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SENTENÇA
JUROS DE MORA
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
Na interpretação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº4/2002, de 9/5 tem vindo a ser entendido no Supremo que: --embora não seja exigível, para se concluir ter havido a actualização indemnizatória nos termos do artigo 566, nº2 do Código Civil, que disso se faça expressa menção na decisão, deve, no entanto, transparecer do seu teor que a actualização teve lugar, designadamente com a referência aos respectivos critérios utilizados (taxa de inflação, correcção monetária, decurso do tempo desde a propositura da acção); --se a actualização não transparecer do teor da decisão, os juros moratórios deverão ser contabilizados desde a citação sem que se distinga, para tal efeito, entre danos não patrimoniais e as demais diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, de cálculo actualizado nos termos do nº2 do artigo 566 do CC.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na presente acção, a ré Sociedade A foi condenada, na 1ª Instância, a pagar às autoras B e C os totais indemnizatórios de, respectivamente, 132.484,22 euros e 16.301,37 euros, acrescidos do que se vier a liquidar em execução de sentença por lucros cessantes e pela perda do ano lectivo por parte da C, sendo certo que os dois totais liquidados correspondem - e seguindo a mesma ordem -- à soma das seguintes parcelas:
--59.855,75 para os salários de um auxiliar exclusivo+12.918,86 desses salários já liquidados+9.530,54 euros de despesas várias+49.879,79 euros pelos danos não patrimoniais;
--1.337,43 euros de despesas várias+14.963,94 euros pelos danos não patrimoniais.
Esta sentença omitiu, por completo, a condenação em juros, desde a citação, que ambas as autoras tinham peticionado.
Pelo acórdão ora sob recurso, a Relação do Porto alterou a sentença no sentido de - em substituição das liquidações em execução de sentença e pelas IPPS que sofreram -- fazer acrescer as quantias de 25.000 euros a favor da B e de 10.000 euros a favor da C e, sanando a omissão de pronúncia, fez ainda acrescer à soma total, os juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
O recurso que temos para apreciar, interposto pela ré seguradora, é restrito a esta condenação dos juros, concluindo a recorrente a sua alegação nos seguintes termos:
1. O tribunal a quo, ao decidir a apelação, começou por abordar a questão dos juros de mora legais peticionados por ambas as autoras e aos quais a sentença comarcã ficou silente, por omissão de pronúncia;
2. E decidiu que todas as verbas indemnizatórias ali concedidas venceriam juros moratórios, às taxas legais que forem devidas, desde a data da citação até integral cumprimento;
3. Não só essas verbas, todas elas conferidas na 1ª instância, como também as (novas) verbas indemnizatórias concedidas pelo tribunal de recurso, à luz da equidade (v.g. art.566º/s CCiv), em substituição das condenações no que viesse a liquidar-se em execução de sentença em relação a cada uma das autoras, como se decidira na comarca;
4. Esta pronúncia contida na decisão recorrida é ilegal, à luz do teor do Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº4/02 e do disposto nos artigos 566, nº2 e 805, nº3 (interpretado restritivamente) e 806, nº1 Cciv;
5. Com efeito, segundo esse teor jurisprudencial uniformizador, não é necessário que a decisão actualizadora nele referida contenha expressa menção conforme a tal desiderato, declarando expressamente que os valores conferidos estão actualizados, pois é evidente que o teriam de estar, e nem de outro modo poderia ser, segundo o disposto no citado artigo 566, nº2 do Cciv;
6. É que a prolação condenatória é dada à época respectiva e faz os cálculos indemnizatórios que lhe cumpre efectuar segundo o valor da moeda corrente à mesma época, ademais segundo padrões de equidade, que terão de ser vistos sempre à mesma época, naturalmente, sob pena de absoluta perda de referência;
7. No caso dos autos, só as verbas indemnizatórias conferidas às autoras B e C a título de despesas e/ou gastos tidos até à data da prolação, ou da introdução da acção em juízo, devem ser acrescidas dos juros moratórios legais vencidos desde a data da citação, ao abrigo do disposto nos artigos 562 ss. Cciv;
8. As verbas conferidas a título de danos morais e , ainda, de danos patrimoniais futuros, seja as fixadas na 1ª instância, umas - e mantidas no aresto recorrido --, ou pelo tribunal a quo, outras, como é o caso das verbas calculadas em 10.000cts. e 3.000cts. (dano moral), 12.000 cts. (dano patrimonial futuro em vencimentos duma 3ª pessoa), 5.000 cts. e 2.000 cts. (morais/patrimoniais por IPP), só devem vencer juros moratórios desde a(s) prolação ou prolações respectiva(s);
9. Decidindo doutro modo, o tribunal a quo, mediante a decisão recorrida, violou o disposto nas normas supra citadas, por erro de interpretação e/ou aplicação, desaplicando aliás o AUJ citado.
As recorridas contra-alegaram, defendendo a negação de provimento ao recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Como se disse e se vê do teor das conclusões acabadas de transcrever, o objecto do recurso circunscreve-se a uma pura questão de direito e que é a de saber se o acórdão recorrido, ao decidir que todas as verbas indemnizatórias vencem juros moratórios, à taxa legal, desde a citação, viola a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) nº4/2002, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 9/5/2002, publicado no DR I-A Série, nº146, de 27/6/2002 e com o seguinte teor:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº2 do artigo 566º do Cód. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805, nº3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº1, também do Cód. Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.».
Foi, assim, perfilhada a orientação no sentido da inadmissibilidade da acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação.
Entendeu-se que, quando, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no artigo 566, nº2 do Código Civil, o juiz fixar uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1ª instância, não pode mandar acrescer a tal montante juros de mora desde a citação, por força do disposto na 2ª parte do nº3 do artigo 805, referido ao nº1 do artigo 806, ambos do mesmo Código.
Na interpretação deste acórdão uniformizador tem vindo a ser entendido no Supremo que:
--embora não seja exigível, para se concluir ter havido a actualização em causa, que se faça menção expressa nesse sentido, é, no entanto, necessário que transpareça do teor da decisão que a indemnização foi actualizada, designadamente e, por exemplo, com a alusão aos fenómenos da taxa da inflação ou da desvalorização ou correcção monetárias, ou ao tempo transcorrido desde a propositura da acção;
--se a actualização não transparecer do teor da decisão, os juros moratórios deverão ser contabilizados desde a citação, sem que se distinga, para tal efeito, entre danos não patrimoniais e as demais diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, de cálculo actualizado constante do nº2 do artigo 566 do Código Civil.
(cfr. sumários dos acórdãos de 31/3/2004 e de 6/5/2004 proferidos, respectivamente, nas revistas nºs683/04 e 1217/04, da 2ª secção e publicados nos Sumários de Acórdãos deste Tribunal, nºs79, página 59 e 81, página 14, também respectivamente).
Ora, sobre a condenação da recorrente em juros desde a citação (condenação pedida pelas recorridas na petição, mas omitida pela sentença), lê-se no acórdão recorrido o seguinte:
«Diz-nos o artº805º CC, ao tratar do momento da mora, que quando o crédito for ilíquido e se tratar de responsabilidade por facto ilícito (só esta nos interessa) existe mora desde a citação, não se pondo em causa que a indemnização por ela devida corresponde aos juros legais - artºs804º, 806º e 559º CC.
São, assim, devidos juros de mora na nossa acção.
Nem se diga que eles apenas serão devidos a partir da sentença por força de ter sido nesse momento feita uma actualização dos valores pedidos, nomeadamente quanto aos danos morais.
Na verdade, ao lermos a decisão recorrida não vemos que tenha sido feita uma qualquer actualização tudo indicando que os valores fixados o foram em relação aos indicados na petição e nesta, como dissemos, nada é mencionado em vista de uma actualização na decisão final.
Do exposto flui, sem necessidade de outras considerações a procedência desta questão relativa aos juros de mora, sendo a ré condenada a pagá-los, a cada uma das autoras, desde a citação até efectivo pagamento e à taxa (ou taxas) legalmente devidas.» (sublinhado nosso).
E mais adiante -- depois de ter fixado (em substituição das liquidações em execução de sentença) as verbas indemnizatórias a favor de cada um das autoras relativas às IPPs que lhes foram atribuídas - decide o mesmo acórdão que:
«Aos valores assim determinados acrescem juros de mora nos termos já decididos.».
É, portanto, a própria decisão que - expressamente - esclarece não ter havido lugar, em alguma das instâncias, a qualquer actualização das parcelas indemnizatórias fixadas a favor das autoras, ora recorridas, pois que os respectivos cálculos tiveram como referência os valores indicados na petição inicial.
Sendo assim e pela razões já cima expendidas, os juros de mora deverão ser contabilizados -- sobre todas as parcelas indemnizatórias, sem distinção entre as relativas aos danos não patrimoniais e as relativas às demais espécies de danos - desde a citação, conforme (bem) foi decidido.
DECISÃO
Pelo exposto nega-se a revista, com custas pela recorrente.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2005
Ferreira Girão
Luís Fonseca
Lucas Coelho