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TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
Sumário
Se a recorrente detinha em seu poder produto estupefaciente, não se limitando a consentir que em espaço seu fossem praticadas actividades que se integravam na descrição típica do crime de tráfico, comete um crime de tráfico de estupefacientes e não o ilícito p. e p. no art. 30.º, n.º 2, do DL 15/93, de 22-01.
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
1. Na 2ª Vara Criminal de Lisboa foi submetida a julgamento em processo comum com intervenção de tribunal colectivo (nuipc 20/02.OS9LSB), entre outros, a arguida AA, identificada no processo, sendo condenada como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artigo 21°, n° l, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, de que vinha acusada; na pena de seis anos de prisão.
Recorreu para o tribunal da Relação, o qual, todavia, e no que agora releva, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão da 1ª instância.
2. Não se conformando, recorre agora para o Supremo Tribunal de Justiça, fundamentando o recurso nos termos da motivação que apresentou, e que faz terminar com a formulação das seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal a quo, tal como a 1ª instância incorreu em vícios previstos no art° 410, n°2, do CPP.
2ª - De facto consta expressamente do texto da decisão recorrida, que existe contradição na decisão proferida peia 1ª instância, quando fundamenta o facto provado segundo o qual a recorrente lançou produto estupefaciente da janela , dizendo que os produtos tinham a mesma natureza, dimensão e peso (por embalagem).
3ª-Todavia, não obstante tal constatação, não retirou da mesma as devidas ilações, tendo por isso incorrido em erro notório e não tendo a arguida sido absolvida.
4ª - É que, ao contrário do que consta da fundamentação da decisão recorrida, o depoimento da testemunha de acusação BB "não surge com um carácter meramente adjuvante ou complementar", bem pelo contrário.
5ª- Uma vez que o referido depoimento foi essencial para formação da convicção do Tribunal o que resulta desde logo da "hierarquia" estabelecida, foi o primeiro a ser referido, mencionando-se que era o coordenador de toda a operação.
6ª - Acresce que, também ao contrário do que consta da decisão recorrida, o depoimento do agente CC não foi apreciado de forma crítica e só assim se explica a importância que lhe foi conferida.
7ª O Tribunal da Relação a exemplo da 1ª instância, não se socorreu, como a lei impõe do princípio do in dúbio pro reo, cuja [...] não aplicação deste princípio consubstancia um vicio de erro notório na apreciação da prova, previsto no art° 410°, n°2, alínea c), do CPP.
8ª- O mesmo se diga mutatis mutandis quanto ao facto provado, segundo o qual a recorrente agiria em co-autoria com os restantes
9ª Pois que, o princípio supra referido também foi violado uma vez que o tribunal a quo fundamentou esse facto em intercepções telefónicas tendo olvidado que a recorrente não foi interveniente nas mesmas, mas sim outros arguidos que a ela, supostamente, se refeririam.
10ª - Para além de que a mesma nunca foi vista em vigilâncias e foi condenada não por aquilo que supostamente fez, mas por aquilo terceiros disseram que ela faria.
11ª - Termos em que deve este Venerando Tribunal decretar os aludidos vícios e absolver a arguida
Se assim não for entendido, o que se admite embora sem conceder, sempre a recorrente considera incorrecta a qualificação jurídica
12ª - De facto e tal como pugnou na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação, entende a recorrente que, no máximo a respectiva conduta é susceptível de ser subsumida à previsão do n° 2 do artº 30º do citado diploma legal.
13ª - Consta do texto da decisão recorrida, nomeadamente do 1° parágrafo da página 71 do acórdão "a sua função era a de depositária da droga".
14ª - Assim sendo, o Tribunal concede que a conduta da recorrente se limitava a guardar a droga.
15ª - Todavia, e ao contrário do expendido pelo tribunal recorrido, a conduta da recorrente subsume-se no tipo do artº 30º, pois apenas consentiu que outrem, dono do estupefaciente, utilizasse a sua casa para o guardar.
16ª - É evidente que enquanto depositário o agente, neste crime tem acesso ao estupefaciente, sendo que a tónica se coloca no facto de este ser propriedade de outrem que não o agente que disponibiliza o local.
17ª Termos em que a pronuncia deverá ser convolada para este ilícito e arguida condenada em pena nunca superior a 2 anos de prisão.
Se assim não for entendido,
18ª - A conduta da recorrente, conforme referido anteriormente, e de resto consta do texto da decisão recorrida, era a mera depositária da droga.
19ª - Não se entendendo que os factos devem ser qualificados pelo ilícito p. e p no n° 2 do art° 30º do DL . 15/93 de 22/01, devem sê-lo pelo crime previsto na alínea a) do art° 25º do mesmo diploma legal.
20ª- Assim, tal circunstância, simples guarda patenteia, no entender do recorrente, considerável diminuição da ilicitude.
21ª Termos em que deve a condenação da arguida ser convolada para o crime previsto no art° 25º, alínea a) e condenada em pena não superior a dois anos de prisão.
Se assim não for entendido, e embora sem conceder, sempre a recorrente discorda,
22ª - Da pena concreta aplicada à recorrente, afigura-se-nos exagerada não só em termos absolutos, mas também e sobretudo em termos relativos.
23ª - Acresce que, o tribunal recorrido, considerou e bem, como não provado que os objectos em ouro tivessem sido adquiridos com proventos do tráfico, motivo peio qual ordenou que lhe fossem restituídos.
24ª Ora tal facto, de per si, deveria ter repercussão na medida concreta da pena, o que não aconteceu.
25ª - A correcta ponderação das atenuantes que a seu favor militam e bem assim a harmonização com as penas aplicadas aos co-arguidos, deverá conduzir á aplicação em concreto de pena não superior a 4 anos e 6 meses de prisão.
26ª - O acórdão recorrido violou os Artigos, 410°, n°2, als. b) e c), e principio do in dúbio pro reo todos do CPP, art° 30º, n° 2, e 25º, alínea a), do Dl. 15/93, de 22/01 e arts. 29° e 71º do Código Penal.
Termina pedindo o provimento do recurso.
O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo, respondendo à motivação, conclui pela total improcedência do recurso, e entende que deve ser mantido o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.
3. Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto teve intervenção nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal (CPP).
Foram produzidas alegações escritas.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto considera relativamente ao «vício» da matéria de facto, que a jurisprudência uniforme deste STJ é no sentido de não poderem constituir objecto de recurso o para este mesmo Tribunal, que a arguida era, detentora (e co-proprietária) dos estupefacientes, ficando, assim, afastada a incriminação do n° 2 do art. 30º, e também a aplicação do art. 25° deve ser recusada., quer pelo intuito puramente lucrativo que movia a arguida, quer pela quantidade de cocaína encontrada, sugerindo inequivocamente um nível de tráfico de dimensão apreciável, pelo que não é possível integrar os factos numa situação de menor gravidade.
No que respeita à medida da pena, considera que assiste alguma razão a recorrente, pois sendo ela embora uma co-autora, a sua conduta, embora essencial dentro do plano criminoso, é de alguma forma subalterna, relativamente à dos co-arguidos, aceitando que a pena deve ser reduzida para próximo do mínimo legal.
A recorrente reafirma nas alegações a posição que desenvolveu na motivação.
Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
4. As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:
Em data anterior a 1 de Abril de 2002, os arguidos DD, também conhecido por "...", o seu "cunhado" EE, a AA também conhecida por "..", [...], decidiram proceder à venda de produtos estupefacientes (após reformulação da matéria de facto pela Relação) ;
Obtendo, para o efeito, a posterior colaboração da arguida FF, companheira do DD, do GG, também conhecido por "..." e, esporadicamente, do arguido HH;
Agindo todos eles em conjugação de esforços e de vontades;
Porém, as movimentações dos arguidos chegaram ao conhecimento da DCITE da PJ, onde se dava conta de que na Rua João Nascimento Costa, lote ... andar, lado direito e 1° andar, lado esquerdo, nesta cidade e comarca, três indivíduos conhecidos por "...", "..." e "...", este último residente no lote .....° andar, letra D, da referida artéria, se dedicavam à comercialização de produtos estupefacientes;
No dia 17 de Abril de 2002, o arguido DD foi visto, pelas 18h30m, na Rua João Nascimento Costa, a ser abordado por um indivíduo do sexo feminino, com aspecto de dependente de produtos estupefacientes;
Após breve diálogo entre ambos, o arguido encaminhou-a para a entrada do Lote 6, donde veio a sair passado pouco tempo, em passo apressado;
No dia seguinte, o arguido DD é visualizado por agentes da PSP a encaminhar indivíduos com aspecto de dependentes de produtos estupefacientes para o interior do Lote 6, donde saiam, passado pouco tempo, em passo apressado;
O arguido DD era contactado, amiudadas vezes, via telemóvel por diversos indivíduos que lhe pretendiam adquirir produto estupefaciente;
Para tanto, utilizavam, no decurso das conversas telefónicas, com frequência, linguagem codificada nomeadamente "cavalo" (querendo referir-se a heroína), "branca" (querendo referir-se a cocaína), "castanha" (querendo referir-se a heroína), "quartazinha" (querendo referir-se a uma embalagem pequena de cocaína e/ou heroína) e "coca" (querendo referir-se a cocaína);
As entregas de produtos estupefacientes aos consumidores que as encomendavam por telemóvel eram normalmente efectuadas pelo arguido GG e, por vezes, quando aquele não se encontrava disponível, pelo HH;
Os aludidos arguidos procediam diariamente à venda de produtos estupefacientes;
Por modo a iludir a actividade policial cabia aos arguidos AA [...], a guarda dos produtos estupefacientes na sua residência (após reformulação pela Relação);
[...] decidiu, com o consentimento da arguida II, sua mãe, passou a guardar na residência desta, em local discreto, significativa quantidade de produto estupefaciente (após reformulação pela Relação);
Deslocando-se o JJ frequentemente a essa residência e mantendo com a II conversações por telefone;
Na sequência das investigações, foram judicialmente autorizadas buscas às residências dos arguidos;
Assim:
1 - No dia 26 de Julho de 2002, pelas 13 horas, a PSP deu cumprimento aos mandados de busca para a residência sita na Rua João Nascimento Costa, lote ..., em Lisboa, onde se encontravam os arguidos DD, FF e EE e onde foram encontradas e apreendidas 38 (trinta e oito) embalagens de um produto castanho que se veio a revelar positivo para "heroína", com o peso líquido de 47,121 gramas, conforme exame do LPC de fls. 445/446, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
Uma destas embalagens foi detectada no interior de uma gaveta do guarda fatos, no quarto dos arguidos DD e FF, dissimulada no interior de uma meia de criança e as outras no interior de um saco de plástico transparente no sofá da sala junto do arguido EE;
Encontravam-se ainda 10 (dez) embalagens em plástico incolor contendo um pó branco / creme, que se veio a revelar sendo "cocaína", com o peso líquido de 5,028 gramas, conforme exame do LPC de fls. 445/446, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
Na mesma ocasião e lugar foram encontrados e apreendidos dois telemóveis, sendo um de marca "Samsung", modelo "SGH-R210S" e outro de marca "Motorola", modelo "AC2 41 A 11";
Foi ainda encontrada e apreendida, uma pistola, de marca "Pietro Beretta", modelo 81 BB, cujo número identificativo fora removido por acção mecânica - abrasiva (rebarbamento), de calibre 7,65 mm, com o respectivo estojo, bem como 47 (quarenta e sete) munições, de cal. 7,65 mm e ainda 64 (sessenta e quatro) munições de cal. 9 mm, tudo pertença do arguido DD;
Foi ainda encontrada e apreendida a quantia monetária de 330 (trezentos e trinta) euros em notas do Banco Central Europeu e ainda um talão comprovativo de depósito do Banco Santander, no valor de 500 (quinhentos euros), referentes à conta com o n.º 11 0372 002000 41500, em nome da arguida FF (cfr. fls. 235);
Na posse do arguido DD, foi encontrada e apreendida a quantia monetária de 782,90 (setecentos e oitenta e dois euros e noventa cêntimos), em notas do Banco Central Europeu;
Na posse do EE foram ainda encontrados e apreendidos 415 (quatrocentos e quinze euros), em notas do Banco Central Europeu;
2 - No seguimento dessas operações foi efectuada uma busca à residência sita na Rua João Nascimento Costa, lote ..., onde se encontrava a arguida AA, a qual, ao aperceber-se que pretendiam arrombar a porta da casa, lançou para o exterior, por uma janela da sala, uma fralda de cor branca, que continha no seu interior uma embalagem de plástico incolor contendo no seu interior um pó branco creme que se veio a revelar como sendo "cocaína", com o peso líquido de 86,258 gramas, bem como uma balança de precisão de marca "SOLO", com resíduos de heroína e cocaína, conforme exame do LPC de fls. 445 / 446, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
Na referida fralda, estava inscrito o número de telemóvel 914583260;
Foram ainda encontrados e apreendidos, um telemóvel de marca "'Siemens", modelo C30, € 51,15 (cinquenta e um euros e quinze cêntimos) em notas do Banco Central Europeu, vários objectos em ouro, conforme auto de exame e avaliação de fls. 224 a 226, € 4.808 (quatro mil oitocentos e oito euros) e vários cartões de débito/crédito, em nome do arguido JJ;
3 - No seguimento dessas operações foi efectuada uma busca à residência sita na Rua João Nascimento Costa, lote ..., onde se encontrava a arguida KK e onde foi encontrado e apreendido: - uma pistola de calibre 7,65 mm, de marca CZ, todavia não visível por ter sido desbastada através de rebarbamento e cujo número de série também foi desbastado impedindo a sua visualização; - (2) dois carregadores próprios para aquela arma, sendo que um continha no seu interior (7) sete munições de cal. 7,65 mm e o outro (8) oito munições de cal. 7,65 mm; - uma caçadeira de canos sobrepostos, de marca "Sarriugarte", de cal.12 mm, com o n.º 6753512-70; - (65) sessenta e cinco cartuchos de 12 mm, tudo conforme auto de exame de fls. 554 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
Na mesma residência, no quarto do arguido EE ("genro" da KK, que também habitava aquela casa) foram encontradas e apreendidas duas agendas com vários nomes e números de telefone, que constam a fls. 264 e 265 bem como € 230 (duzentos e trinta euros) em notas do Banco Central Europeu e vários objectos em ouro avaliados em 3.067 (três mil e sessenta e sete) euros, tudo conforme exame de fls. 228 / 229 cujo teor aqui se dá por reproduzido;
4 - No seguimento dessas operações foi efectuada uma busca à residência sita na Rua João Nascimento Costa, lote ..., onde se encontrava o arguido HH e onde foram encontrados e apreendidos 3 (três) moinhos com resíduos de heroína conforme exame do LPC de fls. 445 / 446, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, uma carta de condução com o n.º L - 1281507, emitida pela D.S.V. de Lisboa em 27/01/92, em nome de LL, tendo aposta a fotografia do arguido HH, que consta a (fls. 266) e, uma carteira profissional em uso na Guarda Nacional Republicana, contendo no seu interior o B.I. de identificação profissional N°. 920532, emitido em nome do soldado MM, conforme cópia de fls.263;
5 - No seguimento dessas operações foi efectuada uma busca à residência sita na Praça Sócrates da Costa, n.°..., em Lisboa, onde se encontrava a arguida II e onde foi encontrado e apreendido, um saco em pano de cor preta, com a inscrição "ZARA", contendo no seu interior um saco em pano de cor amarela que acondicionava (18) dezoito embalagens de "heroína" em forma de bola, acondicionadas com fita adesiva, com o peso líquido de 904,323 gramas, conforme exame do LPC de fls. 445/446, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
No decurso da busca chegou a esta residência o arguido JJ, o qual se havia furtado à acção dos agentes que efectuavam a busca na sua residência (Rua João Nascimento Costa, lote ..., Lisboa) e se deslocou de imediato para casa de sua mãe, a arguida II, onde veio a ser detido;
Os arguidos DD, FF, EE, II, JJ, GG e HH conheciam, perfeitamente, a natureza e as características dos produtos estupefacientes comercializados (heroína e cocaína) e dos que detinham na sua posse, os quais destinavam a comercializar na Rua João Nascimento Costa e imediações, em Lisboa, com a intenção de obterem, como obtiveram, uma contrapartida económica;
Sabia a II das características do produto estupefaciente que era guardado na sua residência, com a sua autorização;
Todas as importâncias pecuniárias, objectos em ouro e telemóveis apreendidos aos arguidos DD, FF, EE e AA foram adquiridos/as com os rendimentos provenientes do tráfico de estupefacientes a que todos se dedicavam;
Nenhum dos aludidos arguidos (DD, FF, EE e AA) exercia uma actividade remunerada estável donde pudesse retirar proventos que lhe permitissem fazer face às despesas do quotidiano;
Todos/as os/as arguidos/as agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a respectiva conduta era proibida por lei.
Provou-se ainda:
A arguida AA foi condenada em 16/04/98, no Proc. 58/97.8PILSB (7/98) da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, 2.ª Secção, por crime de tráfico de estupefacientes cometido em 15/07/97, na pena de 5 anos de prisão, tendo saído em liberdade condicional em 8/05/01;
É a aludida arguida de muito modesta condição económico-social, tendo como actividade a venda ambulante, na qual aufere rendimentos incertos que se situam entre 350 e 400 euros por mês; de etnia cigana, é irmã da KK e vive com o co-arguido JJ; a arguida AA sofre de depressão profunda, sendo seguida regularmente pelo médico e tomando medicação;
No estabelecimento prisional de Tires regista bom comportamento e frequenta a escola no 1.º ciclo;
Aquela arguida esteve na Direcção de Acção Social Local Intermédia da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no dia 10 de Julho de 2002, de onde saiu às 12 horas, local onde foi atendida pela Dr.ª NN, solicitando apoio económico;
A porta da casa da arguida AA é frágil e tem uma fechadura das mais simples, tendo a PSP entrada de rompante após arrombar a porta;
5. Delimitado do recurso pelas conclusões da motivação, a recorrente AA define ao respectivo objecto as seguintes questões.
- vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP, uma vez que o tribunal considerou provado determinado facto em contradição com o depoimento de uma testemunha no qual fundamentou a decisão, não retirando o tribunal a quo as devidas consequências, e que o tribunal não se socorreu do princípio in dubio (cl. 1ª a 11ª);
- qualificação dos factos provados, que apenas integrariam o crime p.e p. no artigo 30º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro (cl. 12ª a 17ª);
- subsidiariamente, e ainda no domínio da qualificação, a conduta do recorrente apenas poderia integrar o crime p. e p. no artigo 25º do referido diploma (cl. 18ª a 21ª); e
- medida da pena (cl. 22ª a 25ª).
5. 1ª Questão:
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19 de Outubro), o conhecimento dos vícios do artigo 410º, nº2 do CPP é oficioso, não podendo ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal quando o recorrente tenha invocado no recurso para o tribunal da relação, no âmbito da discussão sobre a matéria de facto, a existência dos referidos vícios.
De todo o modo, haverá que apreciar se a decisão recorrida está afectada por algum dos vícios enunciados na referida disposição processual que cumpra oficiosamente conhecer.
O "erro notório na apreciação da prova" constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum".
Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
Em síntese de definição, estes são os elementos que hão-de conformar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do mencionado vício (cfr., v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, no BMJ nºs. 476, pág. 82; 477, pág, 338; 478, pág. 113; 479, pág. 439, 494, pág. 207 e 496, pág. 169).
O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.
Os vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP não podem, por outro lado, ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127º do CPP.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos.
Não basta, porém, que numa dada situação se verifique que os factos, considerados na singularidade das suas correlações imediatamente físicas e naturais, e no domínio da possibilidade material ou das projecções de vontade, poderiam não suscitar reparos.
Esta verificação não é bastante para afirmar a integridade do processo racional e lógico de formação da convicção sobre os factos e, por conseguinte, também da inexistência de «erro» na apreciação da prova.
Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c). - cfr. os acórdãos deste STJ, de 7 de Janeiro de 2004, proc.3213/03 e de 24 de Março de 2004, proc. 4043/03.
Considerando o conteúdo da noção, na decisão recorrida não se manifesta a existência do vício, que se não confunde com divergências sobre a valoração das provas produzidas perante o tribunal, e as conclusões que, em matéria de facto, este retirou das provas que apreciou e valorou.
Perante os termos do recurso, as provas de que se socorreu e a reapreciação que fez da matéria de facto, a decisão da tribunal da relação não contém qualquer incongruência relativamente aos factos que um homem médio directamente pudesse detectar, nem qualquer conclusão que não seja permitida pela intervenção das regras das presunções naturais.
No que respeita especificamente ao ponto discutido da matéria de facto, o tribunal da relação apreciou as provas e decidiu, especificamente, a questão que lhe foi submetida, sem que a decisão, em si mesma, revele qualquer incongruência ou conclusão que as regras da experiência não permitissem obter.
Não se verifica, assim, o vício de erro notório na apreciação da prova.
6. 2ª Questão:
A recorrente retoma no recurso a divergência sobre a qualificação dos factos, por entender que a sua actuação apenas integra o crime p. no artigo 30º, nº 2 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
O artigo 30º do Decreto-Lei nº 15/93 descreve situações que constituem apoio logístico às actividades de tráfico, tipificando condutas que favorecem tais actividades, sem que o agente que permite (consente) o uso dos meios facilitadores tenha qualquer contacto ou participe dos actos que constituem a actividade de tráfico.
Refere-se a participações laterais ou instrumentais, que podem facilitar a prática do crime, mas que não chegam a integrar elementos da co-autoria ou mesmo de cumplicidade - ou, quando muito, poderão ser aparentados com uma relação de cumplicidade, pelo auxílio, não estritamente causal, que o consentimento para o uso dos meios instrumentais comporta para a prática, por outrem, do crime de tráfico.
No nº 2, o referido artigo 30º manda punir «quem, tendo ao seu dispor edifício, recinto vedado ou veículo, consentir que seja habitualmente utilizado para o tráfico ou uso ilícito de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV». A descrição da norma refere-se, pois, directamente, apenas a quem consinta na utilização de edifício, recinto vedado ou veículo, permitindo a disponibilidade de meios instrumentais ara as actividades de tráfico, mas que não participe, imediata ou mediatamente, directa ou indirectamente, nas próprias actividades de tráfico.
Por seu lado, a descrição do crime base de tráfico de estupefacientes, constante do artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei no 15/93, apresenta grande amplitude (tipicidade de largo espectro), e compreende toda uma série de actos ou actividades em que, qualquer deles, basta para a integração do crime.
Por isso, o simples contacto consciente com produto estupefaciente, uma qualquer acção de mera detenção («quem ilicitamente detiver»), basta para integrar um dos vários elementos típicos, e, com eles, concorrendo os restantes elementos da infracção, a integração do crime.
A recorrente, como vem provado, detinha em seu poder (mesmo a simples guarda é detenção) produto estupefaciente, não se limitando, pois, a consentir que em espaço seu fossem praticadas actividades que se integravam na descrição típica do crime de tráfico.
Há, assim, por parte da recorrente, como refere o acórdão recorrido, uma relação directa de detenção e de disponibilidade material sobre os produtos estupefacientes, o que basta para integrar um dos elementos (das acções) da descrição típica base do crime de tráfico de estupefacientes p. no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
7. 3ª Questão:
Subsidiariamente, a recorrente defende que os factos provados apenas integrariam o crime p. e p. no artigo 25º do Decreto-Lei nçº15/93, de 22 de Janeiro, por a sua actuação revelar uma considerável diminuição de ilicitude.
O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém, pois, a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.
Por isso, a diversificação em graus dos crimes de tráfico (mais dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º) e para os traficantes-consumidores (artigo 26º). (Cfr.. v. g., LOURENÇO MARTINS, "Droga e Direito", ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na "Colectânea de Jurisprudência", ano IX, tomo I, pág. 234; e de 28 de Abril de 2004, proc. 1116/04).
O artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, epigrafado de "tráfico de menor gravidade", dispõe, com efeito, que «se, nos casos dos artigos 21º e 22º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de 1 a 5 anos (alínea a)), ou de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (alínea b)), conforme a natureza dos produtos (plantas, substâncias ou preparações) que estejam em causa.
Trata-se, como é entendido (v. g., o acórdão deste Supremo Tribunal, cit. de 1 de Março de 2001, com extensa indicação de referências jurisprudenciais), de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico. Mas estas são noções que, antes de se constituírem em categorias normativas, surgem como categorias empíricas susceptíveis de apreensão directa da realidade das coisas. A justeza da intervenção, para a adequada prossecução também de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).
Os critérios de integração diferencial, delimitados na generalidade da aproximação ou nos limites da descrição típica, têm de ser testados na ponderação imposta, em concreto, pelas circunstâncias do caso, devendo ser considerados na determinação da gravidade da ilicitude, tanto os meios utilizados, como as circunstâncias da acção e a qualidade a quantidade dos produtos
No caso, os factos provados e as circunstâncias nas quais a recorrente actuou, não permitem considerar a ilicitude como consideravelmente diminuída.
Com efeito, não apenas a quantidade, mas sobretudo a natureza do produto que a recorrente detinha, bem como a integração numa ambiência de pluralidade de agentes, a demonstrar alguma organização e repartição de tarefas, são circunstâncias que não podem ser valoradas ainda nos parâmetros em que a lei pretende situar a diminuição considerável de ilicitude.
A recorrente cometeu, pois, o crime por que vem condenada, improcedendo, nesta parte, o recurso.
8. 4ª Questão:
A recorrente considera que a pena aplicada se revela excessiva, por não terem sido adequadamente valoradas as circunstâncias que lhe são favoráveis.
Dispõe o artigo 40º do Código Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - nº 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - nº 2.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a «forma plástica» de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz (cfr., Anabela Miranda Rodrigues, "O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade", in Problemas Fundamentais de Direito Penal, Colóquio Internacional de Direito Penal em Homenagem a Claus Roxin, págs. 179 e segs.).
A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limita da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo (cfr. idem, ibidem).
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não podem em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Nos tráficos de droga, quer pelo perigo para que produzem para eminentes bens jurídico-pessoais, quer pela danosidade social que lhes está associada, e que provoca uma forte atitude comunitária de rejeição, as exigências de prevenção geral são intensamente determinantes, para protecção dos valores que são afectados e para apaziguamento dos sentimentos dos cidadãos e reposição e reforço da confiança na integridade das normas e dos valores que protegem.
As finalidades utilitaristas da prevenção geral têm, por isso, de ser avaliadas e determinadas no plano da gravidade concreta do facto ilícito, e conjugadas com as finalidades de prevenção especial, mediadas, ou limitadas, pela consideração da culpa do agente.
Os factos provados revelam que a actuação da recorrente ainda se integra num contexto de tráfico de base, em escala referenciável às actividades de mais baixo perfil dos diversos tráficos e das suas gradações; não sendo, pelas condicionantes físicas, "tráfico de rua", não se desliga valorativamente deste, no plano da ilicitude, vistas as condições e o nível e a intensidade das circunstâncias envolventes.
Perante tais factos, a ilicitude pode ser considerada nos patamares inferiores da escala de gravidade do artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, e na ponderação deste limite deve ser fixada a medida de prevenção.
A recorrente revela um grau de culpa acentuado.
Em outra necessária perspectiva, as necessidades de prevenção especial são intensas, uma vez que sofreu já condenação anterior por factos da mesma natureza, que não constituiu suficiente motivo para prevenir a prática do crime.
Na complexidade de todos estes elementos e na valoração dos factos e da personalidade da recorrente, considera-se adequada a pena de cinco anos de prisão.
9. Nestes termos, concede-se parcial provimento ao recurso, no que respeita à medida da pena, condenando-se a recorrente pela prática do crime p.e p. no artigo 21º, º 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos de prisão.
Taxa de justiça: 3 UCs.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2004
Henriques Gaspar (relator)
Antunes Grancho
Silva Flor