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CONTRATO DE TRABALHO
REMISSÃO ABDICATIVA
Sumário
1. Configura um contrato de remissão abdicativa o documento escrito, intitulado "Recibo/Declaração", subscrito pelo trabalhador após a cessação do contrato de trabalho, contendo a declaração de que recebeu as importâncias pecuniárias no mesmo mencionadas, de que se considera integralmente retribuído pelos serviços prestados e de que nada mais tem a receber ou a reclamar a qualquer título.
Texto Integral
Acordam na secção social do Supremo tribunal de Justiça:
1. A propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção contra B - Empreendimentos Norte Sul, S.A. pedindo que a ré fosse condenada a reconhecer a conversão do seu contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, a reintegrá-lo ao seu serviço com todos os direitos e regalias e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas e vincendas, acrescidas dos respectivos juros legais.
Em resumo, o autor alegou ter sido admitido ao serviço da ré em 9.8.2000, mediante contrato a termo que deve ser considerado sem termo e ter sido ilicitamente despedido em 24.7.2001.
A ré contestou defendendo a validade do termo aposto no contrato e a licitude da sua cessação e alegando que, aquando do fecho das contas com o autor, este deu total e completa quitação, considerando-se integralmente retribuído pelos serviços prestados, nada mais tendo a receber ou a reclamar a qualquer título.
Realizado o julgamento, a acção foi julgada procedente, tendo o despedimento do autor sido declarado ilícito e a ré condenada "a pagar-lhe a importância correspondente ao valor das retribuições que ele deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção até à data da sentença, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 13.º do DL n.º 64-A/89, de 27/2, a liquidar em execução de sentença e a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade."
A ré interpôs recurso da sentença, alegando, além do mais que ao caso não interessa, a nulidade da mesma por omissão de pronúncia relativamente à quitação dada pelo autor.
O recurso obteve provimento e a ré foi absolvida do pedido.
O autor interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, formulando as seguintes conclusões:
1. Inexiste a invocada nulidade por omissão de pronúncia relativamente ao facto dado como provado sob o n.º 26 da matéria de facto, uma vez que a apreciação e decisão sobre tal facto se encontram prejudicadas pela solução já dada a outras questões (nulidade da aposição do termo no contrato de trabalho).
2. O "Recibo - declaração" subscrito pelo recorrente em 19 de Setembro de 2001 é um vulgar documento de quitação.
3 - O mesmo "Recibo - declaração" não consubstancia qualquer declaração negocial abdicativa pela qual o recorrente tenha renunciado aos créditos que a douta sentença proferida em 1.ª instância lhe veio a reconhecer,
4. O sentido da declaração subscrita pelo recorrente nunca foi o de renunciar aos créditos que pudessem resultar da impugnação da validade da estipulação do termo aposto no seu contrato de trabalho.
5. O reconhecimento, pelo tribunal de 1.ª instância, da nulidade da estipulação do termo aposto no seu contrato de trabalho sempre determina a anulação da pretensa declaração abdicativa do recorrente.
6. O Tribunal ao quo, ao julgar procedente a invocada nulidade por omissão de pronúncia e ao revogar a decisão recorrida, absolvendo a Ré do pedido, apenas se pronuncia sobre um dos pedidos formulados pelo recorrente na sua p.i. (o pedido pecuniário), esquecendo o pedido de reintegração emergente da declaração de ilicitude do seu despedimento, o qual, por não ter sido objecto de recurso de apelação, já transitou.
7. O douto acórdão recorrendo violou o disposto, nomeadamente, nos art. 41.º, n° 2, do Dec. Lei n° 64-A/89, de 27.2, art. 236.° e 289.° do Código Civil e art. 660°, n° 2 e art. 715° do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que condene a recorrida nos pedidos formuladas pelo recorrente, como foi já decidido em 1.ª instância.Nestes termos, deve ser concedida a revista, anulando-se o acórdão recorrido e condenando-- se a recorrida a reintegrar o recorrente ao seu serviço e a pagar-lhe todas as importâncias devidas, assim se fazendo Justiça.
A ré contra-alegou defendendo a confirmação do julgado e, neste tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no mesmo sentido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos
Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos, os quais não sofrem de contradição e não carecem de ser objecto de ampliação:
1 - Em 9 de Agosto de 2000, o A. e a R. celebraram o contrato de trabalho a termo certo junto a fls. 12, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2- Nos termos do mencionado contrato de trabalho, o A. foi admitido ao serviço, por conta e sob direcção da R., com a categoria profissional de Chefe de Departamento, com o conteúdo funcional constante da cláusula 1.ª do mesmo contrato, sendo a sua celebração determinada pela "execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção civil e obras públicas bem como outras actividades complementares".
3- O local de trabalho do A. seria no escritório da R., sito na Rua do Facho, 26, na Caparica, ou o que resultasse da transferência do trabalhador, tudo conforme cláusula n° 7 do referido contrato.
4- O autor deveria cumprir um horário de trabalho com a duração semanal de 37,5 horas e auferia, como contrapartida, uma remuneração de base mensal no valor ilíquido de 400.000$00.
5-A duração do contrato foi estabelecida pelo prazo de 12 meses, com início em 9 de Agosto de 2000 e termo em 8 de Agosto de 2001, podendo ser renovado por duas vezes.
6- Por carta datada de 24 de Julho de 2001 e cujo teor consta de fls. 13 e de que o A. tomou conhecimento no dia imediato, a R. comunicou a este a decisão de não renovar o contrato de trabalho a termo certo celebrado em 9 de Agosto de 2000.
7- Foi acordado, por forma verbal, entre autor e ré, que aquele assumiria a responsabilidade nas áreas de importação e exportação de produtos alimentares e de cimento, respectivas operações de desalfandegamento e armazenagem, gestão de frota de rent a car e funções administrativas.
8- As referidas funções foram desempenhadas em Dili, Timor, local para onde o autor partiu em data não concretamente apurada, mas depois da assinatura do contrato referido em 1.
9- O A. tinha o vencimento base de 400.000$00/mês x 14 meses; ajudas de custo de deslocação no estrangeiro que, em 2000, eram de 24.344$00, por cada dia deslocado (Portaria n.° 239/2000 de 29 de Abril) e que, em 2001, passaram a ser de 25.247$00, por cada dia deslocado (Portaria n.° 80/2001, de 8 de Fevereiro); utilização de uma viatura da Ré e utilização de telemóvel.
10- Usufruía, ainda, o autor, duas vezes por ano, de viagens de ida para Timor e regresso a Lisboa, a expensas da ré.
11- O acordo verbal entre autor e ré inseria-se num projecto de médio-longo prazo.
12- O autor nunca prestou qualquer trabalho na sede da ré.
13- A Ré é uma empresa que se dedica à indústria de construção civil e às empreitadas de obras públicas.
14- No mês de Março do ano 2000, a Ré enviou uma delegação a Timor Leste, com o objectivo de estudar as possibilidades de abrir uma filial naquele território, para o exercício da sua actividade.
15- Em Abril desse ano, a Ré decidiu-se pela instalação em Timor, abrindo uma filial em Dili.
16- Logo de seguida (Maio/Junho), foram-lhe adjudicadas algumas obras de recuperação e reconstrução de edifícios públicos e particulares, designadamente as escolas de Fahité (para o Grupo Nabeiro) e de Venilale, edifícios de habitação e escritórios, em Dili, armazéns, oficinas e instalações administrativas da sociedade SAPT, também em Dili.
17 - Para dar resposta a tais solicitações, a Ré fez deslocar equipamentos de Portugal para Dili e destacou alguns colaboradores do seu quadro permanente para os lugares de Chefia e de carácter técnico a desempenhar em Timor.
18- Sendo o pessoal directo e operário (serventes, pedreiros, guardas, pintores, etc.), recrutado em Dili, entre os timorenses e algum pessoal técnico de engenharia e logística recrutado em Portugal.
19- Foi neste enquadramento que o A. foi recrutado, com a categoria de Chefe de Departamento, com funções ligadas, essencialmente, à logística e aprovisionamento de materiais, equipamentos e bens de consumo para a Ré.
20- Ao tempo nada existia em Timor, nem materiais para a actividade de construção civil, nem equipamentos, nem sequer bens alimentares em quantidade e com abastecimento regular, para as necessidades do pessoal ao serviço da Ré.
21- O A. foi admitido para desempenhar essas funções, como decorre da cláusula 1.ª do contrato de trabalho, sendo indicado como local de trabalho o Monte da Caparica, onde se situam os escritórios e estaleiros centrais da Ré, sendo essa uma prática corrente da Ré.
22- O A. assumiu, na cláusula 7.ª do contrato, a obrigação de se deslocar ou aceitar ser transferido, desde que tal mudança fosse necessária ao exercício da actividade industrial da Ré.
23- À Ré tinham sido adjudicadas algumas obras em Timor, parte das quais se iniciara já e as outras iriam iniciar-se a curto prazo, pelo que a sua admissão se enquadrou na necessidade da Ré fazer face aos compromissos assumidos de execução das obras que lhe tinham sido adjudicadas.
24- Para iniciar a actividade, fez deslocar alguns funcionários permanentes e recorreu à contratação a termo do restante pessoal de enquadramento,
25- Ficando a evolução dos vínculos contratuais, quanto a estes, dependente do sucesso do lançamento da actividade da filial e sobretudo da existência de mais trabalhos para além do horizonte de Junho de 2001, que era a data prevista para a conclusão das obras adjudicadas até ao Verão/2000.
26- Aquando do fecho de contas o A. nada objectou ao que lhe foi pago, tendo, em 13/09/2001, assinado o documento junto a fls. 47, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, considerando-se integralmente retribuído pelos serviços prestados, nada mais tendo a receber ou a reclamar a qualquer título com a rectificação, quanto a "transferência bancária (31 de Agosto 01)", de que houve lapso na indicação do mês, devendo ler-se Julho e não Agosto, conforme doc. junto a fls. 48, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27- O Autor, em Maio/Junho de 2001, passou a integrar uma cooperativa de café e aí desempenhou funções não concretamente apuradas e, pelo menos uma vez, no desempenho dessa actividade usou, para o efeito, os meios que a R. lhe facultava para o desempenho do seu trabalho, designadamente o escritório, o fax e telefones.
28- O pagamento da remuneração mensal, quer ao autor quer aos restantes trabalhadores da ré, era efectuado em duas "tranches": uma parte seria depositada em dólares australianos no Banco Nacional Ultramarino, sito em Dili, para que os trabalhadores pudessem fazer face às suas despesas pessoais e outra parte (remanescente) seria depositado numa instituição bancária em Portugal.
29- Por via de regra, a parte depositada no BNU era, em relação aos trabalhadores da ré, no montante de 100.000$00. Relativamente ao autor a parte depositada no BNU era de 200.000$00 mensais.
30- Foram emitidos a favor do autor os recibos juntos a fls. 36 a 46, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. O direito
Como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso, que por aquelas é delimitado (artigos 684.º, n.º 1 e 691.º, n.º 1, do C.P.C.), restringe-se às questões de saber:
- se a sentença da 1.ª instância enferma de nulidade, por omissão de pronúncia;
- se o documento de fls. 47 (recibo-declaração emitido pelo autor) consubstancia um contrato de remissão abdicativa;
- se a decisão da 1.ª instância transitou em julgado na parte em que condenou a ré a reintegrar o autor.
Apreciando, diremos que as duas primeiras questões foram detalhadamente apreciadas na 2.ª instância, onde se concluiu pela verificação da nulidade da sentença e pela existência de um contrato de remissão abdicativa, com a seguinte fundamentação:
«Está provado que "aquando do fecho de contas, o A. nada objectou ao que lhe foi pago, tendo em 13/09/2001, assinado o documento junto a fls. 47, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, considerando-se integralmente retribuído pelos serviços prestados, nada mais tendo a receber ou a reclamar a qualquer título, com a rectificação quanto à "transferência bancária (31 de Agosto 01)" de que houve lapso na indicação do mês, devendo ler-se Julho e não Agosto, conforme doc. junto a fls. 48, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido" (n.º 26 dos factos provados).
Efectivamente, a Ré alegou na sua contestação (n.º 32 e 33) que, aquando do fecho de contas, o A. nada objectou ao que lhe foi pago, tendo dado em 13.09.2001 "total e completa quitação à Ré considerando-se integralmente retribuído pelos serviços prestados, nada mais tendo a receber ou a reclamar a qualquer título - doc. 12".
No doc. 12, junto a fls. 47, intitulado "recibo-declaração", o Autor declara ter recebido da Ré o valor líquido a seguir mencionado, correspondente aos seguintes valores ilíquidos (que enumera especificadamente). E no mesmo documento, mais declara: "por esta forma e assinando esta declaração, de minha inteira e livre vontade, dou total e completa quitação à B - Empreendimentos Norte Sul, S.A., considerando-me inteiramente retribuído pelos serviços prestados, nada mais tendo a receber ou a reclamar a qualquer título".
Segue-se a discriminação das importâncias ilíquidas (devidas até ao termo do contrato a termo, de vencimento base, de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, deslocação, e compensação) e dos descontos legais (Segurança Social e IRS), dando o total líquido de 1.899.071$00, seguindo-se a assinatura do Autor e a data de 13.09.2001.
Posto isto, importa saber se existe nulidade da sentença, uma vez que esta não se pronunciou concretamente sobre os factos que constam do n.° 26 da lista dos factos provados deste acórdão, nem sobre o documento junto a fls. 47, nem sobre a alegação da Ré a esse respeito (n.° 32 e 33 da contestação).
Nos termos do art. 660.º, n.° 2, do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas que estejam prejudicadas pela solução dada a outras. E, em consonância, o art. 668.º, n° 1, al. e), do mesmo código comina de nula a sentença "quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar".
No caso vertente, a Ré, nos art. 32 e 33 da contestação e com a junção do doc. de fls. 47, alegou factos susceptíveis de impedir ou modificar ou extinguir o direito invocado pelo Autor na sua petição inicial, isto é, defendeu-se por excepção, nos termos do n° 2 do art. 487 do CPC. Com efeito, esses factos podem integrar um contrato de remissão abdicativa que, nos termos do art. 863.º do C. Civil, tem a virtualidade de extinguir o direito que o A. se propunha fazer valer na acção.
Impunha-se, pois, ao M.º Juiz conhecer dessa questão, mesmo sem que as partes a tivessem expressamente alegado, já que a estas apenas compete alegar os factos sendo o direito do conhecimento oficioso.
Verifica-se, pois, a invocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos exactos termos da al. e) do n° 1 do art. 668.º do CPC.
Porém, nos termos do art. 715.º, n° 1, do CPC, impõe-se a esta Relação conhecer da questão uma vez que os autos contêm todos os elementos necessários.
Ora, a declaração contida no doc. de fls. 47, a que alude o n° 26 dos factos provados, em que o Autor "se considera inteiramente retribuído pelos serviços prestados, nada mais tendo a receber ou a reclamar a qualquer título", emitida cerca de um mês após a cessação do contrato de trabalho que vinculou as partes, consubstancia, a nosso ver, uma verdadeira declaração negocial abdicativa, pela qual o Autor renunciou, ou abdicou dos créditos decorrentes do referido contrato e a que eventualmente ainda tivesse direito.
Com efeito, é esse o sentido que um declaratário normal pode deduzir dessa declaração (art. 236.º do C. Civil) e é esse o sentido que usualmente lhe é dado, pelo que também o Autor não podia ter em mente qualquer outra ideia que não fosse essa.
Tal renúncia é válida, uma vez que o direito à retribuição (e aos restantes créditos laborais) só se consideram indisponíveis durante a vigência da relação laboral, o que se justifica, quer pela natureza da retribuição, entendida como crédito alimentar, indispensável ao sustento do trabalhador e da sua família, quer pela situação de subordinação económica e jurídica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial em que se encontra face aos seus superiores ou do medo de represálias ou de algum modo poder vir a ser prejudicado na sua situação profissional (veja-se João Leal Amado, A Protecção do Salário, 1973, pag. 196-222; J. Barros Moura, A Convenção Colectiva entre as Fontes do Direito, pag. 210-212 e Parecer de J. Mesquita, na Revista do Ministério Público, Ano I, T. 1, pago 43-47).
Mas, cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, uma vez que já não se verificam os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação.
É certo que com o Cód. Civil de 1967 a remissão de dívidas deixou de ser um negócio jurídico unilateral e passou a ser tratada como um contrato consensual (art. 863.º), não bastando, portanto, uma simples declaração unilateral de renúncia a créditos, para que a eventual dívida se considere remetida, sendo indispensável à sua validade, o consentimento do devedor.
Conforme escreve Antunes Varela (Obrigações em Geral, 2.º vol. Pag. 232s) na remissão abdicativa é o próprio credor que, com a aquiescência do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse que a lei lhe conferia.
Acontece que a declaração em causa (constante do doc. de fls. 47) é omissa quanto à aceitação por parte da Ré, ora Recorrente, mas, a nosso ver, isso não significa que ela não tivesse dado a sua anuência à remissão de eventuais dívidas. É que não sendo a remissão um negócio solene, não têm as respectivas declarações negociais que ser reduzidas a escrito (art. 219° do CC), não tendo a declaração de anuência da Recorrente que constar do documento onde a declaração foi exarada, nem tinha que revestir forma expressa, bastando que o acordo efectivamente exista.
Ora, no caso em apreço, a anuência da recorrente resulta da natureza da própria declaração constante do documento de fls. 47. É que estas declarações são normalmente emitidas aquando do acerto de contas após a cessação do contrato de trabalho. O empregador paga determinadas importâncias exigindo em troca a emissão daquela declaração, a fim de evitar futuros litígios, e, por sua vez, o trabalhador aceita passar essa declaração em troca da quantia que recebe, evidenciando-se, assim, um verdadeiro acordo negocial, com interesse para ambas as partes. Sendo irrelevante, como se afirmou no Ac. do STJ de 12.05.99, (CJ-STJ, 1999, T. II, pag. 281), que a iniciativa da declaração abdicativa tenha partido do empregador ou do trabalhador.
Além disso, a aceitação pode ser tácita, nos termos do art. 217.º do C. Civil, e, no caso em apreço, sempre seria de presumir a aceitação por parte da recorrente, uma vez que esta pagando as quantias constantes do referido documento manifestou tacitamente a sua aceitação da declaração abdicativa constante do referido documento.
Mas, ainda que assim se não entendesse, sempre seria de considerar que ao juntar a referida declaração abdicativa aos presentes autos, com a sua contestação, a recorrente revelou uma clara intenção de aceitar tal declaração emitida pelo recorrido, considerando-se o contrato concluído, pelo menos nessa data, nos termos do art. 234.º do C. Civil.
Em suma, entende-se que a declaração constante do doc. de fls. 47, emitida após a cessação da relação laboral, na qual o trabalhador, ora recorrido, declara que "se considera inteiramente retribuído pelos serviços prestados, nada mais tendo a receber ou a reclamar a qualquer título" constitui uma verdadeira declaração extintiva de qualquer dívida da entidade patronal para com ele, não podendo posteriormente reclamar daquela qualquer crédito, nomeadamente os que resultam da impugnação da validade da estipulação do termo aposto no contrato de trabalho.
No sentido da admissibilidade da remissão abdicativa, na fase de cessação do contrato de trabalho, vejam-se, por exemplo os Ac. do STJ de 6.07.94, Ac-STJ 1994, T. III, pag. 271 (caso em que o contrato cessou por abandono), de 29.01.97 em CJ-STJ, 1997, T. I, pag. 265 (caso de empresa em liquidação), Ac. do STJ de 3.07.96 em www.dgsi proc. 96S248, n° convencional JSTJOOO132829, Ac. do STJ de 12.05.99 em Ac. Dout., n° 458, pag. 268, Ac. do STJ de 1.10.97 Ac. Dout., 435, pag. 392 e de 16.04.97 em BMJ, n° 466, pag. 343 e, ainda, Ac. da Rel. do Porto de 22.05.2000, CJ, 2000, T. III, pag. 246s e desta Rel. de Lisboa, em www.dgsi.pt, doc. convencional JTRLOO031354.
Consequentemente, é de revogar a decisão recorrida, devendo a Ré ser absolvida do pedido, uma vez que o A., através da sua declaração constante do doc. de fIs. 47, abdicou dos créditos a que eventualmente ainda tivesse direito emergentes do contrato de trabalho celebrado com a Ré.»
Como se constata da transcrição acabada de fazer, o acórdão recorrido apreciou devidamente a questão da nulidade da sentença e a questão da remissão abdicativa, em termos que inteiramente subscrevemos e o desenvolvimento e brilho da fundamentação produzida dispensa outras considerações. Acrescentaremos, apenas, que o recorrente carece de razão quando alega que a sentença não enferma de omissão de pronúncia relativamente ao facto dado como provado no art. 26 da matéria de facto, dado que a apreciação desse facto ficou prejudicada pela solução dada à questão da nulidade da estipulação do termo aposto no contrato de trabalho e à questão da ilicitude da sua cessação.
Com efeito, como bem salienta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer (fls. 197), a remissão abdicativa configura uma excepção peremptória e as excepções peremptórias, importando a absolvição total ou parcial do pedido, têm que ser apreciadas antes do pedido formulado na acção, carecendo, por isso, de qualquer fundamento a afirmação produzida pelo recorrente de que a decisão proferida sobre a questão da nulidade da estipulação do termo aposto no contrato e sobre a questão da ilicitude do despedimento tornou inútil a apreciação da excepção da remissão abdicativa, consubstanciada no facto n.º 26. Deste modo, impunha-se que, na sentença, o M.mo Juiz começasse por conhecer da referida factualidade e da excepção (remissão abdicativa) que a mesma era susceptível de integrar e, só no caso de a mesma improceder, poderia passar ao conhecimento das restantes questões. Não o tendo feito, a sentença não podia deixar de ser declarada nula.
Relativamente à terceira questão, o recorrente alega que a decisão da primeira instância transitou em julgado, no que diz respeito à declarada ilicitude do despedimento e à reintegração, por tais questões não terem sido objecto do recurso de apelação, mas, salvo o devido respeito, tal argumentação não tem cabimento.
Na verdade, ao arguir a nulidade da sentença no recurso de apelação, a ré obstou ao trânsito daquela decisão na sua globalidade, uma vez que não restringiu o objecto do recurso à questão das retribuições que fora condenada a pagar ao autor. Pelo contrário, a ré terminou as suas alegações pedindo, expressamente, que a sentença fosse revogada na parte em que a condenou a reintegrar o autor e que fosse reconhecido que este renunciara validamente a todas as remunerações vencidas e vincendas, bem como à indemnização de antiguidade (vide fls. 127).
4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 24 de Novembro de 2004
Sousa Peixoto
Vítor Mesquita
Fernandes Cadilha