I. só uma ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.
II. Não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça censurar o não uso pela Relação da faculdade de alterar/modificar as respostas dadas aos quesitos pelo Tribunal Colectivo, podendo apenas sindicar o bom ou mau uso (formal) dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que à Relação são conferidos nas restritas hipóteses contempladas nas três alíneas do nº 1 do artº 712º do CPC.
III. As alterações introduzidas pelo DL 39/95 de 15/2 (possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida) visaram não uma reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, a desencadear, de modo irrestrito e a título oficioso, apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
IV. Na apreciação da prova, o n° 3 do artº 659º do CPC apenas comete ao juiz o dever fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, o que sucede apenas quanto às que têm valor probatório fixado na lei (documentos exornados de força probatória plena, factos admitidos por acordo ou confissão das partes) para considerar determinados factos como provados.
V. Não há que confundir o dever de indicação da motivação da matéria de facto, a que se reporta o nº 2 do artº 653º do CPC, com o dever de fundamentação da sentença nos termos e para os efeitos da causa de nulidade contemplada na al. b) do nº 1 do artº 668º do mesmo diploma.
VI. Há que entender o preceito do nº 2 do artº 653º do CPC como meramente indicador, que não obriga o tribunal a descrever de modo minucioso o processo de raciocínio ou o iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e decidir como decidiu.
17ª- Nos termos do ponto 1, alíneas a) e b) do art. 690-A do Código de Processo Civil, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os concretos meios probatórios que impunham uma decisão sobre os factos impugnados, diversa da recorrida.
18ª- A recorrente não cumpre nenhum dos dois requisitos de observância cumulativa prescritos nas referidas alíneas a) e b) do normativo citado;
19ª- Neste consecutivo e por imperativo lógico, ao não ter invocado os factos concretos que entendeu por mal julgados, também não pode dar satisfação à obrigação legal de especificar quais os concretos meios probatórios que implicavam a alteração da decisão para uma diversa da recorrida.
20ª- São exemplos expressivos os considerandos realizados sobre os depoimentos de F, G, H e I, em que a recorrente em nenhum lugar indica como é que deveria ser interpretada a matéria de fado resultante daqueles depoimentos por forma a que se apurasse uma decisão diversa da recorrida.
Tendo em atenção o exposto não poderá proceder o alegado pela recorrente sobre a não apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.
8. Colhidos os vistos legais e nada obstando, cumpre decidir.
9. Em matéria de facto relevante, remete-se para o elenco que dos mesmos operaram as instâncias ao abrigo do disposto no artº 713º, nº 6, aplicável "ex-vi" do artº 726º, ambos do CPC.
Direito aplicável.
10. Âmbito da revista
A Relação circunscreveu já em sede de apelação os "thema decidenda" que no fundo a recorrente reedita agora em sede de recurso de revista.
Assim, começa a recorrente por insistir em que a sentença de 1ª instância deveria ser declarada nula "nos termos das al. b), c) ou d" ( sic) - do n° 1 do art. 668° do CPC ou, se assim se não entender, que na sequência da apreciação da matéria de facto fosse a mesma revogada e substituída por outra que, de harmonia com a prova produzida, aceitasse a posição por ela defendida.
Vem controvertido saber se:
1ª - a sentença não fez, contra o que devia, o exame crítico de provas a que se refere o art. 659°, n° 3 do CPC;
2ª - a sentença é nula por falta de fundamentação de facto e de direito;
3ª- a entender-se que a sentença remete para a fundamentação das respostas à base instrutória, as mesmas estão ou não devidamente fundamentadas;
4ª- A de saber se a matéria de facto apurada na 1ª instância deveria ser alterada pela Relação.
11. Alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação - hipotético erro de julgamento por banda da Relação ao anão coonestar esse vício - artº 668º nº 1, al. b) do CPC.
São a doutrina e a jurisprudência concordantes no sentido de que só uma ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais - conf., por todos o Prof. Alberto dos Reis, in " Código de Processo Civil Anotado, vol V, págs 139-140.
A deficiente fundamentação ou motivação pode afectar o valor doutrinal intrínseco da sentença ou acórdão, mas não pode nem deve ser arvorada em causa de nulidade dos mesmos.
Ora, basta a simples compulsação do teor da sentença para logo se alcançar o itinerário cognoscitivo e valorativo, quer quanto à fixação dos factos quer quanto à aplicação do direito, (silogismo judiciário) seguido pelo Exmo julgador na emissão dos seus juízos jurídico-substantivos e jurídico processuais.
E isso é manifesto para qualquer leitor ou destinatário médio que é o suposto ser querido pela ordem jurídica.
Assim se encontram plenamente observados os deveres de transparência, serenidade, auto-controlo e reflexão decisórias que devem subjacer a qualquer decisão judicial, deveres esses pressupostos nos artºs 205º da Constituição da República e 158º,nº 1, 659º,, 668º, nº 1 al. b) e 660º, nº 3 do CPC.
A recorrente pode discordar - como realmente discorda - da decisão condenatória a final emitida, mas o que não pode é invocar quanto à mesma a violação do dever da respectiva fundamentação suficiente e congruente, que a mesma claramente externa e evidencia.
Bem andou, pois, a Relação ao considerar improcedente o suscitado vício da decisão.
12. Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto:
No fundo, o que a recorrente pretenderia - é o que as conclusões da respectiva alegação sugerem - era um triplo julgamento da matéria de facto a operar não só pelas instâncias, mas também pelo próprio Supremo tribunal de Justiça.
Mas o Supremo, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - artºs 26º da LOFTJ 99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 729º nº 1 do CPC; daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só possa ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.ºs 721, nº 2 e 722º, nºs 1 e 2, do CPC); excepções esta últimas que claramente não ocorrem no caso «sub-judice».
Não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça censurar o não uso pela Relação da faculdade de alterar/modificar as respostas dadas aos quesitos pelo Tribunal Colectivo.
O que o Supremo poderia sindicar, isso sim, era o bom ou mau uso (formal) dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que à Relação são conferidos nas restritas hipóteses contempladas nas três alíneas do nº 1 do artº 712º do CPC; como a Relação não exercitou tal faculdade, a factualidade dada por si como assente - assim confirmando a já elencada como provada pelo tribunal de 1ª instância - terá de permanecer agora como incontroversa.
Diga-se ainda que ao editar o DL 39/95 de 15/2, ao estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida não pretendeu, todavia, o legislador assegurar uma reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, a desencadear, de modo irrestrito e a título oficioso, mas "visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso".
Cabe ao impugnante apontar as concretas contradições em que se baseiem os depoimentos para que a Relação os possa sindicar de modo conveniente.
Ora, que nos mostram os autos ?
A recorrente invocou pretensas contradições entre os excertos dos depoimentos que transcreveu, mas acabou por não indicar um único facto concreto que se apresentasse como contrário a outro facto preciso dado como provado, não referindo ainda o sentido em que os factos que impugnou deveriam ser interpretados e valorados, circunscrevendo-se a enunciá-los de forma vaga, tal como a Relação considerou.
Ónus que sobre si impendia, tal como postula o inciso nº 1, alíneas a) e b) do art. 690-A do Código de Processo Civil, nos termos do qual deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os concretos meios probatórios que impunham uma decisão sobre os factos impugnados, diversa da recorrida.
E a Relação, passando a exemplificar, indica como expressivos os considerandos realizados sobre os depoimentos de F, G, H e I, em que a recorrente em nenhum lugar indica como é que deveria ser interpretada a matéria de facto resultante daqueles depoimentos por forma a que se apurasse uma decisão diversa da recorrida.
Nada, por isso, a censurar à conduta da Relação quanto a este específico ponto.
13. Exame crítico das provas pela sentença imposto pelo artº 659°, n°s 2 e 3, do CPC
No que respeita à fase de elaboração da sentença, e no que tange à apreciação da prova, esse mencionado n° 3 estatui expressa e claramente que ao juiz compete apenas fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, o que sucede apenas quanto às que têm valor probatório fixado na lei.
Estas últimas serão sempre da exclusiva apreciação do juiz que elabora a sentença, visto que, ainda que tenha havido pronúncia a seu respeito no momento das respostas à base instrutória, tais respostas serão tidas como não escritas, por força do artº 646°, n°4.
E sobre as que não possuem esse valor probatório - salienta a Relação e bem -, que " o juiz nada tem de dizer ou fazer, antes se lhe impondo aceitar os factos que, com base nelas, tenham sido considerados como provados na decisão onde se respondeu à matéria de facto controvertida levada à base instrutória. Não faria, aliás, qualquer sentido que, impondo-se-lhe o acatamento da decisão anteriormente adoptada sobre aquela matéria, lhe coubesse ainda proceder a qualquer análise crítica da prova que a sustentou - exame crítico este que, logicamente, só pode ter lugar antes da conclusão extraída das respectivas provas.
Não lhe cumpria, assim, conhecer de tais provas, cuja análise crítica tem lugar no acórdão do Colectivo ou no despacho que decidam a matéria de facto, por força do disposto no artº 653°, n° 2" (sic).
Mas o certo é que - no caso "sub-specie" - na sentença o Mmo juiz não se serviu de quaisquer documentos exornados de força probatória plena, nem de factos admitidos por acordo ou confissão das partes para considerar determinados factos como provados, pelo que não lhe cabia proceder a exame crítico de quaisquer provas.
E não há que confundir - como faz recorrente, ainda que não de forma declarada - o dever de indicação da motivação da matéria de facto, a que se reporta o nº 2 do artº 653º do CPC, com o dever de fundamentação da sentença nos termos e para os efeitos da causa de nulidade contemplada na al. b) do nº 1 do artº 668º do mesmo diploma; aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável - conf. quanto a este ponto, os Acs deste STJ de 5-7-01, in Proc 1831/01 e de 21-11-01, in Proc 3293/01, ambos da 2ª Sec.
14. Da fundamentação das respostas à base instrutória:
Torna-se necessário "ex-vi" do disposto no artº 653°, n° 2, do CPC que as respostas do Colectivo têm de ser fundamentadas com a indicação dos elementos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Há, todavia, que entender aquele preceito como meramente indicador, que não obriga o tribunal a descrever de modo minucioso o processo de raciocínio ou o iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e decidir como decidiu, o que foi notoriamente feito no aresto pelas decisões impugnadas
Contudo, conforme destaca a Relação, o seu o controlo sobre um tal dever fundamentação é muito limitado, sendo que um eventual deficiente cumprimento desse dever nunca conduzirá à anulação dessas respostas.
E isto, porque nos termos do n° 5 do artº 712° do CPC, a insuficiência de fundamentação, se respeitar a facto não essencial para o julgamento, não surte qualquer consequência anulatória; se ocorrer relativamente a algum facto essencial, apenas poderá dar lugar a que os autos regressem ao Tribunal de 1ª instância para que aí se proceda à devida fundamentação, o que sempre se mostra dependente de requerimento da parte.
Iniciativa processual essa que a ora recorrente nunca chegou a empreender.
15. Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente.
16. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão revidendo.
Custas da revista pela recorrente, mantendo-se o critério de repartição tributária perfilhado pela Relação quanto às custas na instâncias.
Lisboa, 16 de de Dezembro de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares