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EMBARCAÇÃO
ABALROAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
ACTIVIDADES PERIGOSAS
LEI APLICÁVEL
Sumário
I- Culpa e nexo de causalidade não se confundem nem a existência de um significa ou pressupõe a do outro. Tão pouco a circunstância de ocorrer violação da lei legitima a conclusão sobre o nexo causal - poderá, diversamente, comportar elementos para a formulação de um juízo de censura mas não implica necessariamente que esse seja afirmativo. II- O art. 6-II da Convenção de Bruxelas de 1910.09.23, aprovada pela lei de 1913.05.07, ratificada pela Carta de lei de 1913.08.12, afirma que em matéria de responsabilidade por abalroação não existe presunção de culpa. Ressalva, todavia, o facto de todos os interessados bem como o tribunal que houver de julgar o feito pertencerem a um mesmo Estado - aplicável será, então, a lei nacional e não a Convenção (art. 12-II-2). III- A prática desportiva consistente na circulação das motos de água é actividade perigosa, o que torna aplicável o disposto no art. 493-2 CC.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -
"A" propôs contra B acção de indemnização pelos danos a si culposamente causados por este quando conduzia a moto de água e colidiu com a conduzida pelo autor, pedindo se o condene a lhe pagar a quantia de 28.869,35€, acrescida de juros de mora desde a citação, e todas as despesas que vierem a ser por si feitas com os tratamentos necessários à sua recuperação.
Contestando, o réu impugnou (embora tenha rotulado a defesa também por excepção o certo é o alegado ser mera impugnação) e reconveio pedindo a condenação do autor em 2.980,65€, como indemnização pelos danos materiais causados na moto de água que tripulava.
Replicando, o autor excepcionou a ilegitimidade do réu para reconvir e impugnou.
Após tréplica, improcedeu, no saneador, a excepção de ilegitimidade e ainda o pedido reconvencional.
A final, procedeu em parte a acção por sentença apenas alterada pela Relação quanto a juros de mora, no seu pagamento condenando o réu.
De novo inconformado e defendendo a sua absolvição do pedido, pediu revista o réu que, em suas alegações, concluiu, em suma e no essencial -
- aplicável, por força do art. 12-2 da Convenção de Bruxelas, a lei nacional o que não sucedeu no acórdão recorrido;
- este, ao confirmar a sentença, contradiz-se pois que aquela condenou com base em presunção de culpa e este teve-a por inaplicável;
- não se tendo provado a culpa do recorrente, devia ter sido absolvido do pedido;
- o autor governava a moto de água sem carta de marinheiro e não demonstrou que tal não teve nexo directo e causal como o sinistro, havendo a presunção de culpa com origem em conduta ilícita ‘de ser ilidida com anterioridade a outra que, embora decorra de natureza perigosa, seja lícita’ (sic);
- embora no sinistro nunca interviessem terceiros, o acórdão defende subsidiariamente a aplicação do art. 43 do Regulamento de Náutica de Recreio quando ele não é aplicável ao caso.
Contraalegando, defendeu o autor a confirmação do julgado.
Colhidos os vistos.
Ao abrigo do art. 713-6, ex vi do art. 726, do CPC, remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido.
Decidindo: -
1.- Culpa e nexo de causalidade são dois dos pressupostos da responsabilidade civil.
Não se confundem nem a existência de um significa ou pressupõe a do outro.
Tão pouco a circunstância de ocorrer violação da lei legitima a conclusão sobre o nexo causal. Poderá ela, diversamente, comportar elementos para a formulação de um juízo de censura mas não implica necessariamente que ele seja afirmativo.
Assim, a não habilitação com a carta de navegador de recreio não implica, sem mais, que se tenha o autor como culpado nem da sua falta se pode legalmente presumir a culpa e presunção judicial não foi estabelecida nem o Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para a extrair sendo ainda que lhe é vedado, em princípio, sindicar a decisão de facto.
Entende o réu que da violação do Regulamento da Náutica de Recreio, aprovado pelo dec-lei 329/95, de 09.12, na redacção do dec-lei 567/99, de 23.12, exigindo (arts. 2, 3 e 31) a habilitação com carta de navegador de recreio, decorre uma outra presunção, a de nexo causal entre a sua inabilitação para navegar e o sinistro. Presunção legal inexiste e, se judicial, não foi estabelecida pelas instâncias.
2.- O juízo de censura não dispensa a sua estruturação em factos e os alegados quer pelo autor quer pelo réu quanto ao circunstancialismo da colisão não foram considerados provados.
Com razão, a sentença afirmou que a matéria de facto apurada não permite imputar a verificação da colisão à actuação culposa de qualquer dos navegadores.
O art. 6-II da Convenção de Bruxelas de 1910.09.23, aprovada pela lei de 1913.05.07, ratificada pela Carta de lei de 1913.08.12, afirma que em matéria de responsabilidade por abalroação não existe presunção de culpa. Ressalva, todavia, o facto de todos os interessados bem como o tribunal que houver de julgar o feito pertencerem a um mesmo Estado - aplicável será, então, a lei nacional e não a Convenção (art. 12-II-2).
Por ser esse o caso, aplicável é a lei portuguesa - o CC e o RNR.
A regra de caber ao lesado a prova da culpa da lesão (CC- 487,1) comporta excepções e especialidades.
As motos de água integram, para efeitos de aplicação do RNR, o conceito de ER (embarcações de recreio) - art. 3-2 do RNR.
Atendendo às características das motos de água, de modo particular à sua acentuada potência e rapidez, ao tipo de contacto com a água quando em circulação e à grande mobilidade, trata-se de meio em que os perigos que genericamente a navegação comporta se encontram em grau fortemente elevado; reflexo disto ou não, o certo é ainda o RNR ter disposto a seu respeito de limitações que para as outras ER condicionou menos (arts. 49 e 50) deve considerar-se, como bem qualifica a sentença, como actividade perigosa, pela sua natureza, a prática desportiva consistente na sua circulação, o que torna aplicável o disposto no art. 493-2 CC.
Autor e réu tripulavam no rio Tejo motos de água pelo que ambos são abrangidos pelo aí disposto já que da colisão entre ambas resultaram danos para o primeiro e para terceiro (consideração que não contende com a absolvição ditada no saneador - aqui, apenas se está a perspectivar o facto, a realidade do dano).
‘Tripulavam’ - o réu impugnou a versão do autor (cont.- 31 e 56 a 61) quanto a estar a moto de água desligada e este dentro de água, fora da moto, e quesitadas ambas as versões receberam a resposta de «não provado» - quesitos 2 a 4 e 12 a 19, e ainda as respostas restritivas aos quesitos 5 e 20 (cfr. base instrutória a fls. 167-169 e decisão do facto a fls. 279).
Não se provou que empregaram as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir. Afectando a inversão do ónus da prova um e outro e nenhum se tendo desonerado, a contribuição, em termos de culpa, de cada uma para a produção do acidente é equivalente, como o é ainda a contribuição, face à identidade (independentemente da lotação de uma e outra) dos veículos em causa, em termos de produção dos danos.
Aliás, a repartição, já anteriormente aceite pelo autor, não vem questionada na revista - nesta, o recorrente apenas defendeu a atribuição da culpa em exclusivo ao autor e, subsidiariamente, não pôs em crise a repartição em termos quer de culpa quer de contribuição para a produção de danos. Como se viu, não se pode concluir in casu pela atribuição da culpa real nem em exclusivo a um do interveniente, seja ele o autor seja o réu.
O quantum indemnizatório não foi questionado (neste não foi incluído, e bem, o valor da reparação da moto de água tripulada pelo autor uma vez que, embora o tivesse reclamado, lhe falecia legitimidade para tanto.
Termos em que se nega a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004
Lopes Pinto
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante