vi do art. 1, n.º 2, a), do CPT -, a única questão a decidir consiste em saber se existe, ou não, justa causa para o despedimento do A./ora recorrido.
Na definição legal, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (1) .
Estamos perante situações em que a decisão de despedimento é justificada pela gravidade de um comportamento culposo do trabalhador de que resulta a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho.
Verifica-se a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
Como escreve a propósito Monteiro Fernandes (2), "Não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)".
Importa também ter presente que, de acordo com o entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina, se deverá proceder a uma apreciação em concreto da situação de facto, seleccionando os factos e circunstâncias a atender e valorando-os de acordo com critérios de muito diferente natureza - éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários, de ordem sócio-cultural e até afectiva (3) -, designadamente atendendo, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostre relevantes (4), e aferindo a culpa e a gravidade do comportamento do trabalhador e o juízo de prognose sobre a impossibilidade de subsistência da relação laboral em consonância com o entendimento de "um bom pai de família" ou de um empregador normal ou médio, em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade.
Nem todo o comportamento grave, imputável ao trabalhador a título de culpa, implica a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
Como tem sido entendido uniformemente pela jurisprudência e pela doutrina, " a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória" (5).
Ou seja, em síntese, a justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa, dos seguintes requisitos:
- Um comportamento culposo do trabalhador;
- A impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
- A existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade (6);
Feita esta breve análise conceptual sobre a justa causa de despedimento, importa agora aplicar a mesma aos autos.
A R./recorrente fundamentou a decisão de despedimento do A., no "conhecimento e anuência" deste à utilização indevida de um cartão multibanco para pagamento de taxas de portagens na auto-estrada: isto é, de acordo com a recorrente não está provado ter sido o recorrido "o autor material da utilização indevida e frequente do cartão nas portagens onde este prestava serviço, mas que tal facto, pela sua coincidência com o serviço do arguido, não poderia ocorrer sem a conduta deste" (cfr. a decisão do processo disciplinar, cuja cópia se encontra a fls. 19 a 26 dos autos).
E, face à violação do dever de lealdade, ao "desvalor juslaboral" desse comportamento e as consequências negativas dele decorrentes, ficou irremediavelmente comprometida a manutenção da relação de trabalho.
Ao contrário, o acórdão recorrido, remetendo, nos termos do art. 713.º, n.º 5 do CPC, para os fundamentos da sentença da 1.ª instância, considerou que face à falta de prova do comportamento imputado ao A. - conhecimento e anuência da utilização abusiva do cartão multibanco -, inexiste comportamento por parte do mesmo A. susceptível de consubstanciar justa causa de despedimento, pelo que o despedimento é ilícito.
Diga-se, desde já, que face à matéria de facto provada, julgamos que a decisão não merece censura.
Vejamos.
O dever de lealdade (art. 20, n.º 1, d) do DL n.º 49 408, de 24.11.69) tem um traço subjectivo traduzido na estreita permanência e confiança da relação entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesmo, susceptível de abalar e destruir essa confiança, e um traço objectivo traduzido na necessidade de adequação do comportamento do trabalhador à realidade do interesse do empregador.
Como tem entendido a jurisprudência, e é também afirmado pela recorrente nas alegações de recurso, a diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, uma vez que a simples materialidade do comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto conduzir à perda da relação de confiança (7).
No caso em apreço, a própria recorrente reconhece que "...não há uma prova concreta e absoluta da participação do recorrido nestas ocorrências, mas um critério básico de probabilidade e juízo comum, que (...) leva a que não possa deixar de se imputar ao trabalhador o conhecimento e anuência da situação" (fls. 361-362).
Importa, por isso, analisar se da matéria de facto fixada pelas instâncias é possível concluir que o A. teve um comportamento censurável/culposo que comprometeu irremediavelmente a manutenção da relação laboral; mas, para se concluir pela censurabilidade do comportamento é necessário que previamente também se conclua que ele tinha conhecimento e deu o seu consentimento à utilização abusiva do cartão multibanco.
A sentença da 1.ª instância analisou de forma cuidada e exaustiva a matéria de facto, pelo que vamos acompanhar de perto a mesma.
Constata-se, desde logo, que dos 35 pagamentos de taxas de portagem com o cartão multibanco em causa, entre 22 de Julho e 10 de Agosto de 2000, 25 foram efectuados nas cabinas de portagem em que o A. se encontrava a prestar serviço no momento das transacções (facto n.º 15.)
É inquestionável, como a própria recorrente reconhece (conclusão C) das alegações), que em relação às 10 utilizações do cartão fora da cabina de serviço da A., não é possível imputar qualquer responsabilidade a este.
Há, pois, que analisar as restantes 25 utilizações.
E, em relação a estas verifica-se, no essencial, que era sempre no mesmo sentido de trânsito que o pagamento da portagem com o cartão era utilizado, que a frequência de utilização do cartão era anormalmente elevada (veja-se, por exemplo, que no dia 04.08.2000 foi utilizado por 7 vezes na mesma portagem, no dia 06.08.2000, 4 vezes, e no dia 07.08.00, 5 vezes) e que alguns dos pagamentos com o cartão se verificavam com intervalos de tempo muito curtos (por exemplo, no dia 01.08.00 às 12h 52m e 12h 56m e no dia 09.08.2000 às 23h 23m e às 23h 27m).
Quanto à utilização do cartão para pagamento da portagem sempre no mesmo sentido de trânsito, embora se apresente como algo que se afigura pouco vulgar, poderá, todavia, ter alguma explicação ainda que pouco plausível, como seja o fluxo do trânsito ou até o estado da(s) via(s) alternativa (s) à auto-estrada que levasse a que o condutor em causa utilizasse a(s) mesma(s) apenas num sentido, enquanto no outro utilizava a auto-estrada.
No que respeita à utilização frequente do cartão no período de tempo em causa, concorda-se com a recorrente que é de considerar tal utilização anormalmente elevada: mas não poderá deixar de se ter presente que a utilização ocorreu num período habitualmente de férias, em que poderá haver mais circulação automóvel, incluindo nas vias exploradas pela R.
Também no que respeita a pagamentos com o cartão em intervalos de tempo curto, há que atender, como resulta da matéria de facto, que é possível que um utente pague a taxa de portagem com cartão multibanco, pare um pouco à frente e volte à portagem para que a taxa de portagem devida por outro ou outros condutores que circulam atrás dele, seja paga com o mesmo cartão, não sendo tal procedimento proibido pela R.
Ou seja, embora da factualidade assente se constate a utilização pouco comum, diríamos até, algo anormal, do cartão multibanco em causa no pagamento das taxas de portagem, não está afastada a possibilidade de essa utilização pelo utente ter uma qualquer explicação perfeitamente justificada, plausível, podendo ocorrer sem qualquer conhecimento ou anuência do A..
Dito de outro modo: não obstante se constatar que a utilização do cartão multibanco para pagamento das taxas de portagem, ocorreu de uma forma algo anormal, não está afastada, em termos de "probabilidade e juízo comum", que essa utilização ocorresse por quaisquer razões ou motivos alheios à vontade, conhecimento e aceitação do A.
Para se chegar a esta conclusão, não pode deixar de se ter presente que o A., como operador de posto de portagem não podia proceder à identificação de nenhum utente da auto-estrada, quando lhe era apresentando um cartão multibanco para pagamento da taxa de portagem não podia averiguar se o apresentante era o titular do cartão, desconhecendo se o utente que não é titular do cartão multibanco o utiliza com autorização e conhecimento daquele (n.ºs 11. 44, 45, 46); e apenas se e quando surgisse no sistema informático a indicação "cartão a capturar"- o que não se verificou no caso em apreço -, podia recusar o pagamento da taxa de portagem com o cartão multibanco.
Refira-se ainda que usufruindo o A. de um cartão que lhe conferia direito a utilizar gratuita e ilimitadamente as auto-estradas e tendo em conta o modo de registo em computador do pagamento da taxa de portagem através de cartão multibanco, não se descortina qualquer vantagem material, ou interesse, do mesmo A., ao menos imediato e directo, com a utilização abusiva do cartão.
Por isso, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, embora sendo óbvio que qualquer utilização do cartão mesmo abusiva por parte de outrem há-de ocorrer pela materialidade da acção quase mecânica do operador, "Há que concluir pois que pela banda do operador qualquer uso abusivo de cartão multibanco - à parte a mensagem «a capturar» - escapa à cognoscibilidade, complacência, colaboração ou consciência de ilicitude dessa utilização".
Não pode, por isso, com um mínimo de certeza e segurança jurídica, subscrever-se a afirmação da recorrente que em termos de "probabilidade e juízo comum" deverá imputar-se ao A. o conhecimento e anuência na situação verificada de uso abusivo de um cartão multibanco.
Nesta sequência, e sintetizando:
- Perante a factualidade provada, não resulta que a utilização abusiva do cartão ocorreu com o "conhecimento e anuência" do A.;
- Essa mesma factualidade assente não permite, objectivamente, imputar ao mesmo A. qualquer comportamento censurável/culposo que torne "imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho".
Com efeito, baseando-se a R. na nota de culpa e na decisão de despedimento, no "conhecimento e anuência" do A. à utilização abusiva do cartão multibanco, inverificados aqueles, e não resultando dos factos provados qualquer comportamento culposo do A., forçoso é concluir pela ilicitude do despedimento operado.
Improcedem, consequentemente as conclusões das alegações de recurso.
IV. Decisão
Termos em que se decide negar a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 de Novembro de 2004
Vítor Mesquita
Fernandes Cadilha
Mário Pereira
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(1) Cf. art. º 9, n. º 1, da LCCT
(2) Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª Edição, pág. 540-541.
(3) Cfr., por todos, na doutrina, Monteiro Fernandes, ob. citada, pág. 542 e Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 824-826, e na jurisprudência, entre muitos outros, os Ac. do STJ de 29-01-03 (Revista n.º 455/02), de 19-02-03 (Revista n.º 2673/02), de 26-02-03 (Revista n.º 1198/02) e de 30-04-03 (Revista n.º 568/02), todos da 4.ª Secção.
(4) Cfr. art. º 12, n. º 5, da LCCT
(5) Cfr. Monteiro Fernandes, ob. citada, pág. 555. Na jurisprudência pode ver-se, por todos, o Ac. do STJ de 27-02-2002 ( Revista n.º 2423/02, 4.ª Secção).
(6) Vide, entre outros, o acórdão, recente, deste Tribunal, de 28-04-04 (Revista n.º 3387/02, 4.ª Secção), bem como os acórdãos de 16-10-96 e de 05-02-97 (Revistas n.º 48/96 e 147/96, respectivamente, ambas da 4.ª Secção).
(7) Vide, por todos, os acórdãos do STJ de 05.02.97, de 12.12.01 e de 09.04.03 (Revistas n.º 147/96, 4017/00 e 4544/02, respectivamente, todos da 4.ª Secção).