PROCESSO LABORAL
ACIDENTE DE TRABALHO
PROCESSO URGENTE
PRAZOS
Sumário

1. Mostra-se consagrada no artº 144º-1 do CPC a regra da continuidade dos prazos processuais.
2. Esta regra não é absoluta na medida em que a lei prevê a sua suspensão nas férias judiciais, o que acontecerá quando o prazo for inferior a 6 meses e não se trate de processo urgente.
3. Tendo as acções emergentes de acidentes de trabalho a natureza de processo urgente, o prazo de interposição da apelação não se suspende nas férias judiciais.
4. A redacção do artº 144º-1 do CPC não permite que o respectivo normativo, integrado no seu contexto sistemático (disposições gerais) e à luz da sua ratio, seja interpretado no sentido de que a não suspensão do prazo nas férias, quando estão em causa processos urgentes ou prazos iguais ou superiores a 6 meses, só terá lugar até ser proferida decisão, na 1ª instância.
5. Tão pouco permite sustentar que a natureza urgente do processo decorra, não da classificação dada pela própria lei, mas da aplicação do critério do dano irreparável (artº 143º-2 do CPC).
6. As regras contidas nos artºs 143º-2-3 e 144º-1 contemplam realidades diferentes: enquanto o primeiro artigo dispõe sobre o momento da prática dos actos processuais - das partes, dos magistrados e da secretaria -, o segundo refere-se ao modo de contagem dos prazos estabelecidos por lei ou fixados pelo juiz.

Texto Integral

Acordam, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - A ré "Companhia de Seguros A", demandada por B, em acção emergente de acidente de trabalho, não se conformando com a sentença proferida na 1.ª instância, apelou para o Tribunal da Relação do Porto.
Apresentados os autos ao M. Público, nos termos do artº 87º-3 do CPT, este emitiu o parecer junto a fls. 404-408, sustentando, além do mais, que o recurso era extemporâneo, porque, tratando-se de processo legalmente classificado como de natureza urgente, a contagem do prazo de interposição da apelação estava sujeita à regra da continuidade e não se suspendia durante o período de férias judiciais.
Notificada, a recorrente respondeu que o recurso era tempestivo, nomeadamente, porque a contagem do prazo para a interposição do recurso em nada afectava os direitos do autor.
No exame preliminar, previsto no artº 701º-1 do CPC, o relator entendeu não conhecer do objecto do recurso de apelação, apresentado pela ré seguradora, por extemporâneo.
Requerendo esta que fosse proferido acórdão sobre a matéria, em conferência, a Relação decidiu no mesmo sentido.
Inconformada, a ré agravou desta decisão, formulando na sua alegação as conclusões que, em síntese, se indicam:
1ª - A questão da extemporaneidade do recurso representa um entrave puramente formal ao princípio da livre admissibilidade dos recursos, corolário lógico do direito de defesa;
2ª - Além disso, preconiza uma inaceitável discriminação entre as partes e os seus mandatários, dum lado, e os magistrados, de outro, uma vez que não há memória (salvo nos últimos meses, no tribunal recorrido) de terem sido realizados actos processuais no decurso das férias judiciais; ou seja, o artº 26º do CPT só para aqueles seria vinculativo, o que se mostra violador do princípio da igualdade e do princípio basilar de um Estado de Direito democrático, qual seja o de que ninguém está acima da lei, plasmados nos artºs 12º e 13º da CRP;
3ª - Acresce que vindo expressamente referido na própria nota de citação da ré que o prazo para apresentação da contestação se suspendia durante as férias judiciais, daqui resulta terem ficado definitivamente determinadas as regras processuais, nomeadamente, as concernentes à contagem dos prazos;
4ª - Este mesmo entendimento foi sancionado pelo Juiz da 1ª instância que, admitiu o recurso de apelação, considerando-o tempestivo, sendo inadmissível a existência de duas posições antagónicas dentro do mesmo processo;
5ª - É jurisprudência pacífica que a natureza urgente dos processos apenas se verifica até à prolacção da sentença em 1ª instância;
6ª - A matriz pela qual deve analisar-se a presente questão é a do dano irreparável e este apenas decorrerá da ausência de atempado tratamento do sinistrado; acontece que as medidas inerentes a esse tratamento acham-se estabelecidas nos artºs 14º e segs do DL nº 143/99, de 30.04, diploma regulamentar da Lei dos Acidentes de Trabalho (nº 100/97, de 13.09), em particular nos artºs 24º e 27º, por forma a obviar a qualquer dilação processual;
7ª - Razão alguma se perfila em apoio da opinião vertida no acórdão sob censura, a não ser o excessivo rigorismo da interpretação literal de uma norma que a prática, há muito firmada, pela totalidade dos Tribunais de Trabalho tornou inoperante;
8ª - Assim, deve entender-se que, suspendendo-se a sua contagem nas férias judiciais, o prazo de 20 dias para interposição do recurso de apelação terminava em 29.04-03 e não em 21.04.03, sendo inquestionável a sua tempestividade. Não houve contra-alegações.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao agravo.

II - O que importa resolver:
Se o prazo de interposição da apelação se suspende ou não durante as férias judiciais.

III - Matéria a ter em conta:
1. A sentença recorrida foi proferida em 25.03.2003 (cfr. fls. 330 v.º, 331, 336 e 337).
2. Foi notificada à recorrente e ao seu mandatário, por serviço postal registado, em 26.03.2003.
3. O dia 29.03.2003 coincidiu com um sábado, considerando-se a notificação efectuada no dia 31.03.2003.
4. As férias judiciais da Páscoa decorreram entre os dias 13 e 21 de Abril;
5. O requerimento de interposição de recurso deu entrada em 29.04.2003, atento o registo do correio aposto no documento junto a fls. 366 dos autos (e o disposto no artigo 150.º, n.º 1, do CPC).
6. A participação do acidente de trabalho deu entrada em 13.10.2000.

IV - Apreciando
O Tribunal da Relação não conheceu do objecto do recurso de apelação, alicerçando-se na sua extemporaneidade.
Eis a fundamentação do acórdão recorrido:
- a contagem do prazo de interposição do recurso de apelação está sujeita às regras estabelecidas na lei processual civil, por força do artº 1º-2-a) do CPT (aprovado pelo DL nº 480/99, de 9.11), quer quanto ao seu início (conta-se sempre da notificação do acto ou facto de que se deu conhecimento - artºs 153º-2 e 228º-2 do CPC, na reforma de 1995/1996), quer quanto à sua continuidade (artº 144º do mesmo diploma);
- embora na 1ª parte do nº 1 deste preceito se estabeleça que os prazos, não obstante serem contínuos, se suspendem durante as férias judiciais, acrescenta-se na 2ª parte: «salvo se.... se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes»;
- o artº 26º-2 do CPT atribui natureza urgente às acções emergentes de acidentes de trabalho;
- com este preceito, o legislador pretende que esse tipo de acções goze de precedência sobre qualquer outro serviço judicial ordinário dos Tribunais do Trabalho, tendo em vista uma rápida e eficaz reparação dos danos causados aos sinistrados por acidentes de trabalho;
- quando entrou em vigor o CPT/81 (que classificou de urgentes as acções de acidentes de trabalho), a contagem dos prazos processuais era regulada pelo artigo 144º do CPC (que passou a englobar os anteriores artºs 144º e 145º), na redacção dada pelo DL n.º 457/80 de 10.10, o qual estabelecia que o prazo judicial era contínuo (n.º 2), mas que se suspendia durante as férias, sábados, domingos e dias feriados (n.º 3);
- por sua vez, o artº 143º dispunha que os actos judiciais não podiam ser praticados nos domingos nem nos dias feriados nem durante as férias, com excepção das citações, notificações, arrematações e os actos que se destinavam a evitar dano irreparável;
- perante este quadro legislativo e apesar de alguns diplomas, nomeadamente, o Código de Expropriações, então em vigor, estabelecerem que "as férias não interrompiam qualquer prazo", alguma jurisprudência tendia a considerar que, à contagem do prazo para o recurso da sentença final, se devia aplicar o regime da suspensão do prazo judicial, previsto no artº 144º-3 do CPC;
- este entendimento tinha por base a ideia de que o processo tinha natureza urgente até à concretização do seu objectivo principal. Assim, no caso da falência, até à apreensão dos bens do falido (nº 2 do revogado artº 1179º do CPC); no caso das expropriações, até à posse administrativa do bem a expropriar ....
- com a entrada em vigor do artº 10º do CPEREF - aprovado pelo DL n.º 132/93, de 23.04 -, o conceito de urgência processual passou a ser mais abrangente, estendendo-se aos embargos e à fase dos recursos;
- por seu turno, a reforma do CPC de 1995 alterou a redacção do artº 144º, afastando, expressamente, a suspensão do prazo processual durante as férias judiciais, em processos que a lei considerasse urgentes;
- tal como acontece nas acções de recuperação da empresa e de falência ou nas acções para protecção de menores ..., também nas acções emergentes de acidentes de trabalho a natureza urgente do processo deve manter-se em todo o seu percurso;
- com efeito, sendo o trabalho, na grande maioria dos casos, a única fonte de rendimento dos sinistrados para satisfazer as suas necessidades básicas pessoais e familiares, justifica-se que haja celeridade na composição do litígio;
- a obrigatoriedade de pagar uma pensão provisória aos sinistrados, estabelecida no artigo 17º-5 da Lei n.º 100/97, de 13.09, traduz o reconhecimento, pelo legislador, dessa premência social;
- assim, estando o prazo de interposição de recurso abrangido pela ressalva feita na parte final do citado artº 144º-1 e tendo a sentença sido notificada à ré seguradora e ao seu mandatário forense, em 31.03.2003, o prazo de 20 dias, para a interposição do recurso de apelação (artº 80º-2 do CPT) - que não se suspendeu nas férias judiciais da Páscoa -, terminava no dia 21.04.2003, em virtude do dia 20 ter sido domingo, e não no dia 29.04.2003, data da entrada em juízo do recurso;
- logo, a apelação não podia ser admitida, por extemporânea.
Discorda deste entendimento a recorrente, mas sem razão.
Na verdade, em consonância com a doutrina que, desde o início, fez vencimento no âmbito da reforma global do processo civil e com a Convenção Internacional sobre o cômputo dos prazos (1), mostra-se consagrada no artº 144º-1 do CPC a regra da continuidade dos prazos processuais. Esta regra não é, porém, absoluta na medida em que a lei prevê a sua suspensão nas férias judiciais. Isto acontecerá quando o prazo for inferior a 6 meses e não se trate de processo urgente. Dito de outro modo: o prazo é contínuo - sem suspensões - se for igual ou superior a 6 meses ou se estivermos perante um processo que a lei considere urgente.
E não há dúvida que as acções emergentes de acidentes de trabalho, como é o caso dos autos, tem essa natureza (artº 26º-2 do CPT). No seu douto parecer, o Exmº Magistrado do MP, citando Leite Ferreira (in CPT, anotado, 4ª ed. pg. 139) e Guilherme de Vasconcelos (in "Curso de Direito Processual de Trabalho" - Supl. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1964, pg 154), justifica a razão por que a responsabilidade pelos eventos dos riscos do trabalho se deve efectivar com prontidão.
Diz a recorrente que é jurisprudência pacífica que a natureza urgente dos processos apenas se verifica até à prolacção da sentença em 1ª instância. Invoca o ac. do Tribunal Constitucional nº 38/ 88, de 3 de Fevereiro, publicado no BMJ 374/110, o ac. do STJ de 26.03.85, in BMJ 345/343 e o despacho do Presidente da Relação de Lisboa proferido em 13.07.92, publicado na CJ, 1992, 4, 127.
Quanto ao primeiro acórdão dir-se-á que estava em causa um recurso para o Tribunal Constitucional e que, na altura, o artº 144º do CPC - aplicável subsidiariamente à tramitação desses recursos (artº 69º da Lei nº 28/82) - tinha a redacção introduzida pelo DL nº 381-A/85, de 28 de Setembro, e que era a seguinte (na parte que interessa): «...2. O prazo judicial é contínuo .... 3. ....suspende-se, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e feriados. 4. O disposto no número anterior não se aplica aos prazos de propositura das acções, com excepção dos embargos de terceiro, nem aos prazos de interposição dos recursos extraordinários». Por outro lado, tratava-se dum processo de expropriação, regulado pelo DL nº 845/76, de 11 de Dezembro, alicerçando-se o despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional no artº 80º-2-c) do CE, preceito que, estando inserido nas disposições respeitantes às diligências de prova a realizar na 1ª instância, após a arbitragem, era interpretado no sentido de ser uma norma específica dos prazos de instrução, não aplicável, por isso, na fase de recurso da sentença final para os tribunais superiores.
O segundo acórdão citado foi proferido num recurso penal e o fundamento invocado para justificar a tempestividade do recurso foi o nº 3 do artº 144º do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 457/80, de 10 de Outubro (posteriormente mantida pelo DL nº 381-A/85, já citado) - aplicável subsidiariamente - onde se preceituava que o prazo judicial se suspendia durante as férias, domingos, sábados e dias feriados.
Finalmente, no que diz respeito ao despacho do Presidente da Relação de Lisboa, também estava um causa o recurso duma sentença proferido num processo de expropriação por utilidade pública, que não foi admitido por extemporaneidade. Acontece que a reclamação foi deferida, porque se interpretou o artº 80º-2-c) do CE (1976) no sentido já apontado - que aquela regra se reportava "à tramitação própria da comarca, às respectivas diligências instrutórias e àquilo que é específico e tendente à decisão da comarca".
Logo, tratando-se de decisões proferidas em processos de outra natureza e no domínio de outra legislação, fica sem suporte a argumentação da recorrente.
Sempre se dirá que a actual redacção do artº 144º-1 do CPC não permite que o respectivo normativo, integrado no seu contexto sistemático (disposições gerais) e à luz da sua ratio, seja interpretado no sentido de que a não suspensão do prazo nas férias, quando estão em causa processos urgentes ou prazos iguais ou superiores a 6 meses, só terá lugar até ser proferida decisão, na 1ª instância.
Tão pouco permite sustentar que a natureza urgente do processo decorra, não da classificação dada pela própria lei, mas da aplicação do critério do dano irreparável (artº 143º-2 do CPC). Se fosse esta a intenção do legislador não usaria uma forma tão tortuosa de se expressar, sendo certo que o intérprete deve presumir que aquele soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º-3 do CC).
Acresce que as regras contidas nos artºs 143º-2-3 e 144º-1 contemplam realidades diferentes.
Enquanto o primeiro artigo dispõe sobre o momento da prática dos actos processuais - das partes, dos magistrados e da secretaria -, o segundo refere-se ao modo de contagem dos prazos estabelecidos por lei ou fixados pelo juiz. Naquele consagra-se a regra de que os actos processuais não se praticam nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais, abrindo uma excepção para as citações e notificações e para os actos que se destinem a evitar dano irreparável. Neste, consagra-se a regra da continuidade dos prazos processuais, mas com suspensão nas férias judiciais. Esta suspensão não terá, porém, lugar, como já se referiu, se o prazo tiver duração igual ou superior a seis meses ou se o processo for urgente. Nestes casos a continuidade será total.
Como refere Alberto dos Reis, o prazo judicial é o período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual. Tem dois extremos: o dia de início (dies a quo) e o dia de termo (dies ad quem). Começa a correr no dia em que ocorre o facto ou se pratica o acto que constitui o ponto de partida para o início da contagem do período de tempo respectivo e finda logo que esteja esgotado esse período de tempo. Segundo o citado artº 144º-1, o prazo não corre, em princípio, durante as férias judiciais. Mas já correrá se o processo for urgente (a hipótese que agora nos interessa). Simplesmente, uma coisa é o decurso do prazo, outra a produção do efeito peremptório.
E aqui coloca-se a questão da articulação do disposto no artº 143º-2 com o disposto no artº 144º-1, na redacção actual: devemos entender, com Lopes do Rego, que, consagrada explicitamente, para efeito da contagem dos prazos, a figura dos processos "urgentes", a expressão "actos que se destinem a evitar dano irreparável", constante na parte final do nº 2 daquele artigo, deverá ser interpretada como significando acto integrado na tramitação dum processo que a lei explicitamente configura e qualifica como urgente (2), ou, devemos, antes, defender que as duas disposições mantêm o seu campo próprio e assim, tratando-se de processo urgente e caindo o último dia do prazo em férias, o efeito peremptório produzir-se-á, ou nesse dia ou no primeiro dia útil seguinte às férias, consoante o acto a praticar se destine ou não a evitar dano irreparável?
Admitindo-se esta posição, isto significaria que se o acto em causa fosse o de interposição de um recurso em processo urgente, mas não incluído na parte final do nº 2 do citado artº 143º, o termo do prazo de interposição, caindo em férias, seria transferido para o primeiro dia útil seguinte.
No caso dos autos, é pacífico que o prazo começou a correr em 31.03.2003, perfazendo-se os vinte dias no decurso das férias da Páscoa (de 13 a 21 de Abril).
Naquele contexto, seria legítimo concluir que o acto podia ser praticado no primeiro dia útil após férias judiciais (dia 22 de Abril) ou nos três dias úteis subsequentes, com multa - artº 145º-5 do CPC (concretamente, nos dias 23, 24 e 28 desse mês, dado que o dia 25 foi feriado e 26 e 27, respectivamente, Sábado e Domingo).
Acontece que o recurso foi interposto no dia 29 de Abril. Isto significa que, quer se aderisse a uma, quer a outra posição, sempre o recurso seria extemporâneo.
E sendo defensável que a natureza urgente dum processo nem sempre obrigará a que os actos processuais sejam praticados em férias, perdem sentido as considerações tecidas pela recorrente sobre a existência de tratamento discriminatório entre partes e magistrados e a afirmação de que a não admissão do recurso, por extemporaneidade, viola os princípios da universalidade e da igualdade, plasmados nos artºs 12º e 13º da CRP.
De qualquer forma, nunca a inobservância por parte do tribunal do disposto no artº 143º-2, parte final, constituiria prática relevante justificativa dum menor rigor na apreciação do caso presente, sendo certo que as partes dispõem de meios para controlar os actos e as omissões dos magistrados.
Diz, ainda, a recorrente que a não admissão do recurso por extemporaneidade representa um entrave puramente formal ao princípio da livre admissibilidade dos recursos, corolário lógico do direito de defesa.
Esquece a recorrente que o processo é uma sequência de actos processuais - actos das partes, dos magistrados e da secretaria - que não são praticados de forma caótica, mas sujeitos a uma certa ordem, determinada por lei. O estabelecimento de regras de preclusão, que obstam a que um acto omitido possa vir a ser realizado fora do seu momento legalmente fixado, é justamente uma das vias utilizadas para imprimir celeridade ao processo e obviar à sua tão falada morosidade.
Não há dúvida que o prazo de interposição do recurso de apelação é peremptório - artº 80º-2 do CPT e artº 145º-1-3 do CPC. Logo, se o mesmo expira sem a parte interpor o respectivo recurso, o direito de recorrer extingue-se, sem que isso represente qualquer perda de garantia do direito de defesa. As regras estão legalmente estabelecidas e a parte que queira exercer o respectivo direito só tem que diligenciar pela sua observância.
Insurge-se, ainda, a recorrente contra o facto de haver duas posições antagónicas dentro do processo - a do juiz da 1ª instância, que admitiu o recurso, considerando-o tempestivo e a do acórdão recorrido que não o admitiu por extemporâneo.
A falta de razão da recorrente é patente, uma vez que é a própria lei que estabelece que o despacho admissor do recurso não vincula o tribunal superior (artº 687º-4 do CPC).
O mesmo acontece relativamente ao argumento plasmado (supra), na 3ª conclusão - que os termos referidos na nota de citação da ré, de que o prazo da contestação se suspendia em férias, teriam como efeito a determinação definitiva das regras processuais, nomeadamente, as concernentes à contagem dos prazos.
A lei também prevê tal situação - a da irregularidade da citação consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior. Preceitua, justamente, o artº 198º-3 do CPC que se a irregularidade da citação consistir em se ter indicado para a defesa um prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares. Quer dizer, a irregularidade cometida, aquando da citação, sana-se daquela forma, mas não se torna norma dentro do respectivo processo.
Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso.

V - Decidindo
Nestes termos acordam em negar provimento ao agravo e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela agravante.

Lisboa, 24 de Novembro de 2004
Maria Laura Leonardo
Fernandes Cadilha
Vítor Mesquita
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(1) Carlos F. O. Lopes do Rego, in Comentários ao Código Processo Civil. I, 2ª ed. pg 149.
(2) Obra cit., Vol. I, pg 150.